Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Manual de Orientação Trato Genital Inferior CAPÍTULO 14 Neoplasia intra-epitelial cervical (diagnóstico) 2010 Este Manual de Orientação foi gentilmente patrocinado pela GlaxoSmithKline (GSK) Todo conteúdo deste manual é responsabilidade exclusiva da FEBRASGO FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Manual de Orientação Trato Genital Inferior Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Comissões Nacionais Especializadas Ginecologia e Obstetrícia Trato Genital Inferior Apoio: 2010 1 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Trato Genital Inferior e Colposcopia Manual de Orientação Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia DIRETORIA Triênio 2009 - 2011 Presidente Nilson Roberto de Melo Secretario Executivo Francisco Eduardo Prota Secretaria Executiva Adjunta Vera Lúcia Mota da Fonseca Tesoureiro Ricardo José Oliveira e Silva Tesoureira Adjunta Mariângela Badalotti Vice-Presidente Região Norte Pedro Celeste Noleto e Silva Vice-Presidente Região Nordeste Francisco Edson de Lucena Feitosa Vice-Presidente Região Centro-Oeste Hitomi Miura Nakagava Vice-Presidente Região Sudeste Claudia Navarro Carvalho Duarte Lemos Vice-Presidente Região Sul Almir Antônio Urbanetz 2 Manual de Orientação Trato Genital Inferior 2010 Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Comissões Nacionais Especializadas Ginecologia e Obstetrícia Trato Genital Inferior Presidente: Nilma Antas Neves (BA) Vice-Presidente: Newton Sérgio de Carvalho (PR) Secretaria: Márcia Fuzaro Cardial (SP) MEMBROS COLABORADORES Adalberto Xavier Ferro Filho (DF) Adriana Bittencourt Campaner (SP) Angelina Farias Maia (PE) Cláudia Márcia de Azevedo Jacyntho (RJ) Edison Natal Fedrizzi (SC) Garibalde Mortoza Júnior (MG) Isa Maria de Mello (DF) José Focchi (SP) Maricy Tacla (SP) Neila Maria Góis Speck (SP) Paulo Sérgio Vieiro Naud (RS) Silvia Lima Farias (PA) Adalberto Xavier Ferro Filho (DF) Adriana Bittencourt Campaner (SP) Angelina Farias Maia (PE) Cíntia Irene Parellada (SP) Cláudia Márcia de Azevedo Jacyntho (RJ) Edison Natal Fedrizzi (SC) Garibalde Mortoza Júnior (MG) Isa Maria de Mello (DF) Joana Fróes Bragança Bastos (SP) José Focchi (SP) Márcia Fuzaro Cardial (SP) Maricy Tacla (SP) Neila Maria Góis Speck (SP) Newton Sérgio de Carvalho (PR) Nilma Antas Neves (BA) Paula Maldonado (RJ) Paulo Sérgio Vieiro Naud (RS) Silvia Lima Farias (PA) 3 Manual de Orientação Trato Genital Inferior 2010 Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia 1a. Reunião de Consenso da FEBRASGO sobre Prevenção do Câncer do Colo Uterino São Paulo / SP 21 de agosto de 2010 PARTICIPANTES Luciano Brasil Rangel (SC) Luíz Carlos Zeferino (SP) Manoel Afonso Guimarães Gonçalves (RS) Márcia Fuzaro Cardial (SP) Maricy Tacla (SP) Neila Maria Góis Speck (SP) Newton Sérgio de Carvalho (PR) Nilma Antas Neves (BA) Nilson Roberto de Melo (SP) Paulo Sérgio Vieiro Naud (RS) Petrus Augusto Dornelas Câmara (PE) Walquíria Quida Salles Pereira Primo (DF) Adalberto Xavier Ferro Filho (DF) Adriana Bittencourt Campaner (SP) Angelina Farias Maia (PE) Celso Luíz Borelli (SP) Edison Natal Fedrizzi (SC) Etelvino de Souza Trindade (DF) Francisco Alberto Régio de Oliveira ((CE) Garibalde Mortoza Júnior (MG) Gustavo Py Gomes da Silveira (RS) Isa Maria de Mello (DF) Jesus Paula Carvalho (SP) Joana Fróes Bragança Bastos (SP) Jurandyr Moreira de Andrade (SP) 4 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Manual de Orientação Trato Genital Inferior ÍNDICE Colposcopia normal e alterada ______________________________ 9 Ectopia ________________________________________________ 