Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Manual de Orientação Trato Genital Inferior 2010 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Manual de Orientação Trato Genital Inferior Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Comissões Nacionais Especializadas Ginecologia e Obstetrícia Trato Genital Inferior 2010 1 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Trato Genital Inferior e Colposcopia Manual de Orientação Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia DIRETORIA Triênio 2009 - 2011 Presidente Nilson Roberto de Melo Secretario Executivo Francisco Eduardo Prota Secretaria Executiva Adjunta Vera Lúcia Mota da Fonseca Tesoureiro Ricardo José Oliveira e Silva Tesoureira Adjunta Mariângela Badalotti Vice-Presidente Região Norte Pedro Celeste Noleto e Silva Vice-Presidente Região Nordeste Francisco Edson de Lucena Feitosa Vice-Presidente Região Centro-Oeste Hitomi Miura Nakagava Vice-Presidente Região Sudeste Claudia Navarro Carvalho Duarte Lemos Vice-Presidente Região Sul Almir Antônio Urbanetz 2 Manual de Orientação Trato Genital Inferior 2010 Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Comissões Nacionais Especializadas Ginecologia e Obstetrícia Trato Genital Inferior Presidente: Nilma Antas Neves (BA) Vice-Presidente: Newton Sérgio de Carvalho (PR) Secretaria: Márcia Fuzaro Cardial (SP) MEMBROS COLABORADORES Adalberto Xavier Ferro Filho (DF) Adriana Bittencourt Campaner (SP) Angelina Farias Maia (PE) Cláudia Márcia de Azevedo Jacyntho (RJ) Edison Natal Fedrizzi (SC) Garibalde Mortoza Júnior (MG) Isa Maria de Mello (BA) José Focchi (SP) Maricy Tacla (SP) Neila Maria Góis Speck (SP) Paulo Sérgio Vieiro Naud (RS) Silvia Lima Farias (PA) Adalberto Xavier Ferro Filho (DF) Adriana Bittencourt Campaner (SP) Angelina Farias Maia (PE) Cíntia Irene Parellada (SP) Cláudia Márcia de Azevedo Jacyntho (RJ) Edison Natal Fedrizzi (SC) Garibalde Mortoza Júnior (MG) Isa Maria de Mello (BA) José Focchi (SP) Márcia Fuzaro Cardial (SP) Maricy Tacla (SP) Neila Maria Góis Speck (SP) Newton Sérgio de Carvalho (PR) Nilma Antas Neves (BA) Paula Maldonado (RJ) Paulo Sérgio Vieiro Naud (RS) Silvia Lima Farias (PA) 3 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia FEBRASGO - Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Presidência Rua Dr. Diogo de Faria, 1087 - cj. 1103/1105 Vila Clementino - São Paulo / SP - CEP: 04037-003 Tel: (11) 5573.4919 Fax: (11) 5082.1473 e-mal: [email protected] Secretaria Executiva Avenida das Américas, 8445 - sala 711 Barra da Tijuca - Rio de Janeiro / RJ - CEP: 22793-081 Tel: (21) 2487.6336 Fax: (21) 2429.5133 e-mail: [email protected] Todo conteúdo deste Manual de Orientações pode ser encontrado no site: www.febrasgo.org.br Todos os direitos reservados à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia 4 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Manual de Orientação Trato Genital Inferior ÍNDICE Colposcopia normal e alterada ______________________________ 7 Ectopia ________________________________________________ 25 Vulvoscopia normal e alterada ______________________________ 33 Dermatites vulvares ______________________________________ 45 Dermatoses vulvares (Liquens) _____________________________ 51 Vulvovaginites ___________________________________________ 61 Vulvovaginites na infância _________________________________ 95 Herpes genital ___________________________________________ 107 Úlceras genitais (não DST) _________________________________ 115 Condiloma ______________________________________________ 123 Alterações citológicas _____________________________________ 131 Neoplasia intra-epitelial cervical (diagnóstico) __________________ 145 Neoplasia intra-epitelial cervical (tratamento) ___________________ 157 Lesões glandulares do colo uterino __________________________ 165 Carcinoma microinvasor do colo uterino _______________________ 173 Neoplasia intra-epitelial vaginal _____________________________ 181 Neoplasia intra-epitelial vulvar ______________________________ 187 Lesão anal HPV-induzida __________________________________ 195 Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Comissões Nacionais Especializadas Ginecologia e Obstetrícia Trato Genital Inferior 5 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 6 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia COLPOSCOPIA NORMAL E ALTERADA INTRODUÇÃO Desde Hinselmann, a Colposcopia, como um exame para detecção de microcarcinoma de colo uterino, vem sofrendo muitas mudanças ao longo do tempo quanto às suas indicações, à técnica e instrumental, à forma de registro, etc. Com o passar dos anos, a Colposcopia assumiu um papel bem mais amplo, não se restringindo a um simples método de orientação do local a ser realizada uma biópsia. Ao Colposcopista é necessário um grande conhecimento das bases anatômicas e fisiológicas do colo uterino, vagina, vulva e períneo, e uma grande experiência clínica, compatível às suas responsabilidades1. A associação complementar da Colposcopia com a Colpocitologia trouxe a possibilidade de estudo de lesões em colo e vagina, especialmente, com a definição de topografia e gravidade das lesões, facilitando assim a detecção precoce de alterações pré-invasivas e a conduta a ser seguida2. Com a definição do Papilloma Vírus Humano (HPV) como principal cofator para desenvolvimento do câncer de colo uterino, a Colposcopia adquiriu maior importância, considerando que é a única forma de detecção de lesões subclínicas do HPV e consequentemente, de avaliação da evolução dessas lesões para lesões pré-invasivas3. O perfeito registro da Colposcopia, através de fotografias e laudo, hoje chamada de Videocolposcopia digital, tem possibilitado o acompanhamento dessas lesões de forma bastante confiável e assim possibilitando condutas mais conservadoras das lesões HPV induzidas. 7 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia MATERIAL E TÉCNICA Colposcópio - A escolha do Colposcópio deve se basear, fundamentalmente, na possibilidade de avaliação da profundidade: µ Obrigatoriamente binocular com uma boa iluminação de todo o campo – luz fria; µ Distância focal adequada para manipulação dos materiais no exame – pelo menos 28 centímetros; µ Diferentes aumentos – cerca de cinco vezes para exame panorâmico e cerca de vinte vezes para definição de detalhes e fotografias4. Muito cuidado com os aumentos através de zoom, pois há uma grande distorção da imagem. Existe hoje, grande variedade de modelos de colposcópios e é fundamental o perfeito conhecimento do funcionamento pelo profissional na execução do exame. Fig.1 - Colposcópio binocular, com tambor de 5 aumento Fig. 2 Câmera digital acoplada Fig. 3 - Captura de imagem digital disponível Fig. 4 - Registro do exame em laudo com fotografias digitais Sala de exame – Além de um espaço confortável para exame, a sala deve conter uma mesa adequada, com altura regulável ou com mocho regulável, fácil manipulação do colposcópio, espaço para uma auxiliar de consultório, equipamentos acessórios já 8 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Sala de exame – Além de um espaço confortável para exame, a sala deve conter uma mesa adequada, com altura regulável ou com mocho regulável, fácil manipulação do colposcópio, espaço para uma auxiliar de consultório, equipamentos acessórios já instalados, de fácil manuseio, como material para biópsia, dilatação de canal cervical, anestésicos, bisturi elétrico (CAF) e aspirador de fumaça, pinças e soluções à mão e material para colheita de colpocitologia. Equipamentos e soluções – Em um consultório que se realiza exame colposcópico é necessário não só a presença de todo o material para uma consulta ginecológica de rotina, mas também são necessários alguns materiais específicos, tais como: - solução fisiológica, ácido acético a 3 e 5%, solução de Schiller, hipossulfito de sódio, solução para assepsia, ácido tricloroacético entre 70 a 100%, cotonetes; - seringa, agulha e anestésico tópico; - pinça de exploração de canal cervical – Menckel ou similar, pinça de biópsia – Allis, saca-bocado – Gaylor-Medina ou similares, punch dermatológico, pinça de Pozzi e material de sutura simples; - bisturi elétrico com eletrodos adequados – especialmente bisturi de alta frequência (CAF) e aspirador de fumaça, prontos para uso imediato e uma técnica de enfermagem como auxiliar. Técnica do exame – O exame colposcópico deve ser feito, preferencialmente, em um tempo diferente da colheita da colpocitologia, mas não necessariamente1. A Colposcopia pode ser realizada em mulheres gestantes sem restrições, mas avisar que a partir do sétimo mês, o exame é mais desconfortável e, de maneira geral, devemos evitar procedimentos associados que possam provocar sangramento. Não existe uma época melhor do ciclo menstrual para executar o exame, mas de preferência, deve-se evitar o período menstrual. Em quadros de colpocervicites agudas intensas, devemos tratar o processo e repetir o exame, bem como nos casos de hipoestrogenismo importantes, após fazer a correção prévia do estado hipoestrogênico. Após a colocação do espéculo, de preferência descartável, realizamos a limpeza do excesso de secreção vaginal, com gaze e soro fisiológico. Aplicamos solução de ácido acético de 3 a 5% por cerca de 1-2 minutos, seguida de uma observação minuciosa de fundos de saco e paredes vaginais e suas pregas com o auxílio da bolinha de algodão embebida no ácido e depois segue-se o exame do colo uterino5. 9 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia A duração da ação do ácido acético é efêmera e a reaplicação do mesmo deve ser feita, constantemente, durante o exame. Dar atenção especial para identificação da junção escamo-colunar (JEC), a zona de transformação (ZT) e epitélios escamoso e colunar. Após esta avaliação devemos utilizar a solução de Schiller no colo e vagina e identificar possíveis áreas iodo negativas. A retirada do excesso de solução é fundamental para maior conforto da paciente. Por último, realizamos a avaliação da vulva, períneo e ânus, sendo que o uso do ácido acético a 5% poderá facilitar a identificação de algumas áreas de atípicas. Devemos sempre estar preparados para realização da exploração de canal cervical, de biópsias, retiradas de pólipos, entre outros procedimentos correlatos. O uso do hipossulfito de sódio nos possibilita uma descoloração das áreas iodo positivas para uma segunda análise quando conveniente. Registro de exame colposcópico – o registro do exame em prontuário e o laudo colposcópico são fundamentais e devem seguir a terminologia colposcópica atual disponível6. O laudo colposcópico pode, perfeitamente, ser confeccionado sem fotografias, com registros esquemáticos dos achados encontrados e uma boa descrição escrita, sempre com comentários, conclusões diagnósticas e recomendações terapêuticas. Devemos ter em mente que o registro do exame deve ser feito tanto pelo ponto de vista legal, para nossa segurança, como pela possibilidade de comparação com exames futuros e assim avaliarmos a evolução das lesões encontradas7. Não podemos nos esquecer que a videocolposcopia digital nos dá maior chance de esclarecimento às nossas pacientes e nos auxiliam na adoção de condutas mais conservadoras, juntamente com as pacientes. TERMINOLOGIA COLPOSCÓPICA - BARCELONA 2002 A Associação Brasileira de Genitoscopia recomenda que essa classificação seja usada para diagnóstico clínico, tratamento e pesquisa na área de câncer e nas doenças do trato genital inferior. I. Achados Colposcópicos Normais Epitélio Escamoso Original Epitélio Colunar Zona de Transformação 10 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia II. Achados Colposcópicos Anormais Epitélio acetobranco plano Epitélio acetobranco denso * Mosaico fino Mosaico grosseiro * Pontilhado fino Pontilhado grosseiro * Iodo Parcialmente positivo Iodo Negativo * Vasos atípicos * *Alterações maiores III. Alterações colposcópicas sugestivas de câncer invasivo IV. Colposcopia insatisfatória Junção Escamo-colunar não visível Inflamação severa, atrofia severa, trauma, Cérvice não visível V. Miscelânea Condiloma Queratose Erosão Inflamação Atrofia Deciduose Pólipo Características colposcópicas sugestivas de alterações metaplásicas: A) superfície lisa com vasos finos, de calibre uniforme. B) alterações acetobrancas leves. C) iodo negativo ou parcialmente positivo, com solução de Lugol. Características colposcópicas sugestivas de alterações de baixo grau (alterações menores) A) superfície lisa com borda externa irregular. B) alteração acetobranca leve, que aparece lentamente e desaparece rapidamente. C) iodo negativo, frequentemente com parcial captação de iodo positivo. D) pontilhado fino e mosaico fino regular. 11 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Características colposcópicas sugestivas de alterações de alto grau (alterações maiores) A) superfície lisa com borda externa bem marcada. B) alteração acetobranca densa, que aparece rapidamente e desaparece lentamente; podendo apresentar um branco nacarado que lembra o de ostra. C) iodo negativo (coloração amarelo-mostarda) em epitélio densamente acetobranco. D) pontilhado grosseiro e mosaico de campos largos, irregulares, e de tamanhos diferentes. E) acetobranqueamento denso no epitélio colunar pode indicar doença glandular Características colposcópicas sugestivas de câncer invasivo A) superfície irregular, erosão, ou ulceração. B) acetobranqueamento denso. C) pontilhado grosseiro, irregular, e mosaico grosseiro de campos largos desiguais. D) vasos atípicos. Indicações do exame colposcópico Este é um tópico de frequentes controvérsias, considerando que a Colposcopia não é um exame que possa ser executado seriamente em uma consulta ginecológica de rotina, mas por outro lado, temos os frequentes falsos negativos da colpocitologia, levando alguns profissionais a preconizarem a realização dos dois exames como método de prevenção – o que é impossível de se realizar na prática1. Sendo assim citamos abaixo algumas indicações que consideramos razoáveis: colpocitologias alteradas lesão intraepitelial de baixo grau e alterações de células escamosas de significado indeterminado em dois exames consecutivos, com intervalo de seis meses; alterações em células glandulares de significado indeterminado; lesão intraepitelial de alto grau e adenocarcinoma in situ de colo uterino e alterações celulares compatíveis com carcinoma micro invasor ou invasor. outras indicações: + sinais clínicos de metrorragia e dispareunia, + prurido vulvar crônico e condilomatose vulvo perineal, + controle pós-tratamento de lesões pré-invasivas e invasivas em colo, vagina e vulva, + pré-operatório de intervenções no trato genital, 12 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia + aspecto anormal em colo e vagina no exame a olho nu e + desejo da paciente em condições especiais. Exemplos de exames colposcópicos, seguindo Terminologia Colposcópica atual I - Achados colposcópicos normais 1 - Epitélio Escamoso Original Fig.6 - Colo normal – JEC em 0 Fig.5 - Colo normal – JEC em +1 Fig. 7 - Colo normal – JEC no canal 2 - Epitélio Colunar Fig. 8 - Epitélio colunar normal 13 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 3 - Zona de Transformação Fig. 9 Área de re-epitelização Fig. 10 - Linguetas de re-epitelização em epitélio colunar Fig. 11 - ZT iodo positiva Fig. 12 - JEC em 0 e ZT em lábio anterior Fig. 13 - ZT com JEC em 0 Fig. 14 - ZT com captação de iodo , Fig. 15 - ZT com cisto de retenção (Naboth) 14 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia II - Achados colposcópicos anormais 1 - Epitélio acetobranco plano Fig. 16 - Lábio anterior e canal cervical Fig.17 - Lingueta em lábio Fig. 18 - EAB em epitélio colunar Fig. 19 - EAB em epitélio colunar 2 - Epitélio acetobranco denso * Fig. 20 - EAB denso – NIC III Fig. 21 - EAB denso em epitélio colunar – NIC III Fig. 22 - EAB denso extenso – NIC II Fig. 23 - EAB denso periorificial – NIC III 15 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Fig. 24 - EAB denso, sobrelevado, com pontilhado Ca epidermoide IA1 3 - Mosaico fino Fig. 25 - EAB denso, pontilhado mosaico fino – NIC II Fig. 26 - EAB denso, pontilhado e mosaico fino (detalhes) Fig. 27 - EAB e mosaico, com área de hiperemia friável – NIC III Fig. 28 - EAB plano e mosaico fino – NIC II Fig. 29 - EAB e mosaico fino e extenso Fig. 30 - Mosaico fino em gestação 16 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 4 – Mosaico grosseiro * Fig. 31 - Mosaico com congestão – NIC III Fig. 32 - EAB denso, mosaico e pontilhado grosseiro - CA epidermóide IA1 Fig. 33 - EAB denso e Mosaico grosseiro – NIC III 5 - Pontilhado fino Fig. 34 - EAB e pontilhado fino Fig. 35 - EAB e pontilhado - detalhe 6 - Pontilhado grosseiro * Fig. 36 - EAB e pontilhado congesto – NIC III Fig. 37 - Hiperemia periorificial – NIC III 17 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Fig. 38 - EAB e pontilhado grosseiro – NIC III Fig. 39 - EAB denso e pontilhado grosseiro – AIS e NIC III 7 - Iodo Parcialmente positivo Fig. 40 - Captação parcial de iodo – NIC II Fig. 41 - NIC I Fig. 42 - Iodo parcialmente positivo pós-cone Fig. 43 - Mesmo colo anterior após 12 meses 8 - Iodo Negativo * Fig. 44 - Iodo negativo no centro – NIC II 18 Fig. 45 - Iodo negativo franco – NIC III FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 9 - Vasos atípicos * Fig. 46 - EAB com vasos atípicos NIC III e AIS Fig. 47 - Vasos atípicos com filtro verde CEC invasor franco Fig. 48 - Vasos atípicos com filtro azul - CEC Fig. 49 - Vasos atípicos sem filtro – CEC III. Alterações colposcópicas sugestivas de câncer invasivo Fig. 50 - Adeno Ca invasor com tumor vegetante, perda de substância e friabilidade Fig. 52- Tumor vegetante - CEC invasor Fig. 51 - Tumor com hemorragia e necrose tumoral Fig. 53 - Tumor com hipervascularização Adenocarcinoma de colo 19 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia IV. Colposcopia insatisfatória Fig. 54 - Atrofia intensa com JEC não visível Fig. 55 - Cervicite aguda intensa Fig. 56 - Endocervicite purulenta. Clamídia Fig. 57 - Endometriose cervical severa. JEC no canal Fig. 58 - Cervicite erosiva intensa Fig. 59 Atrofia intensa e JEC no canal V. Miscelânea 1 - Condiloma Fig. 60 - Condiloma cervical volumoso Fig. 61 - Colpite micropapilar em fundo de saco vaginal e colo 20 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Fig. 62 - Condilomas em colo e fundos de saco Fig. 63 - Condilomas cervicais 2 - Queratose Fig. 64 - Queratose em colo Fig. 65 - Ceratose em colo pós-conização Fig. 66 - Ceratose em lábio anterior Fig. 67 - Ceratose e LIE-BG em Colpocitologia Fig. 68 - Ceratose em detalhe 21 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 3 - Erosão Fig. 69 - Erosão sem ácido acético Fig. 70 - Colo com erosão pós-ácido acético Fig. 71 - Erosão em vagina – Adenose Fig. 72 - Adenose e erosão em colo 4 - Inflamação Fig. 73 - Endometriose cervical Fig. 74 - Colpite difusa e focal. Tricomoníase Fig. 75 - Colpite micropapilar Fig. 76 - Endometriose cervical sangrante 22 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Fig. 77 - Cervicite crônica com erosão Fig. 78 - Cervicite aguda 5 - Atrofia Fig. 79 - Atrofia cervical Fig. 80 - Atrofia cervical intensa e sangrante Fig. 81 - Atrofia e alterações actínicas em vagina 6 - Deciduose Fig. 82 - Nódulo em lábio anterior Fig. 82 - Nódulo em lábio anterior 23 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Fig. 84 - Aspecto vegetante Fig.85 - Nódulo isolado em lábio anterior Fig. 86 - Pólipo cervical pediculado Fig. 87 - Pólipo após ácido acético, sem atipias 7 – Pólipo A grande variedade de achados colposcópicos, só vem corroborar a necessidade de muito conhecimento anatômico e fisiológico, dedicação, esforço e responsabilidade na formação de um médico Colposcopista capacitado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Cartier R, Cartier I. Colposcopia prática. 3ª. ed.- São Paulo: Roca, 1994 2. Singer A, Monaghan JM.Colposcopia, Patologia e Tratamento do Trato Genital Inferior. Porto Alegre: Artes Médicas,1995. 3. Gross GE, Barrasso R. Infecção por Papilomavírus Humano. Porto Alegre: Artmed, 1999. 4. De Palo G. Coloscopia e Patologia do Trato Genital Inferior. Medsi, 1993. 5. Salgado C, Rieper JP. Colposcopia, 4. ed. – Rio de Janeiro:FAE,1984. 6. International Agency for Research on Cancer – Screening group(internet) http://screening.iarc.fr 7. Associação Brasileira de Genitoscopia (internet) – http://www.colposcopy.org.br 24 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia ECTOPIA INTRODUÇÃO A ectopia cervical caracteriza-se pela presença de epitélio colunar na ectocérvice, sendo observado frequentemente em adolescentes e adultos jovens. Embora seja de natureza benigna, a presença de ectopia pode favorecer a instalação de algumas doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como as originadas a partir da infecção pela Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae e o Papilomavirus humano (HPV). DEFINIÇÃO Define-se ectopia como sendo a presença de epitélio colunar, incluindo glândulas e estroma, na ectocérvice. Em uma situação ideal, espera-se que o colo uterino esteja revestido por epitélio estratificado escamoso e a junção escamocolunar esteja situada ao nível do orifício externo. Entretanto, na presença de ectopia, observa-se o reposicionamento da junção escamocolunar (JEC) externamente ao orifício externo do colo, com consequente exposição do epitélio colunar ao meio vaginal. Ao longo da vida, a JEC tende a adentrar o canal. Fig. 1 - Colo normal Fig. 2 - Teste de Schiller Negativo Epitélio escamoso Epitélio colunar JEC Fig 4. - Junção escamocolunar (JEC) Fig 3. - Junção escamocolunar (JEC) 25 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia EPIDEMIOLOGIA Estima-se em 20% a presença da ectopia em pacientes de ambulatório, de forma isolada. Essa frequência pode aumentar para até 50% se considerada sua associação com a zona de transformação. O epitélio que recobre o colo uterino sofre mudanças de acordo com a idade. Por essa razão, o estudo do processo fisiológico de maturação do epitélio cervical e a possível relação entre contracepção hormonal e tabagismo com os mecanismos de maturação, nos permitem compreender a sua maior vulnerabilidade a determinados patógenos, principalmente em adolescentes e adultos jovens. Observa-se que mulheres na faixa etária de 15 a 24 anos apresentam as maiores taxas de infecção pela Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae e o HPV 1,2. Acredita-se que a sua maior vulnerabilidade esteja relacionada não somente a fatores comportamentais, mas também a fatores biológicos, como a imaturidade fisiológica do colo uterino caracterizada pela presença de extensas áreas de ectopia e epitélio metaplásico imaturo. FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO O conhecimento das etapas do desenvolvimento embriológico do trato genital inferior justifica a hipótese de vulnerabilidade biológica. O colo uterino e a vagina originam-se a partir da fusão das terminações distais dos ductos de Müller, que são estruturas recobertas por epitélio colunar. Entre a 18ª e 20ª semanas do desenvolvimento intra-uterino, ocorre substituição do epitélio colunar pelo epitélio estratificado escamoso. Essa etapa ocorre geralmente de forma incompleta, resultando na formação da junção escamocolunar que consiste na região de transição entre os epitélios colunar e estratificado escamoso. A imaturidade fisiológica do colo uterino caracteriza-se pela presença de extensas áreas de ectopia e epitélio metaplásico imaturo. Por este motivo, o epitélio cervical é o primeiro sítio de infecção por agentes sexualmente transmissíveis. As células colunares são alvo da infecção pela Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae. Enquanto a zona de transformação, que é composta por células com intensa atividade mitótica, é mais vulnerável a infecção pelo HPV 3,4. A metaplasia escamosa, que consiste na transformação do epitélio colunar em estratificado escamoso, pode ser desencadeada pela mudança no pH vaginal. Na menarca, em conseqüências às significativas alterações hormonais decorrentes da puberdade, desencadeiam-se mudanças no ambiente vaginal, determinando a diminuição do pH vaginal, que estimula o processo de metaplasia escamosa, originando a zona de transformação, que é reconhecida como região susceptível a infecção a patógenos sexualmente transmissíveis. Baseada na hipótese de que alterações no pH 26 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia influenciam no grau de maturação cervical, postula-se que a acidificação do meio com consequente diminuição do pH estimularia o processo de metaplasia escamosa, ao passo que em ambiente alcalinos, como na vigência de vaginose bacteriana, a maturação do epitélio cervical poderia ser desacelerada ou revertida. Fig. 5- Epitélio metaplásico Fig. 6 - Epitélio metaplásico após teste de iodo A influência de outros co-fatores no processo de maturação do epitélio cervical tem sido avaliada, dentre eles o uso de anticoncepcional oral (ACO). Sabe-se que o estrogênio e a progesterona promovem a proliferação celular e seus receptores estão presentes em número significativamente maior na zona de transformação do colo uterino. Portanto, o estímulo exógeno de doses de estrógeno e progesterona poderia acelerar o processo de metaplasia escamosa na zona de transformação5. Estudos mostraram que a contracepção hormonal estava associada ao aumento da ectopia cervical. Postula-se que o estrogênio promova o edema estromal com consequente eversão do epitélio colunar na ectocérvice 6. Entretanto, estudo realizado Hwang et al observaram que o uso de anticoncepcional (ACO) de baixa dosagem eleva os níveis hormonais, porém a taxas que estimulam o epitélio cervical, mas não induzem o edema estromal, enquanto os ACOs de alta dosagem hormonal poderiam desencadear ambos efeitos como os observados no estudos pregressos. A avaliação colposcópica a cada 4 meses revelou que o uso continuo de ACO de baixa dosagem por 2 anos estava associado ao aumento adicional de 2,3% na maturação do epitélio cervical 7. Em relação ao tabagismo, seus efeitos no processo de maturação do epitélio cervical não foram investigados anteriormente. Sabe-se que a nicotina e seus metabólitos estão presentes na secreção cervical e que o tabagismo está relacionado com a secreção de citocinas cervicais, que podem alterar o processo metaplásico 8,9. Segundo os resultados do estudo de Hwang et al observou-se aumento na maturação do epitélio cervical de 3,9% na avaliação colposcópica a cada 4 meses. Considerando-se o período de 2 anos, o ganho poderia ser traduzindo em 23% de aumento de maturação em relação as pacientes não tabagistas 7. Os dados acima sugerem que o tabagismo acelera o processo fisiológico de maturação cervical através da metaplasia escamosa. Entretanto, a resposta dinâmica do epitélio através do aumento da proliferação e atividade celular, torna o epitélio mais suscetível à infecção pelo HPV e outras DSTs. 27 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Os fatores biológicos como a exposição aumentada a infecções ou trauma também podem influenciar o processo de maturação do epitélio cervical. Postula-se que infecções genitais, como a cervicite, promovam a maturação do epitélio cervical induzindo processo inflamatório e conseqüente reparo celular 10. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A ectopia cervical é assintomática na maioria dos casos, sendo diagnosticada apenas no exame ginecológico de rotina. Entretanto, quando ela é extensa, pode manifestar-se na forma de corrimento de aspecto e consistência mucosa, a mucorréia. Pode ocorrer a presença de outros corrimentos, de características variadas, quando estão associados processos inflamatórios e/ou infecciosos de outras etiologias, favorecidos pela existência da ectopia. DIAGNÓSTICO A suspeita de ectopia cervical é realizada inicialmente durante o exame especular na consulta ginecológica. À inspeção do colo uterino, observa-se área avermelhada margeando o orifício externo do colo, que é denominada de mácula rubra. Em uma segunda etapa, o exame colposcópico, utilizando-se ácido acético a 3% ou 5%, revela a presença de epitélio colunar ao redor do orifício externo, que se estende pela ectocérvice. A aplicação do ácido acético sobre o epitélio colunar provoca mudanças na coloração do epitélio, que inicialmente era avermelhado (mácula rubra) e torna-se esbranquiçado sob visão colposcópica. Simultaneamente, ocorre edema e engurgitamento das células, evidenciando o aspecto de “cachos de uva”. Em seguida, é utilizada a solução de Lugol para a realização do teste de Schiller, que se baseia na fixação do iodo pelo glicogênio presente nas células da camada intermediária do epitélio estratificado escamoso. Portanto, na presença de ectopia, que é constituída por epitélio colunar, não ocorre a fixação da solução iodetada. A aplicação dos reagentes e a utilização do colposcópico na avaliação da ectopia permitem delimitar com maior e melhor precisão a transição do epitélio estratificado escamoso e colunar. Isto possibilita determinar a sua extensão, que tem implicação direta com a conduta terapêutica a ser seguida. 28 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Figura 7 Figura 8 Figura 9 JEC Figura 10 Figura 11 Figura 12 - Junção escamo colunar (JEC) Figura 13 - Ectopia TRATAMENTO A ectopia cervical está associada ao processo metaplásico, havendo uma tendência a considerá-los fisiológicos. Se houver evidência da ocorrência de metaplasia, esta leva ao desaparecimento da ectopia, sendo um processo mais lento que o resultante de intervenções terapêuticas. O tratamento ainda é muito realizado, apesar de haver uma tendência maior a atitude conservadora de observação clínica11. As justificativas mais comuns para indicar a terapêutica incluem: proteção contra o câncer de colo, transmissão de doenças, particularmente as sexualmente transmissíveis, e sintomas atribuídos ao exagero de secreção mucóide – corrimento. Os métodos terapêuticos indicados podem ser divididos em: Œ Químicos: mais comumente aplicações tópicas de ácido metacresolsulfônico, ácido tricloroacético, 29 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Cirúrgicos: através de cauterização por diatermocoagulação, laser, aparelho de alta frequência, crioterapia. A área tratada apresenta processo de reepitelização, sendo recoberta por epitélio escamoso, através de mecanismo de metaplasia. O tempo de recuperação esperado é de cerca de 8 sem, com eficácia de 90%. As complicações são raras, podemos citar estenose, processos inflamatórios, sangramentos, em geral controlados. PROGNÓSTICO A resolução do processo geralmente é atingida, com ou sem tratamento. Em revisão sistemática publicada em 2008, a conclusão é de que mais estudos devem ser realizados para que se possa concluir pelo benefício do tratamento11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Center for Disease Control (U.S. Department of Health and Human Services). 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Assim, como no colo uterino, na vulva é possível diagnosticar e tratar a lesão precursora. A vulvoscopia vai ajudar a orientar os melhores locais para realizar as biópsias e assim chegar ao diagnóstico definitivo pela histopatologia. É importante que os fragmentos sejam bem dirigidos e estudados por patologista com experiência em patologia vulvar e/ou dermatológica. A primeira divulgação sobre vulvoscopia foi realizada por Broen & Ostergard em 1971, associando-a ao Teste de Collins para incrementar o estudo da neoplasia vulvar. Até então, o exame empregado para dirigir a biópsia era apenas o Teste de Collins. A vulvoscopia é realizada através da visão colposcópica que permite uma ampliação da lesão (6 a 40 vezes) e utiliza o ácido acético a 5% e Lugol como reagentes. É um método complementar que vem se desenvolvendo muito lentamente, com poucos adeptos e poucas publicações. Essa dificuldade deve ter relação com a insuficiência de centros especializados para estudos específicos das doenças vulvares e com a menor frequência do câncer de vulva, quando comparado ao câncer do colo uterino. Tem como objetivo principal a prevenção do câncer de vulva com a proposta de: Ajudar a fazer o diagnóstico diferencial das lesões que mimetizam as NIVs. ‚ Indicar os melhores locais para realizar as biópsias. ƒDemarcar as NIVs no momento do tratamento. Apesar da maioria das NIVs serem lesões macroscópicas, não raro existem lesões subclínicas nas margens ou algumas NIVs são subclínicas. Usando os critérios da vulvoscopia (em especial, o acetobranqueamento) durante o tratamento, seja este cirúrgico ou destrutivo, toda a lesão é visualizada e evita-se deixar lesões residuais não tratadas. Técnica da Vulvoscopia Prévia observação macroscópica da vulva, corpo perineal e região perianal. Observação colposcópica de todas essas regiões. Aplicação do ácido acético a 5% “borrifando” (deixar o efeito por 3 a 5 minutos). 33 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Nova observação colposcópica, interpretando as mudanças geradas pelo ácido acético a 5%. Aplicação do Lugol no vestíbulo vulvar. Diante de infecções agudas ou ferimentos, pode ser feita a análise das lesões por visão colposcópica, mas não é aconselhável a utilização do ácido acético a 5% e Lugol. O principal critério de avaliação da vulvoscopia é a acetorreatividade. O acetobranqueamento do epitélio vulvar é extremamente comum, e não-específico, mas é possível agrupar alguns aspectos relacionados a diferentes significados. Os principais achados da vulvoscopia diante das NIV 2 e NIV 3 segundo Michael J. Campion, Daron G. Ferris, Frederico M. di Paola, Richard Reid e Albert Singer, são: A aplicação do ácido acético a 5%, durante 3 a 5 minutos na vulva, produz um proeminente acetobranqueamento (denso) espessado, bem demarcado e de margens mais regulares que pode ser visto a olho nu, embora seja melhor avaliado pela vulvoscopia. Essa reação acetobranca é melhor percebida nas lesões não pigmentadas ou eritematosas. As lesões pigmentadas (marrons) irão desenvolver pelo menos uma leve acetorreatividade. A atipia vascular definida acontece muito tarde no processo neoplásico da vulva, embora um pontilhado ou mosaico possam ser vistos em algumas lesões. Os capilares dilatados, bizarros ou um epitélio amarelado e friável aparecem nas lesões de maior suspeita. Lesões nodulares ou ulceradas sugerem doença invasiva. Os principais achados da vulvoscopia diante das infecções pelo HPV e NIV 1, segundo Michael J. Campion, Daron G. Ferris, Frederico M. di Paola, Richard Reid e Albert Singer, são: Um certo grau de acetobranqueamento pode ocorrer no epitélio infectado pelo HPV, devido à queratina anormal e ao aumento da densidade celular. Esse acetobranqueamento que ocorre em algumas lesões induzidas pelo HPV não é específico do HPV. Ele ocorre também em traumas, infecções agudas (candidíase, herpes), áreas de tratamentos prévios com cáusticos (ácido tricloroacético - ATA) ou destruição física (eletrocautério ou LASER). O aspecto do acetobranqueamento é leve ou moderado, geralmente, em pequenas lesões focais satélites, múltiplas e de bordas irregulares. Há 20 anos, realizamos vulvoscopia na Clínica Vulvar Multidisciplinar da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) praticamente em todos os nossos atendimentos, respeitando as restrições. Assim, fomos desenvolvendo experiência no método, de tal forma, que hoje afirmamos que esse exame permite um melhor estudo das lesões vulvares, no sentido de realizar o diagnóstico diferencial das lesões que mimetizam as NIVs. Através da vulvoscopia, reconhecemos as lesões que sugerem NIV 2 ou NIV 3 e escolhemos os melhores locais para realizar as biópsias. 34 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Nossa experiência reúne mais de 200 casos de NIVs confirmadas por diagnóstico histopatológico, por meio de biópsias múltiplas. Tomamos como rotina fotografar a grande maioria dos casos, descrevendo os diferentes achados e colocando os fragmentos em diferentes recipientes, permitindo catalogar as imagens em relação à histopatologia. A ausência de uma terminologia oficial para a vulvoscopia nos permitiu elaborar uma proposta para classificação dos seus aspectos. Nossa Proposta para Classificação dos Aspectos da Vulvoscopia Classificação dos Aspectos da Vulvoscopia ( Maia / 2004) 1. Acetobranqueamento inespecífico 2. Acetobranqueamento significativo 3. Estudo do Padrão Vascular 4. Valorização da hiperqueratose, lesões nodulares e ulceradas 5. Ausência de acetorreatividade Destaque: - Doença de Paget e - Melanoma in situ 1. Acetobranqueamento inespecífico: tênue ou moderado, de bordas irregulares não demarcadas, com focos satélites, alguns confluentes, geralmente simétricos e múltiplos. (Figura 1). Não sugere NIV e, após um adequado reconhecimento desse aspecto, não será necessária uma investigação por biópsia. Exceção: As lesões hipercrômicas, mesmo com acetobranqueamento inespecífico (tênue e não demarcado), podem ser NIV 2 ou NIV 3. Por isso, nestes casos, recomenda-se investigação por biópsia para um diagnóstico de certeza. Acetobranqueamento inespecífico Fig. 1 - Vulvoscopia: acetobranqueamento inespecífico (tênue, simétrico e não demarcado e em focos múltiplos não demarcados ). Não sugere NIV, não precisa biopsiar. Focos acetorreativos inespecíficos Após o ácido acético a 5% Quando o acetobranqueamento inespecífico (tênue ou moderado, simétrico, com focos múltiplos e não demarcados) se apresenta mais sobrelevado, pode-se pensar, além da infecção por fungo, também, em infecção subclínica pelo HPV. Aconselha-se tratar o processo infeccioso e repetir a vulvoscopia. Desaparecendo os focos acetobrancos inespecíficos, a hipótese da candidíase é a mais provável. Persistindo as imagens, a infecção subclínica pelo HPV será possível. Como a maioria dos protocolos recomendase não tratar a infecção subclínica pelo HPV. Alguns autores sugerem não levantar essa 35 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Quando o acetobranqueamento inespecífico (tênue ou moderado, simétrico, com focos múltiplos e não demarcados) se apresenta mais sobrelevado, pode-se pensar, além da infecção por fungo, também, em infecção subclínica pelo HPV. Aconselha-se tratar o processo infeccioso e repetir a vulvoscopia. Desaparecendo os focos acetobrancos inespecíficos, a hipótese da candidíase é a mais provável. Persistindo as imagens, a infecção subclínica pelo HPV será possível. Como a maioria dos protocolos recomendase não tratar a infecção subclínica pelo HPV. Alguns autores sugerem não levantar essa hipótese diagnóstica, para evitar biópsias e tratamentos desnecessários. 2. Acetobranqueamento significativo: acentuado, espessado, demarcado e assimétrico. 2.1 O acetobranqueamento significativo é bem observado nas NIV 2 e NIV 3 de lesões eritematosas. É preciso biopsiar sempre. (Figura 2) Fig. 2 - Vulvoscopia: acetobranqueamento significativo (acentuado, assimétrico e demarcado). Sugere NIV, deve ser feito a biópsia. Antes do ácido acético a 5% Após o ácido acético a 5% 2.2 O acetobranqueamento significativo de lesões hiperpigmentadas também apresenta uma alta correlação com NIV 2 e NIV 3. Biopsiar sempre. (Figura 3) Fig. 3 - Vulvoscopia: acetobranqueamento significativo (acentuado, assimétrico e demarcado). Sugere NIV, deve ser feito a biópsia. Após o ácido acético a 5% Antes do ácido acético a 5% 2.3 Qualquer grau de acetobranqueamento da lesão hipercrômica (mesmo que seja de características inespecíficas, leve e não demarcada) deve ser investigado por biópsia, pois poderá ser NIV 2 ou NIV 3. (Figura 4) 36 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia HPV NIV 2 NIV 2 NIV 2 Antes do ácido acético a 5% Fig. 4 - Vulvoscopia. Na lesão hipercrômica, qualquer grau de acetobranqueamento, mesmo que leve, deve ser investigado por biopsia pois pode corresponder a NIV 2 ou NIV 3. Após o ácido acético a 5% 3. Estudo do Padrão Vascular: mosaico, pontilhado e vasos atípicos (acometem muito tarde no processo neoplásico da vulva e nas lesões de maior suspeita). O mosaico e o pontilhado, quando presentes, aparecem nas lesões do vestíbulo e nas lesões eritematosas. (Figura 5) HPV CA NIV 3 Fig. 5 - Vulvoscopia: mosaico, pontilhado e vasos atípicos podem aparecer nas NIV 2 e 3 e nas lesões de maior suspeita. Após o ácido acético a 5% Após o ácido acético a 5% 4. Valorização da hiperqueratose, lesões nodulares e ulceradas: 4.1 Hiperqueratose localizada principalmente, se em Líquen escleroso vulvar, é sempre uma lesão que merece biópsia profunda, cuja profundidade permita obter a derme. Se possível, realizar a retirada de toda lesão hiperqueratótica para o estudo histopatológico. Muitas vezes, ela oculta um carcinoma escamoso invasivo ou NIV. Lembrar que a hiperqueratose é uma lesão branca e não se modifica com a aplicação do ácido acético a 5%. (Figura 6) Líquen escleroso Líquen escleroso Fig. 6 - Hiperqueratose localizada, principalmente se em Líquen escleroso vulvar, é sempre uma lesão que merece biópsia profunda ou retirada de toda lesão hiperqueratótica. 37 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 4.2 Quando o Líquen escleroso vulvar apresenta uma acentuada hiperqueratose difusa, recomendamos que seja feito corticosteróide tópico de alta potência (Propionato de Clobetasol a 0,5%) e, em seguida, uma nova avaliação por vulvoscopia. (Figura 7) O uso de uma pequena quantidade do Propionato de Clobetasol sobre a hiperqueratose difusa, à noite, por 30 a 60 dias, será suficiente para fazer desaparecer a hiperqueratose difusa. Deverá ser repetida a vulvoscopia, e focos de neoplasia antes ocultos pela hiperqueratose poderão ser visualizados e biopsiados. Líquen escleroso Líquen escleroso Fig. 7 - Após o uso do Propionato de clobetasol (tópico), a hiperqueratose regrediu e foi possível visualizar o carcinoma escamoso invasivo (nódulo eritematoso). CA Antes do tratamento: hiperqueratose difusa encobrindo a neoplasia . Após o tratamento com o Propionato de clobetasol, o nódulo eritematoso é visível. 