Revista de Educação Vol. 13, Nº. 16, Ano 2010 Adriana de Andrade Espíndola Faculdade Anhangeura de Valinhos [email protected] GESTÃO ASSOCIADA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS E A FLEXIBILIZAÇÃO DO PACTO FEDERATIVO RESUMO O presente artigo tem por tema o instituto da gestão associada para prestação dos serviços públicos sociais, previsto no artigo 241 da Constituição Federal de 1988 e regulado pela lei federal 11.10/05. O foco central é a discussão sobre a formação deste novo sistema associativo para a prestação dos serviços públicos, com recorte no setor da educação. Através de um estudo comparativo entre as constituições brasileiras é possível observar que o instituto remota no tempo, contudo, com Constituição de 1988 e, principalmente, com advento das reformas administrativas introduzidas e intensificadas a partir da década de 90, o instituto dos consórcios públicos e convênios de cooperação têm se ploriferado e demandado grande inovação no ordenamento jurídico brasileiro, além de fomentar, paradoxalmente, disputas e cooperação interfederativa. O cenário ainda aponta que outras diretrizes políticas pretendem, através da gestão associada e da flexibilização do pacto federativo, concentrar no governo federal o controle das políticas para educação, descentralizando para os entes subnacionais tão somente a responsabilidade pela execução da prestação dos serviços públicos educacionais. Palavras-Chave: gestão associada; consórcios públicos; pacto federativo; educação. ABSTRACT Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 4266 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE This article has management associated for the provision of public social services as theme, which is under article 241 of Brazilian federal constitution of 1988 and regulated by Brazilian federal law 11.10/2005. The central focus is the discussion of the formation of this new associated system to provide public services provision, emphasizing education area. Through a comparative study of Brazilians constitutions is possible verify that the institute is very old, however, after 1988 Brazilian constitution and, mainly, after the administrative reform, introduced and intensified after 90’s, the institute of public consortia and covenants of cooperation have spread what cause demand of innovation in Brazilian’s law, besides that it stimulates, paradoxically, disputes and cooperation inter federative. The scenario points to the other policy guidelines which intends, through the associated management and relaxation of the federative pact, concentrate in the federal government the control of education policies for education, decentralizing to the sub national entities solely the responsibility for providing public services in education. Keywords: associated management; consortia; federative pact; education. Informe Técnico Recebido em: 19/09/2011 Avaliado em: 07/10/2011 Publicação: 2 de março de 2012 215 216 Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo 1. INTRODUÇÃO Desde o advento do último pacto federativo, instituído na Constituição Federal de 1988, o Brasil vem redesenhando diferentes contornos interfederativos no campo gerencial. Em 2005 aperfeiçoou-se o sistema de cooperação administrativa associativo: a gestão associada de serviços públicos, através dos convênios de cooperação e dos consórcios administrativos1, já prevista, constitucionalmente, desde 1998. Estudos têm demonstrado que há uma evolução do instituto com vistas a tornar-se uma mudança de paradigma2 na gestão dos serviços sociais. Tem-se verificado que o formato de gestão da prestação dos serviços públicos, em especial, da educação, tem caminhado na direção das diretrizes de modelo neoliberal aplicado à Administração Pública desde as reformas iniciadas na década de 90. O instituto demandou e ainda desponta demandar grande inovação política, técnica e legislativa, podendo inclusive impulsionar uma “flexibilização” do atual modelo federativo do Estado brasileiro. Por certo que, a sedimentação destas novas formas de descentralização dos serviços públicos parece ser decisiva para definir o planejamento e o papel dos entes públicos e privados envolvidos no setor. 2. PACTO FEDERATIVO REPUBLICANO – MECANISMOS DE CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO Existe um processo histórico permeado de peculiaridades intrínsecas ao contexto político brasileiro que precede à discussão sobre as novas formas de gestão dos serviços públicos. Estas novas formas de gestão são resultado produzido pelas as sucessivas tendências e mudanças sofridas pela organização político-administrativa brasileira. No desenrolar deste novelo, observa-se que os modelos de Estado e suas formas de interação com a sociedade assumiram lógicas políticas, econômicas e ideológicas diversas, o que se denota por um breve estudo comparativo entre as constituições brasileiras. 1 A gestão associada de serviços públicos é o modelo gerencial associativo que a Administração Pública tem se utilizado para a consecução da prestação dos serviços públicos sociais. Os consórcios administrativos são parcerias formadas por dois ou mais entes federativos para a realização de objetivos de interesse comum. São instrumentos de gestão que permitem a cooperação horizontal (Município - Município) ou vertical (União, Estado e Município), entre as diferentes esferas de governo. A natureza jurídica dos consórcios é contratual (as partes envolvidas assumem obrigações recíprocas e constituem um ente com personalidade jurídica própria que atuará em nome das partes perante terceiros). Podem ter personalidade de direito público (possuem status de autarquia) ou de direito privado (associação). Os convênios de cooperação diferem dos consórcios quanto às pessoas que os firmam, são “acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes” (MEIRELLES, 1977, p.481), mas não possuem natureza jurídica contratual, portanto, podem ser denunciados a qualquer tempo, não havendo penalidade pela inadimplência. 