Formando Professores de Matemática para uma Educação Matemática
Inclusiva: (re) significando concepções sobre ensino e aprendizagem de
geometria de alunos com deficiência
Leiliane Coutinho da Silva Ramos1
GD13 – Educação Matemática e Inclusão
Resumo do trabalho. A inclusão de alunos com deficiências tem recebido, nos últimos anos, atenção especial
de políticas públicas que visam incluir aprendizes com necessidades especiais nas escolas regulares. O fato é
que diante desta demanda ainda são escassas as pesquisas que se dedicam às ações destinadas à formação do
professor que atuará nessa escola. Sendo assim, este artigo apresenta o projeto de pesquisa que tem como
objetivo investigar: se a participação na avaliação e discussão de cenários de aprendizagem nos quais
aprendizes com deficiência interagem com a matemática escolar contribui para uma (re)significação das
crenças pedagógicas e epistemológicas; e se a resolução de problemas de geometria, tendo um dos seus canais
sensoriais ou de comunicação temporariamente interrompido, ressalta o papel de diferentes formas de
medicação na aprendizagem. Como referencial teórico para esta investigação usamos teoria sócio-cultural de
Vygotsky no que se refere à aprendizagem e desenvolvimento cognitivo de alunos com deficiência e as ideias
de Healy e Fernandes em relação à Educação Matemática Inclusiva. Propomos o desenvolvimento da disciplina
Educação Matemática – Geometria na perspectiva inclusiva através de reflexões e discussões de cenários de
aprendizagem.
Palavras-chave: Educação Matemática Inclusiva; Formação de Professores; Ensino e Aprendizagem de
Geometria; Mediação.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos a inclusão de alunos com deficiência tem sido alvo tanto das
políticas públicas que garantam esta inclusão como de pesquisas que abordam este tema
oferecendo ao professor abordagens diferenciadas.
Além disso, o Censo Escolar da Educação Básica 2014 (BRASIL, 2015), publicado
pelo MEC em fevereiro deste ano, indica um crescimento, em relação ao ano de 2008, nas
matrículas de alunos incluídos nas escolas regulares das redes pública e privada, totalizando
mais de 698 mil matrículas.
Em contraponto a estes fatos, temos também algumas pesquisas que mostram o
quanto se precisa avançar no campo da Educação Inclusiva, em especial, no campo da
Educação Matemática Inclusiva (PASSOS, PASSOS e ARRUDA, 2013), e outras revelam
Universidade Anhanguera de São Paulo – UNIAN, e-mail: [email protected], orientador: Prof.ª
Dra. Lulu Healy
1
que os professores acreditam ser importante o investimento da formação inicial para uma
efetiva implantação de uma educação mais inclusiva (CAPELLINI e RODRIGUES, 2009).
Diante destas constatações, propomos uma investigação sobre como avaliar cenários
de aprendizagem em geometria em que aprendizes com deficiência interagem com a
matemática escolar e como buscar novos caminhos para resolução de problemas geométricos
tendo um dos sentidos temporariamente interrompidos pode contribuir para possamos
refletir sobre os desafios do ensino de matemática, em especial da geometria, em salas de
aula inclusivas.
JUSTIFICATIVA
O movimento pela inclusão presente em nosso cotidiano, seja pela mídia, por
organizações sociais ou por políticas públicas, tem consolidado um novo
paradigma educacional no Brasil – a construção de uma escola aberta e acolhedora
das diferenças. Este paradigma tem levado a busca de uma necessária
transformação da escola e das alternativas pedagógicas com o objetivo de
promover uma educação para todos nas escolas regulares (FERNANDES;
HEALY, 2007, p.1 apud SALES, E. R., 2013).