4.3 Lesões nodulares ou ulceradas sugerem doença invasiva, devendo sempre ser biopsiadas. O Líquen escleroso é uma importante via carcinogênica na vulva. Para alguns autores, o fator irritativo crônico, gerado pelo prurido, pode ter papel significativo na carcinogênese. Daí a importância de se realizar um adequado seguimento das pacientes com Líquen escleroso, preferencialmente, através de uma vulvoscopia anual que auxilia a identificar a NIV, muitas vezes de difícil identificação macroscópica. Diagnóstico feito na fase de NIV permite um tratamento e uma verdadeira prevenção do câncer vulvar. (Figura 8) Fig. 8 - Destacamento da NIV pela vulvoscopia, mostrando acetobranqueamento significativo, em paciente com Líquen escleroso vulvar, após a aplicação do ácido acético à 5%. Antes do ácido acético à 5% Após o ácido acético a 5% 5. Ausência de acetorreatividade: Destaque: - Doença de Paget e - Melaoma in situ 38 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Doenças também importantes para a prevenção do câncer vulvar, como a Doença de Paget e Melanoma in situ, não vão apresentar acetorreatividade ao ácido acético a 5%, pelo menos, nos poucos casos com que trabalhamos. Como essas duas doenças são infrequentes na vulva, achamos oportuno destacar que nossa observação de ausência de acetobranqueamento na Doença de Paget e Melanoma in situ, está baseada em poucos casos (Doença de Paget, em 6 casos e no Melanoma, 2 casos). Não encontramos referências na literatura sobre acetorreatividade na lesão da Doença de Paget e Melanoma. Assim, é importante conhecer os critérios clínicos para o diagnóstico dessas doenças para não desconsiderá-las apenas pela ausência do acetobranqueamento significativo. A Doença de Paget apresenta-se como placa eritematosa, bem demarcada, descamativa, de aspecto eczematoso e expansão lenta. Áreas de hipo ou hiperpigmentação podem ocorrer (Figura 9). A lesão, usualmente, é pruriginosa ou se acompanha de ardor, embora possa ser assintomática em alguns casos. Então, recomendamos que, diante de lesões crônicas eritematosas ou eritematohipercrômicas, mesmo quando não se observe acetorreatividade, deve-se proceder investigação por biópsia. . (Figura 10) Fig. 9 - Lesão da Doença de Paget: placa eritematoescamosa, de aspecto eczematoso com áreas de Fig. 10 - Vulvoscopia: a lesão eritematosa (crônica) da Doença de Paget não apresentou acetobranqueamento significativo. Antes do ác.acético a 5% Após o ác.acético a 5% Teste de Schiller O Teste de Schiller é útil apenas no vestíbulo vulvar, seguindo os mesmos critérios usados para a colposcopia da vagina. (Figura 11) 39 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Linha de Hart é a divisória entre a pele dos pequenos lábios e a mucosa glicogenada do vestíbulo. Fig. 11 - Vulvoscopia: teste de Schiller mostrando área iodo negativo no vestíbulo vulvar correspondendo a NIV 2. Antes do ác. acético a 5% Após o ác. acético a 5% Teste de Schiller Teste do Ácido Acético a 5% Prévia observação macroscópica da vulva, corpo perineal e região perianal. Aplicação do ácido acético a 5% “borrifando” (deixar o efeito por 3-5 minutos). Nova avaliação macroscópica, interpretando as mudanças geradas pelo ácido acético a 5%. Para aqueles que não usam o colposcópio, esse teste será de grande valia para ajudar a definir o diagnóstico. Sem dúvida, a avaliação da acetorreatividade e outros detalhes serão melhor analisados através da visão colposcópica. Alguns autores também sugerem que a reação acetobranca seja avaliada por lupas. (Figura 12) Fig. 12 - Teste do ácido acético (reação acetobranca vista a olho nu). Acetobranqueamento significativo: acentuado, assimétrico e demarcado. Sugere NIV, deve ser feito a biópsia. Antes do ác. acético a 5% Após o ác. acético a 5% Teste de Collins Alguns profissionais querem agregar o Teste de Collins à vulvoscopia como se fosse o Teste de Schiller para a colposcopia do colo e vagina. Na realidade, o Teste de Collins e a Vulvoscopia são dois exames complementares distintos com vistas a estudar a lesão suspeita de malignidade, tendo como maior objetivo orientar os melhores locais para a biópsia. Caso o médico queira lançar mão de ambos, deve sempre iniciar pela 40 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia vulvoscopia. O Teste de Collins utiliza o azul de Toluidina, um corante vital que se fixa no núcleo das células. Quanto maior for o conteúdo de cromatina nuclear e a sua atividade mitótica, maior será a impregnação pelo azul. É aplicado para orientar os melhores locais para realizar a biópsia da lesão suspeita. Na nossa prática, a vulvoscopia é muum melhor indicador de locais para biópsia do que o teste de Collins. Por muitos anos, utilizamos ambos, e, à medida que avançamos na interpretação dos achados da vulvoscopia, deixamos de realizar o Teste de Collins de rotina. Técnica: aplica-se o azul de Toluidina a 1% sobre a lesão e deixa-se por 3-5 minutos, lavando em seguida com ácido acético a 1%. Achado: no epitélio com atipia, ocorre hipercelularidade com núcleos aumentados de volume, proporcionando uma coloração azul-rei nas áreas de maior concentração nuclear. Falso positivo: nas escoriações e ulcerações benignas, pela exposição das células basais que têm núcleo grande, embora sem malignidade Falso negativo: nas áreas de hiperqueratose, o corante não consegue penetrar nas células malignas que podem estar por baixo da camada córnea. CONCLUSÃO É importante estimular o ginecologista para aprimorar seu atendimento, dando uma boa atenção ao exame macroscópico da vulva. Se assim acontecer, a grande maioria das NIV será diagnosticada, já que comumente essas lesões são visíveis a olho nu. A vulvoscopia vai aprimorar o diagnóstico das doenças vulvares e melhorar a dirigir as biópsias. Uma vez realizado o diagnóstico da NIV, o tratamento deve ser feito na medida certa para não deixar lesões residuais, mas também, ficar atento para não causar mutilações nas mulheres, independente da idade. O seguimento será sempre a melhor forma de se certificar da eficácia do diagnóstico e da escolha terapêutica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - BODÉN E. et al. 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Epidemiologia A Candidíase costuma ser vista em pacientes imunossuprimidas. As pacientes diabéticas poderão apresentar Candidíase, principalmente quando o Diabetes não estiver controlado. A Candidíase também pode se desenvolver após o uso de antibióticos sistêmicos, porque altera a flora normal da vagina e permitirá o supercrescimento de espécies de Cândida, resultando em vaginite e vulvite. Manifestações clínicas Prurido vulvar intenso, associado ou não a corrimento vaginal. Mancha ou placa vermelha com maceração do tecido ou erosões superficiais e descamação na periferia da lesão. Candidíase vulvar extensa em paciente diabética 43 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Diagnóstico clínico O diagnóstico é eminentemente clínico, baseado na história e exame físico. Diagnóstico subsidiário Teste micológico direto da lesão Glicemia, sorologia para HIV para os casos de falha terapêutica ou recidivas frequentes Tratamento clínico Evitar fatores irritantes: uso de roupas apertadas; raspagem ou depilação dos pêlos; uso de roupas íntimas de tecido sintético. Manter a vulva higienizada (água boricada à 3%) e seca. Tratar fatores sistêmicos: Diabetes - Interconsulta com endocrinologia; Obesidade - Interconsulta com endocrinologia; Área pequena – Clotrimazol ou Cetoconazol, uso externo, 2x/dia, por 15 dias Área extensa – Cetoconazol, via oral, 200 mg ao dia por 1 mês ou Fluconazol, via oral, 150 mg dose única diária, a cada 3 dias, por 15 dias. Se prurido intenso, pode-se associar uso de anti-histamínico à noite, por 1 semana. Dermatite atópica Conceito É uma doença dermatológica e inflamatória, com manifestações agudas, subagudas e crônicas. Fisiopatologia O eczema agudo é mais comum após o contato com direto com um alérgeno. Esse processo geralmente é auto-limitado, mas podem resultar em reação inflamatória subaguda, que pode evoluir para padrão eczematoso crônico associado a trauma autoinduzido que é secundário ao ato de coçar a pele vulvar. 44 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia O agente para iniciar o prurido pode não ser identificado e poderá ser até mesmo psicogênico. Manifestações clínicas Prurido vulvar intenso por semanas, meses ou anos. Dermatite atópica em paciente jovem Diagnóstico clínico Mancha eritematosa em vulva de tamanho e contornos variados. Tratamento clínico Tentar identificar o agente alergênico: evitar roupas íntimas sintéticas, usar sabão líquido hipoalergênico, evitar usar papel higiênico e protetor diário de calcinha, trocar o tipo de absorvente, não lavar as roupas íntima com sabão em pó. Compressas de água gelada e uso de anti-histamínico ou corticóide oral (Prednisona 20 mg ao dia) por 1 semana, para alívio do prurido intenso. Para eczemas subagudos ou crônicos, usar corticóide tópico de média potência (betametasona ou dexametasona) pomada, 2x ao dia, por 15 dias Dermatite seborréica3 Conceito Trata-se de uma inflamação crônica da pele em áreas com produção de sebo. Pode acometer todas as faixas etárias, mas a etiologia é desconhecida. Supõe-se que pode estar 45 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia relacionada à produção aumentada de sebo decorrente de maior sensibilidade a androgênios. Tem característica recidivante e pode ficar exarcebada durante períodos de estresse. Manifestações clínicas O prurido vulvar é o principal sintoma e ao exame físico, observa-se lesão eritematosa difusa e simétrica com fina descamação encima da base eritematosa. Frequentemente a paciente apresenta envolvimento extragenital no couro cabeludo, nos sulcos nasolabiais, no canal auditivo externo, no sulco auricular posterior, nas sombrancelhas, na base dos cílios e na região external. Dermatite seborréica em paciente jovem com história de seborréia persistente em couro cabeludo. Diagnóstico O diagnóstico é eminentemente clínico. Tratamento4-6 Lavar as áreas afetadas com shampoo com sulfeto de selênio, com enxofre e ácido salicílico diariamente na fase aguda e manter 2 vezes por semana na fase de manutenção. Pode-se aplicar corticoide tópico de média potência como o valerato de betametasona a 0,1%, 1 vez ao dia por 1 semana. Nos casos persistentes deve-se usar Cetoconazol creme, duas vezes ao dia por 1 mês. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 1- Holland J, Young ML, Lee O, C-A Chen S.Vulvovaginal carriage of yeasts other than Candida albicans. Sex Transm Infect. 2003 Jun;79(3):249-50. 2- Richter SS, Galask RP, Messer SA, Hollis RJ, Diekema DJ, Pfaller MA. Antifungal 46 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia susceptibilities of Candida species causing vulvovaginitis and epidemiology of recurrent cases. 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Br J Clin Pract. 1991 Winter;45(4):279-84. 47 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 48 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia DERMATOSES VULVARES (LÍQUENS) LÍQUEN PLANO VULVAR O Líquen Plano Vulvar (LPV) se apresenta como pápulas ou placas eritematosas e eventualmente erosadas da região vulvar, onde o prurido é sua principal manifestação. É considerada doença de aparecimento infrequente ou mesmo rara. Corresponde a processo inflamatório da pele e/ou mucosa vulvar, podendo ser observada em forma localizada ou até mesmo generalizada. Achados Clínicos e Diagnósticos - As lesões evidenciadas no LPV caracterizam por pápulas planas eritematosas de longa duração e às vezes, lesões vasculares purpúreas distintas, podendo ser discretas ou unir-se para formar placas. Tendem a ser descamativas e eventualmente erosivas. Ocupam com maior frequência a face interna dos lábios menores na forma erosiva (figura 1). Apesar dessas lesões vaginais não serem observadas, rotineiramente, é citada a possibilidade de fusões de vagina, ocasionada pela evolução das lesões (Fig2). Em cerca de 60% dos casos podem existir lesões orais (mais prevalentes) ou quando, no tegumento, com predileção pelo tronco e superfícies das curvas. Os casos típicos de líquen plano de mucosa genital possuem eritema circundado por borda reticulada, chamado de fenômeno de Wickman (fig.1), como visto no líquen plano de boca, e é a melhor área para realizar a biópsia, e obter a confirmação diagnóstica. O líquen plano de mucosa genital como referimos, pode estar associado a lesões orais, sendo que a inspeção da mucosa oral pode levar a importantes pistas diagnósticas. A vagina também pode estar afetada e a descamação do epitélio vaginal pode levar a sangramento, que. Este pode ocorrer espontaneamente ou pelo toque, causando grande sensação de desconforto na paciente. Ao menos 50% das pacientes referem-se à dispareunia(1). Histologicamente apresenta padrão citado como "dente serrado" de hiperplasia epidérmica e alteração vacuolar da camada basal da epiderme, juntamente com um infiltrado inflamatório dérmico superior intenso, composto predominantemente por células-T A etiologia é desconhecida, embora a hipótese de causa imunológica seja mais provável (1). Diagnóstico diferencial = deve ser feito com o Líquen escleroso Atrófico (LEA) e neoplasia intraepitelial da vulva. As principais pistas diagnósticas para diferenciar do LEA é que neste, o restante da pele vulvar e perianal está frequentemente acometida, enquanto a mucosa oral e vaginal comumente não está afetada. O líquen plano afeta mulheres adultas, não tendo sido relatado antes da puberdade, em contraste com o LEA que é visto em crianças. 49 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Tratamento - Os corticóides tópicos potentes como o propionato de clobetasol propiciam remissão satisfatória em mais de 70% dos casos. A posologia sugerida é de aplicação duas vezes ao dia, por três meses e doses de manutenção a posterior. Em alguns casos, após longo período (em torno de 10 anos) o LPV pode entrar em remissão, podendo ocorrer em cerca de 10 a 15% destes (4,6). Seguimento - Embora não exista definição da associação com o câncer vulvar, pelo fato de se tratarem de leões de cronicidade onde, eventualmente, possam manter o ato do prurido e traumatismo, recomenda-se seguimento em longo prazo. A biópsia deve ser praticada em todas as lesões papulares e/ou ulcerativas que não cicatrizam, conforme já referido quando da descrição do LEA. O caso de uma paciente com LPV que desenvolveu carcinoma escamoso já foi descrito, embora não tenha se definido esta relação causal (6). Fig. 1- LPV demonstrando área eritematosa circundada por borda reticulada (Coleção do Ambulatório de Lesões Genitais do Departamento de Tocoginecologia HC/UFPR – Newton de Carvalho) Fig. 2 – LPV onde ocorreu fusão parcial das paredes vaginais junto ao períneo (Coleção do Ambulatório de Lesões Genitais do Departamento de Tocoginecologia HC/UFPR – Newton de Carvalho) LÍQUEN ESCLEROSO E ATRÓFICO GENITAL CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA Líquen Escleroso e Atrófico (LEA) é uma dermatose inflamatória crônica e benigna com predominante localização vulvar. Embora pouco frequente, pela sintomatologia molesta, necessita de diagnóstico e tratamento eficazes. Afeta tanto a epiderme quanto a derme predominando na região genital feminina, sendo a relação aproximada de dez mulheres para um homem acometido. Acomete mais a faixa etária da mulher adulta e principalmente no período pós menopausal. É infrequente em meninas e rara em crianças e mais ainda em meninos e ao que parece, predomina entre caucasianas. Caracteriza-se pela presença do prurido vulvar associado como aparecimento de pápulas 50 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia branco-nacaradas, que podem agrupar-se e assumir progressivamente aspecto apergaminado na pele. ETIOPATOGENIA A etiologia do LEA ainda é desconhecida, mas há evidências de base multifatorial. Existem fortes indícios de que esteja relacionada à alteração hormonal e ao que parece, a origem imunológica é o principal mecanismo relacionado com o desenvolvimento da doença. A teoria hormonal se evidencia pelo fato de predominar, após a menopausa, na regressão do funcionamento ovariano, porém quando ocorre em meninas tende a regredir, espontaneamente, após a puberdade. Há algum tempo, acreditava-se que a associação com os níveis séricos de testosterona fossem o fator etiológico principal, e a resposta favorável à testosterona tópica associada com a diminuição dos níveis de diidroepiandrosterona, testoterona livre e androstenediona corroborava esta possibilidade que, posteriormente, mostrou-se inconsistente, como sendo a causa principal. Fatores genéticos também poderiam estar envolvidos, uma vez que existem casos familiares (2). As doenças comumente associadas são: alopecia e vitiligo, porém alterações da tireóide, anemia perniciosa e diabetes mellitus também têm sido referidas como fatores associados. Neste caso, o Diabetes Mellitus, pela sua frequência e associação com o prurido genital é de grande importância que seja afastado. Atualmente, a pronta resposta ao uso de corticóides tópicos de alta potência sugere a origem imunológica, como sendo a mais provável e estas medicações são o pilar principal do seu tratamento. ASPECTOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICOS O líquen escleroso e atrófico ocorre predominantemente, em toda a área anogenital (83 a 98% dos casos), com lesões extragenitais em 15 a 20% dos pacientes. Nas mulheres os sintomas mais frequentes são: prurido, irritação local, disúria, dispauremia, fissuras e em alguns casos, até mesmo dor na região genital. O prurido é o sintoma principal e em algumas ocasiões, ele é tão intenso que a paciente exagera neste ato, até propiciar soluções de continuidade da pele e, então, com a escarificação, surge à dor que suplanta em intensidade os receptores do prurido. Neste caso, a paciente prefere ter dor, ao prurido, tal a tenacidade deste. Assim, em algumas situações, o prurido é tão persistente e tenaz que pode até mesmo alterar o comportamento psicológico da paciente. 51 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Em relação à atrofia genital, ela é fruto da cronicidade do processo, embora nem sempre se acompanhe deste prurido intenso acima referido. Em algumas situações, o processo de atrofia se acentua, dificulta e, eventualmente, até mesmo impede o relacionamento sexual. Existem descrições de tal a intensidade desta situação que a paciente não suportaria nem mesmo o toque unidigital, na ocasião da consulta ginecológica. Habitualmente, as estruturas anatômicas mais afetadas obedecem a uma ordem cronológica de ocorrência sendo a mais encontrada: clitóris, pequenos lábios, intróito vaginal e grandes lábios. Há uma tendência para a doença ocorrer, da parte superior em direção a posterior. As lesões são branco-eritematosas, opacas, nacaradas, na face interna dos grandes lábios e vestíbulo vulvar ( Fig. 1), e quando se estendem para o períneo e região perianal, adquirem aspecto típico de como se fosse um"oito". Ocasionalmente, as lesões atróficas se apresentam enrugadas sugerindo aspecto de "papel de cigarro"( fig. 2). Em algumas situações, em processo avançado pode ocorrer o desaparecimento completo do clitóris, pequenos e grandes lábios, e estenose do intróito vaginal (fig. 2) – quadro este antigamente denominado de “craurose vulvar” que devido a possibilidade de confusões na nomenclatura, foi abandonado(8). Em relação aos aspectos histológicos, é observado aplanamento ( retificação) das papilas dérmicas com infiltrado inflamatório e homogização do colágeno subjacente. Camada de ceratina como indício de proliferação pode ser observada. A localização extragenital ocorre em percentual que varia de 8 a 20% dos casos. As lesões são máculas ou placas atróficas podendo se localizar na região ântero-superior do tronco, em pescoço, antebraços, dorso, orelha, boca e nariz. As localizações atípicas são: região palmoplantar, mamilos, couro cabeludo e facial, quando é feito diagnóstico diferencial com lúpus discóide. Formas disseminadas da doença são extremamente raras (8). O diagnóstico diferencial pode ser feito com dermatoses de ocorrência na região genital e entre elas, o vitiligo tem aspecto semelhante. Porém, neste caso, não existe alteração na consistência da pele ou mucosa. Além destes, também as neoplasias como a Doença de Paget extramamária, ou a neoplasias intraepiteliais vulvares podem ser confundidas com o LEA. Na fig.4 observamos lesão de Doença de Paget extramamária como possível diagnóstico diferencial CONDUTA No manejo do LEA deveremos atender os seguintes pontos: controle dos sintomas - Onde o prurido se situa como sendo o mais importante e que poderemos até mesmo interpretar, na vigência do seu controle, como sendo uma resposta positiva a medicação. Em algumas situações o prurido é intenso principalmente à noite e a solicitação para que a paciente apare as unhas ou mesmo que use luvas pode ser uma sugestão interessante. O tratamento básico tem por finalidade inibir o “ciclo do prurido”. Neste caso, devido ao ato de coçar, existe a liberação de substâncias do 52 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia processo inflamatório, o que aumenta mais a vontade de coçar. Ou seja, “quando mais a paciente se coça, mais tem vontade de se coçar. Portanto, o bloqueio deste mecanismo é fundamental e justifica de inicio, a indicação da dose de ataque da medicação. prevenção e tratamento das complicações - Onde a atrofia genital deve ser prevenida com o pronto tratamento e com acompanhamento à manutenção prolongada da medicação. Nesse caso, a terapêutica hormonal tópica através de uso de cremes vaginais tem sua indicação. Além disto, em algumas situações extensas, os androgênios usados topicamente podem auxiliar na diminuição deste processo, pois têm a capacidade de engrossar as camadas da pele, lembrando que como efeitos colaterais podem propiciar a hipertrofia do clitóris (fig. 5). diagnóstico precoce das lesões malignas – Embora o LEA não tenha o potencial oncogênico que se acreditava anteriormente, quando se dizia que perto de 70% poderia se “transformar” em câncer, é sabido que se trata de uma situação considerada precursora da neoplasia vulvar e deste modo deve ser encarada com seguimento rigoroso (Figs. 6 e 7). Devido a este potencial considera-se que o LEA vulvar deva ser seguido indefinidamente. Neste período de seguimento, o ideal é que o prurido vulvar crônico tenha se extinguido, pois, o ato de coçar é citado, devido ao traumatismo constante, como sendo potencial fator originário das atipías vulvares. Neste sentido, a evidência das seguintes alterações durante o período de seguimento deve ser investigada, histologicamente, através da biopsia vulvar: úlceras ou lesões elevadas e tumorais (figs. 6 e 7), áreas hiperceratóticas mais densas, áreas pigmentas acinzentadas ou amarronzadas e de aspecto aveludado ( nível de evidência C )(4). Portanto, frente a caso de LEA, devem ser observadas as medidas citadas no quadro 1. _ Quadro 1: Medidas a serem tomadas em casos de LEA vulvar. ü Afastar carcinomas; ü Diagnosticar e tratar Diabetes Melitus; ü Uso de corticóides tópicos de alta potência; ü Uso de estrogênios tópicos/sistêmicos quando o LEA se associa com a atrofia genital; ü Androgênios tópicos em algumas situações de extrema atrofia das estruturas vulvares Em relação ao uso do corticóide tópico, a preferência recai sobre o Clobetasol que como sugestão poderá ser utilizada inicialmente na forma de dose de ataque, com manutenção posterior conforme sugere o quadro 2. 53 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Quadro 2: Sugestão para esquema de uso do Clobetaso tópico. ü 1 aplicação 2X ao dia = 30 dias iniciais (dose de ataque) ü 1 aplicação 1X ao dia = 3 meses ü 1 aplicação 3 a 2X semana = 3 a 6 meses ü 1 aplicação 1X semana ou até a cada 15 dias como manutenção Portanto, o uso do corticosteróide tópico ultrapotente como clobetasol é fortemente recomendado (nível de evidência B) como conduta principal no LEA (4). PERSPECTIVAS Algumas considerações sobre novas tentativas de modalidades terapêuticas são sugeridas tais como: Estudos recentes descreveram puvaterapia com resposta moderada. Igualmente, tem sido proposto o uso tópico de tacrolimus, com a promessa de ser droga de alta eficácia e poucos efeitos colaterais (3). Fig. 1 - Placa hiperceratótica inicial em área peri-clitoriadiana em caso de LEA ( foto da coleção do Ambulatório de Lesões Genitais/Departamento de Tocoginecologia-HC/UFPR/Newton de Carvalho) Fig. 2 – LEA em fase de intensa atrofia. Observa-se o desaparecimento das estruturas vulvares. Detalhe para o enrugamento da pele vulvar ( efeito “papel de cigarro”) ( foto da coleção do Ambulatório de Lesões Genitais/Departamento de Tocoginecologia-HC/UFPR/Newton de Carvalho) 54 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Fig. 3 – Aspecto histológico de biópsia definindo LEA. (foto da coleção do Ambulatório de Lesões Genitais/Departamento de Tocoginecologia-HC/UFPR/Newton de Carvalho e Setor de Anatomia Patologica/Luiz Martins Colaço) Fig. 4 - Lesão hiperceratótica em Doença de Paget Vulvar como diagnóstico diferencial do LEA - (foto da coleção do Ambulatório de L e s õ e s G e n i t a i s / D e p a r t a m e n t o d e To c o g i n e c o l o g i a HC/UFPR/Newton de Carvalho) Fig. 5 – Caso de hipertrofia clitoriadiano em paciente com LEA e uso crônico de creme de androgênio tópico (foto da coleção do Ambulatório de Lesões Genitais/Departamento de TocoginecologiaHC/UFPR/Newton de Carvalho) Figs. 6 e 7 - Casos de lesões ulcerada e tumoral configurando Carcinoma Vulvar associado em pacientes portadoras de LEA-(foto da coleção do Ambulatório de Lesões Genitais/Departamento de Tocoginecologia-HC/UFPR/Newton de Carvalho) 55 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia LÍQUEN SIMPLES VULVAR Líquen Simples Vulvar (LSV) ou também chamado Líquen Simples Crônico da Vulva se apresenta como um processo eczemático crônico da região vulvar onde o engrossamento da pele, frequentemente, é associado com fissura ou escoriações. É um exemplo clássico da permanência do ciclo do prurido vulvar, pois com o processo pruriginoso se mantendo, há uma tendência do engrossamento da pele e, com isto, facilitando a instalação de soluções de continuidade, como fissuras, escoriações e persistência da área inflamatória. Com isto, há uma tendência de manutenção do prurido. Etiopatogenia e Fatores de Risco É mais observado em adultos jovens e alguns citam como tendo relação com situações de estresse. Outros, já se referem ao estresse como sendo fator de manutenção da lesão (7). Diagnóstico O prurido é o sintoma principal embora, em alguns casos, as perdas teciduais possam cursar com ardência ou até dor. Predomina a localização pontual em pele labial e, em algumas situações, a paciente se torna ansiosa, pois tem o sono perturbado pelo prurido noturno. Eventualmente, sobre as soluções de continuidade podem se instalar processos infecciosos secundários. Na histopatologia predomina engrossamento das camadas da pele e hiperceratose. Também ocorrem aumento e aprofundamento das papilas dérmicas (papilomatose) e processo inflamatório no colágeno. O diagnóstico diferencial é feito com as demais condições anteriormente citadas. Entre elas principalmente com o LEA e ainda com candidíase a psoríase vulvar. Tratamento Como não se sabe exatamente a origem inicial do prurido, o tratamento visa, fundamentalmente, inibir o ciclo de manutenção deste. Para tanto, poderemos iniciar com aplicação de corticóides de média potência como betametasona (valerato) sendo que em alguns casos, se faz necessário o uso de alta potência como o clobetasol. Os antihistamínicos podem ser interessantes, pois além de auxiliar no combate ao prurido, alguns deles também propiciam relativa sedação que podem ser importantes em alguns casos. Damos preferência para o hidroxizine usado via oral, à noite, antes da paciente dormir, na dose diária de 10 a 25 mg. Lembramos que nos casos onde se instalou processo infeccioso local, o uso de antibióticos deve ser associado. 56 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Perspectivas Alguns citam a injeção intralesional de corticóide (triancinolona) como medida heróica naqueles casos não responsivos e com resultados variáveis (7). DOENÇAS VULVARES: VISÃO GERAL De forma sumária podemos dizer que os sintomas de doenças vulvares são comuns, frequentemente crônicos, e podem interferir, significativamente, com o bem estar destas, bem como com sua emotividade e função sexual. Os sintomas presentes mais comuns são o prurido, a ardência e a dor. Na avaliação das mulheres que relataram tais sintomas, entre os diagnósticos sugeridos, estão as doenças dermatológicas onde se incluem as três entidades resumidamente descritas. Condições agudas comumente associadas com prurido vulvar incluem dermatite de contato e infecções. As infecções não comentadas neste artigo, inclue principalmente as fúngicas e, entre elas, a candidíase (candidíase vulvovaginal) e tinea cruris, sendo que outras causas a serem pensadas são: tricomoníase, molusco contagioso, escabiose e pediculose. Causas crônicas de prurido vulvar incluem dermatoses como: dermatite de contato e atópica, psoríase e atrofia genital, além das situações aqui comentadas, quais sejam o líquen escleroso, líquen plano e líquen simples. Devem ser afastadas, prioritariamente, as causas neoplásicas e entre elas a neoplasia intraepitelial vulvar, câncer vulvar e doença de Paget. A infecção pelo Papiloma Vírus Humano (HPV) em algumas situações pode apresentar envolvimento com as neoplasias vulvares e, também, representa uma das importantes causas infecciosas. Entre as doenças sistêmicas que podem apresentar manifestação vulvar citam-se a doença de Crohn, tuberculose e, raramente, metástases de alguns tumores. Por fim, não devemos esquecer que a região vulvar é altamente sensível a possíveis agentes irritantes e/ou pruriginosos-alérgenos. Entre eles, devemos citar as dermatites de contato associadas com talcos, sabões, antissépticos, borracha e látex de preservativos, contraceptivos vaginais, lubrificantes vaginais, detergentes, emolientes, tampões vaginais, e produtos de higiene vaginal em geral. Além do que, os tecidos de vestuário íntimo e jeans das calças, sobretudo quando associados ao clima com calor exagerado podem dificultar a aeração desta região e facilitar a instalação de processos irritativos. Igualmente, algumas medicações tópicas como: anestésicos, antimicóticos, corticosteróides, ácido tricloroacético, podofilina ou cremes tópicos e vaginais em geral, também podem causar algum tipo de dermatite de contato. Portanto, a região vulvar é, sobretudo, local onde deveremos ponderar o eventual benefício das medicações prescritas em relação aos seus possíveis efeitos colaterais irritantes. 57 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1-Kirtschig G.; Wakelin S.H.; Wojnarowska F. Mucosal vulval lichen planus: outcome, clinical and laboratory features. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2005 May;19(3):301-7. 2-Sherman V.; McPherson T.; Baldo M.; Salim A.; Gao X.H.; Wojnarowska F. The high rate of familial lichen sclerosus suggests a genetic contribution: an observational cohort study.. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2010 Feb 25. 3-Kauppila S.; Kotila V.; Knuuti E.; Väre P.O.; Vittaniemi P.; Nissi R. The effect of topical pimecrolimus on inflammatory infiltrate in vulvar lichen sclerosus. 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Williams & Wilkins, 2000 58 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia VULVOVAGINITES INTRODUÇÃO E DEFINIÇÃO Vulvovaginites e vaginoses são as causas mais comuns de corrimento vaginal patológico, responsáveis por inúmeras consultas aos ginecologistas. São afecções do epitélio estratificado da vulva e/ou vagina, diferenciando-se das cervicites, que acometem a mucosa glandular, tema de outro tópico deste capítulo, onde as causas mais comuns são infecções por clamídia e gonococo. Por outro lado, os agentes etiológicos mais frequentes nas vulvovaginites e vaginoses são os fungos, as bactérias anaeróbicas em número significativamente aumentado, tricomonas, que é um protozoário, até mesmo um aumento exacerbado da flora normal de lactobacilos. Outras causas mais raras serão apenas citadas ao fim do capítulo. Muitas vezes é complexo conduzir casos de vulvovaginites e vaginoses rebeldes, assim como preveni-las, pelo conhecimento incompleto da patogênese de várias condições associadas às mesmas. Da mesma forma é comum as pacientes chegarem com lista de medicamentos já utilizados em sequência, além de automedicações, o que dificulta ainda mais o sucesso diagnóstico e terapêutico. A presença de mais de um patógeno mascara sinais e sintomas, por isso seria necessário o diagnóstico microbiológico, porém nem sempre disponível. Vale ressaltar que frequentemente as pacientes queixam-se de “infecções vaginais” pelo fato de perceber as descargas vaginais fisiológicas como anormais. Geralmente variam com o ciclo menstrual e com as etapas do ciclo de vida feminino. Apesar de excluirmos a possibilidade de infecções com exames de microbiologia, devemos esclarecer detalhada e pacientemente o caráter FISIOLÓGICO do corrimento vaginal como queixa. 59 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia CANDIDÍASE VULVOVAGINAL (CVV) 1- EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA Apesar dos avanços terapêuticos, CVV permanece como problema frequente em todo o mundo, afetando todas as camadas sociais. Sabe-se que a resposta imunológica local vaginal desenvolve-se lentamente, apesar da crescente lista de fatores de risco conhecidos, porém ainda temos que compreender melhor os mecanismos patogênicos da cândida na vagina. A ausência de testes rápidos, simples e baratos continua mantendo tanto super quanto subdiagnósticos de CVV¹. O agente causal é a candida albicans em 80 a 92% dos casos, podendo o restante ser devido às espécies não albicans (glabrata, tropicalis, Krusei, parapsilosis e Saccharomyces cerevisae². Durante a vida reprodutiva, 10 a 20% das mulheres podem ser colonizadas com candida sp, assintomáticas, NÃO REQUERENDO TRATAMENTO³. A maioria das candidíases vulvovaginais não são complicadas, respondendo a vários esquemas terapêuticos que mostraremos a seguir. 2- FATORES DE RISCO E RECORRÊNCIA Quando há a CVV recorrente, muda-se a terapia e o estilo de vida, se possível. A CVV recorrente é definida quando a paciente refere quatro ou mais episódios de CVV (SINTOMÁTICOS) em um ano e geralmente é causada por C. albicans susceptível aos azóis em regime supressivo por pelo menos seis meses, uma vez por semana, com controle dos sintomas em 90% das pacientes4. A incidência da CVV aumenta após a menarca, com picos entre 30 e 40 anos. A candidíase sintomática é causada por uma resposta imunológica inata AGRESSIVA e deve ser tratada. Entretanto as mulheres assintomáticas com candidose não apresentam resposta inata inflamatória à cândida5. A CVV, segundo Sobel JD, inclui CVV complicada e não complicada. As complicadas não respondem aos azóis em curto prazo, consistindo em 10% das CVV, baseadas na apresentação clínica, nos achados microbiológicos, nos fatores do hospedeiro e na resposta à terapia convencional. A CVV complicada é definida como severa ou recorrente, ou por outras espécies de cândida ou hospedeiro com resposta imunológica inadequada6. Essas pacientes apresentam fatores de risco que alteram a resposta imunológica ao 60 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia fungo, como estados hiperestrogênicos, diabetes mellitus, imunossupressão por medicamentos ou doenças de base, gravidez, uso de tamoxifeno, uso de antibióticos, assim como hábitos alimentares e de vestimentas propícios ao crescimento contínuo dos fungos, levando em conta também a alimentação e várias automedicações prévias inapropriadas. 3- DIAGNÓSTICO CLÍNICO E LABORATORIAL Clinicamente a paciente pode referir os seguintes sintomas, diante de uma CVV clássica: Prurido Ardência Corrimento geralmente grumoso, sem odor Dispareunia de intróito vaginal Disúria externa Os sinais característicos são eritema e fissuras vulvares, corrimento grumoso, com placas aderidas à parede vaginal, de cor branca, edema vulvar, escoriações e lesões satélites, por vezes, pustulosas, pelo ato de coçar. (FIG. 1) Figura 1: Vulvite eritematosa com edema de pequenos lábios e micro-erosões. Corrimento grumoso branco aderido à parede vaginal. Devemos lembrar que nenhum desses sintomas ou sinais são patognomônicos de candidíase vulvovaginal. As pacientes freqüentemente fazem seu “próprio diagnóstico”, entretanto mais da metade das mesmas erram, confundindo com outras condições como dermatites, reações alérgicas, líquen escleroso, herpes genital primário, vulvites químicas, etc. Portanto a adição do diagnóstico laboratorial é valiosa. Antes de prescrever terapia antifúngica empiricamente, o diagnóstico deveria ser confirmado com uma citologia a fresco utilizando soro fisiológico e hidróxido de potássio a 10% para visibilizar a presença de hifas e /ou esporos dos fungos. Além disso, a CVV está associada a pH normal vaginal (< 4.5). Se a citologia a fresco for negativa, culturas vaginais específicas deveriam ser realizadas7. No contexto dos serviços de saúde sexual, a ROTINA MICROSCÓPICA e CULTURA são standard no cuidado diagnóstico para mulheres SINTOMÁTICAS (III, C)8. O Swab vaginal deve ser coletado do fórnice anterior 9(III, B) para realizar: 61 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Gram ou citologia a fresco8 (III, B) Cultura específica para candida albicans e não albicans de preferência se a CVV não for complicada e essencial se for complicada (suspeita ou presente) 10 (III, B). Vale ressaltar que clinicamente, com o teste de Schiller, com ou sem o colposcópio, a CANDIDÍASE VAGINAL apresenta colpites em pontos, por vezes erosiva, quando a resposta inflamatória é muito intensa, já diferenciando da vaginose bacteriana, que além de ter pH alto, mantém as paredes íntegras, pois não há aderência de placas ao epitélio vaginal, como ocorre na candidíase, levando à intensa inflamação nas pacientes sintomáticas. Há unanimidade em não se indicar exames de screening para candidose, pois ocorrerá positividade em 10 a 20% dos casos, NÃO sendo necessário tratar, pois apresentam resposta imunológica inata com inflamação à cândida5. (C, IV). A medida do pH vaginal não é utilizável no diagnóstico de CVV, pois pode coexistir com vaginose bacteriana (VB),(C,IV). Entretanto o pH vaginal na CVV é geralmente normal, ácido 5(B,III).Como o custo da fita medidora de pH é baixo, acreditamos que possa auxiliar no diagnóstico, diante de exame clínico muito característico e impossibilidade momentânea de realizar outros testes , devendo aliviar os sintomas da paciente. Salientamos que, sempre que POSSÍVEL, deve-se obter o DIAGNÓSTICO MICROBIOLÓGICO da CVV que deve ser realizado com swab coletado por colocação de espéculo vaginal, preferencialmente no fórnice vaginal anterior (B, III), para estudo a fresco, gram ou cultura específica, esta última sendo recomendada, sobretudo nos casos de CVV complicada (B, III). A autocoleta dos exames supracitados, às cegas, pode ser utilizada se não houver possibilidade de coleta dirigida (C, IV) e para cultura específica em VVC recorrente / persistente, em pacientes sintomáticas, antes de tratá-las, combinadamente com DIÁRIO de sintomas como parte do processo (C, IV)12. Não há utilidade comprovada no teste de sensibilidade aos antifúngicos, para as CVV complicadas (B, III). Pode-se indicar para mulheres com DISTÚRBIO IMUNOLÓGICO CRÔNICO (B, III) e quando isolou-se repetidas vezes as espécies não albicans (C, IV)12. Lembrar-se que o abuso de culturas diante de sintomas que lembram candidíase, mas pode-se tratar de dermatoses vulvares pruriginosas, de vulvodínia (vestibulodínias) não associadas à CVV, etc., pode levar o médico a insistir em tratamentos com antifúngicos por tempo prolongado, devendo sempre ter em mente a possibilidade de diagnósticos diferenciais, diante de CVV recorrente, com culturas positivas, entretanto, “ASSINTOMÁTICAS AOS FUNGOS”, porém sintomática em razão de diagnósticos não realizados, como por exemplo, a liquenificação vulvar (dermatose conseqüente ao ato de coçar que hiperplasia o epitélio levando novamente ao ato crônico de coçar), que pode até ter sido deflagrada por um episódio antigo de CVV pruriginosa CURADA, com persistência do prurido apenas pela DERMATOSE LIQUENIFICAÇÃO, que deve ser 62 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia tratada com dermocorticóides, de maneira OPOSTA à CVV 13(C, IV). Basta lembrarmos que o isolamento de candida é comum em mulheres assintomáticas, nas quais o tratamento é contra indicado (B, III)12. A citologia a fresco observando muitas hifas do fungo implica em alta carga fúngica, portanto ela é específica, porém não muito sensível no diagnóstico da CVV (B, III), em contraste com a cultura que é muito sensível e pouco específica (B, III). Lembrar-se que SEVERIDADE dos episódios de CVV é proporcional aos sintomas e sinais clínicos e não aos dos laboratoriais e a SEVERIDADE pode requerer tratamento mais intensivo (A, IB). Clinicamente não destingue-se a espécie de cândida causadora do quadro (B, III). Apenas o fato desses 5 a 10% de casos não responsivos aos azóis serem compatíveis com espécies não albicans 12. (B, III) A CVV recorrente já foi definida no início por quatro ou mais surtos ao ano4 (IV, C), geralmente devido à C.albicans, enquanto a CVV persistente geralmente é causada por outras espécies e acomete hospedeiros com resposta imunológica muito inadequada e estando na perimenopausa4. (C, IV) Os testes de cura só estão indicados após tratamento de infecções persistentes nãoalbicans 12(C, IV) tendo pelo menos duas culturas negativas com uma semana após o tratamento e intervalo de pelo menos uma semana entre as duas tomadas (C, IV). Não há necessidade de PCR (reação de polimerase em cadeia), a não ser em pesquisa, para diferenciar a CVV recorrente da persistente (C, IV), que não altera sobremaneira a conduta clínica12. Simplificando antes de iniciar terapêutica antifúngica, O DIAGNÓSTICO deve ser confirmado com citologia a fresco, além de medir o pH, que geralmente é normal ácido (<4.5). Se não concluiu-se, desde que possível, deve-se obter material para a cultura para candida7. 