2 Literalmente significa modelo, representação de um padrão a ser seguido. No meio científico foi definida pelo físico norteamericano, Thomas Kuhn, na obra “A estrutura das Revoluções Científicas”. Em linhas gerais, define paradigma como realizações científicas que geram modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas, exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Paradigma>. Revista de Educação Vol. 13, Nº. 16, Ano 2010 p. 215-233 Adriana de Andrade Espíndola 217 Na 1ª República, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1891, muda-se a forma do Estado brasileiro, oportunidade em que passa a aderir à forma federativa3 inspirada no modelo norte-americano, que transformou as antigas províncias brasileiras em estados-membros. Naquele momento, a política nacional rompeu com o modelo extremamente centralizador do Estado monárquico anterior, passando a adotar uma política eminentemente descentralizadora, em virtude da fragilidade fiscal e política da União, recém instituída. Como observa Silva (2001), o governo federal não era capaz de se sustentar sem se escorar nos poderes estaduais. A força do Estado vinha do poder das oligarquias estaduais e o vetor era no sentido da transferência do poder estadual para o poder central (União). Este modelo se deu ao longo das décadas seguintes. Na constituição de 1891, já se previa a gestão associada, precisamente pela figura dos consórcios públicos, ela era praticada entre os governos municipais e estaduais. Em sua gênese, os consórcios administrativos tinham a natureza jurídica de contratos que, se celebrados entre municípios, precisavam da aprovação do estado e, se celebrados entre estados, precisavam da aprovação da União. Este modelo político descentralizador se modificou após a Revolução de 1930. Quanto ao pacto federativo, a situação se manteve intacta na 2ª. Constituição Federal brasileira, a de 1934, que reiterou o princípio federalista no seu artigo 1º, declarando como entes federativos dos Estados Unidos do Brasil a União, os Estados-Membros e os Territórios, nos mesmos moldes da carta constitucional anterior, contudo, ampliou os poderes da União e discriminou com mais severidade as rendas tributárias entre a União, os Estados e os Municípios. Em decorrência do momento histórico, esta carta recebeu grande influência da Constituição Mexicana e da Constituição Alemã de Weimar, que incorporaram aos direitos e garantias fundamentais os direitos sociais (COMPARATO, 2007). Essas inovações foram efetivadas com o intuito de conciliar o modelo liberal de Estado (que comportava apenas os direitos civis), com um modelo mais intervencionista de Estado (previsão dos direitos sociais e a intervenção na economia) através da previsão constitucional de diversos direitos sociais e econômicos. Quanto ao regime jurídico dos consórcios públicos, não houve alteração neste período. A partir de 1937, no Governo Vargas aumentou significativamente o poder da União, que vigorou centralizado por todo o período do Estado Novo (1937-1945). No jogo 3 O Estado pode ser constituído de forma unitária ou federativa. Se federativa, dá-se o nome de Federação ou Estado Federal, neste caso o Estado é composto por diversas entidades territoriais autônomas dotadas de governo próprio, geralmente conhecidos como províncias ou estados-menbros. A regra geral é pelos estados federados que se unem para constituir a federação, um Estado federal. Revista de Educação Vol. 13, Nº. 16, Ano 2010 p. 215-233 Adriana de Andrade Espíndola 231 A proposta aqui defendida visa à superação dessa ideia reticente de federalismo. É necessário flexibilizar o federalismo. Essa é a orientação de fundo desta proposição de alteração constitucional. Porém, ao contrário do que possa parecer, não se trata de uma ruptura. A ideia subjacente, pelo contrário, é a de explicitar um sentido ainda oculto do regime federativo da educação brasileira. (BRASIL, 2009) E, com relação à terceira etapa, a que prevê reforma constitucional para uma nova repartição de competências e de interação entre os entes federados, esta induz ao pensamento de que o governo federal parece querer ir bem longe com a flexibilização federativa e com a centralização do poder gerencial das políticas educacionais, através da previsão constitucional dos órgãos transfederais de apoio e fomento à qualidade da educação. Além das reformas constitucionais o documento de estratégias também prevê uma proposta de revisão do Decreto 6.094/2007 e outra proposta de projeto de Lei Complementar sobre regime de colaboração na educação, incluindo previsão de ação de responsabilidade educacional para o gestor. Todas essas propostas merecem maiores esclarecimento. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A cooperação federativa defendida pelo governo federal, com vistas à modificação do exercício da competência comum em matéria de educação, pode não ser apenas o início de um novo modelo de gestão dos serviços públicos educacionais, mas uma verdadeira mudança de paradigma no campo da gestão dos serviços públicos sociais. Evidente que este não é um modelo idealizado pela elite do governo federal brasileiro. Essas reformas institucionais estão ocorrendo em diversos países no mundo, todas visando atender as transformações que ocorrem no cenário mundial globalizante. Não é sem razão que a estratégia de flexibilização do pacto federativo se inicie pela educação. Além de a educação estar diretamente relacionada às questões de desenvolvimento de Estado, é um segmento de alto custo para o setor público à prestação dos serviços educacionais, o que leva a maioria dos municípios e alguns Estados da Federação a buscar apoio junto ao governo federal e, neste contexto, ceder uma parcela de sua autonomia (enquanto ente federativo) na definição das políticas públicas para a Educação. Entretanto, nada garante que a flexibilização do pacto federativo, aumentando o poder político da União na definição das políticas públicas para a educação nacional, modifique a situação de se concentrar no governo federal o controle das políticas para educação, descentralizando para os entes subnacionais, tão somente, a responsabilidade pela execução da prestação dos serviços públicos educacionais. Revista de Educação Vol. 13, Nº. 16, Ano 2010 p. 215-233 232 Gestão associada dos serviços públicos e a flexibilização do pacto federativo REFERÊNCIAS AMARO, Luciano da Silva. 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