De acordo com a citação acima, houve avanço nas políticas públicas para a
implantação de uma Educação para Todos. Dentre elas, destacamos aqui aquelas que se
referem à formação do professor: a Lei n° 9394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), dispõe sobre a inclusão escolar de alunos com necessidades
educativas diferenciadas e sobre a formação dos professores que atuam junto a estes alunos
(BRASIL, 1996). Temos também o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n°10.172/2001,
que estabelece objetivos e metas para que os sistemas de ensino favoreçam o atendimento às
necessidades educacionais especiais dos alunos e aponta, dentre outros, um déficit referente
à formação docente (BRASIL, 2001). Além disso, na perspectiva da educação inclusiva, a
Resolução CNE/CP n°1/2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, define que as instituições de ensino superior
devem prever, em sua organização curricular, formação docente voltada para a atenção à
diversidade e que contemple conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com
necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2002). E por último, destacamos o Programa
Educação Inclusiva: direito à diversidade, implementado pelo Ministério da Educação
(MEC) entre 2003 e 2007, cujo objetivo foi apoiar a formação de gestores e educadores, para
que as redes atendessem com qualidade e incluíssem nas classes comuns do ensino regular
os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação (BRASIL, 2005). No entanto, o que podemos perceber na prática é que ter uma
legislação não garante que a inclusão aconteça na sala de aula.
Além disso, quando refletimos, especificamente sobre a formação do professor de
matemática na perspectiva da educação inclusiva, percebemos que ainda temos muito a
avançar. Isto pode ser constatado numa declaração feita por um professor de matemática em
sua Dissertação de Mestrado:
Uma questão que me preocupa bastante é que em meu curso de licenciatura em
nenhum momento tivemos discussões ou matérias que nos permitissem estudar
sobre os alunos com necessidades educacionais especiais (NEE). Em algumas
escolas que atuei o relato dos professores era sempre de que não estavam
preparados para trabalhar com esses alunos. Nas rodas de conversa era bastante
comum ouvir os professores reclamarem da lei que trata da inclusão, diziam que
só funcionava no papel, pois colocar esses alunos em sala de aulas regulares não
era inclusão uma vez que os professores não tinham preparo para enfrentar tal
situação e não sabiam como lidar com isso (CONCEIÇÃO, K. E., 2012)
Baseados nesta citação, fomos instigados a pesquisar sobre como se encontram ou
que dizem as pesquisas referentes à formação do professor de matemática sob a ótica da
inclusão, especificamente na área da geometria. Para isto realizamos uma revisão de
literatura recorremos, tomando como referência os artigos publicados artigos publicados,
revisados por pares, na base ERIC (Education Resources Information Center) nos últimos
10 anos (CASTRO, PINTO e RAMOS, 2015). Nesta revisão, usamos combinações das
expressões: mathematics, “teacher education”, disability e inclusion (Matemática,
formação de professores, deficiência e inclusão), encontrando 597 artigos. Dentre estes,
selecionamos aqueles que remetiam à matemática (1° grupo); aqueles que remetiam às
expressões relacionadas ao professor (2° grupo); e aqueles que remetiam às expressões que
caracterizavam inclusão/deficiência, restando 100 artigos. Em seguida, focamos nossa
atenção aos artigos relacionados à formação de professores, obtendo apenas 39 artigos.
Destes 39 artigos, três tratam da formação de professor na área da Educação Especial; um se
refere à formação de professores da Educação Infantil; dois abordam a formação continuada
e quatro artigos são específicos da formação inicial de professores de matemática. No
entanto, nenhum destes quatro artigos tem como objeto de estudo o ensino e aprendizagem
de geometria, que é o foco da nossa pesquisa.
Sendo assim, surge as seguintes questões para serem pesquisadas: Como a
participação na avaliação e discussão de cenários de aprendizagem de geometria nos quais
aprendizes com deficiência interagem com a matemática escolar pode contribuir para uma
(re) significação das crenças pedagógicas e epistemológicas de matemática? Como a
resolução de problemas de geometria, tendo um dos seus canais sensoriais ou de
comunicação temporariamente interrompido, pode ressaltar o papel de diferentes formas de
mediação na aprendizagem? Esta problemática será pesquisada através de uma intervenção
durante o curso da disciplina Educação Matemática – Geometria, existente na grade
curricular do curso de Licenciatura em Matemática da UFF – Campus INFES.