4- MUDANÇAS DE HÁBITOS Como conselho geral não utilizar sabonetes e cremes vulvovaginais que não respeitem o pH, nem perfumados, nem irritantes, assim como evitar o uso de roupas sintéticas e apertadas (C, IV)11. Em nosso país os ginecologistas já solicitam automaticamente a mudança de hábitos, por termos clima e hábitos de vida mui propícios à candidíase recorrente, sem evidência, mas com experiência de ver dobrar o número de casos no verão carioca, chegando uma mesma paciente fazer quatro surtos de novembro a março, quando a temperatura alcança os 40º C e a umidade do ar beira 80%. Apesar das evidências, a experiência já instituiu essas e outras mudanças de hábitos capazes de 63 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia diminuir o número de surtos de candidíase, que ultrapassa em, que incidência a vaginose bacteriana no verão, comportando-se de maneira SAZONAL. Que façam um estudo baseado em evidência científica para provar o que é fato concreto aqui em nosso país. Mas já é FATO! Além de tratar-se de país continental, com climas e estilos de vida diversos. Sabe-se que o ecossistema vulvovaginal tem suma importância na proteção da genitália feminina, portanto, na prevenção das vulvovaginites. Acredita-se que a não aeração da genitália feminina altere a flora vaginal facilitando as infecções. Não há estudos que sustentem a mudança de hábitos, pela dificuldade de padronizar as diversas variáveis envolvidas. No entanto é notório a MUDANÇA DE HÁBITOS acontecer por iniciativa da paciente com candidíase recorrente, que refere diminuição dos surtos e alívio dos sintomas quando abole as vestimentas apertadas, sintéticas, molhadas permanentemente, cosméticos genitais, abuso de substâncias cítricas, laticínios e açúcares, além dos cuidados com as roupas e higiene íntimas. Não negligenciar nem exagerar! O USO DE PRODUTOS HIGIÊNICOS ADEQUADOS MINIMIZA OS RISCOS ALERGÊNICOS E IRRITANTES, ALÉM DE INTERFERIR MENOS COM A MICROBIOTA REGIONAL14 (C, IV). E vale salientar que as vulvovaginites alérgicas ou irritativas são diagnóstico diferencial de candidíase, além das próprias vulvovaginites alérgicas poderem deflagrar crises de candidíase. Nesse tópico, a medicina individual baseada na experiência e na inteligência, além de individualizar casos, vale mais que a medicina baseada em evidência, ajudando tanto quanto as terapias convencionais. A candidíase, se não associada à outra infecção vaginal, ocorre em pH ácido, e quando a acidez vaginal é excessiva, soluções de bicarbonato na proporção de uma colher de sopa para 500 ml a 1l d.água podem aliviar a paciente imediatamente. Há décadas usa-se soluções caseiras para alívio dos sintomas e, quiçá, a cura dos mesmos, em casos menos agressivos não complicados. Alguns estudos preconizam a reposição dos lactobacilos vaginais, ingerindo-se substâncias probióticas, diminuindo infecções genitais, dentre elas, a candidíase recorrente15. Não há evidência científica nem biológica ao lembrarmos que candidíase ocorre com pH normal vaginal ácido e, se houver mais lactobacilos, conseqüentemente, haverá mais ácido lático e favorecimento ao crescimento das cândidas. Por outro lado, os probióticos utilizados não são produtores de água oxigenada, como os lactobacilos defensores vaginais. E mesmo que fossem, faria sentido utilizá-los para melhorar a vaginose bacteriana e não a candidose. Ainda na mudança de hábitos, sabe-se da relação da CVV com os esteróides. Deve-se dar preferência aos contraceptivos orais de mais baixa dosagem, assim como terapia hormonal de baixa dose, explicando à paciente os motivos, para que tenha aderência aos conselhos concomitantes. Lembrar do uso indiscriminado de antibióticos e corticóides como fatores desencadeantes de candidíase. 64 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 5- TRATAMENTO O tratamento deve ser realizado por só uma via de administração (oral ou vaginal). Se houver infecção mista, pode-se prescrever o tratamento para cada agente etiológico por cada uma das vias. Não há necessidade de convocar o parceiro, a não ser que o mesmo apresente queixas. Vale salientar que é ilegal a prescrição automática para o parceiro na receita da própria paciente. Para crianças e mulheres sem vida sexual ativa, o material é preferencialmente coletado com swab e dá-se preferência ao tratamento sistêmico. Existe grande variedade de agentes orais e tópicos disponíveis. Não há evidências de superioridade de nenhum agente tópico7 ou oral. Portanto uma crise de CVV não complicada pode ser EFETIVAMENTE tratada com DOSE-ÚNICA ou terapia curta atingindo resposta superior a 90%, com azóis ou poliênicos: Fluconazol 150 mg, dose única ou Itraconazol 200 mg, 12/12h, 1 dia, ou cetoconazol 200mg, 12/12h, 5 dias, via oral ou Nistatina oral, esquemas mais prolongados. Quanto aos cremes ou óvulos vaginais, temos o butoconazol a 2%, creme 5g, dose única, clotrimazol em 3 esquemas, 3, 7 ou 14 dias, miconazol em 4 esquemas, tioconazol dose única, isoconazol dose única ou 7 dias, fenticonazol, terconazol e até mesmo a Nistatina creme por 14 dias, todos com resposta semelhante7. (A, II) Vale salientar que o efeito com látex dos condons e diafragmas são desconhecidos e podem danificar os métodos de barreira. Lembrar que os azóis podem causar irritação vulvovaginal e isso deve ser antecipado às pacientes, para não imaginarem que estão piorando o quadro. Como viu-se que nas CVV agudas não complicadas, as taxas de cura aproximam-se de 90%, a escolha será do profissional, de acordo com a viabilidade, disponibilidade e experiência. Os tópicos externos podem ser utilizados se houver associação de outras dermatoses merecedoras de dermocorticóides (como a liquenificação pelo próprio ato de coçar), ou antibióticos tópicos pelas “pustulettes” periféricas estafilocócicas, também pelo ato de coçar ou grande vulvite micótica, expandindo-se às áreas genitocrurais e nádegas, quando lançamos mão de tópicos de cetoconazol 2 x ao dia, por 15 dias. Quando a CVV é complicada (doença severa ou recorrente ou devida a outras espécies de cândidas que não albicans ou alterações na resposta imunológica do hospedeiro por quaisquer razões), não deve-se tratar com dose única ou esquemas curtos, como os acima descritos para as CVV não complicadas. Nas CVV COMPLICADAS, no mínino um esquema vaginal de 7 dias é requerido ou MÚLTIPLAS DOSES DE FLUCONAZOL 65 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia (150 mg a cada 72h, 3 doses). A terapia com os Azóis, até mesmo o voriconazol, é frequentemente um fracasso quando se trata de C. glabrata. Nesses casos, vale administrar ácido bórico tópico, em cápsulas gelatinosas, na dosagem de 600mg diariamente por 14 dias. Outras alternativas incluem creme de flucytosina 17% sozinha ou em combinação com 3% AmB creme por 14 dias; esses agentes devem ser manipulados por farmacêuticos, mas a resistência da C. albicans aos azóis é extremamente para rara7. (C, IV) O uso inadequado de medicamentos e tratamentos empíricos para CVV pode explicar a colonização e infecção da mucosa vaginal por diversas espécies de candida presentes. Fica evidente a emergência de espécies de candida não albicans, algumas com resistência intrínseca aos azólicos , tais como as glabrata, parapsilosis, tropicalis e guillermondiil6. Nas CVV RECORRENTES (4 ou mais episódios ao ano), que na imensa maioria são causadas pela candida albicans, portanto susceptível aos azóis, após o CONTROLE DOS FATORES SUBJACENTES, como diabete, doenças autoimunes, atopias severas, repetição de receitas de antibióticos e corticóides, aumento dos esteróides, controle da doença - HIV, etc., a INDUÇÃO DE TERAPIA AZÓLICA POR 10 a 14 dias, tópica ou oral, deve ser seguida por regime SUPRESSIVO de pelo menos 6 meses. O mais bem tolerado é FLUCONAZOL 150 MG, ORAL, uma vez por semana, o qual atinge controle de sintomas acima de 90%. Pode ser substituída por CLOTRIMAZOL (200 mg duas vezes por semana) ou 500 mg uma vez por semana, VAGINAL, ou outros azóis vaginais intermitentes também são aconselhados 4.(B, II) O TRATAMENTO DA CVV NÃO DIFERE DE ACORDO COM O FATO DE SER OU NÃO HIV-POSITIVA. As respostas são idênticas7. NA GRAVIDEZ NÃO SE RECOMENDA OS AZÓIS ORAIS, preferindo-se o tratamento com cremes vaginais de Nistatina por 14 dias ou clotrimazol 1% por 7 dias. Em casos de recorrência, pode-se utilizar Clotrimazol 500 mg a cada 1 a 2 semanas para controle dos sintomas. Os antifúngicos orais são drogas classe C, em altas doses há relatos de teratogenia. Não há evidências sobre a necessidade de tratar grávidas assintomáticas (30 a 40%). Conclui-se que na GRAVIDEZ E LACTAÇÃO a TERAPIA ORAL para CVV está CONTRA–INDICADA17 (B, II), mas estudos recentes mostram associações com parto prematuro, indicando sempre o tratamento. A Nistatina é a primeira escolha para o tratamento da CVV por espécies não albicans. Como alguns problemas para consegui-la em alguns países ocorreram em 2008, pode-se considerar os óvulos de anfotericina B, 50 mg, via vaginal, uma vez ao dia, 14 dias, com 70% de sucesso 17 (B, III). Deve-se tratar a CVV, pois é uma porta de entrada e de saída para HIV, HBV e outros patógenos. Diante da candidíase recorrente e outras infecções genitais concomitantes, cabe ao ginecologista diagnosticar, tratar, aconselhar e iniciar investigações de doenças de base, encaminhando aos especialistas quando diagnosticadas ou suspeitadas. 66 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia EPIDEMIOLOGIA, PATOGENIA, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E SITUAÇÕES ESPECIAIS NAS: 1 - VAGINOSE BACTERIANA e 2 - TRICOMONÍASE. 1- VAGINOSE BACTERIANA 1-A) EPIDEMOLOGIA, PATOGENIA E FATORES DESENCADEANTES A vaginose bacteriana (VB) é a desordem mais frequente do trato genital inferior, entre mulheres em idade reprodutiva (grávidas e não grávidas) e a causa mais prevalente de corrimento vaginal com odor fétido. A VB está associada à perda da FLORA VAGINAL NORMAL de LACTOBACILOS, por um motivo ainda desconhecido, mui provavelmente ligado ao coito, a “algo indireto” que com o coito faz com que a vagina responda aumentando a flora polimicrobiana para defendê-la, pela falta da grande linha defensora de lactobacilos que se perderam. Acredito que até mesmo um pelo vulvar que entre com o coito (frequente demais vermos à colposcopia) possa deflagrar esta resposta polimicrobiana defensora, que se chama vaginose bacteriana, caracterizada pela falta dos lactobacilos normais vaginais e por super crescimento de inúmeras bactérias, dentre elas, a gardnerella vaginalis, bacilos e cocos gram negativos anaeróbicos , Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum ,Mobiluncus curtesii e M mulieris, assim como Streptococcus agalactie (grupo B). O “ALGO INDIRETO” ao qual chamo e explico às pacientes é de fundamental importância, já que as mesmas questionam o fato de ser sexualmente transmissível, diante dos sintomas se exacerbarem ou recidivarem durante e/ ou após o coito. Os fatores associados são corpos estranhos como tampões retidos , duchas constantes, “adereços sexuais”, múltiplos parceiros e troca recente de parceiro(s). Nessas duas últimas situações, acredito que seja o contato com diferentes microrganismos, FUNCIONANDO COMO CORPOS ESTRANHOS, e não necessariamente como fator infeccioso, já que não há INFLAMAÇÃO, não há resposta inflamatória comum aos patógenos. Até mesmo o sexo oral, homo ou heterossexual já se mostrou associado à VB em alguns estudos. Compreendo da mesma maneira explicada anteriormente18. Em um grande estudo com 890 mulheres com BV e 890 controles, acharam como fatores associados o FUMO, a falta do CONDOM e o uso de contraceptivos orais19. A flora vaginal normal consiste de bactérias aeróbicas e anaeróbicas, com os LACTOBACILOS VAGINAIS predominando em mais de 95% das bactérias presentes para provavelmente ser uma grande linha de defesa contra infecções, em parte pela própria manutenção do pH ácido inerente à vagina normal e mantendo a produção de peróxido de hidrogênio (água oxigenada) neste microambiente. Por isso não são quaisquer lactobacilos que servem 67 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia para a defesa vaginal. Eles são produtores de H2O2. Por outro lado, quando eles somem (por que? Enigma!) há um aumento das bactérias vaginais patogênicas, principalmente as anaeróbicas ou microaerófilas, que incluem a Gardnerella vaginalis, Mobiluncus, Bacteroides, Prevotella e Mycoplasma (espécies deles). A patogênese é enigmática! Essas bactérias supracitadas, assim como o protozoário trichomonas vaginalis, que abordaremos a seguir, produzem sialidase que pode decompor produtos do muco cervical, levando ao corrimento bolhoso que cobre a vagina. Os lactobacilos também produzem sialidase, mas em muito menor quantidade que na VB e na tricomoníase, provavelmente apenas parte do mecanismo de renovação normal do muco cervical, que fica COMPROMETIDO com o aumento intenso das sialidases, provavelmente por isso facilitando a ascenção de germes na doença inflamatória pélvica (DIP). As bactérias da VB aumentam na época da menstruação, o que explica a maior incidência de DIP pósmenstrual, se houver uma cervicite associada. O uso de antibióticos indiscriminadamente pode ser uma causa da perda dos lactobacilos, assim como fatores locais tais quais diafragma, espermaticidas, o coito, anel vaginal e outros, que facilitariam bactérias impróprias a crescerem, por exemplo a E. coli, que nesses casos citados se associam à alteração da flora, mas rapidamente os lactobacilos deveriam retornar aos níveis basais, o que não ocorrendo, favorece à VB20. Sem lactobacilos, o pH de 4-4,5 aumenta e a gardnerella vaginalis produz aminoácidos, os quais são quebrados pelas bactérias anaeróbicas da VB em aminas voláteis, que aumentam o pH e levam ao odor desagradável particularmente após o coito, geralmente queixa principal da paciente. Os lactobacilos vaginais também são capazes de agregar, de aderir às bactérias patogênicas e fungos à parede vaginal e entre elas, produzindo resposta inflamatória. Sem eles, temos VAGINOSE e não VAGINITE. Como SINAIS E SINTOMAS observamos então a queixa de corrimento perolado, com odor fétido, principalmente após o coito e pós menstrual, com exame especular mostrando paredes vaginais íntegras, marrons homogêneas ao teste de Schiller em sua maioria, banhadas por corrimento perolado bolhoso, às custas das aminas voláteis. Alguns outros estudos sugerem que há resposta inflamatória ao redor do orifício do colo, onde citocinas da gardnerella poderiam produzir uma cascata inflamatória com quebra da rolha mucosa, permitindo a colonização do trato genital superior, ajudando a explicar a ocorrência de DIP ou corioamnionite da gravidez. Em 1999, o Atopobium vaginae, um cocobacilo resistente ao metronidazol, foi descrito em pacientes com VB. Já foi isolado em abscesso tubovariano. Como ele produz muito ácido lático, foi anteriormente confundido com uma espécie de lactobacillus. É sensível à penicilina, clindamicina e vancomicina. A prevalência da VB aumenta consideravelmente em clínicas de DST, comparando-se a consultórios ginecológicos gerais. Um estudo canadense em maternidade mostrou 68 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia prevalência de 14%, similar às não grávidas. É muito variável a prevalência, de 6 a 32%, podendo chegar a 61% em clínicas de DST. 1-B) Vaginose bacteriana: DIAGNÓSTICO CLÍNICO E MICROBIOLÓGICO. Os critérios diagnósticos são os mesmos para grávidas e não grávidas, utilizando a clínica já citada anteriormente (Fig. 2) Figura 2: Corrimento perolado, bolhoso, sem sinais inflamatórios no epitélio vaginal. Os critérios diagnósticos de Amsel, desde 1983, ainda são muito utilizados: Corrimento vaginal homogêneo pH > 4,5 presença de clue cells a fresco Whiff teste positivo (odor fétido das aminas com adição de hidróxido de potássio a 10%). A coloração pelo Gram, do fluido vaginal é o método mais utilizado avaliado para VB. Dessa forma quantifica-se o número de lactobacillus e de bactérias patogênicos, resultando em um escore que determina se há infecção. O mais comumente utilizado é o sistema de NUGENT (Tabela 1). O critério para ser VB é um escore de 7 ou mais. De 4 a 6 é intermediário e de zero a três é normal. Escore 0 1 2 3 4 TABELA 1 Gardnerella Lactobacilos Bacteróides, etc 0 4+ 3+ 1+ 2+ 2+ 3+ 1+ 0 4+ Bacilos curuos 0 1+ ou 2+ 3+ ou 4+ 1-C) Vaginose bacteriana: TRATAMENTO E SITUAÇÕES ESPECIAIS Recomendações2: Gravidez x VB SOGC CLINICAL PRACTICE GUIDELINES - No 211, AGOSTO 2008, CANADÁ SOGC: Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia Canadense a. Em grávidas sintomáticas, deve-se fazer teste microbiológico para VB e tratá-las para a resolução dos sintomas (I-A). 69 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia b. O tratamento oral ou vaginal é aceitável para atingir a cura em mulheres grávidas com VB sintomática, que tenham baixo risco para complicações obstétricas (I-A) c. Grávidas assintomáticas e sem fatores de risco identificados para parto prematuro não precisam fazer exames para VB nem tratamento. (I, B) d. Mulheres com alto risco para parto prematuro podem se beneficiar com testes de rotina para VB e tratamento. (I-B). e. Se o tratamento para prevenção de complicações na gravidez foi indicado, deve ser com metronidazol 500mg, oral, 2 vezes ao dia, por 7 dias ou clindamicina 300mg, oral, 2 vezes ao dia, por 7 dias. Terapia vaginal não é recomendada para esta indicação (I,B). f. Pode testar um mês após tratamento para assegurar a cura (muito pouca evidência ainda para recomeçar, outros fatores podem fazer decidir). Estas são as recomendações canadenses, supracitadas. Ainda em 2008, o Center for Disease Control and Prevention recomenda como tratamento da VB em grávidas o metronidazol, oral(250mg, 3 vezes ao dia, por 7 dias) ou clindamicina oral (300mg, 2 vezes ao dia, por 7 dias). Vale ressaltar que mais de 50% dos casos de VB resolve espontaneamente na gravidez. Nygren, P. et al. em sua publicação dos guidelines VB x gravidez 23 concluem então que não há benefício. em tratar mulheres com gravidezes de baixo ou médio risco, para VB assintomática. Mais pesquisas são necessárias para entender melhor esses grupos e as condições nas quais o tratamento pode ter risco ou benefício e explorar a relevância da VB sobre outras complicações da gravidez, tal como parto antes de 34 semanas. Conclui-se que há controvérsias na literatura, pois alguns estudos randomizados e metanálises mostram redução do trabalho de parto prematuro em gestantes tratadas com metronidazol, enquanto outros, com nível de evidência similar, demonstram não ter benefício ao tratar, em relação à prematuridade. Dois estudos contraditórios com níveis A de evidência! 24e25. Por isso SEMPRE ACREDITO NA MEDICINA BASEADA NA EXPERIÊNCIA E NA INTELIGÊNCIA, usando o bom senso ao analisar os dados da MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIA. Nesse caso especial , optaria pela clindamicina tópica após o segundo trimestre para o tratamento da VB em grávidas sintomáticas diminuindo o número de anaeróbios mesmo que as evidências digam que para prevenir prematuridade deve-se utilizar clindamicina ou metronidazol por via oral, se optar pelo tratamento, já que há mesmas evidências não recomendando o tratamento da VB nas grávidas para prevenir o parto prematuro. A clindamicina parece ter melhor atividade contra Mobilluncus. G.Vaginalis e M. hominis que o metronidazol, mas o metonidazol não atinge os lactobacilos, que já são raros ou desaparecidos na VB. As taxas de cura são semelhantes com os dois, independente da via de administração 22(A, I). 70 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Segundo o CDC and Prevention (2009), geralmente os parceiros de pacientes com VB não precisam ser convocados para tratamento, entretanto é possível que a VB se espalhe por via sexual, apesar de muitas controvérsias e não haver evidências suficientes. Por isso, os autores dividem-se e a maioria só opta por convocar o(s) parceiro(s) diante de VB recidivante, após várias falhas terapêuticas. O TRATAMENTO DE ESCOLHA, POR UNANIMIDADE, é o metronidazol 500 mg, oral, 12/12h, por 7 dias ou 2g, em dose única, assim como o tinidazol 2g, em dose única e, no Brasil, também por esta experiência de mais de 30 anos, o Secnidazol 2g, em dose única. Se a opção for tópica vaginal utiliza-se o metronidazol ou clindamicina creme a 2%. A VB RECORRENTE ( 4 ou mais diagnósticos confirmados no último ano ) é muito comum e vem sendo tratada com macrolídeos e nitroimidazólicos, dependendo do qual foi primeiramente utilizado. Uma das recomendações é a utilização do METRONIDAZOL oral ou vaginal por três dias desde o início da menstruação, por três a seis meses, com oferecimento de antifúngicos, se houver história de candidíase, pois esta poderá recorrer. Acho que o mais lógico é explicar e solicitar nova visita diante de sintomas sugestivos de candidíase. As taxas de cura na recorrência também são semelhantes com metronidazol 7 dias e clindamicina tópica 3 a 7 dias e metronidazol gel por 5 dias. Como suporte pode-se utilizar gel lactato, “duchas” de ácido acético a 1 ou 2%, ácido metacresolsulfônico por até três semanas, tornando o meio adverso ao crescimento das bactérias em questão, mas há controvérsias científicas, não há bases suficientes,apesar de muito utilizados na prática clínica. A reposição de lactobacilos vem sendo estudada, mas há ainda longo caminho a percorrer, pois a reposição tem que ser com as espécies que habitam a vagina e produzem H2O2, características primordiais para a proteção contra várias infecções, inclusive VB. As espécies mais prevalentes em mulheres saudáveis, isoladas em meio de cultura seletivo e identificadas por métodos moleculares, são L. crispatus (30,1%) L.jensnii (26,5%), L.gasseri (22,9%) e L.vaginalis (8,4%). Além de mais prevalentes, as três primeiras citadas foram os que atingiram, em média, menores valores de pH (próximos a 4,0) e apresentaram melhor produção de H2O226. Estudo recente, com nível IA de evidência mostrou que o regime de tinidazol 1g ao dia por 5 dias e 2g ao dia por 2 dias mostraram-se eficazes para o tratamento de VB27. Estudo mais recente (2009) para VB recorrente associa 7 dias de nitroimidazólico, seguidos de 21 dias de óvulo de ácido bórico intravaginal 600mg ao dia e na revisão o metronidazol gel duas vezes por semana por 16 semanas. Parece encorajador esse triplo regime, porém requer validação com estudo prospectivo randomizado e controlado. O ácido bórico removeria o “biofilme” vaginal que facilitaria a persistência das bactérias patogênicas.28 Vale lembrar que as VB devem ser tratadas, mesmo que assintomáticas, antes de cirurgias ginecológicas, curetagens, LLETZ e inserção de DIU, apesar de os estudos não 71 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia mostrarem evidência científica suficiente e haver controvérsias naqueles existentes, porém insuficientes. Seria para profilaxia da indução de uma doença inflamatória pélvica (DIP), se outros cofatores já existissem. O fato de tratar a vaginose bacteriana já também limita a aquisição de HIV e outros patógenos , gerando uma questão relevante que é o tratamento da VB assintomática em pacientes HIV positivas, já que a DIP associa-se à VB. Deve-se discutir com as pacientes, oferecer tratamento, apesar das recomendações não tão claras e o CDC and Prevention recomendar tratamento igual para as HIVpositivas. Como curiosidade importante, cita-se a VB associada às doenças cervicovaginais induzidas por HPV e há um estudo de Campinas que mostrou que mulheres com VB apresentam maior proporção de anormalidades citopatológicas depois da conização em relação às mulheres sem VB, ainda que estatisticamente não significativa. Esta associação não foi relacionada à presença do DNA de HPV de alto risco29. 2- TRICOMONÍASE 2-A) EPIDEMIOLOGIA, PATOGENIA E TRANSMISSÃO É uma vulvovaginite bem frequente, causada por um protozoário flagelado, o trichomonas vaginalis, que é unicelular, parasitando mais a genitália feminina que masculina. Segundo Prof. Luc Montaignier, uma em três mulheres, no período de vida sexual ativa, teve, tem ou terá uma tricomoníase. A tricomoníase é essencialmente sexual, devendo chamar o(s) parceiro(s) para consulta e tratamento conjunto, diminuindo o número de recidivas, quando os parceiros são tratados. Nota-se que é uma infecção cervicovaginal, com o colo uterino apresentando microulcerações que dão um aspecto de morango ou framboesa, entretanto é uma cervicocolpite acometendo o epitélio escamoso e não a mucosa glandular primeiramente, na maioria das vezes. No entanto é possível haver infecção endocervical glandular, assim como nas glândulas de Skene e Bartholin e na uretra. O processo inflamatório é muito intenso (Fig.3), podendo veicular outros agentes infecciosos bacterianos e viróticos. (Fig.4) Figura 3- Eritema nos orifícios das glândulas de Bartholin e Skene. 72 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Figura 4- Inflamação intensa, com erosão do epitélio. Não há impedimento para o flagelado sobreviver em meio ácido, no entanto, a transudação inflamatória das paredes vaginais eleva o pH para 6,7 a 7,5, e neste meio alcalino, pode surgir variada flora bacteriana patogênica, inclusive anaeróbica, estabelecendo-se a vaginose bacteriana associada, que libera as aminas com odor fétido, além de provocar as bolhas na descarga vaginal purulenta. Vale ressaltar que por causa da resposta inflamatória muito intensa, há muitas evidências de que a tricomoníase resulta em alterações nucleares e halos inflamatórios celulares, que podem alterar a citologia oncótica, com resultados de lesões intra-epiteliais escamosas , que desaparecem após a cura da tricomoníase.30 A trichomonas vaginalis foi descrita em 1836, por Alfred Donné, e publicada em uma revista da Academia de Ciências de Paris como “micróbio observado nas matérias purulentas genitais femininas e masculinas”, até que dois anos após ficou evidente que esta espécie habitava a vagina e, eventualmente passava pela uretra ou outras mucosas glandulares. O ser humano é seu único hospedeiro natural e trata-se de parasita extracelular que produz dióxido de carbono e hidrogênio, que reage com o oxigênio disponível, produzindo um ambiente anaeróbico , propício à sua produção. Ela se alimenta de fungos, bactérias e eritrócitos, por fagocitose, para obter suas vitaminas essenciais. “Ela percebe” substâncias tóxicas e foge, como, por exemplo, as do metronidazol. Infecta ambos os sexos, e estima-se que em torno de 5% da população haja infecção por este protozoário. Existe a transmissão não sexual, mais rara, pois o organismo pode sobreviver por algumas horas em toalhas úmidas ou roupas íntimas infectadas. Quando há contato com mulher infectada, após 48h, 70% dos parceiros adquirem a infecção na parte interna do prepúcio, glande e/ ou uretra, até próstata 31. Estudos mostram que a tricomóniase altera a ecologia vaginal intensamente, podendo provocar vaginose bacteriana e facilitar a aquisição de HIV por alteração da flora. Talvez o fato de produzir colpite com microerosões facilite ainda mais este evento, funcionando como doença ulcerativa genital. Como o pH alcalino é fundamental para este parasita, existe relação inversa entre a colonização por fungos e o nível de desequilíbrio da flora causado pela tricomoníase, e, também pela vaginose bacteriana. Estas estão intimamente associadas, enquanto a associação delas com fungos não é comum.(Fig.5) 73 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Figura 5- Após tratamento de candidíase, vaginite rara por cândida e tricomoníase. Duas entidades “lesadoras” do epitélio, facilitando infecção por HIV e outros patógenos. Recentes pesquisas em país desenvolvidos mostram um declínio na prevalência da tricomoníase 32. Se enquadra nas vulvovaginites , porque a infecção principal é do epitélio escamoso vaginal, entretanto em 90% dos casos se estende à uretra, sabendo-se que a uretra como único sítio chega no máximo a 5% dos pacientes. Não é a mucosa glandular o habitat natural do protozoário, apesar de a tricomoníase ser multifocal, afetando o epitélio vaginal, glandular de Skene e Bartholin e uretra33. 2-B) DIAGNÓSTICO CLÍNICO, LABORATORIAL E COMPLICAÇÕES: Sua apresentação pode ir desde um quadro assintomático (50%) até grave doença inflamatória aguda. Aproximadamente um terço das pacientes assintomáticas torna-se sintomáticas em seis meses33. Os sintomas e sinais característicos consistem em intensa descarga vaginal amarelo esverdeada, bolhosa, espumosa, por vezes acinzentada, acompanhada de odor fétido lembrando peixe na maioria dos casos e prurido eventual , que pode ser reação alérgica à afecção. Quando ocorre inflamação intensa , o corrimento aumenta e pode haver sinusiorragia e dispareunia.30. (Fig.6) Figura 6 - Corrimento típico da tricomoníase, espumoso, amarelado. Ao exame clínico, o colo tem aspecto de morango, devido à acentuada distensão dos capilares e micro hemorragias, pelo intenso processo inflamatório. A colposcopia ajuda na avaliação clínica dessas alterações, assim como o teste de Schiller “onçóide”. (Fig.7) Figura 7 - Teste de Schiller onçóide, pelas microerosões focais típicas da tricomoníase. 74 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Vejam abaixo a diferença das colpites focais por tricomoníase (baixo relevo nos focos) e das colpites focais por HPV (alto relevo nos focos), como descrevemos no Congresso da ISSVD, 2004. Na doença pelo HPV há proliferação epitelial focal sem resposta próinflamatória, ao inverso da tricomoníase 34. É freqüente vermos este quadro no Ambulatório de colposcopia, pelo encaminhamento das pacientes com citologias alteradas pela própria inflamação intensa da tricomoníase, que pode confundir com lesões intra-epiteliais por HPV. (Fig.8 e 9) Figura 8- Colpite focal erosiva da tricomoníase. Figura 9- Colpite focal proliferativa do HPV. No homem a infecção pode ser apenas uma uretrite subaguda, até assintomática em 60% dos casos, porém contagiosa, raramente complicando com epididimite e prostatite 31. Nas mulheres pode haver também edema vulvar e sintomas urinários, como disúria, além dos anteriormente citados. Em 30% dos casos são assintomáticas, mas algum sinal clínico pode aparecer. Não há complicações sérias na mulher na grande maioria dos casos, mas pode facilitar a transmissão de outros agentes infecciosos agressivos, facilitar a doença inflamatória pélvica, a vaginose bacteriana e, na GESTAÇÃO, quando não tratadas, podem evoluir para rotura prematura das membranas33, porém há controvérsias na literatura. O DIAGNÓSTICO LABORATORIAL MICROBIOLÓGICO mais comum é o exame a fresco, com gota do conteúdo vaginal e soro fisiológico, observando-se o parasita ao microscópio. (A, II). O pH quase sempre é maior que 5,0 e geralmente maior que 6,6. Na maioria dos casos o teste das aminas é positivo. A bacterioscopia com coloração pelo método de Gram observa o parasita Gram negativo, de morfologia característica. A cultura pode ser requisitada nos casos de difícil diagnóstico. Os meios de cultura são vários e incluem Diamond´s, Trichosel e In Pouch TV. Precisa de incubação anaeróbica por 48h e apresenta 95% de sensibilidade33. O método mais viável e utilizado é o exame a fresco, visibilizando-se o movimento do protozoário, que é flagelado e há grande número de leucócitos. E em 70% dos casos de 75 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia exames afresco confirmou-se por cultura32. Existe a biologia molecular, por enquanto utilizada mais em pesquisas (PCR), com sensibilidade de 90% especificidade de 99,8%35. Se for viável, é um excelente método diagnóstico. Na prática clínica, a cultura ou a PCR têm valor em crianças e nos casos com forte suspeita e vários exames a fresco e corados repetidamente negativos. O simples achado de trichomonas vaginalis numa citologia oncótica de rotina impõe o tratamento da paciente e a chamada de seu(s) parceiro(s) para consulta e tratamento.36 2-C) TRATAMENTO E SITUAÇÕES ESPECIAIS: O tratamento de escolha, por unanimidade, são os derivados imidazólicos, nos esquemas a seguir: (A), [salvo secnidazol(B)] ð Metronidazol 2g, via oral, dose única, ou 250mg via oral de 8/8h, por 7 dias; ou 400 mg via oral de 12/12h, por 7 dias; ou ð Secnidazol ou Tinidazol, 2g via oral, dose única. Vale ressaltar que o Secnidazol é utilizado há mais de 30 anos, em larga escala, no Brasil e alguns outros poucos países, sem grandes ensaios clínicos publicados, entretanto, com anos de experiência e eficácia demonstrada na prática clínica. A vida média do Secnidazol 20-25h, do tinidazol é de 12h, do ornidazol (pouco utilizado na tricomoníase) é de 14h e a do metronidazol é de 8h.37 ð Voltamos a frisar que é importante o tratamento do parceiro na tricomoníase! ð A associação de derivados imidazólicos tópicos, como metronidazol gel 1 aplicação vaginal à noite por uma semana, alivia os sintomas mais rapidamente.(C) Deve-se orientar quanto a abstenção de bebidas alcoólicas, que produzirão efeitos extremamente tóxicos quando associados aos derivados imidazólicos. As relações sexuais devem ser suspensas, se possível, durante o tratamento, ou, no mínimo, utilização de condom durante esses dias, que são poucos. ð Na GRAVIDEZ recomenda-se utilizar os mesmos esquemas que para as não grávidas, com metronidazol, após o início do segundo trimestre. Faltam evidências consideráveis em relação à toxicidade do metronidazol na gravidez, portanto o tratamento deve ser considerado para mulheres com sintomas moderados a severos, a partir do segundo trimestre. Vale ressaltar que o metronidazol cruza a barreira placentária e, apesar de ser bem absorvido pela mucosa vaginal, a terapia de escolha mundialmente aceita, mesmo nas grávidas sintomáticas, é a oral. Terapias alternativas, principalmente durante o primeiro trimestre, incluem medidas locais, sem efeitos colaterais, específicos para a gravidez, como “duchas” (não são recomendadas, com evidência B )com povidine diluído ou óvulos vaginais de clotrimazol 100mg, por 6 dias. O metronidazol é excretado pelo leite materno, sendo os níveis da droga no leite iguais aos níveis séricos, porém 76 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia nenhum efeito adverso significante foi até hoje descrito em crianças expostas ao metronidazol.(B). ð A terapêutica supracitada com os imidazólicos para a tricomoníase é mundialmente aceita, sem controvérsias, salvo na gravidez, que apesar das evidências científicas (A) mostrarem nível de segurança aprovado , ainda há trabalhos também com níveis de evidência A, que nos fazem refletir e utilizar somente diante de sintomas muito importantes, priorizando o clotrimazol tópico vaginal ou alternativas que alterem o meio vaginal, não permitindo o crescimento do protozoário, como “duchas” (com seringas)de povidine, de ácido acético a 1 ou 2% ou ácido metacresolsulfônico (c). Lembramos que o clotrimazol, assim como as outras medidas que formam o meio biológico adverso ao crescimento do parasita, podem ser utilizados por tempo prolongado durante a gravidez, sem riscos específicos (C). ð Quando falamos de duchas vaginais, NOTA-SE que não são duchas de borracha antihigiênicas, mas apenas lavar a vagina com as soluções supracitadas, durante o banho, com seringas de 20ml, pela higiene mantida. Esta nota é porque nas recomendações do ACOG 2006 encontra-se um item onde as duchas vaginais não são recomendadas para prevenção ou tratamento de vaginites (B). Na GRAVIDEZ vemos novamente as controvérsias, pelos estudos de nível A de evidência, que demonstramos em nosso artigo 35 de 2005 com Janet Say, sob a supervisão da expert em vulvovaginites, Hope Haefner . Renderam discussões, até que minimizamos a questão, entretanto é extremamente difícil orientar condutas baseadas em evidência, com tantas evidentes controvérsias. Um dos estudos a favor, com quase 14.000 grávidas (Cotch et al.), prospectivo, mostrou associação com parto prematuro e baixo peso ao nascer no grupo não tratado, enquanto outros estudos contra o tratamento com metronidazol recomendado, um deles do National Institute of Child Healtitute of Child Health and Human Development 2001, provou o contrário, sendo provavelmente o metronidazol o causador de 19% de parto prematuro no grupo tratado e 10,7% no grupo placebo. Concluíram que no mínimo, pacientes assintomáticas ou oligossintomáticas não devem ser tratadas e nem deve-se fazer screening rotineiro para tricomoníase nas grávidas. Todos esses estudos são de nível de evidência A 35. Conforme um artigo de revisão de 2009, recomenda-se para RASTREAMENTO E TRATAMENTO de infecção genital na gravidez para prevenção de parto prematuro somente a Candida albicans, enquanto as evidências (A)”momentâneas” vêm demonstrando redução significativa de trabalho de parto prematuro (55%) quando se comparou ao grupo controle. O tratamento de escolha foi o CLOTRIMAZOL vaginal, mas no início deste nosso artigo vejam outra possibilidades na grávida, desde de que não se utilizem os azóis orais. Naquele mesmo artigo de revisão, recomenda-se não tratar a tricomoníase na gravidez, refere não ser recomendado rastrear e tratar chlamydia trachomatis nem tampouco a VB, enquanto é inconclusivo se deve-se ou não rastrear e tratar Streptococcus do grupo B 38. Ü Vejam vocês que A MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS NÃO É EVIDÊNCIA para escrevermos um cápitulo do nosso manual, que acabou 77 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia transformando-se em artigo, sem poder de síntese. Por isso, em homenagem ao grande estudioso de vulvovaginites, que está em outra esfera neste momento, ao fim desse capítulo colocarei um artigo por ele sintetizado, que pouco ou nada mudou, pela experiência e conhecimento que tinha o Prof. José Antônio Simões. Ü Quanto às COMPLICAÇÕES da tricomoníase, não há estudos suficientes em relação ao favorecimento da DIP, mas trichomonas tem sido objeto de séria investigação para tentar elucidar seu papel cooperativo na DIP. Ela vem sendo associada com infecções pós operações ginecológicas. Ela age como vetor para organismos intracelulares similarmente aos espermatozóides. Ü O tratamento para as pacientes HIV-POSITIVAS é o mesmo que já expusemos para as negativas, sabendo que a tricomoníase não tratada amplifica a transmissão da doençaHIV. A tricomoníase é particularmente prevalente entre as pacientes HIV-positivo com hábitos sexuais de alto risco. Ü A TRICOMONÍASE RECORRENTE é difícil de tratar e não é possível distinguir de reinfecção por parceiro não tratado. É muito rara a total resistência aos nitroimidazólicos, a parcial é mais freqüentemente descrita. O metronidazol pode não ter efeito desejável, dependendo da flora bacteriana concomitante. Ele age bem em anaerobiose. Os nitroimidazólicos já são usados para tricomoníase há mais de 30 anos e quando não há resposta ao metronidazol, deve-se aumentar a dose e retratar com 2g por dia, de 3 a 5 dias, após o tratamento habitual de 250 mg 2 vezes ao dia por 7 dias ou outros em dose única, que não resolveram. Regimes alternativos incluem tinidazol oral associado ao vaginal por 14 dias e aqui no Brasil o Secnidazol oral e outro nitroimidazólico vaginal por 14 dias. São raros os tratamentos prolongados serem necessários, mas, além de náuseas e vertigens podem levar a encefalopatias, pancreatite, neutropenia e neuropatia periférica, que devem ser vigiadas. O ornidazol pode levar a hepatopatias. Enfim, para uso prolongado, nos raríssimos casos de resistência aos esquemas habituais, há que se ter extrema vigilância de possíveis complicações sérias com os nitroimidazólicos. Lembrar do efeito antabuse, NÃO podendo ingerir álcool concomitantemente. Concluindo, os esquemas em dose única de nitroimidazólicos CURAM mais de 90%das tricomoníases. Deve-se lembrar dos esforços para tratamento do (s) parceiro (s). Vale ressaltar que a tricomoníase é subdiagnósticada e, se for possível utilizar a PCR (reação de polimerase em cadeia), veremos que a prevalência é muito maior que com os métodos diagnósticos estabelecidos e disponíveis de forma abrangente. OUTRAS CAUSAS DE VULVOVAGINITES E CORRIMENTO VAGINAL 78 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia AS CAUSAS COMUNS DE CORRIMENTO NA MULHER ADULTA são o corrimento vaginal fisiológico, com suas variações segundo a faixa de vida da mulher e os dias do ciclo menstrual, assim como o tipo de flora vaginal que ela apresenta, que é variada, de acordo com o nível socioeconômico e cultural, a geografia, o clima, a presença de gravidez ou intervenções tocoginecológicas freqüentes e recentes, os hábitos sexuais, os hábitos de vestir-se, o uso de contraceptivos hormonais, de diafragmas, de gel espermaticida, lubrificantes, sabonetes íntimos, alimentação, etc. A anamnese e a orientação adequada do que é o ecossistema vaginal e seu equilíbrio é essencial para “DESADOENTALIZAR” essas pacientes e colaborar para que tenham uma vida mais saudável, inclusive sexual. Vale ressaltar, que no caso de dúvidas, deve-se realizar exames microbiológicos para afastar as causas infecciosas. Considera-se um erro propedêutico iniciar investigação de um corrimento vaginal com CULTURA MICROBIOLÓGICA, pois na vagina existe em equilíbrio com os lactobacilos ( flora de Döederlein), várias bactérias integrantes da flora vaginal normal, que serão identificadas nas culturas vaginais inespecíficas, que vêm acompanhadas de testes de sensibilidade aos antibióticos, levando a terapêuticas errôneas e à “ADOENTALIZAÇÃO” da paciente, que a partir do sobretratamento , pode apresentar um corrimento anormal com superinfecção, além de sentir-se doente diante de corrimento fisiológico que necessitava apenas de esclarecimento e, talvez, de algumas pequenas mudanças da hábitos de vida. (Fig. 10) Figura 10- Descarga vaginal normal. A VAGINOSE CITOLÍTICA, que consiste na flora de lactobacilos exacerbada, por vezes incomoda as pacientes e torna-se queixa principal, apesar de ser apenas aumento do resíduo vaginal fisiológico. Pode-se aliviar os sintomas da paciente com creme vaginal com tampão borato pH8, por 10 dias e depois manter duas vezes por semana por 2 meses ou alcalinizar o meio vaginal com “injeções”, para não falar duchas com seringas grandes de água bicarbonatada, em vários esquemas, pois são terapias alternativas, sem base científica. (Fig. 11) Figura 11- Vaginose citolítica – corrimento leitoso, foliculite vulvar A VAGINA ATRÓFICA, própria da paciente hipoestrogênica, leva à dispareunia, por 79 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia vezes apareunia, deve ser tratada com estrogeniaterapia (Terapia hormonal sistêmica, se houver indicações outras) ou estrógenos vaginais em esquemas individualizados, como o promestrieno ou o estriol. Entretanto, quando, além da atrofia, a vaginose bacteriana secundária está instalada, pela própria perda de barreira pela diminuição do número de camadas do epitélio, o tratamento de ataque pode ser feito com clindamicina tópica a 2% por 3 a 7 dias,seguido de estrogênios conjugados por 15 a 30 dias. (Fig12). Figura 12- Colpite atrófica. A VAGINITE ACTÍNICA, geralmente com infecção bacteriana secundária, exibe descarga purulenta, que deve ser tratada especificamente após o exame microbiológico. (Fig.13) Figura 13- Colpite actínica após radioterapia – ca de colo. A VAGINITE LACTACIONAL que se assemelha à colpite atrófica inicial, pelo hipoestrogenismo, pode até mesmo mimetizar a tricomoníase. Os sintomas são similares, com desconforto urinário, prurido vaginal e secura, dispareunia e corrimento. O pH geralmente é mais alcalino ( = 5). À microscopia observa-se poucos lactobacilos, diminuição de células superficiais e aumento de células basais e parabasais. É comum a associação com VB, que pode ser tratada topicamente com clindamicina ou acidificação do meio com vitamina C vaginal. Gel aquoso lubrificante é aconselhado para aliviar a dispareunia e há controvérsias sobre o uso de estrógenos vaginais, que são absorvidos. (Fig.14) Figura 14 - Colpite lactacional, hipotrófica. A VAGINITE IRRITATIVA, causada por agentes químicos medicamentosos ou cosméticos, cujo tratamento é a suspensão dos mesmos. A paciente refere ardor, prurido e há eritema. 80 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia A VAGINITE ALÉRGICA, causada por hipersensibilidade a medicamentos, cosméticos íntimos, antígenos de fungos ou protozoários, látex do condom ou diafragma, espermaticidas, etc., são tratadas com sucesso, quando o diagnóstico foi acertado em pacientes muito atópicas, com vulvites alérgicas concomitantes, anamnese apurada, utilizando antihistamínicos e, se houver infecção concomitante, o tratamento específico conjunto. A paciente refere ardor, prurido e há eritema, tal como na irritativa. (Fig. 15) Figura 15 - VV Alérgica, eritema e resposta aos antihistamínicos AS VAGINITES pelo HPV e a VAGINITE herpética serão contempladas em seus capítulos específicos. Ressalto a colpite focal por HPV, que tem alto relevo, diferenciando-se das colpites focais microerosivas como a tricomoníase e a atrófica 34. Vide fotos anteriormente quando abordamos a tricomoníase.(Fig. 16) Figura 16 - VV herpética - erosões e úlceras vulvovaginais. A VAGINITE DESCAMATIVA INFLAMATÓRIA, que acompanha o líquen plano vestibular freqüentemente ( Monique Pelisse, comunicação pessoal ), pode apresentar descarga purulenta e dispareunia. O corrimento é amarelado com pH alto, colpite macular pode estar presente e à microscopia observa-se aumento de polimorfonucleares e células parabasais. Difere da VB pela inflamação presente. Infecção estreptocócica concomitante é relatada e provavelmente trata-se do próprio líquen plano erosivo vaginal, podendo levar a sinéquias vaginais se o tratamento com espumas de corticosteróides ou cremes vaginais com corticosteróides não for instituído. Quando o acontecimento é tríplice ( vestibulite erosiva, vaginite descamativa e gengivite erosiva ) caracteriza a Síndrome Vulvovaginogengival, descrita por Monique Pelisse nos anos 80, caracterizando o líquen plano EROSIVO. (Fig. 17,18 e 19) Figura 17,18 e 19 - Líquen plano erosivo vestibular e vaginite descamativa, ao teste de Schiller. AS VULVOVAGINITES NA INFÂNCIA merecem um capítulo à parte, mas vale 81 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia salientar que a maioria é causada por distúrbio da homeostase bacteriana vaginal, geralmente condicionada à higiene fecal e urinária inadequadas. Em 70% dos casos a vulvovaginite pediátrica é inespecífica, porém em 30% as vulvovaginites podem decorrer de agentes específicos, alguns deles transmitidos pela via sexual, o que deve alertar para a possibilidade de abuso sexual na infância. Sugiro a leitura do artigo de Marta Rehme e col., bem didático, com terapêuticas específicas, em FEMINA, abril de 2001. OUTRAS VULVOVAGINITES (VV) MAIS RARAS ocorrem, como as VV autoimunes, geralmente acometendo pacientes com outras doenças autoimunes, VV por corpo estranho, mais comum em crianças, VV por enterobiose, também mais comum na infância, por amebíase, geralmente associada à doença gastrointestinal, por esquistossomose, raríssima, mais vista na África, por bactérias patogênicas ocasionais, etc. FINALIZO com as vulvovaginites PSICOSSOMÁTICAS, que por vezes é um elo de manutenção de um relacionamento fracassado. O corrimento é a queixa de frente para um distúrbio sexual ou psíquico. Aquele corrimento cujas queixas não se encadeiam em um raciocínio lógico, cujos exames microbiológicos são negativos, cujo exame clínico diferencia descarga vaginal de mucorréia excessiva (fisiológica) (Fig19) e cujas pacientes mal conseguem te olhar nos olhos, ávidas por dividir um grande segredo, as quais poderão ser ajudadas pelo ginecologista e\ou sexólogo, ou casos mais sérios necessitando de encaminhamento à psicoterapia e\ou psiquiatria. Essas pacientes são infelizes e, por isso, podem até mesmo ter resposta imunológica alterada, facilitando vulvovaginites infecciosas, confundindo ainda mais o ginecologista, que trata a causa infecciosa, mas não percebe a causa maior de todo o processo de recorrência, que subconscientemente, ela quer que a afecção ocorra para não ter que “tolerar” um parceiro, do qual não consegue se desligar, mas já não existe mais afetividade. Outras pacientes sofrem de estresse crônico, com grandes alterações no ritmo do cortisol, que é diretamente proporcional à resposta imunológica alterada, favorecendo o aparecimento e a recorrência da VV, se não “se tocar” de que tem que mudar o estilo de vida, pois este pode ser o primeiro sinal. (Fig. 20) Figura 20 - Mucorréia fisiológica. Vale salientar que a recorrência e a agressividade de infecções genitais também são a porta de entrada para o diagnóstico de doenças crônicas imunossupressoras, devendo o ginecologista nunca negligenciar a queixa corriqueira de corrimentos vaginais. 82 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Completando o ciclo das vulvovaginites, existem as vestibulites e vulvodínias, que serão temas complementares deste nosso escrito, juntamente com cervicites no próximo livreto a ser lançado em Porto Alegre, no Congresso Brasileiro de Genitoscopia, em setembro de 2010. 83 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia REPRODUÇÃO DA CAPACIDADE DE SÍNTESE DO SAUDOSO CONHECEDOR DAS VULVOVAGINITES PROF. JOSÉ ANTÔNIO SIMÕES 84 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 85 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 86 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 87 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 88 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 89 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1- Sobel JD. Vulvovaginal Candidosis. Lancet. 2007;369 (9577): 1961 – 71 2- Holland J; Young ML; Lee O; Chen S. Vulvovaginal carriage of yeast other than candida albicans. Sexually transmitted infections. 2003;79(3): 249-250 3- Lindner JG; Plantema FH. Hoogkampk. Quantitative studies of the vaginal flora of healthy women and of obstetric and gynaecological patients. J-Med- Microbiol.1978; 11 (3): 233-241 4- Sobel JD et al. Maintenance fluconazole therapy for recurrent vulvovaginal candidiases. 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Esta secreção vaginal torna-se anormal quando há desequilíbrio entre os diferentes microorganismos que normalmente se encontram na flora fisiológica da vagina, causando então a vulvovaginite. Do mesmo modo do que ocorre na mulher adulta, as vulvovaginites constituem a afecção ginecológica mais comum da infância, com freqüência de 70 a 80% do total dos casos atendidos. Ocasiona freqüente procura de atenção médica pediátrica e/ou ginecológica. Estes especialistas quase sempre se encontram despreparados para orientar os casos, muitas vezes tomando condutas intempestivas, prescrevendo medicamentos sem necessidade, freqüentemente antibióticos de largo espectro. Além da falta de preparo no atendimento destes casos, não há ainda um entendimento claro do complexo meio ambiente vaginal e de sua homeostase e das inter-relações com os mecanismos de defesa do hospedeiro, que são distintos em meninas pré-púberes e naquelas que já menstruaram 1,2,3,4,5 . CONCEITO A vulvovaginite é um processo inflamatório que freqüentemente acomete a vulva e a vagina. Pode apresentar diversas causas determinantes dentre as quais se destacam as infecciosas, as alérgicas, as irritativas, as químicas, traumáticos, dentre outros. Sua apresentação é muito variável, no entanto se expressa habitualmente na forma de corrimento vaginal, prurido, ardor, odor, dor, sangramento e disúria 2,3,4,5. Pode ser classificada em inespecífica e específica. Em 70% dos casos a vulvovaginite pediátrica é inespecífica, provocada principalmente por enterobactérias saprófitas. Nestas, nenhum agente etiológico específico é identificado, estando geralmente relacionadas à contaminação secundária local e precariedade de higiene fecal e urinária (ocasionando distúrbio da homeostase bacteriana vaginal). Já as vulvovaginites específicas são causadas por agentes etiológicos específicos, o que ocorre em aproximadamente 30% dos casos na infância. Embora alguns agentes possam ser de transmissão não sexual, quando presentes na infância a possibilidade de abuso sexual deve ser considerada 2,3,4,5. 93 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia FISIOPATOLOGIA (fatores predisponentes) Diversos fatores diferenciam a genitália da mulher no menacme daquela das crianças, dentre os quais podemos mencionar principalmente as diferenças anatômicas, as hormonais e as alterações fisiológicas decorrentes das mesmas. Estas devem ser conhecidas pelo médico assistente para que a melhor conduta seja tomada. Em virtude da exposição estrogênica intra-uterina, a vagina da recém nascida apresenta elevada descamação das células superficiais, abundantes em glicogênio; é então colonizada por Lactobacilus, que, por sua vez, produzem ácido acético e láctico, baixando o pH vaginal para 5-5,7. No primeiro dia do nascimento o pH vaginal da recémnascida é de 5,7, no segundo dia é 5,6 e no quarto dia atinge 4,8. A vulva apresenta-se congesta e o clitóris encontra-se desproporcionalmente maior que na infância; seu hímen é espesso e a visualização do meato uretral e do orifício himenal pode ser difícil. A vagina possui uma profundidade de 4 cm e a mucosa é trófica e pregueada, com espessura de 40 a 50 camadas celulares, o corpo do útero está discretamente aumentado de tamanho, o que deve-se ao estímulo estrogênico 1,5,6. No período neonatal, há, portanto, aumento do conteúdo vaginal que é a chamada leucorréia fisiológica neonatal, a qual é constituída por células de descamação e muco cervical, que se exterioriza através da genitália externa sob a forma de corrimento claro, inodoro, mucóide e que apresenta pouca ou nenhuma quantidade de piócitos. Essa secreção é comum e tende a desaparecer em 10 a 30 dias. Esta situação geralmente proporciona aos pais momentos de ansiedade e preocupação, porém o exame da genitália da recém-nascida, certificando-se de que não há alterações, e a explicação de que esta é uma situação normal tranqüiliza os pais 1,5. A partir do primeiro mês e durante toda a infância, devido à queda dos hormônios sexuais, há uma atrofia na mucosa vaginal a qual se apresenta fina, seca e levemente hiperemiada, com o achatamento das rugosidades vaginais; a mucosa torna-se tensa e pode ser traumatizada com facilidade. Citologicamente são observadas células parabasais e intermediárias e os Lactobacilus desaparecem. Não há colonização por lactobacilos, o pH aumenta para 6,5-7,5 (neutro a alcalino) e a flora mista não patogênica aparece. Estas mudanças involutivas podem ocorrer a partir da segunda semana de vida. Assim, esse ambiente morno, úmido e alcalino é um perfeito meio de cultura para o desenvolvimento de microorganismos. Somado a isto, encontramos um ambiente com níveis relativamente baixos de estrogênio, onde um epitélio muito delicado torna-se passível de invasão bacteriana. Dessa maneira, a ausência de acidez vaginal, que é elemento de vital importância na defesa contra grande número de agentes patogênicos, poderia propiciar o desenvolvimento de infecções 1,5,6. Na infância a pele vulvar fina é facilmente traumatizada por agressões físicas, a vulva é desprotegida, visto não ter os pequenos e os grandes lábios totalmente desenvolvidos, 94 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia não apresentar os coxins de gordura na raiz da coxa e nos grandes lábios, nem os pêlos da mulher adulta. A vulva se localiza muito próxima ao ânus e, portanto, exposta constantemente à contaminação, além de estar voltada para adiante em relação ao eixo longitudinal do corpo. O clitóris é pequeno (menor que 6mm) e a pequena abertura himenal, que se situa no valor de 0,5 cm, obstrui a saída de secreções vaginais predispondo às infecções. O útero é pequeno e a razão entre cérvice e corpo uterino é de 2:1. Os meios de defesas vulvares e vaginais encontram-se assim debilitados pela falta da função trófica exercida pelos estrogênios 1,2,5,6. A falta de higiene, muito comum nessa faixa etária, também é outra razão que justifica a elevada incidência das vulvovaginites, especialmente por propiciar a proliferação bacteriana local. Essas pacientes se limpam de trás para frente, arranham-se com mãos sujas e brincam em caixas de areia contaminadas. A vulva muitas vezes fica em contato com roupas ou até fraldas que causam maceração e não permitem adequada transpiração. Algumas vezes as brincadeiras usualmente facilitam o desenvolvimento de uma irritação crônica por areia ou sujeira ou ainda que permitam uma contaminação bacteriana. Ainda, os lábios menores tendem a abrir-se quando a menina fica de cócoras, causando exposição dos tecidos mais sensíveis dentro do anel himenal. A criança expõe muito frequentemente seus órgãos genitais, sentando-se em qualquer local e de maneira descuidada 1,2,5. A lavagem inadequada das mãos, uso de roupas intimas apertadas e pouco absorventes, irritantes quimicos como sabonetes e banho de espuma, permanência de roupas de banho úmidas são fatores aliados para o aparecimento das vulvovaginites. A criança, devido à sua curiosidade natural de descoberta do mundo e do seu próprio corpo, apresenta risco aumentado de introduzir algum corpo estranho intra-vaginal, porém este muitas vezes pode ser introduzido de forma acidental durante brincadeiras ou cuidados higiênicos 5. Uma causa freqüentemente despercebida de vulvovaginite é a urina. A menina, ao tentar se equilibrar durante o ato de urinar, mantém a vagina logo abaixo da uretra durante a micção, podendo ocorrer retenção de pequenas quantidades de urina no interior da vagina, o que causa irritação local, mau cheiro e saída de urina da vagina como uma secreção aquosa. Também devem ser lembradas as fístulas vesico ou uretro-vaginais, bem como os ureteres ectópicos com drenagem no meio vaginal. Outra possível causa facilitadora da vulvovaginite recorrente em meninas pré-púberes é a constipação intestinal; sabe-se que após tratamento da constipação as crianças geralmente permanecem sem sintomas vulvovaginais1,5. A suspeita de abuso sexual ou o relato deste estão associados a presença de traumatismos ou de infecçoes vulvovaginais, principalmente aquelas causadas por germes sexualmente transmissíveis. Infecçoes de pele e do trato respiratório podem também serem levadas aos genitais por autocontaminação 1,5,7. À medida que a puberdade se aproxima, ao redor dos nove anos, a secreção do GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas) tende a aumentar, o que resulta na maturação sexual da menina. Uma leucorréia fisiológica precede a menarca em um período de um 95 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia ano a seis meses. Este corrimento é constituído por células vaginais descamativas, transudato e muco cervical e deve-se ao estímulo gonadal, não estando associado a qualquer sintoma irritativo. Deve-se explicar a jovem que este quadro faz parte do processo natural de maturação sexual, geralmente o desenvolvimento das mamas e o estirão puberal ocorrem neste momento1. Dessa maneira é de suma importância o conhecimento da fisiologia e anatomia genitais na infância e suas variações ao longo do desenvolvimento infantil, visto que alterações fisiológicas ou anatômicas comuns podem alarmar os pais para a possibilidade de patologias e infecções genitais e mesmo gerar preocupação a respeito de abuso sexual. ETIOLOGIA / MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 1) Vulvovaginites inespecíficas: As vulvovaginites inespecíficas, isto é, aquelas nas quais não se identifica um agente etiológico responsável pela infecção, mas apenas microorganismos integrantes da flora saprófita habitualmente encontrada na vagina, correspondem a 70% dos casos na infância. Geralmente é secundária a precária higiene genital e perineal. O hábito de fazer a higiene anal, de trás para frente, após evacuar, permite o depósito de fezes no vestíbulo vaginal, acarretando vulvovaginite por germes intestinais, além disso, os dedos sujos levam germes para a vulva e intróito vaginal, desencadeando infecção 2,8,9,10,11. Alguns casos de vulvovaginite não específica podem ser precedidos de infecções do sistema respiratório ou do tegumento. As mãos contaminadas, geralmente com Estreptococos, Enterococos ou Proteus, levam estes germes até os genitais. A infecção urinária também pode desencadear a inflamação dos tecidos da vulva e da vagina devido à passagem de urina contaminada durante a micção. O Haemophilus influenzae é outro agente responsável por parte dos quadros inespecíficos, e a vacinação para a gripe tem diminuído esse achado 3,8,9,10,11. Na vulvovaginite inespecífica a sintomatologia é geralmente representada por corrimento tipicamente esverdeado, castanho ou amarelado, como dor fétido e pH vaginal de 4,7 a 6,5. Prurido, disúria, sensação de ardor ou queimação, edema e eritema vulvar podem acompanhar o quadro. As bactérias coliformes, secundárias a contaminação fecal, estão associadas a 70% dos casos relatos. A E. coli é a mais encontrada com a vulvite, bem como Streptococcus β-hemolítico e Staphylococcus coagulase positivos 3,8,9,10. É importante lembrar que algumas vezes a persistência do corrimento vaginal, mesmo 96 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia após emprego de terapia adequada, pode estar relacionada à manifestação de cervicites, ectopias congênitas ou de tumor de vagina ou colo, merecendo investigação mais detalhada . Em pacientes jovens com corrimento mal cheiroso, purulento e muitas vezes com sangue, deve-se pensar na presença de corpos estranhos no meio vaginal, tais como papel higiênico, algodão e brinquedos (o papel higiênico é o corpo estranho mais comumente encontrado e a criança nega veementemente sua colocação). Os mesmos contidos em ambiente úmido, aquecido e com pH elevado sofrem contaminação secundária propiciando a proliferação bacteriana local seguida de corrimento. Algumas vezes o processo inflamatório chega a ocasionar fissuras ou úlceras na mucosa vaginal seguido de sangramento. O diagnóstico deve ser sempre suspeitado quando da presença de corrimentos fétidos e persistentes e é realizado pela visualização direta do mesmo através de vaginoscopia. O tratamento consiste em sua simples remoção e utilização de antibioticoterapia tópica 3,6,8. 2) Vulvovaginites específicas: As vulvovaginites específicas correspondem à infecção vulvovaginal por microorganismos conhecidos, os quais determinam quadro clínico característico. A Gardnerella vaginalis é o microorganismo mais freqüentemente cultivado em crianças, seguida pela Candida SP e Trichomonas. Outros microorganismos identificados incluem bactérias não sexualmente transmissíveis, bactérias sexualmente transmissíveis, enterobactérias, protozoários, helmintos e vírus. O tratamento depende do microrganismo envolvido 3,6,8,9,10. Não é o intuito deste capítulo discorrer sobre o quadro clínico relacionado a cada agente específico, mas sim os dados relevantes e sintomas específicos relacionados à infecção destes agentes na infância. A Candida albicans parece preferir ambiente estrogenizado, não representando agente causador habitual de vulvovaginites em meninas pré-púberes. Para se desenvolver nos genitais este fungo necessita da presença de glicogênio, ocasionando acidez vaginal, explicando-se assim a sua maior incidência em meninas acima dos dez anos de idade, quando do início da puberdade. No entanto, a sua ocorrência na infância está principalmente associada à diabetes mellitus, uso de fraldas, estados de imunossupressão (por doenças ou induzidos), uso de antibióticos, ingesta de grande quantidade de doces. Os sinais e sintomas se assemelham àqueles observados em pacientes adultas; observase geralmente corrimento genital branco, grumoso, com prurido genital intenso, 97 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia hiperemia vulvar e ardor à micção 3,12. O diagnóstico é feito pela história e exame físico, pelo exame a fresco ou com a utilização de KOH. A cultura isolada não é diagnóstica visto que este fungo pode fazer parte da flora vaginal habitual. O tratamento inclui cremes tópicos de antifúngicos ou imidazólicos por 10 noites seguidas (os mesmos devem ser aplicados no interior do ambiente vaginal utilizando-se aplicador próprio para crianças – prolongador de pequeno calibre que passa facilmente pelo orifício himenal). A violeta genciana líquida também pode ser utilizada no meio intra-vaginal nesta faixa etária com bons resultados. As soluções orais não têm sido bem documentadas para uso em crianças. Ao contrario da vulvovaginite, a dermatite por Candida é um problema extremamente comum no período da lactância, estimando-se que a maioria dos lactentes irá apresentar pelo menos um episodio durante este período, sendo raro após os dois anos de idade 3,12. A infecção vaginal por Shiguella em crianças, através do contato direto da região genital com as fezes contaminadas por este agente, irá culminar em quadro de vulvovaginite, a qual irá se caracterizar por corrimento mucopurulento ou sanguinolento e prurido. O mesmo poderá se desenvolver durante ou algum tempo após o quadro de diarréia (a qual apresenta sangue, muco e pus nas fezes), associada à febre e mal estar. A shigelose em vagina não ocorre quando o pH do meio é inferior a 5,5, sendo mais comum nas fases não estrogênicas. Caso não tratada adequadamente, a vulvovaginite pode persistir por semanas. O diagnóstico é dado pela cultura de fezes para Shiguella e o tratamento através do uso de antibioticoterapia apropriada com trimetroprim/sulfametoxazol, ampicilina, cloranfenicol 13. A Giardia lamblia é um protozoário flagelado que parasita o trato gastrintestinal do ser humano, com prevalência elevada nas crianças de 1 a 12 anos. Manifesta-se com diarréia aquosa ou pastosa, dor epigástrica e síndrome de má absorção. A contaminação é fecal e oral e grande parte dos indivíduos infectados é assintomática, apenas eliminando cistos destes protozoários nas fezes. A contaminação vulvovaginal ocorre por contaminação fecal assintomática 11. Em relação ao Streptococcus ß hemolítico do grupo A (S. pyogenes), varias hipóteses foram formuladas na literatura para a transmissão do mesmo ao períneo, entretanto nenhuma foi comprovada de forma efetiva. No entanto, a distribuição sazonal da infecção vulvovaginal e perineal relacionada à infecção de faringe, sugerindo relação com o trato respiratório, parece confirmar a hipótese de auto-inoculação a partir das vias aéreas. Outra hipótese de contágio é a transmissão dos germes que são deglutidos através do trato gastrointestinal até a região perineal, bem como de lesões cutâneas. É responsável por cerca de 10% dos casos de vulvovaginites em meninas pré-puberes; sua incidência vem aumentando em freqüência, sugerindo reflexo do aumento do número de casos de faringite 14,15. 98 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia O corrimento por este agente tem início abrupto, provoca secreção vaginal clara em moderada quantidade, às vezes sanguinolenta, com importante eritema vulvar, prurido e dor. Pode estar associada à infecção respiratória recente. O diagnóstico é realizado através da cultura em ágar sangue e o tratamento é amoxacilina, penicilinas, cefalosporinas ou eritromicina orais 14,15. No caso da vulvovaginite por Estafilococos, os sinais e sintomas se assemelham ao agente descrito previamente, com a possibilidade de ocorrência associada de abscessos genitais ou em outras partes do corpo. O diagnóstico é realizado através da cultura e o tratamento realizado com antibioticoterapia oral 14,15. A infecção por Enterobius vermicularis é muito comum, com elevada incidência em crianças, estando associado á inadequada higiene genital. Os mecanismos de transmissão podem ser diversos e a forma mais comum em crianças é a direta (oralfecal); a forma indireta (enteroinfecção), isto é, quando os ovos presentes nos alimentos ou na poeira são ingeridos ou aspirados, é mais comum em ambientes coletivos como escolas ou creches. A contaminação vulvar nas crianças ocorre por migração deste verme a partir da região perianal ou pela manipulação desta região pela própria menina, levando o Enterobius até a região vulvar. Este helminto caracteriza-se por transportar bactérias colônicas ao períneo, causando vulvovaginite recorrente. A vulvovaginite recorrente desenvolve-se em 20% das meninas infectadas 2,3,16. Os sintomas clínicos mais comuns desta helmintíase são o prurido anal, principalmente noturno, situação que pode levar ao desenvolvimento de proctites devido ao ato de coçar intensamente. A vulvovaginite se instala pela irritação e inflamação causadas pelo verme, associada à ação de bactérias intestinais que são carregadas por este helminto. Outros sintomas do tipo gastrintestinais podem estar presentes. O diagnóstico baseia-se na clínica e através da propedêutica subsidiária que proporciona elevada taxa de falsonegativos (o exame que apresenta melhor resultado é o emprego da fita adesiva anal). Dessa maneira prefere-se o tratamento empírico com mebendazol oral 5 ml 2 vezes ao dia por 3 dias ou albendazol 10 ml em dose única (para crianças acima de 2 anos), quando da suspeita desta infecção 2,3,16. A Chlamydia trachomatis é geralmente assintomática. A sua presença em meninas maiores de três anos de idade é fortemente sugestiva de abuso sexual (antes desta idade pode estar associada à transmissão perinatal por mães infectadas). Diagnóstico: imunofluorescência direta ou PCR. O tratamento requer o emprego de eritromicina ou azitromicina 7,11,17 . Já a Neisseria gonorrhoea é de transmissão primordialmente sexual (no entanto pode ser transmitida pela mãe durante a passagem pelo canal de parto e se manifestar no período perinatal). O período de incubação varia de 2 a 5 dias. Infecta a vulva e a vagina das 99 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia meninas produzindo vulvite e vaginite severas com corrimento em quantidade e de aspecto purulento, geralmente com a vulva edemaciada, eritematosa, dolorosa e escoriada, podendo haver disúria. O diagnóstico é sugerido pela bacterioscopia que mostra diplococcus gram negativos e pela cultura em meio de Thayer Martin. O tratamento para crianças com menos de 45kg é feito com 125mg IM de ceftriaxone em dose única 7,11,17. Em relação à Trichomonas vaginalis, a mesma é em geral de transmissão sexual, embora este agente possa sobreviver algumas horas em ambientes úmidos. Apesar de o epitélio vaginal ser atrófico em crianças não sendo favorável ao crescimento deste agente, este parasita pode ocasionar sintomas locais nesta faixa etária. Manifesta-se por corrimento vaginal esverdeado e com odor desagradável, associado a sinais de irritação do epitélio vulvovaginal inespecíficos, como prurido, ardência, eritema. A detecção de Trichomonas móveis a microscopia de esfregaços a fresco da secreção vaginal e / ou bacterioscopia garantem o diagnóstico. O tratamento em crianças requer metronidazol via oral na dose de 10 a 30 mg/kg/d em três tomadas por sete dias 7,11,17. Quanto à Gardnerella vaginalis, sua transmissão sexual é controversa, devendo-se também suspeitar de abuso sexual. Está associada a bactérias anaeróbias, responsáveis pelo odor fétido do corrimento, que se apresenta branco acinzentado com pequenas bolhas. O diagnóstico é o mesmo para o agente anterior, bem como o tratamento7,11,17. DIAGNÓSTICO Anamnese Em relaçao às vulvovaginites, a abordagem da criança é diferente daquela usada em adultas. Geralmente a mãe relata parte ou toda a história, porém a paciente deve ser incluída na interação inicial. Na maioria das vezes os sintomas já estão presentes há dias, semanas ou meses, de forma intermitente, ou a criança já recebeu vários medicamentos prescritos por médicos ou leigos sem obter efeito satisfatório. Dessa maneira, o ginecologista vai se deparar com uma paciente cuja mãe já esgotou a maioria dos recursos na assistência à filha, e mostra-se ansiosa e angustiada com a possibilidade da criança estar sendo vitima de abuso sexual, estar apresentando uma doença sexualmente transmissível (DST) ou corpos estranhos, ou mesmo que o corrimento possa repercutir futuramente na sua capacidade de procriação3. É muito importante que na abordagem inicial da criança com corrimento vaginal, seja determinado se o mesmo é fisiológico ou patológico, evitando-se assim tratamentos desnecessários. Sabe-se ainda, que a maioria dos corrimentos vaginais cessa com uma adequada higiene dos genitais, o que pode ser garantido pela simples orientação das 100 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia crianças por suas mães ou cuidadores. O sucesso do tratamento depende, além do correto diagnóstico etiológico da patologia, do minucioso esclarecimento à família da importância e conseqüência do mesmo3. Durante a anamnese deve focalizar aspectos que possam favorecer o diagnóstico etiológico, inquirindo sobre a duração, quantidade, consistência, cor e ou odor intenso e desagradável da secreção vaginal e sintomas associados (irritação, prurido, ardor ao urinar, edema e hiperemia locais e sangramento). Os aspectos comportamentais devem ser pesquisados: hábitos urinários e intestinais incorretos como limpeza genital de trás para frente, manipulação genital com mãos sujas, pequenos traumas e fissuras ocasionados por pequenos corpos estranhos adquiridos acidentalmente nas brincadeiras infantis (areia, terra). Além disso, o uso de roupas apertadas e pouco absorventes, tipo de fralda, ou mesmo xampus e sabonetes utilizados em banhos de banheira podem concorrer para irritações vulvovaginais3. História pregressa de infecções sistêmicas na paciente (principalmente vias aéreas superiores, gastrointestinais, dermatológicas), ou reações alérgicas também devem chamar a atenção. Indiretamente investigar a possibilidade de abuso sexual inquirindo sobre quem cuida da criança na maior parte do tempo, presença de estranhos e parentes que morem junto procurando identificar uma variedade de queixas comportamentais e somáticas como: distúrbios do sono, dor abdominal, enurese, fraco desempenho escolar, cefaléias ou comportamento suicida freqüentemente presentes em crianças vitimizadas sexualmente denominadas "indicadores" de abuso sexual3. Exame físico Inicia-se o exame pela avaliação do estado geral, bem como exame dos diversos aparelhos. O conhecimento do desenvolvimento puberal é importante para a avaliação do estágio de desenvolvimento das mamas e pelos, reconhecendo o seu aparecimento precoce. A presença de eritemas cutâneos, infecções respiratórias, evidência de infestações, equimoses ou sinais de trauma recente devem ser observados e anotados, assim como unhas compridas e/ou sujas (principalmente nas queixas vulvovaginais). Durante o exame deve-se prestar atenção a qualquer doença dermatológica coexistente, as quais podem se manifestar inicialmente na pele da vulva, ocasionando irritação vulvar 6,18 . O exame cuidadoso da genitália externa permite boa visualização do intróito, anel himenal e terço inferior da vagina, sendo assim, o instrumental pode ser dispensado na maioria dos exames. Deve-se observar a higiene ou achados sugestivos de interferência sexual. Baseando-se na história da paciente é que o médico irá determinar se apenas a inspeção externa será realizada ou se será necessária uma visualização mais completa do canal vaginal. O cérvice, útero e ovários não são avaliados rotineiramente, a menos que haja sinais e sintomas que levem à suspeita de uma neoplasia ou corpo estranho 6,18. 101 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia No exame clínico devem ser pesquisados a presença de edema, hiperemia, escoriações, fissuras, bem como a presença de fezes ou secreções interlabiais, o que chama a atenção para a higiene inadequada. Freqüentemente não se observa nenhuma secreção e não existem sinais de inflamação apesar da queixa referida pela mãe. A presença de secreção visível, sem sinais ou sintomas de inflamação podem ser consideradas normais (fisiológicas) em 2 situações: na recém nascida e no período da pré-menarca 6,18. Exames complementares Sempre que possível amostras de secreção vaginal para bacterioscopia e exame a fresco devem ser colhidos, utilizando-se para isso um swab (cotonete ou mesmo haste uretral revestida de algodão) umedecido com solução fisiológica para não traumatizar o tecido vaginal hipotrófico. A bacterioscopia fornece dados sobre a freqüência de bactérias presentes, sinais de processo inflamatório celular assim como identifica fungos, trichomonas e gardnerella, bem como diversos outros agentes. Importante lembrar que quase 100% da flora normal de crianças é colonizada por lactobacilos (bacilos gram positivos), difteroides e estreptococos alfa hemolíticos (cocos gram positivos), mas também pode-se encontrar, em até 8% dos casos, a presença de E. coli (Bacilo gram negativo), em 4% estreptococos beta hemolíticos (Coco gram positivo) e leveduras, e, em 2%, das vezes estreptococos do grupo B e estafilococos (cocos gram positivos) 6,8,19. A cultura vaginal somente fomecerá auxílio diagnóstico na presença de sinais evidentes de secreção. Infelizmente a cultura da secreção vaginal muitas vezes não trará benefício, pois mostrará o crescimento de flora mista, não orientando na determinação do agente etiológico no caso das vulvovaginites inespecíficas. A incidência de determinado microorganismo na vagina, identificado através de cultura, não difere estatisticamente em casos de meninas com vulvovaginite inespecífica e em meninas normais. A vagina normalmente abriga uma variabilidade de germes que vivem em equilíbrio com o meio, quando os mecanismos de defesa são diminuídos ou aumenta a agressão bacteriana, seja pelo aumento da virulência ou pelo aumento da população bacteriana desencadeia-se clinicamente a infecção vulvovaginal 6. Parasitológico de fezes com pesquisa de oxiúros e urocultura devem fazer parte da rotina de investigação. Em algumas situaçoes será necessário o emprego de vaginoscopia para avaliaçao de todo o canal vaginal e a cérvice, bem como ultra-sonografia pélvica, com o intuito de se descartar tumores, corpos estranhos e outros tipos de lesões locais. A vaginoscopia pode ser realizada com o emprego do vaginoscópio ou, mais recentemente, com a utilização de histeroscópio fino que permitirá adequada visualizaçao da cavidade vaginal e cérvice, bem como a retirada de corpos estranhos e biópsias locais quando necessário6. 102 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia TRATAMENTO Em relaçáo às medidas gerais, o objetivo principal do tratamento é melhorar a higiene perineal com o intuito de se diminuir a população de bactérias contaminantes provenientes do trato gastrintestinal. Além da importância da prevenção de boa higiene local, outras simples atitudes podem auxiliar na prevenção desta tão freqüente afecção em crianças, dentre as quais poderíamos mencionar: banhar a criança de risco (aquela com corrimentos recidivantes) várias vezes ao dia, após as diureses e evacuações, com um sabonete suave ou neutro; uso de roupas adequadamente folgadas e absorventes, evitando-se o uso constante de calcinhas de material plástico, de lycra, nylon; quando da realização de atividades aquáticas, maiôs e biquínis devem ser trocados por um short leve, logo que a criança pare de nadar. A higienização com algodão e óleo, é importante em cada troca de fraldas. As crianças maiores devem ser ensinadas a limpar-se, após as evacuações, da frente para trás, para não trazer restos de fezes do ânus para a vagina. Ao urinar, as meninas devem ser ensinadas a urinar com as pernas afastadas e enxugar-se depois. Deve-se também lavar bem as mãos antes e depois de ir ao banheiro 5,6. Em todos os casos onde exista processo inflamatório local, orientar banhos de assento 2 a 3 vezes ao dia usando sabonetes neutros glicerinados ou anti-sépticos. Aplicação tópica de creme ou pomadas protetoras ou antipruriginoso podem ser prescritos. Em relação à terapêutica específica para cada tipo de vulvovaginites, a mesma já foi descrita previamente e seus respectivos itens 5,6. Nas vulvovaginites inespecíficas o tratamento incluiria a melhora da higiene local, com orientação específica de limpeza genital após o ato de evacuar e as micções, o uso de roupas íntimas de algodão branco, a não utilização de roupas apertadas e sintéticas, realização de banhos de assento com benzidamida, chá de camomila ou permanganato de potássio (substâncias antiinflamatórias) e afastar agentes irritantes. O uso de cosméticos, substâncias químicas, e sabões ou detergentes utilizados na lavagem das roupas ou no banho das crianças foram implicados como possíveis desencadeadores da vulvovaginites inespecíficas, devendo ser evitados. Caso a secreção permaneça, realizar exame bacterioscópico e culturas da secreção vaginal e tratar conforme o antibiograma. Em crianças dá-se preferência pela utilização de medicação tópica, devendo-se para tal empregar “colírios” ou cremes ginecológicos habituais, os quais contenham o antibiótico selecionado (quando da utilização de cremes emprega-se aplicador específico para crianças). O uso de um antibiótico sistêmico de amplo espectro pode determinar uma infecção oportunista da vulva e vagina. As recidivas deste tipo de infecção podem ser freqüentes 3,5,6. 103 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Malheiros AFA. Vulvovaginites na infância [monografia on line], 2002. Disponível em: http://www.uff.br/mmi/ped/vulvovaginite.pdf . Acesso em 10/01/10. 2. Stricker T, Navratil F, Sennhauser FH. Vulvovaginitis in prepubertal girls. Arch Dis Child 2003;88:324–326. 3. Joishy M, Ashtekar CS, Jain A, Gonsalves R. Do we need to treat vulvovaginitis in prepubertal girls? BMJ. 2005;330(7484):186-8. 4. Kokotos F. Vulvovaginitis. Pediatr Rev. 2006;27(3):116-7. 