REFERENCIAL TEÓRICO
Pensar a formação docente na perspectiva inclusiva requer tomar como referencial
algum teórico que trata do ensino e aprendizagem de pessoas com necessidades especiais.
Para este aspecto da pesquisa, escolhemos Vygotsky, pois acreditamos que, mesmo que os
sujeitos não tenham alguma necessidade especial, como futuros professores, eles vão se
deparar com alunos de inclusão e este autor nos leva a refletir sobre a educação destes alunos,
já que em seus primeiros trabalhos publicados dava “importância à educação social das
crianças deficientes e ao potencial destas para um desenvolvimento normal” (FERNANDES
e HEALY, 2008, p.94).
Para Vygotsky é possível superar a deficiência através de caminhos possibilitados
pela interação social. Na verdade, as pesquisas desenvolvidas por Vygotsky não envolviam
apenas pessoas com deficiência, mas todos os conceitos de sua teoria aplicam-se a estes
sujeitos. Segundo a visão deste autor, os indivíduos com necessidades especiais têm um
potencial de desenvolvimento cognitivo normal, alcançado pelas interações e intervenções
do professor por meio de estímulos e instrumentos. Sendo assim, um conceito fundamental
desta teoria sócio-cultural é a mediação.
O conceito de mediação, em termos gerais, é a utilização de um elemento
intermediário numa relação; “a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por
esse elemento” (OLIVEIRA, 1997, p.26). Para Vygotsky, o desenvolvimento do indivíduo
se dá através das suas interações sociais com o meio, ou seja, através das ações do sujeito
sobre o objeto que acontecem de forma mediada. Isto é válido para qualquer indivíduo e
muito mais em relação a educação de crianças com deficiência (especificamente, crianças
com cegueira ou surdez), pois para este teórico, essa educação era possível mediante a
substituição da via tradicional de formação dos conceitos, portanto, através de um sistema
de mediadores. Logo, o foco deixa de ser o “defeito” ou a “deficiência” do aluno e passa a
ser os instrumentos mediadores que o levem à aquisição do conceito, pois concordamos com
Vygotsky quando diz que:
“O defeito exerce uma dupla influência no desenvolvimento da criança com
deficiência: 1) ele é uma deficiência e atua diretamente como tal, produzindo
falhas, obstáculos, dificuldades na adaptação da criança; 2) ele serve de estímulo
ao desenvolvimento de caminhos alternativos de adaptação, indiretos, os quais
substituem ou superpõem funções que buscam compensar a deficiência e conduzir
todo o sistema de equilíbrio rompido a uma nova ordem”. (VIGOTSKI, L. S.,
2011)
A depender da necessidade do aluno, o professor deve buscar sistema de mediadores
adequados que auxiliem este aluno no acesso ao conhecimento, potencializando suas
habilidades e não a sua deficiência. Isto é, o professor deve tratar a necessidade do aluno
como diferença e não como deficiência. Portanto, um dos objetivos desta pesquisa será
conduzir os licenciandos a investigar meios de criar um espaço simbólico de interação e
comunicação (zona de desenvolvimento proximal – ZDP) dentro do qual os alunos de
inclusão possam internalizar conceitos matemáticos. Vamos utilizar o conceito de ZDP na
perspectiva de Meira e Lerman (2001)
um espaço simbólico de interação e comunicação, ou seja, a utilizamos como uma
ferramenta a fim de elevar o nível potencial do sujeito, que pode emergir dos
diálogos (e cuja manutenção também depende desses) e permitem ao sujeito
estabelecer relações e formular concepções sobre conceitos matemáticos ou outros
conceitos científicos, os quais ele, possivelmente, não poderia formular sozinho
(fora de uma situação instrucional). (MEIRA E LERMAN, 2001 apud
FERNANDES, 2004, p. 51)
Para levar os licenciandos a compreenderem a importância da ZDP na aprendizagem
de alunos com necessidades especiais, conforme Meira e Lerman, vamos proporcionar
situações ou cenários de aprendizagem onde poderemos estabelecer diálogos entre
pesquisadora e sujeitos e/ou utilização de ferramentas materiais, fazendo emergir
concepções sobre ensino e aprendizagem de geometria. Acreditamos que ao desafiar os
futuros professores a resolverem problemas de geometria tendo um dos seus canais
sensoriais e de comunicação temporariamente interrompidos, o conceito de “pessoa
deficiente” desapareça e seja ressaltada a potencialidade das competências e habilidades dos
alunos de inclusão.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para comprovar as hipóteses levantadas anteriormente, pretendemos desenvolver
quatro atividades que farão parte do curso da disciplina Educação Matemática – Geometria,
existente na grade curricular do curso de Licenciatura em Matemática do INFES/UFF, dentro
da perspectiva inclusiva.