5. Van Eyk N, Allen L, Giesbrecht E, Jamieson MA, Kives S, Morris M, Ornstein M, Fleming N. Pediatric vulvovaginal disorders: a diagnostic approach and review of the literature. J Obstet Gynaecol Can. 2009;31(9):850-62. 6. Kumetz LM, Fisseha S, Quint EH, Haefner HK, Smith YR. Common pediatric vulvar disorders: vulvovaginitis, lichen sclerosus, and labial agglutination. on line], 2005. Disponível em: http://www.medscape.com/viewprogram/4406_pnt. 7. Kohlberger P, Bancher-Todesca D. Bacterial colonization in suspected sexually abused children. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2007;20(5):289-92. 8. Jones R. 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EPIDEMIOLOGIA O HSV-1, primariamente localizado na orofaringe, é adquirido com frequência na infância, através de autoinoculação com objetos contaminados. Ele é responsável pelo comprometimento do gânglio trigêmeo, mas tem sido também encontrado em lesões genitais em 10-30% dos casos. O HSV-2, que é primariamente genital, compromete o gânglio sacro, no entanto, também pode ser encontrado em lesões orais. Sua principal fonte de contaminação é pela iniciação sexual na adolescência, correspondendo a 7095% dos casos. A prevalência do HSV-1 é maior em relação ao HSV-2, já que os anticorpos contra o HSV-1 atenuam a intensidade das manifestações clínicas ou diminuem a chance de infecção pelo HSV-22. Estudos soro epidemiológicos mostram níveis mais elevados de anticorpos para HSV em portadoras de câncer de colo. Entretanto, como cerca de 80% da população é portadora do vírus e apresenta reações cruzadas entre si, torna-se difícil concluir a real relação câncer versus herpes. A sua associação com HPV, contudo, parece dobrar o risco para câncer cervical. 105 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia A transmissão materno-fetal é hoje uma das maiores preocupações e a ceratoconjuntivite neonatal por herpes vírus é a causa principal de cegueira infecciosa nos Estados Unidos. A encefalite é uma das complicações da infecção herpética de maior risco de vida. FISIOPATOLOGIA Os vírus do herpes penetram por microtraumas em mucosas (oral, genital, anal, ocular e etc.), no trato respiratório e na corrente sanguínea. Multiplicam-se no local da inoculação, quando as células infectadas tendem a se fundir, originando as células gigantes multinucleadas que apresentam os corpúsculos de inclusão no seu interior. Após a instalação da infecção primária (cerca de 48 horas), o vírus tem a capacidade de migrar das terminações nervosas locais, através dos nervos aferentes até atingir os gânglios sacrais. Aí, permanece latente até que algum fator estimule sua reativação (luz solar, febre, menstruação, tensão e etc.). A replicação viral pode causar viremia e disseminar para órgãos distantes por via linfática, sanguínea ou nervosa, em especial, nos pacientes imunocomprometidos. FATORES DE RISCO A transmissibilidade sem sintomas é uma importante fonte de infecção, pois já foram detectados na saliva e sêmen de portadores assintomáticos. As lesões herpéticas são as mais frequentes nas pacientes HIV positivas, já que as ulcerações, responsáveis pela quebra da barreira cutâneo-mucosa, são consideradas importantes fatores de risco para aquisição de HIV. Existem evidências “in vitro” que o HSV poderia agir como potencializador na replicação do HIV. As complicações resultantes da transmissão materno-fetal têm sido hoje estímulo para importantes estudos. A infecção neonatal pode ser adquirida durante a gestação em 85% dos casos (infecção transcervical ascendente, por via transplacentária ou por monitorização invasiva). Entre 5-a 8% a transmissão se dá durante o trabalho de parto (a rotura prematura das membranas com mais de 4 horas eleva o risco de contaminação para 50%, independente da via de parto). Em 8-10% dos casos transmite-se no pós-parto (manipulação do lactente por pessoas infectadas no berçário ou por familiares) 3,4. Na ausência de tratamento 60% dos lactentes com doença disseminada podem morrer e 40% dos bebês que sobrevivem têm doença ocular persistente. 106 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O período de incubação ocorre de 2 - 26 dias (média de 7 dias). O quadro clínico clássico inicia com o aparecimento de pequenas e múltiplas vesículas sobre áreas eritematosas, acompanhadas por ardor persistente, 3 -7 dias, após o contato as quais rapidamente se rompem (em torno de 24 -48 horas) formando pequenas úlceras dolorosas e que cicatrizam em 2 ou 3 semanas, com ou sem tratamento. (figuras 1 e 2) Figura 1 e 2: HSV vulva – vesículas e úlceras O primeiro episódio de infecção (primo infecção) é assintomático em 75% dos casos e em 50% deles é decorrente do HSV-1 (figura 3). Nos 25% restantes, sua sintomatologia é mais severa durando em média 2 semanas sendo que o hospedeiro permanece infectante por 14 dias. A infecção cursa ainda com dor em queimação, eritema, disúria e secreção vaginal profusa ou uretral que comumente se associam com infecções bacterianas. Pode ainda cursar com sintomas sistêmicos: como mialgia, febre e linfadenopatia inguinal em 50% dos casos1. Figura 3: HSV vulva (primo-infecção) A reativação do processo (herpes recorrente) frequentemente apresenta sintomas mais brandos ou não tem nenhuma sintomatologia, já que os anticorpos pré-formados atenuam a gravidade da doença. Constitue-se fonte importante de contaminação para parceiros inocentes. 107 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia DIAGNÓSTICO Clínico As manifestações clínicas inicialmente são inespecíficas, devendo-se ter o cuidado de realizar diagnóstico diferencial com outras DSTs. (figuras 4 e 5) Figura 4: HSV vagina Figura 5: HSV colo Laboratorial 1-Exames diretos de Amostras Clínicas Histopatologia: permite a identificação de inclusões intranucleares na periferia das lesões e de células gigantes multinucleadas Citopatologia: esfregaços corados pelo Giemsa (Tzanck) ou pelo método de Papanicolaou, quando além das células gigantes multinucleadas observam-se inclusões virais chamadas em “vidro moído” pela semelhança com este aspecto. Microscopia eletrônica (ME): permite a detecção e identificação da morfologia viral através de material de biópsia ou do fluido e raspado das vesículas. Método de Imunofluorescência direta (IFD): permite a detecção de antígenos em amostras ou confirmação da presença do HSV em cultura. Método Imunoenzimático: técnica semelhante ao IFD, porém com a vantagem de ser de fácil execução, não necessitar de microscópio de fluorescência e manter a cor por tempo indeterminado. Sondas de ácido nucléico (SAN): usa segmento de RNA e DNA para detecção do vírus, sendo atualmente utilizado para detecção de sequência de HSV-1 e HSV-25. Reação de polimerase em cadeia (PCR): apresenta a capacidade de 108 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia amplificar o DNA alvo cujo material pode não ser viável em cultura. Apresenta alta especificidade e altíssima sensibilidade, mas sua utilização para HSV ainda não foi licenciada para uso clínico pelo FDA 5,6. 2 - Identificação do vírus em Amostras Clínicas Cultura viral: é o teste de escolha para o diagnóstico definitivo, permitindo a tipificação do HSV (importante no prognóstico). O diagnóstico é feito com o isolamento do vírus em culturas de células, porém apresenta baixa sensibilidade nas lesões recorrentes 6,7. 3 - Sorologia IgG e IgM Os testes sorológicos tipo específicos para anticorpos do HSV, baseiam-se na glycoprotein G2 (HSV-2) e glycoprotein G1 (HSV-1). Apresentam sensibilidade de 80% a 90%, com resultados falso negativos mais frequentes nos estágios iniciais e especificidade superior a 96%. Casos falsos positivos podem ocorrer, em especial, nas pacientes com baixa probabilidade de serem portadoras da infecção herpética. Sua aplicação é de grande valor nas seguintes situações: 1- sintomas genitais recorrentes ou atípicos com culturas negativas; 2- presença de manifestações clínicas altamente sugestivas sem confirmação laboratorial; 3- parceiros portadores de herpes genital6. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Deve ser feito com outras patologias que cursam com úlceras genitais tais como: sífilis, cancro mole, linfogranuloma, donovanose e ainda piodermite e quadros agudos de vulvovaginites7. (figura 6) Figura 6: HSV vulva (diagnóstico diferencial com vulvovaginite) TRATAMENTO 1- Objetivo Melhorar a ansiedade Aliviar os sintomas Reduzir a duração dos sintomas 109 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Reduzir a transmissão viral 2 - Condutas a serem evitadas Drenagem das vesículas Uso tópico de corticóides Inativação com corantes vitais (vermelho neutro, azul de metileno e proflavina) Abstenção de relação sexual na presença de pródromos 3 - Tratamento sintomático Solução fisiológica, éter, água boricada e permanganato de potássio Antibiótico tópico (prevenção das infecções secundárias) Uncaria tomentosa 50mg/g (Imuno-max)- gel tópico (GR e Força de Evidência B) 4 - Drogas antivirais 4a - Via oral: apresentam como principal objetivo o bloqueio da replicação viral. Hoje contamos com três principais drogas (análogos nucleosídios): Aciclovir - é a mais antiga das drogas. É absorvida pelas células infectadas preservando as células sadias. Tem sido seguro no tratamento da infecção primária e seus efeitos colaterais são mínimos, pois somente 20% da dose oral é absorvida. Sua biodisponibilidade é de 10 a 20%, exigindo doses mais frequentes. Valaciclovir - éster L-valina do aciclovir que age como pro droga e é convertido para aciclovir, após absorção no intestino e no fígado. Sua principal vantagem é sua alta concentração no plasma em relação ao aciclovir (3 a 5 vezes mais). Sua biodisponibilidade é de aproximadamente 55%. Fanciclovir - requer atividade da timidina-cinase codificada pelo vírus para transformar a droga no seu composto ativo: penciclovir. Apresenta uma meia-vida celular maior que o aciclovir (10 a 20 horas) e tem uma biodisponibilidade de 77% permitindo como o valaciclovir doses menos frequentes. 110 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Esquemas terapêuticos Primo-infecção Aciclovir Fanciclovir Valaciclovir 200 mg 400 mg 250 mg 250 mg 5 x ao dia 3 x ao dia 3 x ao dia 3 x ao dia 5 dias 7 a 10 dias 5 dias 7 a 10 dias 500 mg 1g 2 x ao dia 2 x ao dia 7 a 10 dias 5 dias Infecção recorrente Aciclovir Fanciclovir Valaciclovir 800 mg 125 mg 500 mg 2 x ao dia 2 x ao dia 2 x ao dia 5 dias 5 dias 5 dias Terapia Supressiva (mais de 6 episódios em 1 ano) Aciclovir Fanciclovir Valaciclovir 200 mg 4 x ao dia 6 meses a 1 ano 400 mg 250 mg 2 x ao dia 6 meses a 1 ano 2 x ao dia 6 meses a 1 ano 500 mg 1 x ao dia 6 meses a 1 ano 250 mg 1 x ao dia 6 meses a 1 ano Cuidados a serem tomados durante o tratamento: Avaliar função hepática de 6/6 meses Paciente HIV positiva, apresenta surtos mais prolongados e severos podendo ocorrer resistência ao Aciclovir em 5 a 25% A ocorrência de resistência ao Aciclovir tem estimulado a pesquisa de novas drogas agindo diretamente na inibição do HSV- DNA polimerase, como os análogos do Pirofosfato (Foscarnete) e do Fosfonato (Cidofovir) 4b – Via tópica As medicações tópicas não têm apresentado respostas satisfatórias. As mais utilizadas são: 111 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Viroptc (preparação oftálmica tópica). Penciclovir (primeira droga tópica apresentando resultados efetivos). Cidofovir (atualmene uma promessa para o tratamento tópico de infecções herpéticas genitais recorrentes)8. Na gravidez O FDA (Food and Drug Administration) aprova a utilização de drogas antivirais na primoinfecção, no episódio recorrente e na supressão, porém, não como forma de tratamento fetal durante a gestação. A publicação do CDC em 1993 apresentou dados confirmando o não comprometimento dos fetos de mães que receberam Aciclovir no primeiro trimestre. Antes da 20ª semana, a primo infecção provoca abortamento em cerca de 54% e no 2º trimestre podem acontecer 35% de partos prematuros9. A maioria dos estudos apresenta dados limitados em relação à prevenção da doença no feto no caso de terapia antiviral materna. Há referências, no entanto, que a terapia iniciada após 36 semanas diminui a carga viral, diminui os sintomas e previne o herpes neonatal (com queda de risco de transmissão para 14%) além da redução do número de cesáreas6,10. A paciente em trabalho de parto prematuro com lesões genitais em atividade, poderá se beneficiar com uso de tocolíticos por 24h, enquanto se administra corticoterapia para maturação pulmonar fetal1. A escolha da via de parto na presença de lesões deverá ser a cesárea e na ausência de lesões o parto normal pode ser a via de eleição, independente da bolsa rota ou não. A presença do herpes vírus não contra indica a amamentação Esquema terapêutico Aciclovir 200 mg 400 mg 5 x ao dia 3 x ao dia 7 a 10 dias 7 a 10 dias REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Torloni MR; Oliveira TA; Souza E. Prematuridade e infecções congênitas. Femina 2002; nº 6, vol 30, 351355. 2 - Moreira LC, Merly F; Moleri AB; Passos MRL; Pinheiro VMS. 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Nas jovens essa aflição corresponde ao medo de estarem com alguma DST e nas idosas ao temor do câncer de vulva. Neste capítulo estaremos abordando as úlceras genitais de etiologia não relacionada às infecções de transmissão sexual e não neoplásicas. - Hidradenite supurativa - Doença de Behçet - Doença de Crohn Hidradenite supurativa 1 Conceito É uma doença crônica que atinge áreas com glândulas apócrinas da pele, de etiologia desconhecida, mas parecendo haver uma tendência familiar. Epidemiologia Essa condição pode surgir em qualquer idade após a puberdade Fisiopatologia Ocorrem obstrução e inflamação das glândulas apócrinas, com formação posterior de tratos sinusais e abscessos. Tem sido sugerida uma relação da Hidradenite supurativa com os níveis androgênicos ou uma hipersensibilidade periférica aos androgênios. Os microrganismos mais frequentemente isolados no tecido afetado, provavelmente como infecção secundária, são os estafilococos, estreptococos e os anaeróbios. Na fase inicial, observa-se perifoliculite com inflamação aguda e crônica da derme. Nas 115 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia fases mais avançadas, existe inflamação do tecido subcutâneo, com ulceração da epiderme e abscessos que se comunicam com os seios subcutâneos. Também fica evidente a fibrose e a cicatrização com perda dos anexos cutâneos. Manifestações clínicas Úlceras pouco dolorosas e recidivantes que cicatrizam espontaneamente, podendo apresentar eliminação de secreção amarelada. Pode haver formação de abscessos e lesões nodulares. Com a evolução da doença, há formação de tratos sinusais e cicatrizes extensas. A extensão é variável, desde a presença de lesão única, até comprometimento de toda a vulva. Na fase inicial, as úlceras recidivam no mesmo local, mas ao longo do tempo tornam-se várias úlceras, nódulos e tratos sinusais. Áreas mais comumente afetadas: axila, vulva e o períneo. Diagnóstico clínico O diagnóstico é eminentemente clínico, baseado na história de surgimento e cicatrização espontânea de lesões ulceradas, de forma recidivante e agravante, porque essas lesões geralmente evoluem para áreas nodulares, com eliminação de secreção amarela. Ao exame, observam-se lesões ativas ou cicatriciais. As úlceras geralmente são rasas, dolorosas e com base “suja”. Os nódulos são dolorosos e têm orifício de saída de secreção amarela. Por vezes, observamos os orifícios dos trajetos sinusais de entrada e saída. Hidranite (forma nodular) Hidranite (forma nodular supurativa) Hidranite extensa Hidranite (trajetos sinuosos Hidranite acneiforme 116 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Diagnóstico subsidiário Biópsia da lesão Fistulografia Tratamento clínico Evitar fatores irritantes: uso de roupas apertadas, raspagem ou depilação dos pelos, uso de talcos ou de desodorantes. Antibioticoterapia local com Clindamicina ou Neomicina Tratar fatores sistêmicos: Diabetes - Interconsulta com endocrinologia; Obesidade - Interconsulta com endocrinologia; Anemia Terapia com contraceptivos orais combinados – o seu uso aumenta a globulina carreadora de hormônios esteróides (SHBG) que irá se ligar com a testosterona e diminuir a quantidade de testosterona livre na circulação. Antibioticoterapia sistêmica: Tetraciclina 500mg, VO, 6/6h Doença ativa persistente: Isotretinoína, 1mg/Kg/dia. Terapia contraceptiva, durante tratamento, mais comumente com ACO Tratamento cirúrgico 2-4 Incisão e drenagem ampla dos abscessos com curetagem ou eletrocoagulação dos canais fistulosos. O uso do Laser CO2 para destruir a pele com abscesso, abrir e vaporizar tratos sinusais também pode ser indicado. Se não resolver: fazer exérese da pele, tecido subcutâneo, ressecção do tecido fibroso e fistuloso, eliminando glândulas apócrinas e cicatrização por segunda intenção. 5 Doença de Behçet Conceito A doença de Behçet é uma doença inflamatória de múltiplos órgãos devido a uma vasculite primária, de etiologia desconhecida. A Síndrome de Behçet consiste da tríade clínica de úlceras orais e genitais e processo 117 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia inflamatório oftalmológico. Epidemiologia A doença é mais comum no Oriente e países mediterrâneos. Fisiopatologia A característica principal é a arterite necrotizante e trombose venosa associada. Manifestações clínicas Vários sistemas podem estar envolvidos (olhos, articulações, sistema nervoso central, trato gastrointestinal, pele e mucosas). A queixa da paciente ao ginecologista são as úlceras vulvares bastante dolorosas. Abaixo seguem os critérios diagnósticos internacionais para a Doença de Behçet: Úlceras orais; Úlceras genitais recorrentes, dolorosas; Lesões oculares (uveíte, vasculite retiniana); Lesões dermatológicas (eritema nodoso, lesões papulopustulares ou lesões acneiformes); Teste de patergia positivo (injeção intradémica de água esterilizada, resultando na formação de pápula ou pústula após 48h). Diagnóstico clínico O diagnóstico clínico é baseado na presença de úlceras orais e mais dois itens do quadro clínico acima. Doença de Behçet vulvar Diagnóstico subsidiário É muito importante tentar excluir a presença de DST: 118 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Pesquisa campo escuro ou VDRL – excluir sífilis primária; Gram ou cultura da base da úlcera – excluir cancro mole; Sorologia para HIV – excluir lesões ulceradas causadas pelo HIV; Citologia ou Biópsia – excluir herpes genital; Sorologia para Clamídia – excluir linfogranuloma venéreo. Tratamento clínico6,7 Orientação da higiene vulvar meticulosa com água boricada a 3%, 5 vezes ao dia e aplicar pomada de Neomicina, logo a seguir. Se as lesões forem muito dolorosas fazer aplicação local com gel de Lidocaína a 2%. Aplicar pomada de valerato de betametasona a 0,1%, 2 vezes ao dia, por 2 semanas e depois diminuir, gradualmente, o uso. Para doença severa, não responsiva às intervenções prévias: iniciar prednisona oral, 2060mg/dia, diminuir, gradualmente, depois de observada a resposta clínica. Para doença significativa, não responsiva à terapia com esteróide sistêmico, será indicada a terapia imunossupressiva que deverá ser conduzida pelo Reumatologista. Doença de Crohn Vulvar8,9 Conceito É uma doença granulomatosa não-caseosa crônica que afeta, primariamente, o intestino (íleo distal e cólon), mas pode apresentar envolvimento vulvar e perineal. Etiologia desconhecida. Epidemiologia A doença de Crohn é rara e pode acometer em adultos e crianças. Fisiopatologia Raramente, a doença vulvar antecede às manifestações. Existe inflamação granulomatosa não-caseosa envolvendo a derme superficial e profunda. Manifestações clínicas Ü Ulcerações da vulva com aspecto característico de “facada”. 119 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Ü Surgem nas dobras da vulva, ocorrendo entre os grandes lábios e a parte medial das coxas ou entre os pequenos e os grandes lábios. Ü A dor limita a mobilidade da paciente e o coito. Ü Geralmente, associada à doença inflamatória intestinal ou pode, raramente, anteceder a doença intestinal. Diagnóstico clínico As lesões patognomônicas são as úlceras em facadas nas dobras cutâneas da vulva, com episódios de melhora e piora no decorrer dos anos. Pode haver infecção associada e tratos sinusais com drenagem de líquido aquoso semelhante ao conteúdo do intestino delgado. Doença de Crohn vulvar (extensa úlcera) Doença de Crohn vulvar (úlcera e fístula) Diagnóstico subsidiário - Biópsia - Avaliação intestinal radiográfica e endoscópica. Tratamento clínico Metronidazol oral, 250-500mg, 3 vezes ao dia, com a dose ajustada para mais ou para menos, com base na resposta clínica (será necessário a terapia a longo prazo). Prednisona oral: a) menor atividade da doença: 5mg todos os dias ou em dias alternados. b) exacerbação aguda: 60mg todos os dias, seguidos por diminuição gradual. - Para doença recalcitrante: Considerar a azatioprina 1-2mg/Kg/dia (monitoração com hemograma completo, testes de função hepática, amilase, lipase). - Com a falha farmacológica: Considerar a exérese ampla. Durante uso do metronidazol, orientar sobre o consumo de álcool que pode induzir náuseas e vômitos. Controle periódico do número de leucócitos e das plaquetas para descartar granulocitopenia e trombocitopenia. 120 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia O acompanhamento a médio e longo prazo, deve ser feito pelo gastroenterologista. Tratamento cirúrgico Consiste na exérese ampla da lesão quando há falha no tratamento farmacológico. A vaporização com Laser CO2 pode ser utilizada como abordagem auxiliar para doença localizada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1- Mitchell KM; Beck DE. Hidradenitis suppurativa. Surg Clin North Am. 2002 Dec;82(6):1187-97 2- Kagan RJ; Yakuboff KP; Warner P; Warden GD. Surgical treatment of hidradenitis suppurativa: a 10-year experience. Surgery. 2005 Oct;138(4):734-40; discussion 740-1 3- Rhode JM; Burke WM; Cederna PS; Haefner HK. J Reprod Med. 2008 Jun;53(6):420-8. Outcomes of surgical management of stage III vulvar hidradenitis suppurativa. 4- Balik E; Eren T; Bulut T; Büyükuncu Y; Bugra D; Yamaner S. 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Int J STD AIDS. 2005 Jul;16(7):512-4. 121 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 122 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia CONDILOMA INTRODUÇÃO Condiloma representa a expressão clínica do papilomavírus, cuja manifestação ocorre por aparecimento de verrugas, principalmente na genitália externa. Pode ocorrer no colo do útero e na vagina, sendo mais frequente em pacientes com problemas imunológicos. Aparece em áreas de trauma de coito, com inoculação viral na camada basal do epitélio. Os principais tipos de HPV (Papiloma Vírus Humano) relacionados aos condilomas, em mais de 90% dos casos, são o 6 e o 11. Produz infecção produtiva, onde os genes virais estimulam a mitose da célula infectada e provocam lesões benignas, não apresentando potencial oncogênico 1. É considerado como doença sexualmente transmissível (DST), atingindo principalmente mulheres jovens. A regressão espontânea das lesões ocorre com alguma frequência, após o desencadear da resposta imunológica, tendo curso autolimitado. Frente à presença das verrugas genitais, está indicado o tratamento, que se baseia na eliminação da lesão, por métodos destrutivos ou excisionais. O uso de substância imunomoduladora também é boa opção, com poucas complicações no tecido onde é aplicado. O ideal seria a imunização das mulheres antes do início sexual, com a vacina contendo os tipos 6 e 11 do HPV, que compreende a forma de apresentação quadrivalente, em associação aos tipos oncogênicos 16 e 18, com eficácia de 99% para o condiloma acuminado 1 . Conceito Excrescências papilares do tecido, formando verrugas, com vasos capilares centrais, de coloração avermelhada, únicos ou múltiplos que se manifestam, em geral, na genitália externa 2. Epidemiologia A infecção pelo HPV é considerada como DST viral mais comum na população sexualmente ativa. Estima-se que no mundo exista cerca de 20 milhões de novos casos de verruga genital diagnosticados. 123 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia importância na epidemiologia, como idade de início, preferência e prática sexual, bem como o número de parceiros 4. O HPV também pode se disseminar por autoinoculação para outras áreas, transmissão oral é discutível, papilomatose respiratória recorrente em infantes de mães que se contaminaram no parto pelo HPV 6 e 11, e através de fômites (figura 1), que têm considerações hipotéticas não conclusivamente documentadas 5. Figura 1– Condilomatose vulvo-anal em criança de 1 ano, sem história de violência sexual, provável contaminação por fômite Maior incidência de infecção é observada em pacientes imunossuprimidas, transplantadas e infectadas pelo HIV, comparadas com pacientes imunocompetentes, por não terem habilidade imunológica para clarear a infecção do HPV (figura 2). Figura 2 – Condilomatose acometendo extensamente a genitália externa em paciente Outros fatores de risco para persistencia da infecção são a alta paridade e tabagismo 5. Fisiopatologia As células da camada basal do epitélio estratificado e as células metaplásicas da junção escamo-colunar do colo do útero, são alvos para a infecção pelo HPV e também podem infectar o epitélio glandular da endocérvice. Há inoculação do agente por meio do trauma da relação sexual. O vírus se replica no núcleo das células e ocorre liberação das partículas infectantes pelas células superficiais. A interação entre a resposta imunológica do hospedeiro e o tipo do HPV indicará a evolução da doença. Os tipos 6 e 11 encontramse na forma epissomal, ou seja, sem integração ao DNA da célula hospedeira; não há produção de oncoproteínas, não levando a descontrole do ciclo celular 6. O período de latência, ou seja, da inoculação à manifestação é amplamente variável, dependendo de uma série de cofatores, principalmente da condição imunológica. Outras formas de contaminação podem ocorrer, em cerca de 5% dos casos, como contato com mãos, toalhas, roupas ou objetos, desde que haja presença de secreção com vírus vivo em pele e/ou mucosa não íntegra 1. Manifestações Clínicas Aparecimento de verrugas cutâneas ou mucosas na região anogenital que são os 124 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia condilomas acuminados. Podem ser únicas ou múltiplas, com crescimento autolimitado, sendo na mulher mais frequente na região vulvar. As lesões surgem entre 3 semanas à 8 meses após a infecção inicial. Em geral é pouco sintomático, mas pode haver queixa de ardência, sangramento após o coito, obstrução urinária para grandes lesões, queimação e dor. Na vulva, as regiões mais afetadas são a fúrcula, grandes e pequenos lábios, região perineal e perianal locais estes, por ordem decrescente, mais traumatizados no coito, facilitando a inoculação do vírus (figura 3). Pode também aparecer na mucosa vaginal e em menor proporção, no colo do útero, situação que ocorre nas imunossuprimidas. O ânus é a região extragenital mais acometida, principalmente em homens que fazem sexo com homens, sendo relacionado ao coito anal receptivo (figura 4). É mais comum em imunossuprimidos 7. Figura 3- Condiloma em região de fúrcula Figura 4 – Condilomas perianais, em 3 e 9hs. O tamanho pode variar de menos de 1 milímetro à áreas extensas acometendo toda a região externa da vulva. Pode haver também a forma de condiloma plano, cuja lesão é subclínica, só sendo diagnosticável com a utilização do ácido acético e colposcópio. Está associado aos HPVs oncogênicos, principalmente o 16, tendo risco de evolução para neoplasia intraepitelial do tipo usual 3, 8. Diagnóstico Diagnóstico clínico: as lesões verrucosas são visíveis a olho nu, sem uso de equipamentos. O HPV produz tumor benigno em forma de “couve-flor”9. Diagnóstico subsidiário: Esfregaço cérvico-vaginal (teste de Papanicolaou) – interpretação das 125 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia células esfoliadas usualmente do colo do útero e da vagina, detectando sinais de infecção pelo HPV, como células coilocitóticas e neoplasias intraepiteliais 9. Vulvoscopia- observação macroscópica da vulva e região perianal, seguida de observação colposcópica com aplicação repetida de ácido acético a 5%. As alterações sugestivas de infecção pelo HPV são muito variáveis, desde lesões papilares acetobrancas, à lesões micropapilares, microespiculadas e condilomas acuminados 10. Através deste método, os condilomas se apresentam na forma de papilomatose, com lesões sobrelevadas micropapilares com acetorreação intensa. Em geral não contém pigmentação, e quando presente é sugestivo de neoplasia intraepitelial usual (NIV). Na condilomatose cérvico-vaginal, após embrocação com ácido acético a 3% sob visão colposcópica, identifica-se mais frequentemente em vagina (figura 5), áreas de epitélio branco micropapilar, com aspecto de lixa. Ao teste de Schiller, existe impregnação parcial do iodo 11 (figura 6). Figura 5 – Condilomas acuminados em paredes vaginais Figura 6 – Condilomas acuminados de vagina com o teste de Schiller Anatomopatológico – eixo vascular conjuntivo recoberto por epitélio contendo coilocitose, acantose, hiperqueratose e papilomatose. Diferencia-se das neoplasias por não conter atipia nuclear na camada basal do epitélio. Frente à avaliação clínica sugestiva de condiloma acuminado, costumamos não biopsiar, exceto se houver alguma característica de NIV 5 e 10 . No achado em vagina e/ou colo, biopsiamos para exclusão de neoplasia intraepitelial. Biologia molecular – identificação do tipo viral, por técnicas de hibridização in situ, PCR ou captura híbrida. O achado dos tipos 6 e 11 ocorre em mais de 90% dos casos de condiloma. Não temos indicado o seu uso rotineiramente, para estas lesões. 126 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Tratamento Os princípios de tratamento compreendem erradicação da infecção, eliminação dos sintomas, prevenção de evolução maligna e interrupção da transmissão. As opções correntes não erradicam o agente, por isso, frequentemente, temos recidiva. A infecção é reduzida com diminuição de carga viral, porém não completamente erradicada 9. A maioria das infecções provocadas pelo HPV apresenta resolução espontânea devido à resposta imunológica do hospedeiro contra o vírus. Isto é particularmente verdadeiro para condilomas genitais e lesões de baixo grau, ocorrendo eventualmente, em lesões de alto grau. O aumento desta resposta imunológica é possível com abstinência do tabagismo, melhora da qualidade de vida e alimentar, com maiores taxas de regressão da doença 8. Podemos tratar a lesão por destruição, excisão ou imunomodulação e, em geral, os tratamentos são repetidos 5. Dentre as formas destrutivas, temos os agentes químicos e físicos. Os agentes químicos atualmente usados são o ácido tricloroacético a 70-80%, a podofilotoxina, o 5-fluorouracil e o imiquimod 5%. Os agentes físicos são a criocauterização e eletrocauterização e a vaporização a laser de CO2. Nos métodos excisionais, dispomos da cirurgia convencional a bisturi, eletroexcisão com cirurgia por ondas de alta frequência e excisão com raio focalizado de laser de CO2. Descreveremos cada método: 1. Ácido tricloroacético a 70-80% - potente agente que tem efeito cáustico necrosante. Aplicado sobre a lesão com Swab levemente embebido, com frequência semanal e/ou quinzenal, no total de quatro a seis sessões. Tem limitações nas lesões muito queratinizadas, onde não há absorção adequada do fármaco, assim diminuindo sua eficácia. Não há absorção sistêmica, podendo ser usado em crianças e gestantes. Recomendado o seu uso em lesões pequenas. A taxa de resolução é de 81% para os condilomas 12. 2. Podofilotoxina - derivado purificado da podofilina, tem mecanismo antimitótico sobre a célula, provocando sua necrose. Na forma de creme a 0,15%, deve ser usado com aplicação sobre a área lesionada, pela manhã e a noite por três dias consecutivos, com pausa de quatro dias, perfazendo um total de até quatro ciclos. Lavar, após 6 h da aplicação. Não pode ser usado em gestantes. Utilizado apenas em pele, sendo contraindicada a aplicação em mucosas. As taxas de resolução variam de 45 a 88% 9. 3. 5-fluorouracil 5% - antimetabólito que age com a proliferação celular, inibe a replicação viral e libera interferon no tecido. É efetivo para extensas lesões 127 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. vaginais, porém o uso abusivo pode provocar úlceras crônicas e vulvite química. Recomendamos seu uso em pacientes imunossuprimidas, adjuvante à laserterapia. A posologia em vagina é de aplicação de 2,5 g quinzenal, seguido de três dias de acetato de clostebol, no total de até dez aplicações, ou de curso indefinido nas imunossuprimidas. Na vulva, aplicação bisemanal, lavando-se após 2 horas 13. Não usado em gestantes. Quando os efeitos colaterais são acentuados, reduzimos a concentração para 1%. Imiquimod 5% – imunomodulador tópico que induz a liberação local de citocinas. Não produz a destruição física do condiloma, mas age na erradicação do agente. A posologia é aplicação de um sachê de 250 mg sobre a lesão, em três dias da semana intercalados, no total de quatro a dezesseis semanas. Efeitos colaterais como hiperemia e queimação ocorrem e são desejáveis, demostrando a atividade inflamatória induzida, que é benéfica na eliminação da lesão. As taxas para condilomas acuminados é de 72 a 84%, com recidiva entre 5 a 19% 9. A resposta em mulher é maior que no homem e seu uso está indicado nas lesões externas. Relatos de casos mostram também eficácia no tratamento de neoplasias intraepiteliais de vagina. Crioterapia – destruição do tecido por congelamento tecidual. Para seu uso na vulva é necessário anestesia local. Altas taxas de remissão são observadas, porém não a utilizamos em nosso serviço. Eletrocauterização – destruição tecidual pelo calor. No tratamento de condilomatose vulvar é necessário anestesia. O inconveniente do método são as cicatrizes, com perda de pelo, retrações e hipocromia. Também não usamos em nossos serviços. Vaporização a laser de CO2 - destruição tecidual por vaporização celular. Efetivo para lesões extensas e sincrônicas do trato genital inferior é um método de precisão, com bom controle da destruição em extensão e profundidade. A recuperação tecidual é rápida e o uso adequado traz nenhuma ou pouca cicatriz. O inconveniente está no custo elevado do equipamento. As taxas do nosso serviço são de 71% com uma ou mais sessões. Excisão a bisturi – está indicado para lesões volumosas, onde necessitamos de boa ressecção de margens. Eletroexcisão com cirurgia por ondas de alta frequência – utiliza processo de corte e coagulação com ressecção de lesões volumosas. Requer anestesia na vulva e pode provocar cicatrizes. Excisão a laser de CO2 – o raio laser focalizado no menor diâmetro focal tem alto poder de corte, porém com pouca coagulação dos vasos sanguíneos. Para lesões condilomatosas vulvares é boa indicação a excisão com eletrocirurgia e vaporização com laser de CO2 das margens, aumentando as taxas de resolução. Prognóstico Mesmo em indivíduos não tratados, a maioria das lesões provocadas pelo HPV 128 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia desaparecerá devido à resposta imunológica. A imunocompetência tem significante impacto no clareamento da infecção. Este, algumas vezes pode ser lento, e cerca de 10 a 20% dos indivíduos não se resolverão, mesmo utilizando métodos efetivos de tratamento 5,8. Mesmo removendo a área afetada, as recidivas são comuns, independente da forma terapêutica 3. Prevenção Primária – visa remover os fatores de risco, antes de se adquirir o vírus. Orientação sexual estimulando a monogamia e o uso de condon, que tem eficácia discutível na prevenção do HPV. Os trabalhos demonstram que, apesar de não serem consistentes em relação ao menor risco de adquirir o HPV com seu uso, parece promover diminuição do risco das verrugas genitais 8, 9, 14. O uso da vacina quadrivalente, contra os tipos 6, 11, 16 e 18, mostrou eficácia com redução de 99% de risco para o aparecimento de verrugas genitais. Aprovada pelo ministério da saúde para uso em mulheres de 9 a 26 anos, com três doses: momento zero, 60 dias e 6 meses 15. Secundária – visa prevenir a doença clínica após a exposição. O exame de Papanicolaou – esfregaço cérvico-vaginal - detecta as alterações citológicas induzidas pelo HPV na sua fase subclínica. O uso de teste que identifica o DNA do HPV aumenta a sensibilidade dos programas de rastreamento. O exame aprovado para tal é a captura hibrida II que identifica os tipos oncogênicos. Não existe recomendação do uso para a pesquisa dos HPVs não oncogênicos 14. Condução do Casal com Diagnóstico de Condiloma O condiloma acuminado é muito contagioso e pode promover auto-inoculação. Geralmente a exposição ao agente é recente. Recomendações: a) abstinência sexual – auxilia na diminuição do risco de autoinoculação, ou seja, menor risco de implantação em outros sítios, como ânus, vagina e colo. b) avaliação do parceiro – indicado para a pesquisa de lesões clínicas, com intuito de tratá-lo. Não modifica o curso clínico na mulher se não fizer esta análise. É comum a negatividade de lesões no parceiro masculino 16. c) uso de condon – no casal monogâmico com diagnóstico de condiloma em um ou em ambos, sua indicação é relativa. Recomendações isoladas, sem consenso, indicam o seu uso para o casal que não aceita a abstinência, para proteção daquele que não apresenta lesão, ou para diminuir o risco de autoinoculação no doente. Caso haja mais de duas pessoas envolvidas no relacionamento, é recomendável o seu uso. Este é um assunto ainda bastante discutível; estudos devem ser realizados para melhor conclusão 17. 129 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - HPV - Jornal Brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissíveis. 2008; 20:71-154. 2 - Vargas PRM – Diagnóstico histológico das neoplasias escamosas intra-epiteliais e invasivas. In: Coelho FRG; Soares FA; Focchi J; Fregnani JHTG; Zeferino LC; Villa LL et al. Câncer do colo do útero. São Paulo: Tecmedd; 2008. p.321-59. 3 - Ault K A. Epidemiology and Natural History of Human Papillomavirus Infections in the Female Genital Tract. Infect Dis Obstet Gynecol. 2006; 2006: 40470. Published online 2006 january 30. Acesso: www.ncbi. nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1581465 4 - Valente Martins N – Fatores prognósticos e de risco na evolução das lesões intra-epiteliais do trato genital inferior. In: Valente Martins N, Ribalta JCL. Patologia do trato genital inferior. 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Sex Transm Dis, 2002:29:725-35. 130 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia ALTERAÇÕES CITOLÓGICAS INTRODUÇÃO As alterações citológicas encontradas nos exames citopatológicos, representam uma base importante no rastreamento e diagnóstico das alterações da cérvix uterina que irão constituir os achados sobre as diferentes manifestações benignas, pré-neoplásicas e neoplásicas que incidem sobre este órgão. Procuraremos de uma forma bem prática, simples e didática abordar abaixo as principais alterações citológicas que ocorrem sobre este órgão, relacionadas principalmente aos métodos de rastreio do câncer de colo uterino, e que sem dúvida alguma, das diferentes classificações existentes, hoje em dia, todas seguem como um referencial maior, a última reunião ocorrida em Bethesda/EUA, no ano de 2001, a qual deu-lhe o nome, e que tem servido como um forte referencial ao que tem sido adotado internacionalmente. Em nosso meio e ao que é praticado em nosso país incentivamos o seguimento das diretrizes do Ministério da Saúde e o que é recomendado pelo INCA (Instituto Nacional de Câncer). A respeito do comprometimento maior sobre este órgão, que é o câncer do colo do útero; podemos dizer que é o segundo tipo de câncer mais frequente entre as mulheres, com aproximadamente 500 mil casos novos por ano no mundo, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), sendo responsável pelo óbito de, aproximadamente, 230 mil mulheres por ano. Sua incidência é cerca de duas vezes maior em países menos desenvolvidos quando comparada aos países mais desenvolvidos. A incidência de câncer do colo do útero evidencia-se na faixa etária de 20 a 29 anos e o risco aumenta rapidamente até atingir seu pico, geralmente na faixa etária de 45 a 49 anos. Ao mesmo tempo, com exceção do câncer de pele, é o câncer que apresenta maior potencial de prevenção e cura quando diagnosticado precocemente.1,2 O número de casos novos de câncer do colo do útero esperado para o Brasil, no ano de 2010 será de 18.430, com um risco estimado de 18 casos a cada cem mil mulheres.1 Em programas de rastreamento para o carcinoma de colo, aproximadamente, 5% dos esfregaços citológicos são considerados indicativos de lesões causadas pelo papilomavírus humano ou sugestivos de lesões pré-neoplásicas, sendo considerados positivos. Entre estes, cerca de 0,1% indicam a presença de carcinomas invasores, 0,4 a 0,5% sugerem lesões de alto grau e 1 a 2%, lesões de baixo grau. Em 2 a 4% dos esfregaços, o laudo conclui pela presença de células escamosas atípicas. No entanto, em muitas séries de casos e em listagens de laudos de laboratórios, a porcentagem de casos com este diagnóstico pode chegar a 10% das amostras analisadas.1,2,3 131 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Assim, abordaremos as situações mais frequentes, listadas a seguir, com imagens de quadros cito-histológicos, bem como do achado clínico (foto) correspondente na cérvix. As alterações das células escamosas são as alterações morfológicas dessas células que diferem daquelas decorrentes de condições inflamatórias e reacionais. São elas: Foto 1 – Representa um esfregaço normal com a cérvix também normal. Normalmente, no climatério, acentuando-se no período da pós-menopausa, as mudanças atróficas tanto na cérvix como em esfregaços citopatológicos costumam ser encontradas com uma frequência cada vez maior, na medida em que a paciente se afasta da data em que a menopausa ocorreu. ATROFIA A) células escamosas superficiais, com citoplasma plano basófilo ou eosinófilo. B) Aspecto atrófico. O colo atrófico da pós-menopausa apresenta-se mais pálido, quebradiço, sem brilho, às vezes com petéquias subepiteliais por causa do traumatismo dos capilares subepiteliais como resultado do especulo vaginal bivalve. Fonte: http://screening.iarc.fr/doc/colpochapterpt06.pdf - Células escamosas atípicas (ASC) de significado indeterminado (ASC-US) ou Células escamosas atípicas que não permitem excluir uma lesão intraepitelial escamosa de alto grau (ASC-H), - Lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL), - Lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL), - Carcinomas escamosos. Ü Células atípicas do epitélio escamoso (ASC = Classificação de Bethesda) incluindo ASC-US e ASC-H, No exame citológico do colo do útero, o termo ASC refere-se aos exames que apresentam 132 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia normalidades celulares mais marcadas que uma alteração, decorrente de condições inflamatórias ou reacionais, mas não preenchendo critérios para neoplasia intraepitelial escamosa. ASC é o achado anormal mais comum em exames de rastreio populacional (screening) para o câncer cervical, em torno de 5% dos achados anormais. O risco de câncer em pacientes com ASC é baixo, em torno de 0,1 a 0,2%. Entretanto, 5 a 17% dos pacientes com ASC-US e 24 a 94% dos pacientes com ASC-H podem ter um resultado de NIC 2 (Displasia Moderada) ou NIC 3 (Displasia Grave) em biópsia.2,3 Uma situação frequente em que isso ocorre são os processos da cérvix que apresentam metaplasia, bem como infecções das mais variadas etiologias. METAPLASIA A e B) Metaplasia escamosa madura. C) Metaplasia escamosa imatura D) Metaplasia escamosa imatura com padrão de metaplasia transicional Oirifício cervical externo Nova JEC Epitélio escamoso metaplásico Fonte: http://screening.iarc.fr/colpochap.php?lang=4&chap=7.php Cândida Trichomonas vaginalis Herpes Gardnerella vaginalis Vaginite por Trichomonas vaginalis Colo típico para uma colpite por trichomonas vaginalis Cervicite crônica que pode se apresentar por diferentes etiologias bacterianas, como bactérias aeróbicas e anaeróbicas, da flora cervicovaginal ou mesmo por clamídia trachomatis. Fonte: http://screening.iarc.fr/doc/colpoesmanual.pdf 133 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia ASC-US Representam de 4 a 6% do total dos esfregaços (2 a 3 vezes a frequência de Lesões Intraepitelias do espitélio escamoso; SIL no Sistema de Bethesda). Estas alterações citológicas são sugestivas de lesão intraepitelial escamosa, mas são quantitativamente ou qualitativamente insuficientes para uma interpretação definitiva. Por outro lado, são diferentes das alterações classificadas como dentro dos limites normais. Nestes casos, o núcleo é geralmente cerca de 2,5 vezes o tamanho do núcleo normal e outras alterações nucleares estão ausentes (não há hipercromasia nítida e os contornos são regulares). Quando há uma inflamação, específica (como infecção por Trichomonas vaginalis) ou não, que permita explicar a presença de atipia celular, a categoria ASC-US não deverá ser utilizada.2,5,6 Veja abaixo a manifestação citológica de um caso com ASC-US e a possibilidade da morfologia da cérvix apresentar-se durante o exame. Esfregaço ectocervical, discretamente inflamatório: célula intermediária apresentando núcleo volumoso e cromatina homogênea: ASCUS (seta) O Asc-us muitas vezes está associado, em inúmeros casos, com processos inflamatórios da cérvix, além de uma percentagem menor estar envolvido com lesões de baixo e alto grau. Fonte: http://screening.iarc.fr/doc/colpoesmanual.pdf ASC-H Representam menos de 10% das ASC. É uma nova qualificação de ASC, para individualizar as atipias citológicas das células escamosas que são sugestivas de lesão intraepitelial de Alto Grau do Sistema de Bethesda (HSIL), entretanto faltam critérios necessários para um diagnóstico definitivo. Estes casos estão associados a um maior risco de lesões intraepiteliais, mais frequentemente a NIC 2 e a NIC 3, do que os esfregaços de ASC-US.2,5,6,7 Veja na página seguinte a manifestação citológica de um caso com ASC-H e a possibilidade da morfologia da cérvix apresentar-se durante o exame. 134 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Muco com núcleos nus isolados, hipo ou hipercromáticos, provenientes de hiperplasia das células de reserva (RCH), com variados tamanhos nucleares: ASC-H Asc-H apresenta alterações citológicas importantes em que o alto grau deve ser considerado pois clinicamente ele pode ser encontrado em uma frequência que varia de 9 a 80% dos achados. Podemos considerar muitas vezes como uma média de 40%. Fonte: http://screening.iarc.fr/doc/colpoesmanual.pdf Lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL-Sistema de Bethesda) Este termo refere-se às lesões intraepiteliais escamosas e substitue a antiga terminologia de displasia leve; descreve a neoplasia intraepitelial cervical grau 1 (Richart), que é uma lesão pré-neoplásica do epitélio escamoso, previamente conhecida como displasia leve. Histologicamente, a hiperplasia das células basais está limitada ao terço inferior do epitélio escamoso, com um aumento progressivo do número de células basais. O terço inferior é desorganizado com alterações nucleares e citoplasmáticas mínimas, com um leve grau de hipercromasia e mitoses. Nos dois terços superiores do epitélio, a maturação é normal, mas as células apresentam frequentes alterações morfológicas citopáticas virais com coilocitoses típicas.5,7 Compreende também os condilomas plano e invertido, lesões epiteliais associadas à infecção pelo Papilomavirus humano.5,7 As biópsias, geralmente, mostram uma NIC 1. Apresentam um risco de neoplasia intraepitelial de alto grau (NIC 2 ou 3) em torno de 12 a 16%.5,7 Veja abaixo a manifestação citológica de um caso com LSIL e a possibilidade da morfologia da cérvix apresentar-se durante o exame. Células parabasais com núcleos volumosos, com contornos nucleares irregulares e cromatina grosseira (núcleo hipercromático (seta) e binucleação). Ausência de coilócitos. LSIL LESÃO INTRAEPITELIAL DE BAIXO GRAU – LIEBG (LSIL) Fonte: http://screening.iarc.fr/doc/colpoesmanual.pdf 135 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Lesão intraepitelial de alto grau -LIEAG (HSIL – Classificação de Bethesda) Esta entidade inclui um largo espectro de lesões intraepiteliais escamosas, anteriormente chamadas de displasia moderada, displasia acentuada e carcinoma escamoso in situ. Alterações provocadas pelo HPV (coilocitose) também podem ser encontradas.1,7 As biopsias, geralmente, correspondem ao achado histológico de NIC 2 ou NIC 3. No caso de citopatológico de LIEAG (HSIL), mais de 50% apresentam resultado histológico de NIC 2 ou mais grave, e 2% tem um câncer invasivo. Se não forem tratadas, 20% das pacientes com biópsia de carcinoma in situ desenvolverão um câncer invasivo.7 No caso específico de NIC 2, que foi a neoplasia intraepitelial cervical grau 2 da Classificação proposta por Richart; a lesão pré-neoplásica do epitélio escamoso corresponde a antiga displasia moderada. Histologicamente, a hiperplasia das células basais estende-se da membrana basal até o terço médio do epitélio escamoso. A diferenciação celular não prossegue acima das células parabasais ou intermediárias profundas. Observam-se alterações nucleares e anormalidades na maturação citoplasmática. Mitoses são visíveis nos dois terços inferiores. A queratinização pode estar presente na superfície ou em células isoladas no meio do epitélio. Coilocitoses são frequentemente observadas.5,7 No caso específico da NIC 3, ou neoplasia intraepitelial cervical grau 3 (Richart) é uma lesão pré-neoplásica do epitélio escamoso que corresponde à antiga displasia acentuada e ao carcinoma in situ. Histologicamente, a proliferação das células parabasais atípicas, orientadas perpendicularmente à membrana basal, atingem mais de dois terços do epitélio. Observa-se uma desorganização arquitetural, figuras de mitoses típicas e atípicas e critérios citonucleares de malignidade que se estendem além dos dois terços inferiores do epitélio. A queratinização pode estar presente na superfície ou em células isoladas no meio do epitélio. Coilocitoses podem ser observadas.1,5,7 Veja abaixo a manifestação citológica de um caso com HSIL e a possibilidade da morfologia da cérvix apresentar-se durante o exame. Células intermediárias com núcleos aumentados, contornos nucleares irregulares e cromatina grosseira. (HSIL) LESÃO INTRAEPITELIAL DE ALTO GRAU – LIEAG (HSIL) Fonte: http://screening.iarc.fr/doc/colpoesmanual.pdf 136 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia AGC Células glandulares atípicas de significado indeterminado, tanto para as possivelmente não-neoplásicas, quanto para aquelas em que não se pode afastar lesão intraepitelial de alto grau. Células glandulares atípicas (AGC) são relativamente raras, com uma ocorrência média de apenas 0,4% USA em 20038. Embora seja frequentemente causado por condições benignas, tais como alterações reativas e pólipos, os ginecologistas devem estar cientes da associação deste achado com neoplasias subjacentes, incluindo adenocarcinomas de colo do útero, endométrio, ovário e trompas. Embora uma grande variedade de lesões glandulares, incluindo malignidades, esteja associada com AGC, a NIC é o achado mais comum identificado em mulheres com AGC9. O risco associado é muito superior à observada com ASC, que é maior com o aumento das anormalidades glandulares como a descrição do sistema de classificação de Bethesda. Séries recentes têm relatado que 9-38% das mulheres com AGC tem neoplasia significativa (NIC II-III, AIS ou câncer), e 3-17% têm câncer invasivo9,10 Korn et al. (1998) descreveram a prevalência de adenocarcinoma/AIS e SIL em uma população de mulheres encaminhadas com AGCUS. Entre 0% e 28% das mulheres tinha adenocarcinomas ou AIS. Entre 10% e 81% dos pacientes tiveram apenas NICs ou além .9,11. É menos frequente em mulheres com menos de 35 anos. Mulheres com menos de 35 anos com AGC são mais susceptíveis de ter CIN e menos probabilidade de ter câncer, enquanto em mulheres mais velhas o risco de lesões glandulares, incluindo neoplasias malignas, é superior10. A gravidez não parece alterar as associações de base entre AGC e neoplasia ginecológica. Veja abaixo a manifestação citológica de um caso com AGC e a possibilidade da morfologia da cérvix apresentar-se durante o exame. Aglomerados de células glandulares atípicas com núcleos aumentados e padrão de cromatina semelhante em todas as células. Comparar com algumas células colunares normais da vizinhança (linha pontilhada). Fonte: http://screening.iarc.fr/colpochap.php?lang=4&chap=8.php 137 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Lesão glandular acetobranca densa no canal endocervical visível após extensão do orifício cervical externo com pinça de dissecção longa (Adenocarcinoma in situ) Fonte: http://screening.iarc.fr/colpochap.php?lang=4&chap=8.php Adenocarcinoma in situ (AIS) O AIS é caracterizado microscopicamente pela substituição do tecido glandular do colo do útero por células que possuem núcleos aumentados e hipercromáticos que tendem a se estratificar e formar tufos epiteliais.8,9 Quase dois terços dos casos de AIS podem coexistir com lesões escamosas pré-invasivas ou carcinoma invasivo 8,9 com um complicante adicional, já que os fatores de risco para AIS são semelhantes aqueles para as doenças pré-invasivas escamosas10. Devendo ser distinguido do adenocarcinoma invasor, reação de Arias Stella, atipias glandulares devido à inflamação e/ou radiação, endometriose e metaplasia tubária. Até o presente momento, a prova de que o AIS é o precursor do adenocarcinoma endocervical invasivo permanece apenas circunstancial12. O diagnóstico diferencial entre adencocarcinoma in situ e adenocarcinoma invasor é difícil, mas pode ser possível, embora muitos autores apresentem opiniões contrárias. Estudos estruturais ou de imuno-histoquímica podem não contribuir para o diagnóstico de lesões glandulares pré-invasivas. Cerca de 48% a 69% das mulheres com laudo citopatológico sugestivo de adenocarcinoma in situ apresentam confirmação da lesão no exame de histopatologia e, dessas, 38% apresentam laudo de invasão. Portanto, todas as pacientes com citologia sugestiva de adenocarcinoma in situ (lesões de alto grau), deverão ser reavaliadas imediatamente, para afastar doença invasiva.15 Veja página seguinte a manifestação citológica de um caso com AIS e a possibilidade da morfologia da cérvix apresentar-se durante o exame. 138 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Adenocarcinoma endocervical in situ (AIS): grupos de células colunares atípicas com disposição em roseta. Ausência de disposição típica em plumagem. Adenocarcinoma in situ: a importância na colposcopia de vilosidades cilíndricas alteradas em relação a outras que se encontram normais. Fonte: http://screening.iarc.fr/doc/colpoesmanual.pdf Adenocarcinoma Invasor de Colo do Útero A incidência tem aumentado ao longo das últimas décadas, especialmente em mulheres com menos de 35 anos de idade. Parte deste aumento pode ser resultado de um aumento da prevalência da infecção pelo HPV, mas também pode ser apenas o resultado da melhoria no rastreio e prevenção da doença pré-invasiva escamosa. É derivado dos elementos glandulares do colo uterino, exibindo vários padrões histológicos diferentes que frequentemente coexistem em uma mesma lesão. Os subtipos mais comuns são mucinoso e adenocarcinoma endometrióide, que possuem prognósticos semelhantes. Padrões menos frequentes incluem o adenocarcinoma de células claras que pode ocorrer em mulheres jovens com um histórico de exposição in útero ao dietilestilbestrol (DES), adenocarcinoma de desvio mínimo (também conhecido como adenoma maligno), adenocarcinoma seroso papilar. Os de origem viloglandular e papilar tendem a ocorrer em mulheres mais jovens e têm um prognóstico mais favorável. Quando o crescimento inicial do adenocarcinoma de colo do útero está dentro do canal endocervical e a ectocérvice parece normal, esta lesão pode não ser diagnosticada até que esteja avançada e ulcerada, retardando o diagnóstico. Fatores de risco para invasores de lesões glandulares são as mesmas que para lesões escamosas e glandulares invasivas. As lesões glandulares estão associadas às lesões escamosas pré-invasivas em mais de 50% dos casos. Cerca de 90% das lesões estão associados com o HPV de alto risco, em especial o HPV subtipo 1812,13,14. O uso de métodos imuno-histoquímicos para distinguir lesões glandulares endocervicais das endometriais revela que 100% dos AIS e 94% dos adenocarcinomas foram associados com HPV de alto risco.14 139 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia O termo adenocarcinoma endocervical microinvasivo tem sido aplicado para tumores com <5 mm de espessura15, entretanto este termo pode não ser reprodutível e distinguível histopatologicamente16 . Veja abaixo a manifestação citológica de um caso com Adenocarcinoma Invasor e a possibilidade da morfologia da cérvix apresentar-se durante o exame. Adenocarcinoma invasor: aumento médio de uma área com uma população significativa de células colunares atípicas, dispostas em agregados irregulares. Notar também a presença de células atípicas bem preservadas isoladas. Enorme desorganização e dispersão celular Colo com Adenocarcinoma invasor Fonte: http://screening.iarc.fr/colpochap.php?lang=4&chap=8.php Neoplasia cervical invasiva Abaixo reproduzimos a classificação de Bethesda bem como as normas do INCA para nomenclatura brasileira para laudos cervicais: Sistema de Bethesda 2001 Em relação à classificação de Bethesda 1991, foram introduzidos: O tipo de amostra A noção de um exame automatizado E a realização de técnicas complementares (teste HPV) A categoria “diagnóstico descritivo” foi modificada para “interpretação/resultados”. Tipo de amostra:Precisar: esfregaço convencional (Papanicolaou) vs. citologia em meio líquido vs. Outros Comentário: A difusão de técnicas de preparação em meio líquido (ou esfregaço) (ou células em suspensão) justifica que esta informação esteja presente no relatório. 140 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Adequação da amostra Satisfatória para avaliação (descrever presença ou ausência de componentes endocervicais/zona de transformação e quaisquer outros indicadores de qualidade, por exemplo, parcialmente obscurecido por sangue, inflamação etc.) Insatisfatório para avaliação… (especificar o motivo) Amostra rejeitada/não processada (especificar o motivo) Amostra processada e avaliada, mas insatisfatória para avaliação de anormalidade epitelial porque (especificar o motivo) Comentário: Em relação à classificação Bethesda 1991, a categoria “Satisfatória, mas limitada por...,” desapareceu. E mais, por definição, toda amostra que contém células anormais (do tipo ASCUS ou AGC ou mais acentuada), é considerada como satisfatória. Os critérios de celularidade devem ser precisos. Se mais de 75% das células são escondidas/obscurecidas por sangue ou inflamação, a amostra é considerada não satisfatória. Categorização geral Negativo para lesão intraepitelial ou malignidade Outras: Ver Interpretação/resultado (por exemplo, células endometriais em mulher ≥ 40 anos de idade) Alteração celular epitelial: Ver Interpretação/resultado (especificar "escamoso" ou "glandular", quando apropriado) Comentário: A expressão “diagnóstico geral” de 1991 foi modificada para “categorização geral” ela é opcional no relatório. Interpretação/Resultado NEGATIVO PARA LESÃO INTRAEPITELIAL OU MALIGNIDADE, 141 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia ORGANISMOS OUTROS ACHADOS NÃO-NEOPLÁSICOS (descrição opcional; relação não inclusiva) OUTROS: Células endometriais (em mulher ≥ 40 anos de idade) (Especificar se "negativo para lesão intraepitelial") ALTERAÇÕES DAS CÉLULAS EPITELIAIS: CÉLULAS ESCAMOSAS CÉLULAS GLANDULARES OUTRAS NEOPLASIAS MALIGNAS (especificar) Comentário: A categoria de “modificações celulares benignas” de 1991 que era individualizada foi adicionada à categoria “ausência de lesão intraepitelial ou maligna”. Interpretação/Resultado (2) NEGATIVO PARA LESÃO INTRAEPITELIAL OU MALIGNIDADE (quando não existir evidência celular de neoplasia, descrever o fato na Categorização Geral acima e/ou na seção de Interpretação/Resultado do laudo, se existem ou não organismos, ou outros achados não-neoplásicos). ORGANISMOS: Trichomonas vaginalis Organismos fúngicos morfologicamente consistentes com Candida spp. Substituição na flora sugestiva de vaginose bacteriana Bactérias morfologicamente consistentes com Actinomyces spp Alterações celulares consistentes com o vírus herpes simples OUTROS ACHADOS NÃO-NEOPLÁSICOS (descrição opcional; relação não inclusiva): Alterações celulares reativas associadas à inflamação (incluindo reparo típico) radiação dispositivo intrauterino (DIU) Estado das células glandulares pós-histerectomia Atrofia OUTROS 142 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Células endometriais (em mulher ≥ 40 anos de idade) (Especificar se "negativo para lesão intraepitelial") Comentário: As “modificações celulares benignas” de TBS 1991 entraram na categoria “ausência de lesão intraepitelial ou maligna”. Na presença de células endometriais em uma mulher de 40 anos é conveniente precisar a ausência de lesão intraepitelial ou maligna. Interpretação/Resultado (3) ALTERAÇÕES DAS CÉLULAS EPITELIAIS CÉLULAS ESCAMOSAS Células escamosas atípicas de significado indeterminado não é possível excluir lesão intraepitelial escamosa de alto grau Lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (abrangendo HPV/displasia leve/NIC 1) Lesão intraepitelial escamosa de alto grau (abrangendo: displasia moderada e acentuada, CIS; NIC 2 e NIC 3) com características suspeitas de invasão (se houver suspeita de invasão) Carcinoma de células escamosas Comentário: A modificação mais importante encontra-se dentro da categoria ASC, com uma definição mais precisa dos critérios, desapareceu a categoria “ASCUS provavelmente reacional” e ocorreu à individualização da categoria ASC-H. Não esquecer que esta categoria ASC-H corresponde à interpretação de uma amostra e não de uma célula isolada. Interpretação/Resultado (4) ALTERAÇÕES DAS CÉLULAS EPITELIAIS CÉLULAS GLANDULARES Atípicas células endocervicais (sem outras especificações (SOE) ou especificar nos comentários), células endometriais (SOE ou especificar nos comentários), células glandulares (SOE ou especificar nos comentários) 143 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Atípicas células endocervicais, possivelmente neoplásicas, células glandulares, possivelmente neoplásicas, Adenocarcinoma endocervical in situ Adenocarcinoma: endocervical endometrial extrauterino sem outras especificações (SOE) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de câncer. Coordenação de prevenção e vigilância. Brasil, 2 ed., 2006. 2 - IARC Handbooks of Cancer Prevention. Volume 10. 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Inicialmente descrita como displasia foi categorizada em quatro grupos – leve, moderada, grave ou acentuada e carcinoma in situ– dependendo do grau de comprometimento da espessura epitelial por células atípicas. O termo neoplasia intraepitelial cervical (NIC) foi introduzido em 1968 por Richart para enfatizar o potencial evolutivo dessas alterações. A NIC 1 correspondia à displasia leve, a NIC 2 à displasia moderada e a NIC 3 à displasia acentuada junto com o carcinoma in situ (CIS). Posteriormente este mesmo autor propôs agrupar essas lesões em apenas dois grupos: NIC de baixo grau (NIC I) e NIC de alto grau (NIC II e III)1 Entende-se atualmente que na patogênese das lesões precursoras cervicais a NIC não é um único processo evolutivo de doença, mas representa duas entidades distintas: 1) uma fase virótica de infecção produtiva que é normalmente auto-limitada e 2) uma transformação neoplásica em uma minoria de lesões HPV-induzidas. Isto revolucionou nossa compreensão e a abordagem da doença cervical. Também levou ao desenvolvimento de uma nova nomenclatura para interpretação da citopatologia cervical que melhor reflete este processo biológico: o Sistema de Bethesda (1988 revisada em 1991 e 2001). Esta terminologia para laudo citológico sub-classifica as lesões precursoras cervicais em lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LIE-BG), para lesões previamente classificadas como atipia coilocítica ou viral (HPV) e / ou NIC 1, e em lesão intraepitelial escamosa de alto grau (LIE-AG) compreendendo NIC 2 ou NIC 3 (tabela 1).1 (Vide na página a seguir). Epidemiologia Dados apontam que, em uma população rastreada de mulheres sexualmente ativas em países desenvolvidos, a incidência acumulada de câncer cervical se encontra entre 0,2 e 0,5%. A taxa de prevalência de LIE de alto grau e de 0,5-1,0%, e a LIE de baixo grau é de 3-5%. As lesões de alto grau são diagnosticadas em mulheres entre 25 a 35 anos de idade, enquanto que o câncer invasor é diagnosticado geralmente 8 a 13 anos depois isto é, após os 40 anos.1, 2 145 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Evidências científicas demonstram que a infecção persistente por tipos específicos de HPV é sabidamente considerada um fator necessário para o desenvolvimento da carcinogênese cervical em 99% dos casos. É importante também considerar alguns outros fatores que podem atuar associados a esta infecção, pois nem todas as mulheres infectadas com o HPV desenvolvem lesões intraepiteliais de alto grau e carcinoma invasor. Estes co-fatores são capazes de aumentar o papel indutor do HPV acelerando a carcinogênese. Destaca-se o tabagismo, inicio de atividade sexual precoce, a multiplicidade de parceiros sexuais, deficiências nutricionais e o estado de imunossupressão (HIV, doenças crônicas), Estudos têm demonstrado que condições socioeconômicas precárias e a infrequência de exames de screening também têm sido implicados neste processo.1, 3 O HPV geralmente se transmite mediante o contato direto da pele a pele e com mais frequência durante o contato genital com penetração (relações sexuais vaginais ou anais). Na maioria dos casos, as infecções genitais pelo HPV são transitórias. Aproximadamente 70% das mulheres com infecções pelo HPV se tornam negativas do DNA do vírus em um ano e até o 91% delas em dois anos. A duração média das infecções novas é de oito meses.4 TABELA 1 Correlação entre as terminologias de Displasia, NIC e de Bethesda DISPLASIA Normal NIC Normal Atipia reativa / inflamatória Atipia Atipia Atipia ASCUS / AGUS Atipia coilocítica, condiloma plano LIE de baixo grau (LIEBG) Displasia leve NIC 1 LIE de baixo grau (LIEBG) Displasia moderada NIC 2 LIE de alto grau (LIEAG) Displasia acentuada NIC 3 LIE de alto grau (LIEAG) Atipia Adaptado: Screening. IARC. 146 BETHESDA Dentro dos limites da normalidade. Alterações benignas (infecção ou reparação) FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Manifestações clínicas As mulheres que apresentam neoplasias intraepiteliais do colo uterino são assintomáticas, pois o a forma mais comum do HPV presente é a subclínica, cujos sinais são as alterações vistas na colposcopia. Muito raramente a NIC de alto grau pode levar a sangramento de contato e pós coito causado por alterações vasculares do epitélio.1, 2 Diagnóstico Sabe-se que a citologia aponta a presença de lesão epitelial, mas não o local da alteração tecidual. Essa informação será dada pela colposcopia, que identificando a área alterada permite realizar a biópsia para o estudo histopatológico. Esta tríade constitui o diagnóstico morfológico da lesão.5 Apesar da correlação entre os diagnósticos citopatológico, histopatológico e colposcópico estar estabelecida, vários trabalhos apontam controvérsias entre os resultados destas avaliações na dependência dos critérios e classificações utilizados.6 A citologia pelo método Papanicolaou apresenta uma boa sensibilidade e alta especificidade quando utilizada em populações como método de triagem Entretanto, a citologia vem sofrendo uma série de críticas nos últimos anos devido às taxas de resultados falsos negativos, que variam de 5% a 70%, e falsos positivos, de 10% a 30%. Uma meta-análise realizada por Fahey et al. (1995) apresentou variação de 11 a 99% para a sensibilidade, e 14 a 97% para a especificidade. Já a revisão sistemática realizada por Nanda em 2000 apresentou as seguintes variações: 30 a 87% para a sensibilidade, e 86% a 100% para a especificidade. A taxa de falso negativo variou de13 a 70% e a taxa de falso positivo de 0 a 14%.6, 7, 8, 9 Existem várias limitações comprovadas do método, como a possibilidade de amostra celular insuficiente, preparação inadequada dos esfregaços, leitura inadequada das lâminas e falta de dados clínicos.10 Tendo em conta as deficiências da citologia convencional, a citologia de base liquida (LBC) tem sido proposta como o método mais moderno e eficaz no rastreamento do câncer do colo uterino. Este método teria uma vantagem adicional, pois o meio coletor preserva tanto as células para avaliação morfológica quanto os ácidos nucléicos para testes biomoleculares. A melhor qualidade dos resultados da citologia em meio líquido resultaria em uma sensibilidade potencialmente maior que a do teste de Papanicolaou para a detecção de doença pré-invasiva e câncer cervical.9 Entretanto estudos recentes, incluindo uma revisão sistemática realizada por Davey e col. – 2006 revelaram que não existem atualmente evidencias que apóiem que a citologia de base líquida seja melhor que a citologia convencional. O seu uso não reduziu a porcentagem de esfregaços insatisfatórios comparado com citologia convencional, bem 147 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia como não mostrou melhor desempenho na detecção da doença de alto-grau em estudos de alta qualidade.11 Alguns países, inclusive o EUA e o Reino Unido, incorporaram a citologia de base líquida em seus programas de screening. Muitos outros ainda estão relutantes em adotar o método sem evidência definitiva de que ele tenha melhor acurácia ou pelo menos equivalência com a citologia convencional. Se isto puder ser comprovado, outras características como maior reprodutibilidade, um custo cada vez menor (o exame ainda é muito caro) aliado a capacidade de realizar o teste para HPV na mesma amostra, tornariam a citologia de base líquida mais utilizada e mais atraente que a citologia convencional em programas de screening.11 O exame do colo uterino sob boas condições de iluminação e ampliação é uma técnica aceita para avaliar mulheres que tiveram citologias cervicais anormais. Neste papel se tornou um componente integrado de programas de screening cervical e um passo diagnóstico essencial no planejamento terapêutico e acompanhamento das portadoras de lesões precursoras.1, 3 Estudo de Mitchel e colaboradores mostrou que a sensibilidade da colposcopia no diagnóstico do colo normal ou com metaplasia comparado com todas as anomalias do colo uterino (atipias de baixo grau, lesões de alto grau e câncer) foi de 96% e a especificidade média de 48%. Quando abordou o colo normal junto com a lesão de baixo grau em comparação com lesão de alto grau e câncer, a sensibilidade diminuiu para 85% mas a especificidade aumentou para 69%. Entre nós Rosane Alves em estudo comparativo encontrou um valor preditivo positivo (VPP) de 71,8% e uma especificidade de 83% na análise conjunta de NIC 2, NIC 3 e câncer.1, 12, 13 A colposcopia com biopsia dirigida é descrita como o método de referência ou “padrão de excelência” para o diagnóstico de lesões pré-neoplásicas do colo uterino. Alguns fatores podem influenciar na acurácia do método, dentre eles o tamanho e a gravidade da lesão, a idade das pacientes, o número de biópsias realizado e a variabilidade da interpretação citológica e histológica.14 As falhas encontradas na colposcopia se devem, em geral, pela falta de qualificação dos profissionais, fato comum no nosso meio. Por isso é altamente recomendável que a colposcopia seja realizada por médicos que possuam habilitação específica na aplicação dessa técnica. A associação da colposcopia, da citologia oncótica e da histologia constitui o chamado “tripé diagnóstico” que apesar das críticas, permitem realizar o diagnóstico das lesões neoplásicas e pré-neoplásicas em mais de 90% das vezes. Isto é importante já que isoladamente a colposcopia bem como a citologia apresentam alta sensibilidade porem baixa especificidade. 148 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia A histopatologia está baseada em critérios morfológicos arquiteturais e celulares, sendo considerada o padrão ouro do diagnóstico morfológico. Mas a responsabilidade da exatidão do diagnóstico não é exclusiva do patologista que avalia a amostra, mas também do colposcopista que lhe proporciona o material para o exame histológico. Os testes para detecção do HPV têm sido propostos como estratégia complementar da citologia oncótica na detecção precoce do câncer cérvico-uterino e de suas lesões precursoras. Os dois métodos mais usados na detecção do HPV são a reação em cadeia da polimerase (PCR) e a captura híbrida (CH2), sendo este último validado por inúmeros estudos clínicos e comercialmente disponível.4 Atualmente o teste de captura híbrida (CH2) é aprovado para uso em dois contextos: (1) como um segundo teste (i.e., triagem) apos um resultado de citologia equívoco de células escamosas atípicas de significação indeterminada (ASCUS); e (2) para screening primário realizado junto com citologia cervical para mulheres com 30 anos ou mais.4 O único teste que é atualmente aprovado pelo FDA americano e é o utilizado para testar o HPV de alto risco (HPV-AR.). O outro para detectar tipos de HPV de baixo risco não é aprovado e não há nenhuma indicação clínica para este teste.4 Nas lesões intra-epiteliais escamosas não há ainda como identificar com precisão os fatores prognósticos que poderiam evidenciar aquelas com maiores possibilidades de evolução para câncer. O estudo de fenômenos da interação entre o HPV e a célula hospedeira tem levado à identificação de marcadores com possível associação com um maior risco evolutivo, tais como o MIB-1 e o p53. No entanto, os achados não permitem considerá-los de grande utilidade na prática diária.15 O p16INK4a devido a sua expressão mais claramente associada ao mecanismo transformante viral e já disponível na prática clínica parece ser um marcador importante no auxílio diagnóstico de lesões intra-epiteliais escamosas de alto grau, por vezes morfologicamente difíceis de serem diferenciadas de quadros reparativos intensos e de lesões de menor grau com importantes alterações reativas. O uso do marcador mostrou um valor preditivo positivo de 100% para as lesões intra-epiteliais escamosas de alto grau e de 88% para as lesões de baixo grau. Dentre os casos de lesões de baixo grau, há dois grupos. O primeiro, composto por lesões que simplesmente refletem infecções agudas por HPV, ou seja, aquelas com infecção em curso e replicação viral, mas com expressão de HPV de alto risco restrita nas células epiteliais diferenciadas (p16 negativo nas camadas basal e parabasal). E um segundo grupo com expressão de oncogene do HPV de alto risco desregulada (p16 positivo nas camadas basal e paranasal). Assim, parece que a progressão para lesões de mais alto grau preferencialmente ocorreria naqueles casos que possuem expressão de oncogene de HPV de alto risco ativado no compartimento basal do epitélio. Deste modo pode-se ter uma melhor identificação de 149 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia lesões com maior potencial evolutivo para a invasão.15 Citologia A citologia é um método rápido, econômico e o mais utilizado para detectar precocemente lesões neoplásicas e pré-neoplásicas cervicais. Sua acurácia é controversa e provavelmente seu valor seja exagerado por alguns autores. Esse método de detecção está sujeito a erros desde a colheita do esfregaço até a sua interpretação.5 Atualmente os distúrbios de maturação do epitélio escamoso vêm sendo designados de “Lesão intra-epitelial escamosa”, denominação adotada pela Classificação de Bethesda, que assim subdivide as lesões epiteliais escamosas:16 a) Atipia celular de significado indeterminado (ASCUS) b) Lesão intra-epitelial escamosa de baixo grau (LIEBG) - Papilomavirus humano (HPV) - Displasia leve/ neoplasia cervical intra-epitelial 1 (NIC 1) c) Lesão intra-epitelial escamosa de alto-grau (LIEAG) - Displasia moderada / NIC 2 - Displasia acentuada / NIC 3 - Carcinoma in situ / NIC 3 d) -Carcinoma de células escamosas A Nomenclatura Citopatológica Brasileira – 2002 foi desenvolvida com o objetivo de padronizar a descrição das citologias cervicais, visando reduzir confusões diagnósticas e intervenções desnecessárias, levando em consideração similaridade com o Sistema Bethesda.17 As LIE-BG são basicamente representadas nos esfregaços citológicos, por alterações em células superficiais e intermediarias com relação núcleo-citoplasmática um pouco aumentada, hipercromasia discreta e cromatina homogênea finamente granular. Nesta fase, podem ser observados coilócitos: células que apresentam núcleos hipercromáticos e volumosos. O citoplasma destas células tem grandes halos que mostram amplas áreas claras e mais centrais e limites celulares são intensamente corados (Figura 1 - Superior).5, 16, 17 Figura 1: Superior - LIE-BG: células com núcleo aumentado e hipercromático, cromatina bem distribuída ou granular e cavitação perinuclear (coilocitose). Inferior - LIE-AG: células imaturas isoladas, em placas ou sincícios com relação N/C aumentada. Presença de hipercromasia, núcleos com cromatina grosseiramente granular. (fotos cedidas pelo Dr. Fernando Miziara - DF) 150 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia As LIE-AG, por sua vez apresentam alterações celulares mais pronunciadas, com aumento da relação núcleo-citoplasmática, maior condensação da cromatina sendo sua distribuição bastante irregular. O contorno nuclear também é irregular e com pronunciada hipercromasia. As células podem apresentar vários graus de hiperqueratinização (Figura 1 - Inferior).5 Colposcopia O propósito de colposcopia é o exame do colo uterino e do epitélio do trato genital inferior sob magnificação, a identificação de áreas potencialmente anormais pré ou neoplásicas e a realização de biópsias destas áreas anormais.2,18 A colposcopia não deve se restringir a simples observação, a descrição dos achados deve ser suficientemente pormenorizada visando identificar o local mais significante, aquele com maior probabilidade de corresponder ao substrato histopatológico sugerido pelo colposcopia. 2, 18 O diagnóstico colposcópico das alterações pré-neoplásicas ou neoplásicas cervicais se baseia no reconhecimento das seguintes características: tonalidade e intensidade do acetobranqueamento, margens e contorno superficial das áreas acetobrancas, padrão vascular e da coloração do iodo. A maioria dos índices leva em conta estas características.19, 20 Na tentativa de melhorar a precisão, aumentar a reprodutibilidade dos resultados colposcópicos e melhor correlacioná-los com a histopatologia vários índices foram desenvolvidos para avaliação colposcópica. Eles podem ser particularmente úteis em lesões mais complexas para identificar a área mais significante onde se deve biopsiar. Assim, alguns autores propuseram sistemas de graduação colposcópica dentre eles: Coppleson e Pixley, Burghart, Kolstad e Stafl e Reid e Scalzi. 19, 21 A última Terminologia Colposcópica (Barcelona – 2002) apresentou uma importante novidade: a introdução de um guia referencial para facilitar a caracterização e a diferenciação entre metaplasia, lesão de baixo e alto grau e suspeita de câncer invasivo como mostra o quadro 1. 19, 21 QUADRO 1 Características colposcópicas sugestivas de alterações metaplásicas A) Superfície lisa com vasos de calibre uniforme B) Alterações acetobrancas moderadas C) Iodo negativo ou parcialmente positivo Características colposcópicas sugestivas de alterações de baixo grau (alterações menores) A) Superfície lisa com borda externa irregular B) Alteração acetobranca leve, que aparece tardiamente e desaparece rapidamente C) Iodo negatividade moderada, frequentemente iodo malhado 151 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia com positividade parcial D) Pontilhado fino e mosaico regular Características colposcópicas sugestivas de alterações de alto grau (alterações maiores) A) Superfície geralmente lisa com borda externa aguda e bem marcada B) Alteração acetobranca densa, que aparece precocemente e desaparece lentamente; podendo apresentar um branco nacarado (ostra) C) Negatividade ao Iodo, coloração amarelo-mostarda em epitélio densamente branco previamente existente D) Pontilhado grosseiro e mosaico de campos irregulares e de tamanhos discrepantes E) Acetobranqueamentodenso no epitélio colunar pode indicar doença glandular Características colposcópicas sugestivas de câncer invasico A) Superfície irregular, erosão ou ulceração B) Acetobranqueamento denso C) Pontilhado irregular extenso e mosaico grosseiro D) Vasos atípicos No diagnóstico das lesões intraepiteliais cervicais é importante a observação das áreas bem delimitadas, densas, opacas, acetobrancas, próximas ou contíguas à junção escamocolunar na zona de transformação, após a aplicação do ácido acético. Geralmente, o grau de acetobranqueamento do epitélio está correlacionado com o grau de alteração neoplásica na lesão colposcópica. Nas lesões de baixo grau, a reação com o ácido acético é menos acentuada do que para aquelas de alto grau; as lesões são de coloração menos intensa e aparecem mais lentamente. Estas lesões mais diferenciadas apresentam margens com contornos pouco definidos, são irregulares, picotadas com aspecto geográfico (Figura 2 à esquerda).19, 21, 22 Figura 2 À esquerda: epitélio acetobranco tênue com margens irregulares compatível com LIE-BG À direita: epitélio acetobranco denso, de cor branconeve com mosaico compatível com LIE-AG As lesões de maior grau apresentam coloração branca mais intensa e aparecem mais rapidamente após aplicação do ácido acético. Estas áreas menos diferenciadas estão associadas com lesões de aspecto branco fosco ou branco-acinzentado, geralmente denso e intensamente opaco na zona de transformação. Lesões de alto grau revelam margens bem delimitadas, regulares, que às vezes podem apresentar margens sobrelevadas e deiscentes (Figura 2 à direita).1, 19, 21, 22 A visualização de uma ou mais margens dentro de uma lesão acetobranca (“lesão dentro da lesão”) ou de uma lesão com intensidade variada de cor é uma observação importante 152 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia que indica lesão pré-neoplásica, sobretudo de alto grau. 1, 21, 22 O epitélio escamoso cervical normal e o epitélio metaplásico maduro contêm células ricas em glicogênio e, assim, captam o iodo e adquirem uma coloração castanha ou preta. O epitélio displásico contém pouco ou nenhum glicogênio que se reflete no grau de coloração. As lesões de baixo grau apresentam uma positividade parcial com aspecto malhado pela moderada diferenciação do epitélio. Já as lesões de alto grau não se coram com iodo e podem apresentar-se na cor amarelo-mostarda ou de açafrão.1, 19, 20, 22 O pontilhado e mosaico grosseiros são formados por vasos de maior calibre com distâncias intercapilares maiores e irregulares. Às vezes, os dois padrões são sobrepostos em uma área, de modo que as alças capilares são vistas no centro de cada “ladrilho” do mosaico. Este aspecto é denominado de umbilicação. Os vasos atípicos se associam de forma importante com alterações mais graves do epitélio e se caracterizam por irregularidades de tamanho, calibre, forma, curso e disposição no epitélio (Figura 3). 