Na atividade 1 será elaborado um cenário de aprendizagem onde um aprendiz com
deficiência interage com a matemática escolar, em particular, com algum conceito
geométrico e os futuros professores, juntamente com a pesquisadora, serão levados a
avaliarem e discutirem este cenário, mobilizando ou fazendo emergir suas concepções sobre
ensino de geometria, seja para alunos com deficiência ou não. O objetivo é levantar as
possíveis dificuldades que os licenciandos enfrentariam neste cenário e as possíveis
estratégias seriam propostas para superar estas dificuldades no processo educacional
inclusivo. Para se alcançar esse objetivo a atividade será dividida em dois momentos: no
primeiro, o aluno deverá responder às questões de avaliação do cenário de maneira
individual e, em seguida, o mesmo cenário será discutido em grupo.
Na atividade 2 os licenciandos, em grupo de três componentes, executarão uma
atividade de Geometria no nível do Ensino Fundamental. Mas a proposta é que dentre os três
componentes, um terá seu campo visual temporariamente interrompido (aluno A), outro
poderá ver, mas não poderá falar (aluno B) e o terceiro será o observador (aluno C), filmando
ou descrevendo a atuação dos outros. A atividade 3 é semelhante a atividade 2, mas a
atividade de Geometria será no nível do Ensino Médio e na atividade 4 os licenciandos serão
divididos em grupos de até quatro componentes. Cada grupo deverá elaborar ou criar uma
atividade de ensino de Geometria para uma turma fictícia de alunos com restrições,
estabelecida pela pesquisadora, destacando aspectos importantes sobre inclusão. Nosso
objetivo com estas atividades é levantar as concepções sobre aprendizagem de geometria
dos alunos com deficiência e as diferentes formas de mediação encontradas pelos futuros
professores para resolverem um problema de geometria, quando um dos sentidos está
temporariamente interrompido.
Todas as atividades devem ser gravadas em áudio e/ou vídeo para posterior
transcrição e análise das dificuldades enfrentadas, estratégias sugeridas e concepções
emergentes sobre o ensino e aprendizagem de geometria.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estamos na fase de elaboração do curso da disciplina Educação Matemática Geometria, incluindo as atividades que servirão para coleta dos dados e buscando a
metodologia que seja mais adequada para análise dos dados, visando alcançar nossos
objetivos.
No entanto, a relevância deste trabalho se deve ao fato de ser uma resposta aos
anseios dos professores em serviço sobre sua formação quanto à inclusão de alunos com
necessidades especiais. Não temos a pretensão de afirmar que os participantes do curso se
passarão a se sentir preparados para atuarem numa sala de aula inclusiva, ou se algum dia
poderemos afirmar estar preparados. Mas acreditamos que os cursos de licenciatura precisam
reformular seu currículo de modo a levar os futuros professores a pensarem no ensino e
aprendizagem da matemática considerando a diversidade dos alunos e os desafios que
surgem na sala de aula.
É claro que os reflexos desta pesquisa não serão notados imediatamente na sociedade,
mas é um ponto de partida para que tenhamos uma formação do professor de matemática
numa perspectiva inclusiva, de modo que os futuros professores possam tornar suas salas de
aula um ambiente mais inclusivo, onde todos os alunos, com ou sem necessidades especiais,
tenham acesso ao conhecimento matemático.
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