1, 19, 20, 22 Figura 3 À esquerda: mosaico regular de uma lesão escamosa de baixo grau À direita: mosaico grosseiro de uma lesão escamosa de alto grau A penetração do epitélio atípico nas glândulas forma um invólucro à volta do canal de abertura glandular, traduzido como halo branco espesso periorificial. Nas lesões de maior grau eles são mais brancos (cornificados), maiores e mais numerosos que os anéis acetobrancos tênues, discretos que às vezes são vistos na metaplasia As alterações associadas com as lesões de alto grau invariavelmente estão localizadas mais próximas e contíguas à junção escamocolunar. Elas costumam ser complexas e geralmente ocupam dois ou mais quadrantes do colo e podem estender-se ao canal endocervical. 1, 19, 20, 22 Histopatologia As lesões intra-epiteliais escamosas se caracterizam por alterações de maturação e anomalias nucleares a diversos níveis do epitélio. Essas lesões haviam sido divididas em três graus segundo a extensão e gravidade. A NIC I é a displasia confinada ao terço inferior do epitélio; a NIC II é a displasia que afeta os dois terços inferiores do epitélio, e a NIC III é uma lesão escamosa na qual as anomalias nucleares afetam mais de dois terços da espessura do epitélio. Com a modificação proposta por Richart e referendada pela terminologia de Bethesda em 2001 a lesão de NIC I foi denominada lesão intraepitelial 153 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia de baixo grau (LIE-BG) e as lesões de NIC II e III agrupadas como lesões de alto grau (LIE-AG). 1, 5, 21 Neoplasia intraepitelial cervical grau 1 (NIC 1) / Lesão escamosa de baixo grau (LIE-BG) É caracterizada por uma discreta alteração da arquitetura epitelial com proliferação de células imaturas com baixa taxa mitótica no terço inferior do epitélio, mas sem mitoses atípicas. Os núcleos mostram cariomegalia e hipercromasia, bi ou multinucleação e halos perinucleares (coilocitose). As alterações decorrentes de infecção por HPV estão presentes nos dois terços superiores do epitélio, e são caracterizadas por alterações celulares que incluem diferenciação e maturação citoplasmática (citoplasma eosinofílico e amplo) (Figura 4 à esquerda). 1, 5 Neoplasia intraepitelial cervical grau 2 (NIC 2) / Lesão escamosa de alto grau (LIE-BG) Neste caso observa-se que as alterações são mais pronunciadas, ou seja, maior estratificação do epitélio (acantose), com maior grau de despolarização e proliferação de células imaturas atípicas. Existe também uma menor maturação citoplasmática nos estratos superiores, a coilocitose é menos freqüente e as atipias nucleares mais pronunciadas. Geralmente os dois terços basais estão comprometidos por estas alterações. (Figura 4 à direita). 1, 5 Figura 4 À direita: LIE-AG (NIC 2/ NIC 3): as alterações são mais pronunciadas com maior estratificação do epitélio (acantose), maior grau de despolarização, e proliferação de células imaturas atípicas que atingem mais de dois terços do epitélio. Figura 4 À esquerda LIE-BG (NIC 1): discreta alteração da arquitetura epitelial com proliferação de células imaturas no terço inferior do epitélio. Células com alterações por HPV (coilocitose) presentes nos dois terços superiores do epitélio. Neoplasia intraepitelial cervical grau 3 (NIC 3) / Lesão escamosa de alto grau (LIE-BG) Uma grande alteração da arquitetura pode ser vista nas três camadas do epitélio. As células exibem marcada redução da maturação, com perda de volume citoplasmático e aumento de volume nuclear (alteração da relação núcleo/ citoplasmática). Os núcleos são 154 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia hipercromáticos, de cromatina grosseira e de distribuição irregular. Podem ser observadas mitoses em toda a espessura do epitélio e a coilocitose é pouco observada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Sellors JW; Sankaranarayanan R. Colposcopia e tratamento da neoplasia intra-epitelial cervical. Manual para principiantes. Capítulo 2, 7 e 8. http://screening.iarc.fr/colpo.php?lang=4. (acessado em 27/01/2010) 2 - De Palo G; Chanen W; Dexeus S. Patologia e Tratamento do Trato Genital Inferior, Editora Médica e Científica Ltda, 2002 3 - Martins LFL; Thuler LCS; Valente JG. Cobertura do exame de Papanicolaou no Brasil e seus fatores determinantes: uma revisão sistemática da literatura. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005; 27 Suppl 8: 485-492. 4 - Center for Disease Control. 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São Paulo, Tecmed, 282-292, 2008. 156 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia NEOPLASIA INTRAEPITELIAL CERVICAL (TRATAMENTO) INTRODUÇÃO No decorrer das últimas décadas, mesmo com um melhor conhecimento da sua história natural, as neoplasias intraepiteliais da cérvice uterina tem sofrido poucas modificações no que diz respeito ao seu tratamento. A caracterização de seu agente causal, o papilomavírus humano, pouco interferiu na conduta terapêutica; continua ela, de maneira geral, sendo regida por métodos destrutivos locais ou excisionais. Serviu, no entanto, para a melhor compreensão das frequentes recidivas, o que tem trazido algumas implicações nas condutas de proservação dos casos tratados. A escolha do método terapêutico continua na dependência de alguns fatores. Entre eles, merece destaque: o grau histológico da lesão e sua extensão; o envolvimento endocervical; a idade da paciente; o seu desejo reprodutivo; a concomitância com outras patologias; a concomitância com gestação. Em que pese o fato da nova terminologia, a de Bethesda1, tê-las classificado como sendo de Alto e de Baixo grau, preferimos a classificação de Richart2 que as dispõem em três grupos - neoplasia de graus I, II e III - pois, como veremos a seguir, nos possibilita conduta mais conservadora em alguns casos de lesões de graus histológicos moderados, sobretudo em pacientes jovens, com desejo reprodutivo. Por outro lado, não nos furtaremos de aceitar as vantagens que o Sistema Bethesda nos lega, quais sejam o ASCUS e o ASCH, achados citológicos impossíveis de serem caracterizados pelo citopatologista de maneira taxativa, quanto ao seu real significado. Vale esclarecer que o resultado de ASC-US refere-se aos casos nos quais o citopatologista, mesmo tendo observado alterações celulares incaracterísticas, elas não são sugestivas de quadros histopatológicos importantes; trata-se na maioria das vezes de alterações de natureza inflamatória ou de reparação tissular, quando muito de neoplasias de grau I. Por outro lado, o significado de ASCH é bem diferente. Com ele o citopatologista nos transmite uma mensagem mais preocupante: a de que as características das células do esfregaço não permitem descartar a possibilidade de lesão intraepitelial de grau II ou III. Por outro lado, as provas de biologia molecular, de uso corrente na atualidade, capazes de identificar a presença do papilomavírus humano, agente infeccioso quase sempre 157 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia consideradas e podem interferir na conduta a ser adotada. Com base nestas premissas, passaremos a expor nossas orientações para as variadas possibilidades com as quais nos deparamos no cotidiano. Hibridização molecular positiva com citologia e colposcopia negativas Em virtude do elevado percentual de Teste de HPV positivo em populações com menos de 30 anos de idade e sua consequente negativação com o correr dos anos, o exame tem sido indicado, salvo raras exceções, para as mulheres acima desta faixa etária. Mesmo assim, considerando-se a eventualidade do teste positivo em mulheres com 30 anos ou mais, cujos exames morfológicos (citologia e colposcopia) se revelem negativos, a conduta preconizada tem sido o simples controle anual, uma vez que também nesta faixa etária a eliminação do vírus é frequente, ao redor de 60% dos casos3. Estudos têm demonstrado que a possibilidade do desenvolvimento de neoplasias de grau III, nestas circunstâncias, é menor que 2% em mulheres acompanhadas por mais de 10 anos4,5,6.. ASCUS e ASCH com colposcopia negativa Na eventualidade da citologia apresentar alterações rotuladas como ASC-US, achado citológico bastante frequente (4 a 5% de todos os esfregaços), independente do resultado do teste de DNA-HPV, o controle deverá ser abreviado para seis meses. Nestes casos, a realização do Teste de HPV pode ser de valia, uma vez que se negativo o controle poderá ser postergado. A referência de ASCH, no entanto, implica em conduta diferenciada. É relatado pelo citologista bem menos frequentemente que o ASCUS e aparece em menos de 1% dos laudos. Nestes casos, a possibilidade de se tratar de neoplasias de grau II e III é de 20 a 50%. Em primeiro lugar, impõe-se a repetição do exame colposcópico, desta feita, com atenção às paredes vaginais após coloração com a solução iodo-ioduretada e, em especial, ao canal endocervical que, se não perfeitamente visível, deve ser alvo de estudo histopatológico, seja por curetagem desta região, seja por sua retirada parcial com alça da cirurgia por ondas de rádio de alta frequência. Merece atenção especial as mulheres menopausadas nas quais a junção escamo-colunar, local preferencial das alterações pré-maliganas mais graves, não é completamente visualizada na maioria das vezes. Também para os resultados citológicos de ASCH, o teste de HPV tem indicação; se positivo, valoriza o achado citológico e dá mais ênfase à necessidade do estudo detalhado da região endocervical. Em pacientes jovens, ao contrário, a conduta deve ser atenuada e o simples controle citológico e colposcópico, em seis meses, é conduta suficiente7. Neoplasia intraepitelial cervical de grau I 158 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia como lesão intraepitelial de baixo grau, trata-se de alteração histopatológica que acomete tão somente o terço inferior do epitélio escamoso. Mais do que lesão pré-maligna reflete as alterações citopáticas decorrentes da infecção pelo HPV. Em seguimento de dois anos, aproximadamente 25% dos casos pode evoluir para neoplasia de grau II1. Por apresentar elevados índices de regressão espontânea, a conduta tem sido expectante, para a maioria dos autores. Após dois anos de acompanhamento, caso não aconteça regressão, o tratamento se impõe. Há que se levar em conta, no entanto, o fato de que estas lesões, ao contrário das lesões moderadas ou acentuadas, costumam ser extensas, comprometendo com frequência as paredes vaginais, causando por vezes desconforto ao coito. Como soem acontecer em pacientes mais jovens, nas quais a junção escamo-colunar é completamente visível, tratamentos conservadores como os destrutivos locais, com ácido tricloroacético, eletro-cauterização, crio-coagulação ou vaporização a laser podem ser facilmente efetuados, desde que o exame citológico não revele lesão de maior gravidade. São todos eles de eficácia semelhante, acima de 80%. Não são, no entanto, isentos de complicações. Úlceras cervicais e vaginais são observadas após aplicação do ácido tricloroacético (Fig. 1 e2), bem como estreitamento do canal cervical, dificultando sobremaneira o controle colposcópico, são frequentes após eletro ou crio procedimentos (Fig.3). Fig. 1- Neoplasia intraepitelial cervical de grau I. À direita, notar ulceração do lábio posterior após uma semana de aplicação de ácido tricloroacético. Fig. 2 - Ulcerações vaginais após aplicação do ácido tricloroacético a 70% . Fig. 3 - Estenose parcial do canal cervical após eletro-cauterização. Em nosso modo de ver, a vaporização a laser, por apresentar menor número de complicações, é o procedimento mais indicado. Condutas não expectantes são interessantes para as pacientes de difícil controle, assim como para as imunossuprimidas. Uma vez diagnosticada histológicamente após biópsia dirigida, torna-se dispensável a 159 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Neoplasia intraepitelial cervical de grau II e III Rotuladas, no Sistema Bethesda como lesões intraepiteliais de alto grau, merecem por suas diferentes morfologias e comportamentos, condutas um pouco diversas, que estarão acima de tudo na dependência de suas localizações com relação ao canal cervical. As neoplasias de grau II são bastante frequentes durante a idade reprodutiva e, na maioria das vezes, ocupam tão somente a porção externa e visível do colo do útero, ao contrário das neoplasias de grau III que, com maior frequência, adentram parcial ou totalmente o canal endocervical, local nem sempre acessível durante o exame colposcópico. Em que pese alguma dificuldade dos patologistas em diferenciar neoplasias de grau II e III em um pequeno percentual de casos, na grande maioria das vezes a perfeita caracterização é possível: nas lesões de grau II o comprometimento epitelial acomete tão somente a metade ou 2/3 do epitélio escamoso, enquanto que nas lesões de grau III as células neoplásicas respeitam no máximo as duas ou três camadas mais superficiais. Por outro lado, quando bem caracterizadas anatomopatologicamente estas duas diferentes situações, nota-se nítida diversidade de comportamento evolutivo entre ambas. Assim, enquanto na neoplasia de grau III, a possibilidade de progressão para carcinoma invasor é de 20%, na de grau II não é maior que 5%8. Também o exame colposcópico permite avaliar as possibilidades evolutivas das lesões intraepiteliais. Desta feita, pequenas atipias colposcópicas apresentam maior potencial de involução do que aquelas outras maiores e mais expressivas, sobretudo quando acompanhadas de vascularização irregular9. Colocadas estas considerações e observadas certas premissas, julgamos ser possível estabelecer, em alguns casos, tratamentos diferenciados para neoplasias de grau II e de grau III. Assim, para lesão de grau II, desde que totalmente ectocervical e visível, com curetagem endocervical negativa, o tratamento destrutivo local poderá ser de grande valia, em especial para aquelas mulheres mais jovens e as com desejo de procriar (Fig.4). Fig. 4- À esquerda, neoplasia intraepitelial cervical totalmente visível, no lábio anterior do colo. A junção escamo-colunar é totalmente visível. À direita, neoplasia intraepitelial cervical ao redor do orifício externo, antes e após aplicação da solução iodo-ioduretada. Seu limite superior se perde no canal endocervical. O método a ser utilizado deve ser preferencialmente o laser, uma vez que com esta modalidade terapêutica se consegue mais profunda destruição tissular, evitando o risco da permanência de eventuais glândulas endocervicais comprometidas por tecido neoplásico. Para as lesões de grau III, assim como para as de grau II que se localizam na região endocervical, o tratamento de escolha é, sem sombra de dúvida, a retirada parcial do colo uterino. O método utilizado é na maioria das vezes a Cirurgia por ondas de rádio 160 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia sob anestesia local (Fig5) Fig.5 - Retirada parcial do canal endocervical com cirurgia por ondas de rádio de alta frequência. À esquerda, escolha da alça apropriada; ao centro eletro-cauterização da área cruenta e à esquerda o resultado final do procedimento. O comprometimento das margens cirúrgicas após este procedimento é elevado com relação ao método tradicional, praticado com bisturi. Todavia, é consenso que a conduta nestes casos deve ser expectante; a maioria das pacientes com margem comprometida após a cirurgia apresenta completa negativação dos exames de controle10,11. É provável que o fato esteja relacionado com eletro-cauterização que, praticada para hemostasia, estimula a imunidade local e elimina eventuais focos de neoplasia não excisados. É conveniente ressaltar que as mulheres menopausadas apresentam risco elevado de recorrência da doença, sobretudo aquelas que tiveram diagnóstico de neoplasia de grau III, assim como as que apresentaram lesões extensas. Reserva-se a clássica conização ou amputação cônica a bisturi, praticada em regime hospitalar, para alguns casos especiais, quais sejam: suspeita de neoplasia microinvasora pelos métodos morfológicos de diagnóstico (citologia, colposcopia e histopatologia), distúrbios de coagulação sanguinea, gestantes, climatéricas com indicação de estudo intra-cavitário, na persistência de neoplasias de grau II ou III, após a realização da ressecção com alça de alta freqüência e em raros casos de anomalias da cérvice uterina ou da vagina que tornem impraticável o método ambulatorial. A histerectomia, na ausência de outras indicações como leiomiomas ou sangramentos anormais, não é necessária. No entanto, uma indicação pode ser para aquelas pacientes com doença recorrente, cuja cérvice encontrase muito diminuída, nas quais a repetição da conização pode oferecer risco de determinar lesões de bexiga e de vagina. Mesmo assim, o útero nunca deve ser retirado sem que haja a certeza de que não existe neoplasia invasora uma vez que, caso isso ocorra, o tratamento correto será seriamente prejudicado. Neoplasia intraepitelial cervical e infecção por HIV O efetivo tratamento das neoplasias intraepiteliais requer estado imunológico competente do hospedeiro para que consiga suprimir o HPV com a finalidade de evitar recorrências. Mulheres HIV positivas tem dificuldade de eliminar o HPV e apresentam risco aumentado de recorrência, que pode chegar a 50% dos casos, na razão direta do seu nível de imunossupressão12,13. O papel da terapia anti-retroviral é ainda motivo de 161 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia imuno-incompetências decorrentes de corticoterapia, a supressão ou redução das doses do corticoesteróide parece propiciar melhor prognóstico. Os tratamentos indicados para estas pacientes, não podem ser diferentes daqueles utilizados para as imuno-competentes e tem como objetivo primordial evitar a progressão para carcinomas invasivos. O seguimento pós-tratamento deve ser rigoroso e praticado a intervalos mais curtos; as condutas terapêuticas, por sua vez, devem ser repetidas na medida do necessário. Neoplasia intraepitelial cervical e gestação A gestação é ocasião bastante propícia para o rastreamento das neoplasias cervicais. Além de ser imperiosa a coleta do exame de Papanicolaou na rotina pré-natal, ambas, gestação e neoplasia intraepitelial, soem acontecer com mais frequência na mesma faixa etária: dos 18 aos 35 anos. Na dependência da população rastreada, aproximadamente 5% das gestantes apresentam neoplasias cervicais intraepiteliais, sendo que a maioria (80% dos casos) é de grau I. O carcinoma invasor, por sua vez é incomum e, segundo estatísticas americanas, sua prevalência oscila entre 1,2 e 4,5 casos a cada 10.000 gestações14. As lesões restritas ao epitélio são mais prevalentes no início da gestação, nos dois primeiros trimestres, sendo que no terceiro trimestre decaem substancialmente. Após o parto, sua prevalência é semelhante à daquelas mulheres não grávidas15. A colposcopia com biópsia dirigida, apesar de ser dispensada por alguns autores diante de resultados citológicos sugestivos de neoplasias de grau I, é para nós procedimento obrigatório, uma vez que o diagnóstico definitivo é da competência da anatomia patológica. Na atualidade, a conduta de consenso é a expectante para as neoplasias de grau I, uma vez que sua progressão para formas mais graves é bastante lenta e muito baixa16 e a regressão espontânea no puerpério elevada: mais de 60% das vezes. Também para as neoplasias de graus II e III, a conduta é a expectante posto que a progressão para lesões invasivas é excepcional17. No sentido de detectar precocemente progressão para quadros de micro-invasão, somos de opinião que pelo menos aquelas gestantes portadoras de neoplasias intraepiteliais de grau III sejam trimestralmente avaliadas por citologia, colposcopia e, caso haja agravamento do quadro citológico ou colposcópico, por biópsia dirigida. Obviamente, a curetagem endocervical é procedimento absolutamente proibido. Procedimentos invasivos, como a conização a bisturi, ficam reservados tão somente a aqueles casos onde não foi possível a exclusão de invasão do estroma cervical. Procura-se desta maneira evitar, nos casos confirmadamente intraepiteliais, eventuais partos prematuros, ruptura prematura da bolsa amniótica bem como recém-nascidos de baixo peso18,19. A reavaliação duas a seis semanas após o parto ditará a conduta a ser seguida. Quanto à via de parto, apesar de ter suscitado controvérsias no início da década de 1980, quando eram parcos os conhecimentos a respeito da história natural da infecção pelo papilomavírus humano, nos dias atuais é unânime a idéia de que ela deva ser regida por indicações obstétricas, não influenciadas, portanto, pela presença das neoplasias intraepiteliais cervicais18. 162 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Solomon D; Davey D; Karman R,Moriarty A; O´Connor D; Prey M et al. The 2001 Bethesda System: terminology for reporting results of cervical cytology. Forum group Members; Bethesda 2001 Workshop. JAMA 2002;287:2114-9. 2 - Richart RM. The natural history of cervical epithelial neoplasia. Clin Obstet Gynecol 1967;10:748-84. 3 - Ronco G; Segnan N; Giorgi-Rossi P; Zappa M; Casadei GP; Carozzi F et al. 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JAMA 2004;291(17):2100-6. 163 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 164 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia LESÕES GLANDULARES DO COLO UTERINO CONCEITO Lesões glandulares do colo uterino são alterações que acometem as células do epitélio glandular ou colunar do colo uterino, com graus variados de atipias, podendo ser intraepiteliais ou invasoras. Podem estar situadas tanto no endocérvice quanto no ectocérvice, em casos de ectopia. Quando em fase intraepitelial, são assintomáticas, sendo detectadas nos exames de rastreamento para o câncer cervical. Quando avançadas (fase invasora), podem levar a sangramento pela vagina, corrimento purulento com mau cheiro e sinusiorragia. As atipias glandulares do colo uterino não são frequentes, sendo encontradas em cerca de 0,4% dos esfregaços citológicos do colo1. Os adenocarcinomas representam aproximadamente 15–25% de todos os cânceres invasivos do colo uterino2. As taxas de incidências de adenocarcinoma estão aumentando8 nos últimos anos. Smith e cols mostraram que o adenocarcinoma, em 1952, representava 4,5% dos casos de câncer do colo e, em 2000, representava 25%3. Atualmente, os adenocarcinomas invasores representam a maioria dos cânceres do colo uterino em mulheres jovens4. Sabe-se que o principal fator etiológico envolvido na gênese do câncer do colo uterino é o papilomavirus, sendo que os HPVs 16, 18 e 45 são responsáveis por mais de 90% dos adenocarcinomas. DIAGNÓSTICO A suspeita de presença de lesão glandular se dá no esfregaço citológico utilizado na rotina de rastreamento do câncer do colo uterino. Toda mulher que apresenta atipias em células glandulares à citologia, deve ser encaminhada ao exame colposcópico (AII)5,6,7. A partir da colposcopia deve-se obter material para avaliação histológica, buscando um diagnóstico definitivo e estabelecendo a conduta adequada. Em mulheres acima de 35 anos de idade pode ser necessário avaliação da cavidade endometrial e/ou dos anexos, com ultrassonografia, obtenção de amostras para estudo histológico do endométrio (curetagem, histeroscopia) e laparoscopia. 1. Citologia: A classificação de Bethesda – 2001 para as atipias em células glandulares – AGC, define: 165 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia CÉLULAS GLANDULARES: a) Atípicas - células glandulares (SOE ou especificar nos comentários). b) Atípicas - células endocervicais, possivelmente neoplásicas; - células glandulares, possivelmente neoplásicas; c) Adenocarcinoma endocervical in situ. d) Adenocarcinoma: - endocervical; - endometrial; - extra-uterino; - sem outras especificações (SOE). O Ministério da Saúde (MS) coloca, na Nomenclatura para Laudos Citológicos o seguinte termo: - Células glandulares atípicas de significado indeterminado, tanto para as possivelmente não-neoplásicas quanto para aquelas em que não se pode afastar lesão intraepitelial de alto grau. Segundo referências apresentadas na publicação do INCA – Instituto Nacional de Câncer - MS, as pacientes com atipias glandulares apresentam em 9% a 54% dos casos NIC II e III, 0% a 8% adenocarcinoma in situ e 1% a 9% adenocarcinoma invasor no exame histopatológico6. Quando se encontra atipias glandulares nos esfregaços citológicos, a possibilidade de se encontrar uma lesão grave é significativa, sendo que entre 9 a 38% terão uma neoplasia intraepitelial cervical grau II ou III e 3 a 17% terão um câncer invasor5. Mas nem toda citologia contendo AGC significa lesão mais grave, podendo haver processos benignos como: processos reparativos e regenerativos, Reação de Arias-Stella, pólipos endocervicais, hiperplasia endocervical microglandular (progesterona), Metaplasia tubária ou intestinal, endometriose cervical. Foto 1 - AGC provável reacional. À direita apresenta células colunares endocervicais sem alterações morfológicas relevantes. À esquerda (seta) as células apresentam sobreposição leve e hipertrofia nuclear moderada. Foto cedida pelo Dr. José Benedito Lira Neto. Foto 2 - ACG provável neoplásico. As células glandulares apresentam sobreposição, hipertrofia nuclear e escasso citoplasma. Este padrão citológico pode estar associado à adenocarcinoma endocervical “in situ” ou a NIC 3. Foto cedida pelo Dr. José Benedito Lira Neto 166 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 2. Colposcopia Toda mulher que apresenta citologia com alterações em células glandulares deve ser referenciada para um serviço de colposcopia5,6,7. O objetivo é tentar encontrar áreas suspeitas, obter material para estudo histológico através de biópsia dirigida e definir estratégias para tratamento. A maior incidência de lesões ocorre dentro do canal cervical, sendo então necessária uma avaliação adequada, utilizando instrumentos que possam permitir um acesso à maior parte do canal, como o espéculo de Koogan-Menckel ou pinça anatômica longa. As dificuldades surgem nos casos de orifício externo do colo uterino estreitado, não permitindo uma visibilização do canal, nem a possibilidade de introdução de instrumentos apropriados, principalmente em pacientes menopausadas, não usuárias de terapia de reposição hormonal. Nestes casos deve-se proceder a estrogenioterapia local ou oral antes da realização da colposcopia. Foto 3 e 4 – Colposcopia do canal utilizando pinça anatômica longa. Achados colposcópicos anormais, epitélio acetobranco dentro do canal. Fig 5 - Epitélio acetobranco dentro do canal, visualizado após exposição com pinça de Koogan-Menckel. 3. Histologia Quando possível deve-se proceder à biópsia dirigida pela colposcopia, obtendo-se amostras que possam permitir um diagnóstico provisório, sendo que, na maioria das vezes, o diagnóstico definitivo deverá ser obtido através de estudo histológico de peça obtida por conização do colo. A curetagem do canal cervical é um procedimento que apresenta dificuldades técnicas, tem valor preditivo negativo baixo e não diagnostica invasão, além de prejudicar o exame histológico da peça de conização, quando realizada a seguir. Se a hipótese de se realizar uma conização for significativa, a curetagem endocervical deve ser omitida5. Segundo o INCA, o método recomendado para a coleta endocervical é o da escovinha (cytobrush), que apresenta maior sensibilidade e especificidade que a curetagem endocervical6. Além do mais, a curetagem endocervical pode ocasionar alterações no epitélio do canal cervical que dificultarão a avaliação histopatológica da peça de conização, caso esta venha a ser realizada6. 167 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Foto 6 - Corte ao nível da JEC mostrando proliferação de glândulas endocervicais hiperplásicas, irregulares, com núcleos hipercromáticos (sugere adenocarcinoma “in situ”). Foto cedida pelo Dr. José Benedito Lira Neto Foto 7 - Segmento de vilo com núcleos hipercromáticos (as atipias não são intensas). Consistente com Adenocarcinoma. Foto cedida pelo Dr. José Benedito Lira Neto Foto 8 - Citologia sugestiva de AGC. Bióspia evidenciou células ciliadas, semelhantes às células ciliadas tubárias – metaplasia tubária. Foto cedida pelo Dr. José Benedito Lira Neto 4. Biologia Molecular A utilização das técnicas de identificação do DNA do HPV (PCR, Captura Híbrida, etc) não é preconizada na abordagem das mulheres que apresentam citologias com atipias em células glandulares. 5. Ultrassonografia e histeroscopia Em mulheres com citologia sugerindo atipias em células glandulares, idade acima de 35 anos, deve-se avaliar a necessidade de estudo da cavidade endometrial e/ou dos anexos. Para tal utiliza-se a ultrassonografia endovaginal e, se necessário, histeroscopia com obtenção de material para estudo histológico do endométrio. TRATAMENTO - CONDUTA As atipias em células glandulares compreendem espectro morfológico que vai da possibilidade de um processo reativo benigno, até o adenocarcinoma. Condições benignas tais como: endometriose cervical, deciduose, metaplasia tubária, ductos de Gartner, hiperplasia microglandular endocervical, pólipo endocervical e endometrial, 168 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia reação de Arias-Stella e infecção clamidial podem ser causas de dificuldades diagnósticas. Pacientes com ACG apresentam significantes achados histológicos (patológicos) em alto percentual dos casos. O acompanhamento destas lesões mostra uma alta incidência de lesões malignas e pré-malignas. Uma conduta inicial é a revisão da lâmina de citologia, pelo mesmo profissional que avaliou inicialmente, ou por outro, já que existe variabilidade de interpretação das alterações8. A conduta vai depender dos achados colposcópicos: 1) Colposcopia com JEC e canal bem visualizado a) Sem anormalidade: amostra obtida por escovado (cytobrush) ou curetagem de canal. a.1) amostra com diagnóstico de neoplasia intraepitelial: cone clássico a.2) amostra com resultado negativo para neoplasia: repetir citologia e colposcopia em 6 meses a.2.1) negativos: dois resultados subsequentes negativos passar a controle habitual a.2.2) qualquer resultado positivo: cone clássico* b.) Alterada: biopsiar 2) Colposcopia insatisfatória: cytobrush ou curetagem de canal a.1) diagnóstico de neoplasia intraepitelial: cone clássico* a.2) resultado negativo para neoplasia: repetir citologia e colposcopia em 6 meses a.2.1) negativos: dois resultados subsequentes negativos, passar a controle habitual a.2.2) qualquer resultado positivo: cone clássico* A conização para avaliação de alterações glandulares deve ser realizada com bisturi a “frio”, isto é, conização clássica 5,6,7,9,12,13, obtendo uma peça de pelo menos 2,5cm de profundidade. É aconselhável a obtenção de amostra (cytobrush ou curetagem) do canal restante, após a realização da conização 10,11,12. Os procedimentos realizados com alça diatérmica ou laser podem ocasionar danos térmicos, impossibilitando uma avaliação adequada, principalmente das margens cirúrgicas. A avaliação das margens é passo importante na condução do processo, pois é um dos principais fatores de prognóstico de recorrência da lesão10,12,13. O tratamento ideal para o adenocarcinoma “in situ” é a histerectomia total simples, nas mulheres com prole definida, com diagnóstico por conização (CIII)10,12,13. Em caso de 169 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia margens livres, com diagnóstico de até adenocarcinoma “in situ”, em mulheres jovens com prole ainda não definidas, a conduta conservadora é aceitável (AII)10,12,13. Se a fertilidade futura é desejada e a conização mostra margens comprometidas, ou a amostra obtida do canal restante é positiva para lesão glandular, deve-se refazer o cone10,12,13. Nestes casos, após a formação da prole, as mulheres deverão ser submetida à histerectomia, sendo que alguns autores preconização nova conização antes da histerectomia para afastar a presença de invasão14,15. Em casos de adenocarcinoma invasor, o tratamento será definido após o adequado estadiamento da lesão, semelhante ao que ocorre no carcinoma invasor de células escamosas do colo uterino. PROGNÓSTICO Adenocarcinoma é tumor mais agressivo, com pior prognóstico do que o Carcinoma Escamoso. Em um estudo, 42% dos casos de desenvolvimento rápido de câncer invasor foram de Adenocarcinoma16. Além disso, é mais provável ter metástases precoces2 e maior possibilidade de recorrência. Os principais fatores que influenciam a possibilidade de recorrência são: margem endocervical comprometida, profundidade do cone menor que 2,5cm, volume e extensão linear da lesão ocupando mais de dois quadrantes do cone e a multifocalidade. Em um estudo de metanálise, envolvendo 1278 pacientes, a recorrência ocorreu em 20,3% das mulheres que tinham cone com margens livres e em 52,8% das que tinham margens endocervicais comprometidas17. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Davey DD; Neal MH; Wilbur DC; Colgan TJ; Styer PE; Mody DR. 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A identificação de mulheres com lesão intraepitelial cervical de alto grau (NIC II/III) contribuiu como a principal causa da queda destas taxas de incidência nos Estados Unidos4. No Brasil, o câncer cervical é a terceira neoplasia maligna mais comum e a quarta causa de morte por câncer entre as mulheres. São esperados cerca de 18.430 novos casos no Brasil para o ano de 2010. Em 2007 houve registro de 4691 casos de morte por câncer cervical no Brasil5. Existe uma forma minimamente invasora do carcinoma cervical, reconhecida pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) desde 19616 e descrita, inicialmente, por Mestwerdt (1947)7, denominada carcinoma microinvasor. É uma lesão definida microscopicamente, e sua importância, é que formas conservadoras de tratamento têm mostrado êxito terapêutico pela menor incidência de comprometimento linfonodal. O estadiamento proposto pela FIGO em 1994 incluía esta lesão no estádio I, subdividindo-a em IA1 e IA2. Este estadiamento foi revisado em 2009, não havendo mudanças nesta categoria8. CONCEITO A FIGO realizou revisão do estadiamento do câncer cervical em reunião de consenso do seu Comitê de Oncologia Ginecológica em 20098, mantendo o estádio I dividido conforme quadro a seguir: 173 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Quadro 1 - FIGO Committee on Gynecologic Oncolgy Estádio IA Carcinoma invasor somente diagnosticado microscopicamente com invasão até 5 mm e extensão até 7 mm Estádio IA1 Invasão estromal = 3 mm em profundidade e = 7 mm de extensão Estádio IA2 Invasão estromal > 3 mm e não >5 mm e com extensão não maior de 7 mm Pecorelli et al, Int J Gynecol Obstet, 2009; 105:107-8 A profundidade de invasão não deverá ser maior do que 3 mm (estádio IA1) e/ou 5 mm (IA2) medida da base do epitélio do qual se originou. O envolvimento dos espaços vascular, venoso ou linfático, modifica o prognóstico, mas não altera o estadiamento. Lesões macroscópicas, mesmo com invasão superficial, são consideradas estádio IB. Os principais fatores de risco associados à profundidade de invasão estromal são de acometimento do espaço linfovascular (ELV) e, consequente, aumento da probabilidade de metástase linfonodal, que pode influenciar a sobrevida. Estudo realizado por Benedet e Anderson (1996)9 demonstrou um percentual de metástase linfonodal de 1,9% quando a profundidade de invasão era de 1 a 2,9 mm, comparado a cerca de 8% de comprometimento linfonodal, nos casos que a profundidade de invasão variava de 3 a 5 mm. Ao mesmo tempo, neste estudo, houve observação da incidência de recorrência da doença e morte de 1,5% e 0,5%, respectivamente, nas pacientes com invasão de 1 a 2,9 mm. Nos casos que havia invasão de 3 a 5 mm, a incidência de recidiva foi de aproximadamente 4,2% e de morte foi calculada ser em torno de 2,4%. DIAGNÓSTICO O diagnóstico do carcinoma microinvasor é histopatológico, ou seja, o diagnóstico definitivo da microinvasão é feito por meio de avaliação microscópica dos espécimes obtidos por conização ou histerectomia, que deve definir, principalmente, a profundidade de invasão estromal para o estadiamento. Em citopatologia, microcarcinoma é um diagnóstico de suspeição e não uma entidade diagnóstica. A possibilidade de detecção do carcinoma microinvasor em um programa de rastreamento citológico de câncer cervical tem sido mais frequente e a importância desta suspeita é que o rápido encaminhamento e abordagem cirúrgica, destas pacientes, possibilitarão condutas conservadoras. Segundo estudo de Sykes et al. (2005)10, houve aumento na detecção do carcinoma microinvasor em Cantebury (Nova Zelândia) com a introdução do Programa Nacional de Rastreamento Cervical (National Cervical Screening Programme - NCSP) e queda na incidência do carcinoma francamente invasor. Segundo os autores deste estudo, como na maioria dos programas de rastreio, as pacientes com carcinoma microinvasor são encaminhadas por citologia alterada com 174 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL), num percentual que pode chegar a 82%. Na nomenclatura brasileira, para laudos em patologia cervical do Ministério da Saúde foi incluída uma classificação citológica que contempla a possibilidade de invasão, que é descrita como “lesão de alto grau não podendo excluir microinvasão ou carcinoma epidermóide invasor”. No Sistema Bethesda, esta categoria é descrita como “lesão intraepitelial escamosa de alto grau com características suspeitas de invasão”. Nestes casos observam-se células bizarras, amoldamento nuclear, formas sinciciais, nucléolos e poucos restos celulares11 (Figura 1). Figura 1 - Microfotografias de lâmina de citologia mostrando amoldamento nuclear, células bizarras, células multinucleadas, restos celulares, formas sinciciais e nucléolos. (Imagens cedidas pela Professora Cristina Mendonça, Instituto de Ginecologia, UFRJ). Não se pode esquecer que a colposcopia faz parte do “tripé diagnóstico” das lesões precursoras e do câncer cervical, formado pela citologia de um lado e a histologia do outro, advinda da biopsia orientada pela imagem colposcópica. O tratamento deve ser indicado diante da suspeita de invasão, principalmente, se mostrar concordância da citologia e colposcopia (mesmo se não confirmada pela biopsia). Não existe padrão colposcópico patognomônico que possa distinguir lesões microinvasoras das lesões intraepiteliais de alto grau, porém a acurácia colposcópica, neste diagnóstico, varia de 42,5% a 93%, segundo estudo de Veridiano et al. (1981)12. Uma vez progredindo para doença, francamente invasora, os padrões colposcópicos mostram mudanças distintas que sugerem fortemente o diagnóstico de lesão invasora. Kolstad (1989)13 mostrou em seu estudo que apesar da sensibilidade da colposcopia para o diagnóstico do carcinoma microinvasor não ser alta, a associação da citologia, com a biopsia dirigida pela colposcopia em área suspeita, abrevia o tempo de decisão do tratamento adequado. Mesmo assim, a detecção colposcópica de microinvasão tem sido objeto de estudos frequentes. Sugimori et al. (1979)14 concluíram que existe suspeita de carcinoma microinvasor quando mosaico, pontilhado e epitélio acetobranco cobrem toda a extensão da zona de transformação (ZT). Choo et al. (1984)15 observaram que as características colposcópicas de microinvasão incluíam três ou mais alterações epiteliais na ZT. Coppleson (1992)16 definiu, como suspeita de invasão incipiente, os aspectos colposcópicos que apresentavam: presença de tipos epiteliais diferentes dentro da ZT, vascularização aumentada e ulceração. Dexeus et al. (2005)17 também descreveram os 175 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia principais sinais colposcópicos que definiam a probabilidade de microinvasão: ZT anormal e extensa com inúmeros orifícios glandulares espessados, mosaico e pontilhado grosseiros, vasos atípicos de calibres variados com cursos bizarros e mudanças bruscas de direção ou fragilidade da lesão (Figuras 2). O estudo de Tidbury e Singer (1992)18 mostrou a importância da extensão da lesão, concluindo que as lesões, onde existe invasão, são sete vezes maiores do que áreas de lesões intraepiteliais (NIC III) (Figura 3). Figura 2 - Imagem colposcópica mostrando inúmeros orifícios glandulares espessados em extensa zona de transformação anormal. Sugere invasão. (Imagem cedida pela Dra. Paula Maldonado, Instituto de Ginecologia, UFRJ). Figura 3 - Imagens colposcópicas em sequência, a 1ª mostrando a fase do soro fisiológico, a 2ª na fase do ácido acético e a 3ª na fase do Lugol (Teste de Schiller). Observa-se extensa área de congestão, com superfície irregular, ulceração, epitélio acetobranco denso, iodo negativo. Sugere invasão. (Imagens cedidas pela Dra. Paula Maldonado, Instituto de Ginecologia, UFRJ). A presença de atipias vasculares tem sido relacionada com invasão estromal, porém este achado pode estar mais relacionado às lesões, francamente invasoras, do que a microinvasoras, numa proporção de 84 e 44% respectivamente19. Sillman et al. (1981)20 realizaram estudo sobre a frequência de vasos atípicos entre pacientes com carcinoma in situ e pacientes com carcinoma invasor. Concluíram que atipias vasculares podem estar associadas com microinvasão e quando ausentes, nestes casos, podem significar doença focal (Figura 4). Figura 4 - Imagem colposcópica com extensa zona de transformação anormal, exibindo pontilhado e mosaico grosseiros e vasos atípicos. Sugere invasão. (Imagem cedida pela Dra. Paula Maldonado, Instituto de Ginecologia, UFRJ). A biopsia não exclui microinvasão. O diagnóstico definitivo deve sair de peça cirúrgica (cone a frio ou eletrocirúrgico ou mesmo peça de histerectomia). As biopsias com alça diatérmica têm fornecido espécimes com maior quantidade de tecido para análise. Byrom et al. (2006)21 mostraram em estudo prospectivo a avaliação histológica mais segura para diagnóstico com alça diatérmica do que com saca-bocado. 176 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia É importante ressaltar que a medida da microinvasão é definida a partir da membrana basal e tem que levar em conta a extensão no epitélio de até 7 mm. As células apresentam perda do típico aspecto em paliçada e as células tumorais adjacentes à área de microinvasão têm maior diferenciação (são caracterizadas por células gigantes e bizarras, eosinofilia citoplasmática intensa e queratinização) (Figura 5). Podem ser observadas necrose e reação estromal linfoplasmocitária. Figura 5 - Carcinoma microinvasor (estágio IA1). Na parte superior, visão panorâmica destacando-se por numerais os aspectos morfológicos relevantes para o diagnóstico da lesão, mostrados em maior aumento na parte inferior: 1. Duas invaginações epiteliais projetando-se em um córion densamente infiltrado e vascularizado. A primeira mostra contornos nítidos (seta da esquerda); na segunda, os limites são apagados pelo infiltrado inflamatório (seta da direita). 2. Franca epidermização com micro-abscesso (*). 3. Brotamento epitelial se projetando em direção a um vaso, em meio a denso infiltrado inflamatório, porém mantendo seus limites bem definidos. 4. Foco de invasão inicial, tendo na sua extremidade um grupo de células discarióticas (seta), ilhadas por denso infiltrado inflamatório e proliferação vascular. (Imagens cedidas pelo Professor Roberto José de Lima, Chefe do Serviço de Anatomia Patológica do Instituto de Ginecologia / UFRJ). É importante a avaliação da peça por patologista experiente para a correta medição da microinvasão, que deve ser feita com um micrômetro ocular. Além disso, a detecção de doença nas margens da peça cirúrgica e de invasão do EVL são observações que definem nova abordagem cirúrgica. A peça cirúrgica deve ter cortes escalonados de 60 a 90 lâminas (Hamperl) ou de 40 a 100 lâminas (Hertig) para facilitar toda a abordagem 177 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia histopatológica e informar ao clínico o diagnóstico definitivo. TRATAMENTO Estádio Ia1 O tratamento conservador para pacientes no estádio IA1 do carcinoma escamoso cervical, com conização isolada, é eficaz e seguro, mesmo com invasão linfovascular e comprometimento de margens22. A conização é indicada, principalmente, quando a paciente não tem prole constituída, mas pode ser também tratamento definitivo em pacientes que não desejam mais gestar. A técnica de conização deve ser baseada na experiência e treinamento do profissional. Pode ser com lâmina fria (convencional) ou por alça diatérmica (não tem sido contemplada a possibilidade do uso de eletrodo reto). A conização a frio provê sempre peça única e, em geral, com maior profundidade de ressecção, sendo por isso, a técnica mais indicada quando existe suspeita de invasão22. Tseng et al. (1999)23 mostraram em estudo comparativo de conização convencional e com alça diatérmica, que a conização com alça é procedimento aceitável para microcarcinoma, porém, deve conter apenas um fragmento. Os autores recomendam uso de alça larga (2,0 cm), realizada por profissionais treinados, sob observação colposcópica, em uma única passagem. Neste estudo, Tseng e colaboradores recomendam ainda curetagem endocervical em todos os casos para avaliação do restante do canal. A maior incidência de margens cirúrgicas comprometidas foi detectada com a fragmentação da peça e nas colposcopias insatisfatórias. Em caso de margens comprometidas por lesão intraepitelial de alto grau ou microinvasão, é prudente uma nova abordagem ainda por conização (preferencialmente por bisturi frio). Nestes casos, existe possibilidade de haver invasão superior em profundidade ao microcarcinoma, e a histerectomia simples não será tratamento suficiente24-26. Pode se considerar definitivo o estadiamento quando a peça cirúrgica apresenta margens livres. A histerectomia extrafacial (classe I - Piver) pode ser indicada quando a prole estiver completa e os ovários podem ser preservados. Não existe indicação de ressecção do manguito vaginal (a não ser em casos de extensão da doença, observado no exame colposcópico) e nem esvaziamento linfonodal. Em caso de invasão do ELV, o tratamento deve ser semelhante ao estádio IA2. 178 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Estádio IA2 Histerectomia radical (classe II - Piver) é o tratamento mais adequado, principalmente nos casos de invasão do ELV26. Em casos onde a peça da conização mostra não haver invasão do ELV, pode ser indicada histerectomia extrafacial (classe I)25,27. Quando existe desejo de gestar, a traquelectomia radical com linfadenectomia pélvica retroperitoneal ou laparoscópica é uma opção cirúrgica para preservação da fertilidade24-25,27. A radioterapia (que também pode ser indicada nos casos de estádio IA1) é conduta nos casos em que existem contraindicações cirúrgicas por idade ou problemas clínicos. Quando a linfadenectomia não está indicada, a braquiterapia é tratamento de escolha25. 26,28 SEGUIMENTO Deve ser feito seguimento regular e periódico por meio de citologia e colposcopia, com intervalos mais curtos no primeiro ano (três a quatro meses) e a cada seis meses por três a cinco anos. Após os cinco anos, passar a acompanhamento anual. Realizar biopsia em caso de lesão suspeita25,29-30. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Bosch FX; Castellsagué X; Sanjosé S. HPV and cervical cancer: screening or vaccination? Br J Cancer 2008;98:15-21. 2 - NCI- NACIONAL CANCER INSTITUTE - U.S. National Institute of Health; Cancer topics; Cervical cancer. Disponível em < http://www.cancer.gov/cancertopics/types/cervical/> Acesso em 19/2/2010. 3 - Katz IT & Wright AA. Preventing Cervical Cancer in Developing World. N Engl J Med 2006;354(11):1110. 4 - Feng Q; Balasubramanian A; Hawes SE; Toure P; Sow PS; Dem A; Dembele B; Critchlow CW; Xi L; Lu H; McIntosh MW; Young AM; Kiviat NB. 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Loop conization for the treatment of microinvasive carcinoma of the cervix. Int J Gynecol Cancer 2006;16:1574-8. 180 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia NEOPLASIA INTRAEPITELIAL VAGINAL INTRODUÇÃO As neoplasias intraepiteliais vaginais (NIVAs) são lesões com potencial de evolução para o carcinoma, frequentemente associadas à infecção pelo HPV1. Sua incidência estimada é de 0,2-0,3/100.000 mulheres2. São menos frequentes que as lesões intraepiteliais do colo uterino (100 vezes menos2), mas estão se tornando mais comuns nos últimos anos3. A maior incidência ocorre em mulheres a partir dos 60 anos de idade4, mas tem sido diagnosticadas, com maior frequência, em mulheres mais jovens3,5. Ocorrem em aproximadamente 0,4% das neoplasias intraepiteliais do trato genital inferior6. Os fatores de risco são similares aos das lesões de colo uterino (NIC) e vulva (NIV). A histerectomia prévia por NIC aumenta, consideravelmente, o risco para NIVA. A chance de uma NIVA aparecer, após uma histerectomia por NIC é de aproximadamente 5%7. A associação destas lesões com o HPV tem sido demonstrada na maioria dos casos. As NIVAs 1 estão associadas aos HPV de alto risco oncogênico em 64-84%1 e as NIVAs 3 associadas aos HPV 16 e 18 em 67% dos casos5. Outros fatores de risco incluem a história de irradiação pélvica, tabagismo e imunossupressão1,3. Mulheres HIV positivas apresentam um risco oito vezes maior de uma lesão intraepitelial de vulva, vagina e períneo comparado às mulheres HIV negativas8. A classificação das NIVAs se baseia no grau de comprometimento histológico do epitélio vaginal. Semelhante ao que ocorreu com o colo uterino, as NIVAs foram inicialmente classificadas em grau 1, 2 e 3, de acordo com o comprometimento do 1/3 inferior, médio ou superior, respectivamente1. Uma vez que a reprodutibilidade interobservador desta classificação é extremamente variável, Sherman and Paull9 recomendaram o uso de Lesão Intraepitelial Escamosa de Baixo Grau Vaginal para NIVA 1 e Lesão Intraepitelial Escamosa de Alto Grau Vaginal para as NIVAs 2 e 3. Existem poucas informações sobre a história natural das NIVAs. Há uma diferença cerca de 15 anos entre uma mulher com NIVA 1 ou 2 e NIVA 310. A progressão para o câncer invasor é menor que nos casos de NICs e parece estar em torno de 8-10%1. QUADRO CLÍNICO As lesões intraepiteliais de vagina são completamente assintomáticas. A maioria das NIVAs são HPV induzidas e podem ocorrer em conjunto com outras manifestações do HPV no trato genital inferior. Em cerca de 75% dos casos, as NIVAs estão associadas às 181 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia NICs5. Com certa frequência, observa-se a presença de lesões verrucosas associadas em vulva e vagina, podendo originar desconforto local, prurido ou secreção com odor11. Eventualmente, alguns casos podem evoluir com sangramento pós-coital discreto. DIAGNÓSTICO As NIVAs são mais frequentemente diagnosticadas frente a um exame citopatológico alterado e colposcopia normal ou em mulheres já submetidas à histerectomia7. O exame colposcópico da vagina (Vaginoscopia), utilizando ácido acético e solução do lugol é bastante sugestivo de NIVA, sendo confirmado pelo exame histopatológico. Tipicamente, as lesões estão localizadas no 1/3 superior da vagina (84-92%)10 e na parede posterior, de forma circular e levemente elevadas, frequentemente apresentando superfície espiculada. As lesões de baixo grau ou NIVA 1, geralmente se apresentam como um epitélio aceto-branco com os bordos irregulares e uma fina superfície espiculada, corando parcialmente com lugol e multifocal (Foto 1). Pontilhado fino pode ser visto, mas mosaico é extremamente raro5. B A Foto 1 - NIVA 1 A: exame com ácido acético 5% B: teste de Schiller As lesões de alto grau, ou NIVA 2 e 3 exibem um epitélio aceto-branco mais denso, bordos mais nítidos e elevados e menor captação do iodo. Frequentemente apresentam também uma superfície espiculada (Foto 2). As imagens vasculares de pontilhado e mosaico grosseiros e vasos atípicos também podem ocorrer na vagina11. Estas lesões de padrão vascular atípico podem albergar um foco de invasão inicial e devem ser tratadas de forma excisional11. A NIVA 3 raramente é multifocal5. Atenção maior deve ser dada no exame vaginal com cicatriz por histerectomia, uma vez que pode ocultar uma doença invasiva inicial nas dobras da cicatriz (Foto 3). A B Foto 2 - NIVA 3 A: exame com ácido acético 5% B: teste de Schiller 182 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Foto 3 - NIVA 3 em cicatriz vaginal de histerectomia A: exame com ácido acético 5% B: teste de Schiller A biópsia dos 2/3 superiores da vagina não requer anestesia, o mesmo não ocorrendo no 1/3 inferior que é bastante sensível5. O pequeno sangramento, que frequentemente ocorre, é facilmente resolvido com solução de Monsel ou nitrato de prata em bastão. TRATAMENTO Vários tratamentos têm sido indicados para as NIVAs, com índice de eficácia bastantes variáveis. Não há nenhum estudo randomizado e a comparação direta dos estudos não tem sido adequada. A escolha do tratamento, geralmente, é baseada no número e localização das lesões, gravidade, radioterapia prévia, recidiva e atividade sexual. As lesões de baixo grau (NIVA 1) não requerem tratamento12. As lesões, frequentemente regridem, são multifocais e geralmente próximas a lesões por HPV. Se necessário, o tratamento destrutivo (cauterização, ácido tricloroacético) pode ser utilizado11. As lesões de alto grau (NIVA 2 e 3) podem ser tratadas com sucesso utilizando métodos excisionais (microfragmentação, cirurgia de alta frequência e bisturi) ou destrutivos (cauterização, laser, quimioterápicos e radioterapia)11 ou mais recentemente com imunomoduladores tópico (imiquimod). O sucesso do tratamento de uma forma geral varia de 70-80% 11. As NIVAs 3 localizadas no ápice vaginal em mulheres que foram histerectomizadas por NIC devem ser tratadas com exérese cirúrgica com margem de 1 cm pelo maior risco de invasão13. O risco de um carcinoma invasor oculto nestes casos chega a 28%14. A mesma conduta deve ser indicada para as mulheres acima dos 60 anos, pelo mesmo risco de invasão11. Afastada a invasão, a vaporização a laser é um excelente tratamento. Geralmente, é bem tolerada e frequentemente possível sob anestesia local. A profundidade de destruição de 1,5 mm parece ser bastante adequada15. Após 3 a 4 semanas, um novo epitélio já estará formado, na maioria das vezes maduro e glicogenado11. A ressecção utilizando os aparelhos de alta frequência deve ser bastante cautelosa para evitar lesão da uretra, bexiga e reto11. Quando utilizadas, deve-se infiltrar soro fisiológico ou anestésico ao longo de toda a lesão para afastar a mucosa dos tecidos mais profundos. 183 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia A cauterização utilizando esferas de tamanho adequado é bastante segura, porém com altos índices de recidiva, podendo chegar a 75%12. A realização de múltiplas pequenas biópsias (multifragmentação) tem apresentado uma ótima resposta e geralmente não necessita anestesia por ser indolor no 1/3 superior e pouco dolorosa no 1/3 médio2. Nas lesões multifocais ou recidivantes, os tratamentos tópicos com 5-Fluoro-uracil (5FU) ou Imiquimod têm sido utilizados. A eficácia do 5-FU varia de 75% a 90%11. Os esquemas terapêuticos são diversos, sendo suficiente 1 a 2 ml de creme a 5% semanal até regressão completa das lesões. Em alguns casos pode ser usado como coadjuvante ao tratamento destrutivo. A avaliação vaginal deve ser frequente para evitar as erosões e/ou úlceras de difícil resolução16. O imiquimod é uma droga que modula a resposta imune, apresentando uma ação antiviral e antitumoral licenciada para tratamento de lesões em pele. Ainda não há dados conclusivos para o uso em mucosas. No entanto, em uma revisão sistemática recente17, os autores observaram que o imiquimod creme 5% tópico para lesões multifocais vaginais apresentou resposta completa em 2 estudos em 86% dos casos e parcial em 14%, ou seja, todos os casos obtiveram algum grau de resposta num período de 3-8 semanas. A medicação foi utilizada de 1-3 vezes por semana. A dose de 2,5g (1/2 sachet a 5%) semanal até 8 semanas parece ser o suficiente para se obter uma resposta vaginal adequada, diminuindo a chance de efeitos colaterais como ardência, dor, desconforto ou corrimento. A quimiocirurgia (associação do 5-FU por menor tempo e ressecção cirúrgica ou laser) tem sido utilizada para as pacientes imunossuprimidas ou com lesões extensas, multifocais e recorrentes, com alto índice de remissão2. O tratamento radioterápico (braquiterapia) está em desuso, uma vez que os efeitos colaterais, como estenose vaginal, falência ovariana e sangramento retal são frequentes1. Deve ser reservado aos casos resistentes aos tratamentos anteriores e que não podem ser submetidos à cirurgia18. O risco de progressão para invasão parece ser bem menor para as NIVAs, comparando com as NICs, estando em torno de 13% quando não tratadas19. Ao contrário, a progressão de 4,5-5%, após tratamento excisional ou vaporização a laser das NIVAs é bem superior ao risco de 0,3% para as mulheres com NIC 3 tratadas com conização2,12,15. Tabela 1 - Eficácia dos diferentes tratamentos para NIVA e risco de progressão para invasão 2, 16, 22 Tratamento Quimiocirurgia Eficácia (%) Progressão Invasão (%) 70 - 82 5,4 184 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Cirurgia 5-FU Eletrocuaterização Laser CO2 64 - 67 75 - 90 65 - 70 63 - 90 5,3 - 8,3 6,7 16,7 3,7 - 11,5 PREVENÇÃO Medidas preventivas incluem cuidadosa inspeção colposcópica do 1/3 superior da vagina para avaliar a presença de lesão vaginal, antes da histerectomia por lesão cervical2. As mulheres histerectomizadas por NIC ou câncer cervical deverão manter a realização da colpocitologia oncótica periodicamente por cerca de 10 anos2. O risco de anormalidade citológica em mulheres histerectomizadas por doenças benignas é de 1,3% em 10 anos, podendo o rastreamento citológico estar ampliado para cada 10 anos nestes casos20. Os estudos da vacina anti-HPV têm demonstrado uma redução na incidência das NIVAs associadas aos HPV 16 e 18. Nas mulheres HPV 16 e 18 negativas e que receberam as 3 doses da vacina quadrivalente anti-HPV (HPV 6, 11, 16 e 18), a eficácia na prevenção das NIVAs 2 e 3 associadas a estes vírus foi de 100%. A redução em todos os casos de NIVA 2 e 3, independente do tipo de HPV foi de 49%21. A vacinação pode ter um impacto significativo na redução das NIVAs e carcinoma de vagina no futuro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Sherman JF; Mount SL; Evans MF; Skelly J; Simmons-Arnold L; Eltabbakh GH. Smoking increases the risk of high-grade vaginal intraepithelial neoplasia in women with oncogenic human papillomavirus. Gynecol Oncol 2008;110:396-401. 2 - Sillman FH; Sedlis A; Boyce J. 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A incidência de neoplasia intraepitelial vulvar de grau III ( NIV III ) aumentou de 1,1 para 2,1 casos por 100.000 mulheres dos anos 70 aos anos 80. Joura et al. (2000) descreveram aumento de 486% na incidência de NIV III entre os anos de 1985 e 1997 e de 157% do câncer vulvar, em mulheres com idade inferior a 50 anos neste mesmo período 1,2,3. Vários são os fatores apontados como de risco para o desenvolvimento da NIV, destacando-se infecção pelo papilomavírus humano (HPV), múltiplos parceiros sexuais, tabagismo, baixo nível sócio-econômico, antecedentes de doenças vulvares, neoplasia intraepitelial cervical e vaginal e imunossupressão de maneira geral 4,5,6.Quanto às raças, trabalhos recentes demonstram não haver diferenças significativas; a relação entre as mesmas e outros fatores, particularmente nível sócio-econômico, podem dificultar a interpretação dos dados 7,8,9. A gênese do carcinoma da vulva tem sido alvo de pesquisas na atualidade. Estudos de biologia molecular têm demonstrado que a simples presença do HPV não é suficiente para determinar a progressão da NIV para o carcinoma invasivo. Somente em 10% a 25% de todos os casos de carcinoma espino-celular (CEC) de vulva, o DNA HPV está presente. As alterações gênicas associadas ou não à infecção induzida pelo HPV são prérequisitos para a carcinogênese. Verifica-se hoje, que além de todos esses fatores ambientais, talvez exista predisposição individual para o desenvolvimento e progressão das NIV, que se manifesta pelas diferentes expressões do antígeno leucocitário humano (HLA) das classes I e II, e têm importante papel no controle da resposta às proteínas virais através de células T 16. O potencial invasivo da NIV e o tempo de progressão têm motivado a realização de numerosas investigações. Nas décadas de 1980 e 1990, os relatos indicavam que o índice de progressão era quase nulo, exceto em pacientes imunossuprimidas. Os índices desta evolução existentes na literatura chegam até 87%, em seguimentos de dez anos, na dependência de fatores de risco como tabagismo, multifocalidade, imunossupressão. Hoje os trabalhos indicam que a progressão da NIV é mais frequente que da NIC 3,17,18,19. Por meio de estudo de meta-análise, que envolveu 88 casos de NIV sem tratamento seguidos por tempo médio de 55 meses, van Seters et al. (2005) constataram que a taxa de progressão para o carcinoma invasivo foi de 9% 20. 187 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Aspecto que se reveste de grande relevância no tratamento da NIV é o seu frequente reaparecimento, após o tratamento, caracterizando o que é conceituado por Townsend, Marks (1981) como recorrência da lesão 21. Os dados existentes na literatura acerca das taxas de recorrência da NIV, após diferentes formas de tratamento são díspares. Alguns fatores são responsáveis pela recorrência como: o caráter multifocal das lesões, a idade superior a 40 anos, a imunossupressão, neoplasia do trato genital inferior e radioterapia prévias, a proximidade da borda anal, os tratamentos que não atingem a profundidade adequada, o comprometimento de margens cirúrgicas e anexos da pele, além de possíveis equívocos no diagnóstico histopatológico 12, 22, 23, 24 . Até o ano de 2004, a classificação adotada para a NIV era aquela proposta pela Society for Study of Vulvovaginal Disease (ISSVD), em 1989; a mesma caracterizava as NIV subdivididas em graus I, II e III 25. Estudos posteriores demonstraram que a NIV I tem baixo potencial de malignidade e, consequentemente, não se constitui em lesão precursora do carcinoma vulvar como a NIV II e III. No sentido de esclarecer importantes aspectos relacionados com a história natural da NIV e de minimizar as discrepâncias acerca das taxas de recorrência, a ISSVD propôs, no ano de 2004, nova terminologia para a doença 24. Por meio desta proposta, as NIV foram classificadas em duas categorias, consoante à sua agressividade biológica (Quadro 1). Quadro 1 - Classificação da neoplasia intraepitelial escamosa (NIV) ISSVD, 2004 NIV tipo usual NIV tipo diferenciado NIV tipo não classificado NIV tipo verrucoso Não incluídas em usual ou diferenciado NIV tipo basalóide Doença de Paget Melanoma “in situ” NIV mista 1. Diagnóstico As NIV de tipo usual e diferenciada diferem na epidemiologia, clínica, histopatologia e potencial de malignidade. O exame clínico é fundamental para a identificação da lesão vulvar, observando-se as 188 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia quatro características fudamentais, a saber: cor, espessura, superfície e focalidade. A cor pode ser marrom, branca, cinza ou vermelha. O auxílio do colposcópio é especialmente útil para a visualização de detalhes, mas o diagnóstico final é histopatológico. Por ocasião da biópsia, deve-se ter especial atenção no sentido de descartar invasão do estroma. Deve-se ressaltar que as características clínicas e vulvoscópicas mais comuns da doença invasiva consistem em placas hiperquetatóticas brancas, máculas eritematosas e áreas papulares de cor marrom ou negra, podendo ser semelhante à NIV 13,26, 29 . Os fatores de risco para desenvolvimento de câncer são os mesmos em todos os tipos de NIV 4, 5, 13, 14. O comportamento da NIV usual, indiferenciada ou clássica (tipo verrucoso e basalóide) é altamente variável, pois cerca de 1-32% das pacientes apresentam recidiva ou persistência da doença e em 6-7% das mesmas são identificadas áreas ocultas de invasão. Portanto, o seguimento deve ser rigoroso e a longo prazo 15, 28, 32. 1.1 - NIV usual A nomenclatura “usual” deve-se ao fato de ser reconhecido macroscopicamente com facilidade. São lesões geralmente elevadas, de superfície rugosa, com margens bem demarcadas e algumas vezes se assemelham a verrugas planas. Pode ser subdividido em duas categorias: verrucoso e basalóide. O tipo basalóide incide em pacientes mais idosas, aparece frequentemente como lesão única e bem demarcada, tendo um potencial de oncogênese um pouco maior que o verrucoso. Caracteriza-se na histopatologia por espessamento epitelial, proliferação monótona de células indiferenciadas, relativamente uniformes e de aparência basalóide. Coilocitose e corpos redondos podem estar presentes, mas é raro. Aparecem numerosas figuras de mitoses e pode envolver anexos da pele. O tipo usual verrucoso é a variedade mais comum de NIV e se relaciona com infecção crônica do epitélio vulvar pelo HPV. 90% dos casos associados ao tipo 16 deste vírus, entretanto, se apresentam menos propenso à carcinogênese. Ocorre, usualmente, em mulheres jovens, com idade entre os 35 e 50 anos, tabagistas e usuárias de contraceptivo hormonal. É multicêntrica em 59% nas jovens e em 10% das pacientes acima de 50 anos. Apresenta infecção pelo HPV em outra localização em 60% dos casos e em 50% das vezes está relacionado à história prévia de NIC ou NIVA 3, 4, 13, 14, 20, 26, 27, 28 . A NIV usual, geralmente, é bilateral e aparece em áreas não pilificadas, contudo, pode ocorrer em qualquer local da vulva, incluindo região periuretral e perianal,e ainda, estender-se para outras regiões vizinhas da vulva. 189 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia A lesão geralmente é elevada, tendo superfície áspera, algumas vezes assemelha--se com verruga plana e, geralmente, é multifocal e multicêntrica. Por isso, devem ser cuidadosamente investigados: colo, vagina, períneo e região perianal, na busca de outras lesões similares. Fig. 1 - Aspecto macroscópico da NIV usual verrucosa. O aspecto histopatológico da NIV usual verrucosa é caracterizado por aparência condilomatosa, paraqueratose, hiperqueratose e acentuado pleomorfismo celular. Há evidência de maturação celular, multinucleação, acantose, coilocitose e figuras de mitose. As invaginações do epitélio são tipicamente extensas e profundas. A superfície epidérmica tem disposição em pontas ou espículas. As células escamosas atípicas das camadas basais e parabasais apresentam citoplasma escasso. Fig. 2 - Corte histopatológico de NIV usual verrucosa. (H.E 10x) Pode sofrer regressão espontânea a curto ou médio prazo, embora Bruchim et al. (2007), não tenham encontrado regressão na avaliação de 10 pacientes em 39 meses 13, 27, 28, 30, 31. 1.2 - NIV diferenciada ou simplex A terminologia deve-se ao fato de apresentar atipias basais no epitélio totalmente diferenciado, tendo um alto potencial oncogênico. É uma lesão rara, frequentemente observada adjacente ao carcinoma escamoso vulvar, associado a líquen. Esta NIV ocorre em mulheres mais idosas, sendo observada em áreas de líquen escleroso ou líquen plano. Geralmente, têm longa história de prurido e queimação e têm o maior potencial oncogênico. É o precursor do Carcinona espino celular da vulva não relacionado ao HPV. O diagnóstico é um desafio e qualquer área de hiperqueratose, aspereza, superfície irregular ou erosão deve ser biopsiada. 190 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 2. Tratamento Vários métodos têm sido utilizados no tratamento das NIV. A terapêutica excisional pode ser realizada por cirurgia de alta frequência (CAF) ou por meio de lâmina de bisturi convencional ou elétrico. A conduta destrutiva física (diatermo-cauterização, criocauterização, vaporização por cirurgia de alta frequência e terapia fotodinâmica) utilizando quimioterápico tópico, como o 5-fluoro-uracil; imunoterápicos, como imiquimod, interferons locais ou sistêmicos; além antivirais como o cidofovir, aplica-se somente para NIV do tipo usual 33,34,35,36,37. A escolha depende do tipo histológico, da localização, tamanho da lesão, focalidade, sintomas, doença associada, fatores psicológicos e idade. Cabe assinalar que os métodos excisionais, sejam eles por bisturi, CAF ou Laser CO2, apresentam risco de ocasionar prejuízo funcional ou anatômico. Portanto deve ser indicado no tratamento de lesões mais graves (NIV do tipo diferenciada) e para pacientes mais idosas. Lembramos que o tratamento excisional não é a garantia de tratamento definitivo e que o seguimento em longo prazo deve ser uma rotina. Quanto aos métodos destrutivos, existe a possibilidade dos mesmos não atingirem a profundidade tecidual necessária para o tratamento da NIV. Acresce que as taxas de recorrência observadas, após o emprego dos mesmos são elevadas com cifras de até 56% 20, 30, 38, 39, 40, 41, 42, 43 . Na década de 1970, o LASER de dióxido de carbono (CO2) surgiu como nova modalidade de tratamento excisional e destrutivo das lesões precursoras de carcinomas do trato genital inferior, inclusive da NIV. Estudos subsequentes demonstraram que este método tem proporcionado resultados altamente satisfatórios no tratamento dessas lesões, destacando-se dentre os outros métodos ablativos, pois pode ser ajustado à forma e localização da lesão, seja para áreas glabras ou para áreas pilificadas, com possibilidade de regular a profundidade do tecido vaporizado. 18, 19, 21, 38, 39, 44, 45. As vantagens da mesma em relação ao trato genital inferior incluem: precisão do procedimento, possibilidade de intervenção em áreas restritas e dificilmente atingíveis com instrumento clássicos (região periuretral e clitóris), possibilidade de intervenção em tecidos infectados, dada a propriedade esterilizante do laser de CO2, oclusão de vasos linfáticos e sanguíneos de pequeno calibre, escassa perda sanguínea, bom resultado estético e tratamento ambulatorial com anestesia local 48, 50. Terra Cardial, MF e cols estudaram os índices de resposta total e persistência da NIV usual verrucosa tratada com vaporização LASER de CO2 por visualização colposcópica e sob vista desarmada, obtendo, respectivamente, resposta total em 26 de 30 (86,7%) e 25 de 32 pacientes (78,1%), persistência em quatro (13,3%) e sete pacientes (21,9%). Apesar de não ser encontrada associação estatisticamente significante, entre o tipo de resposta e o tipo de intervenção (Fisher, p=0,511), houve uma tendência a superioridade 191 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia de resposta total no grupo constituído por pacientes tratadas por LASER de CO2 por visualização colposcópica. Foi estudado o uso da bleomicina na década de 60, tendo sido desacreditado. O uso do 5Fluoro-uracil foi estimulado na década de 70 , mas a falha terapêutica chegou próximo a 60%. Hoje pode ser utilizado como terapêutica adjuvante, especialmente nas imunossuprimidas, com cuidado redobrado. O Imiquimod é um modificador da resposta imunológica com resultados promissores. A casuística dos autores ainda é pequena, mas tem sido demonstrado um efeito potencial. Pode ser utilizado inicialmente para regressão total ou parcial e complementação terapêutica, ou mesmo, como adjuvante. A melhor compreensão da história natural das neoplasias intraepiteliais vulvares tem permitido opções terapêuticas mais conservadoras, com melhores resultados estéticos e funcionais. Este fato é desejável uma vez que a doença tem evolução lenta, que incide em mulheres cada vez mais jovens, nas quais a preservação da genitália é fator importante a ser considerado, uma vez que dor, estenose e disfunção sexual podem ocorrer mais frequentemente com o uso de algumas modalidades de tratamento. Agradecimentos : Dr Sebastião Piato Dra Lana Maria Aguiar Dra Maria do Carmo Assumpção REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Sturgeon SR; Brinton LA; Devassa SS; Kurman RJ. ‘In situ’ and invasive vulvar cancer incidence trends (1973-1987). Am J Obstet Gynecol. 1992; 166:1482-5. 2 - Joura EA; Losch A; Haider-Angeler MG; Breitenecker G; Leodolter S. Trends invulvar neoplasia. Increasing incidence of vulvar intraepithelial neoplasia and squamous cell carcinoma of the vulva in young women. J Reprod Med. 2000; 45:613-5. 3 - Jones RW; Rowan DM; Stewart AW. Vulvar intraepithelial neoplasia: aspects of the natural history and outcome in 405 women. Obstet Gynecol. 2005; 106: 1319-26. 4 - Jones RW; Baranyai J; Stables S. Trends in squamous cell carcinoma of the vulva: the influence of vulvar intraepithelial neoplasia. Obstet Gynecol. 1997; 90:448-52. 5 - Hildesheim A; Han CL; Brinton LA; Kurman RJ; Schiller JT. 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O epitélio do canal anal – da borda anal até a linha pectínea – tem revestimento pluriestratificado do tipo escamoso. A linha pectínea representa a junção entre o distal epitélio escamoso do canal anal e o proximal, representado pela mucosa do reto. No ânus ou na margem anal podem se desenvolver carcinoma epidermóide, carcinoma de células basais, doença de Bowen, carcinoma verrucoso ou tumor de Buschke-Löwsnstein, sarcoma de Kaposi e doença de Paget perianal. Os tumores malignos do canal anal são de quatro naturezas histológicas: carcinoma epidermóide, melanoma maligno, adenocarcinoma e sarcomas. Os que surgem nas bordas do ânus são mais comuns no homem. Os tumores malignos surgem em tipos diferentes de tecidos, sendo o carcinoma epidermoide responsável por 85% dos casos.1 Coluna de Morgagni Reto Linha denteada ou pectínea ou JEC anal Esfíncter interno do ânus Esfíncter externo do ânus Ânus Borda anal Figura 1 - Anatomia do ânus A incidência do câncer anal epidermóide aumentou consideravelmente nas últimas décadas, mais notavelmente entre as mulheres, homens solteiros e pessoas que vivem em áreas urbanas.2 Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o número de casos novos em 2009 foi de 539 em homens e 1.078 em mulheres.3 Dados da literatura internacional revelam que a incidência é cerca de 1/100.000 habitantes na população heterossexual. Essa incidência é muito maior (mais que 35/100.000) em homens homo ou bissexuais.4 O modelo de infecção e história natural do câncer anal associado ao HPV assemelha-se muito ao que ocorre no câncer cervical. A frequência de detecção do HPV oncogênico nos indivíduos com câncer anal é tão alta quanto a observada no câncer cervical escamoso, variando de 70 a 100% dependendo da origem, localização, orientação sexual e status para HIV.5 Como a cérvice, o ânus também possui área de união de diferentes epitélios na junção entre ânus (epitélio escamoso) e reto (epitélio glandular) que propicia a metaplasia escamosa, gerando zona de transformação e consequentemente área de 195 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia maior fragilidade cromossômica. A junção anorretal ocorre 2 a 4 centímetros da borda anal. As lesões precursoras anais dividem-se em duas categorias distintas: neoplasia intraepitelial perianal (NIPA) e do canal anal (NIA) (figura 2). Perianal (condiloma) Canal anal (NIA 3) Figura 2 - Localização da lesão anal. QUEM DEVERIA SER RASTREADA PARA NEOPLASIA INTRAEPITELIAL ANAL (NIA)7 1. Mulheres com neoplasia intraepitelial de alto grau ou carcinoma cervical; 2. Presença de lesões multifocais HPV-induzidas no trato genital inferior; 3. Neoplasia intraepitelial vulvar extensa ou que se estenda até região perianal ou borda anal; 4. Prurido anal crônico; 5. Imunodeprimidos; 6. Portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV); 7. Homossexuais do sexo masculino. As fases do exame desta região incluem: inspeção, exame digital, esfregaço anal e anuscopia de magnificação. Na área perianal deve-se dar importância às verrugas, áreas de despigmentação, prurido e sangramento. Já, na lesão dentro do canal anal, geralmente não existem queixas a não ser nos casos invasivos (dor e presença de sangue no papel higiênico, toalha ou movimento intestinal). Citologia oncótica anal e anuscopia de magnificação são as principais técnicas de rastreamento recomendadas para a detecção precoce do câncer anal. CITOLOGIA ANAL A coleta do esfregaço anal deve ser sempre realizada antes do exame de anuscopia de magnificação. Para a realização do esfregaço anal deve-se utilizar um Swab úmido ou 196 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia escovinha citológica, inserir 5 a 6 cm da borda anal, pressionar a escova contra as paredes do reto e girar em 3600 enquanto remove a amostra em movimento espiral. O material aderido à escova deve ser espalhado em uma lâmina, fixado e corado como uma lâmina de Papanicolaou. Os achados citológicos são fornecidos pelo Sistema de Bethesda. Os componentes normais da zona de transformação anal são células colunares retais e metaplasia escamosa. As lesões anais são classificadas como lesão de baixo grau (LSIL), lesão de alto grau (HSIL) e células escamosas atípicas (ASC). A taxa de sensibilidade da citologia anal varia de 63 a 93% com especificidade de 32 a 59%5. Estudo brasileiro5 observou que apenas metade dos indivíduos com lesões de anuscopia teve alterações citológicas. ANUSCOPIA DE MAGNIFICAÇÃO A anuscopia de magnificação também pode ser denominada de anuscopia de alta resolução e/ou colposcopia anal. A técnica da anuscopia sob visualiação colposcópica é similar a aquela da colposcopia. Áreas suspeitas tornam-se acetobrancas com a aplicação do ácido acético e alterações vasculares se manifestam como pontilhado e mosaico. O epitélio anormal não se cora de marrom escuro com a coloração de iodo (Lugol) como observado no epitélio escamoso normal. É importante diferenciar o termo anuscopia de magnificação do termo simples “anuscopia”, pois este último consiste apenas na inspeção visual do ânus sem nenhum instrumento de magnificação (tabela 1). TABELA COMPARATIVA ENTRE CÉRVICE E ÂNUS Cérvice Ânus Exame a olho nu Especular Anuscopia Exame de magnificação Colposcopia Anuscopia de magnificação Anuscopia de alta resolução Colposcopia anal Realização do exame (posição) Ginecológica Genupeitoral Decúbito lateral Ginecológica Junção escamocolunar (JEC) JEC Linha denteada Junção anorretal JEC Relação do HPV oncogênico com este tipo de câncer 99,7% 70 - 100% Componentes normais da zona de transformação (esfregaço satisfatório) Células endocervicais e metaplásicas Colunares retais e metaplasia escamosa Lesões precursoras NIC 1, 2 e 3 NIA 1, 2 e 3 NIPA 1, 2 e 3 NIC= neoplasia intraepitelial cervical; NIA= neoplasia intraepitelial anal; NIPA = neoplasia intraepitelial perianal 197 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia A anuscopia de magnificação é extremamente valiosa para determinar a extensão e as características das neoplasias intraepiteliais anais e perianais. Apesar da anuscopia de magnificação ser considerada como método ouro de avaliação, pode omitir NIA devido à profundidade e extensão das criptas anais ou a presença de outras doenças como hemorróidas e sangramento. A principal dificuldade é o manejo do colposcópio durante o exame. Cada centímetro da mucosa anorretal é avaliado através de remoção lenta do anuscópio e ajuste repetido do foco, após aplicação do ácido acético. Isto requer muita concentração da parte do examinador e colaboração do paciente. A posição a ser realizado o exame é outro ponto importante. A anuscopia de magnificação pode ser realizada na posição genupeitoral, ginecológica e em decúbito lateral direito ou esquerdo com as pernas fletidas (Sims). Apesar da posição ginecológica ser a mais confortável e mais cômoda a paciente, ela só é possível subindo a altura convencional da mesa ginecológica em cerca de 5 cm (o que é fácil com o dispositivo presente na mesa elétrica). De outro modo, o colposcopista deverá ficar ajoelhado para conseguir angular a objetiva para enxergar o canal anal ou solicitar para o paciente ficar em posição de Sims. O anuscópio é inserido com gel lubrificante ou anestésico, orientando o mesmo no sentido da cicatriz umbilical (linha imaginária da borda anal até a cicatriz umbilical). Na anuscopia de magnificação é utilizado ácido acético (2 a 5%) e a aparência das lesões do canal anal são similares as cervicais. Para descrição das lesões, utiliza-se a terminologia colposcópica de Barcelona, atentando-se para localizar a lesão como um ponteiro de horas de relógio, sendo imprescindível colocar a posição utilizada (3h da posição ginecológica equivale às 12 h da posição de decúbito lateral direito). A biópsia do canal anal próximo à junção anorretal não requer anestesia, com exceção da borda anal e do 1/3 inferior do canal anal que contém numerosas terminações nervosas. Os achados colposcópicos correlacionam-se bem com os resultados da biópsia. Estudo brasileiro5 enfatiza a importância de avaliar todas as lesões condilomatosas, pois as mesmas estiveram associadas com neoplasia de baixo e alto grau. A citologia anal tende a subestimar o grau da lesão e sua sensibilidade para detectar neoplasia de alto grau é cerca de 78%.6 TRATAMENTO Quanto ao tratamento das lesões do canal anal, as neoplasias de baixo grau devem ser seguidas ou tratadas de acordo com a possibilidade de seguimento e as de alto grau requerem tratamento (ATA, crioterapia, laser e/ou excisão). Na terapia das lesões perianais, pode-se optar por terapias aplicadas pelo próprio paciente como Imiquimode (3 vezes por semana por até 16 semanas) ou procedimentos realizados pelo médico (crioterapia, ATA, eletrocirurgia e excisão). O seguimento é semestral, podendo passar a nula após dois exames normais. 198 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Neto JRT; Prudente ACL; SANTOS RL. Estudo Demográfico do Câncer de canal Anal e Ânus no Estado do Sergipe. Rev bras Coloproct Abril/Junho, 2007. 2 - Licitra L; Spinazze S; Doci R et al. Cancer of the anal region. Critical Reviews in Oncology / Hematology. v. 43, p. 77 – 92, July, 2002. 3 - INCA. Disponível em em http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/anal. Acessado em 08/03/2010. 4 - Joseph DA; Miller JW et al. Understanding the burden of human papillomavirus-associated anal cancers in the US. Cancer. 2008 Nov 15;113(10 Suppl):2892-900. 5 - Pereira Araiz Cajueiro Carneiro, Lacerda Heloísa Ramos de, Barros Romualda Castro do Rêgo. Diagnostic methods for prevention of anal cancer and characteristics of anal lesions caused by HPV in men with HIV/AIDS. 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