28 Vulvoscopia normal e alterada ______________________________ 35 Dermatites vulvares ______________________________________ 45 Dermatoses vulvares (Liquens) _____________________________ 50 Vulvovaginites ___________________________________________ 60 Vulvovaginites na infância _________________________________ 94 Herpes genital ___________________________________________ 106 Úlceras genitais (não DST) _________________________________ 115 Condiloma ______________________________________________ 122 Alterações citológicas _____________________________________ 130 Rastreamento do câncer do colo uterino no Brasil _______________ 144 Condutas em exames colpocitológicos alterados ________________ 150 Neoplasia intra-epitelial cervical (diagnóstico) __________________ 156 Neoplasia intra-epitelial cervical (tratamento) ___________________ 167 Lesões glandulares do colo uterino __________________________ 175 Carcinoma microinvasor do colo uterino _______________________ 185 Neoplasia intra-epitelial vaginal _____________________________ 193 Neoplasia intra-epitelial vulvar ______________________________ 199 Lesão anal HPV-induzida __________________________________ 207 Vacinação contra HPV ____________________________________ 212 Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Comissões Nacionais Especializadas Ginecologia e Obstetrícia Trato Genital Inferior 5 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia 6 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia FEBRASGO - Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Presidência Rua Dr. Diogo de Faria, 1087 - cj. 1103/1105 Vila Clementino - São Paulo / SP - CEP: 04037-003 Tel: (11) 5573.4919 Fax: (11) 5082.1473 e-mal: [email protected] Secretaria Executiva Avenida das Américas, 8445 - sala 711 Barra da Tijuca - Rio de Janeiro / RJ - CEP: 22793-081 Tel: (21) 2487.6336 Fax: (21) 2429.5133 e-mail: [email protected] Este Manual de Orientação foi gentilmente patrocinado pela GlaxoSmithKline (GSK) Todo o conteúdo deste manual é responsabilidade exclusiva da FEBRASGO Todo conteúdo deste Manual de Orientações pode ser encontrado no site: www.febrasgo.org.br Todos os direitos reservados à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia 7 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia NEOPLASIA INTRAEPITELIAL CERVICAL (DIAGNÓSTICO) INTRODUÇÃO O conceito de Neoplasia intraepitelial do colo uterino se caracteriza como uma ampla gama de atipias celulares limitadas ao epitélio de revestimento da cervix, sem ruptura da membrana basal. Inicialmente descrita como displasia foi categorizada em quatro grupos – leve, moderada, grave ou acentuada e carcinoma in situ– dependendo do grau de comprometimento da espessura epitelial por células atípicas. O termo neoplasia intraepitelial cervical (NIC), um diagnóstico histopatológico, foi introduzido em 1968 por Richart para enfatizar o potencial evolutivo dessas alterações. A NIC 1 correspondia à displasia leve, a NIC 2 à displasia moderada e a NIC 3 à displasia acentuada junto com o carcinoma in situ (CIS).1 Entende-se atualmente que na patogênese das lesões precursoras cervicais a NIC não é um único processo evolutivo de doença, mas representa duas entidades distintas: 1) uma fase virótica de infecção produtiva que é normalmente auto-limitada e 2) uma transformação neoplásica em uma minoria de lesões HPV-induzidas. Isto revolucionou nossa compreensão e a abordagem da doença cervical. Também levou ao desenvolvimento de uma nova nomenclatura para interpretação da citopatologia cervical que melhor reflete este processo biológico: o Sistema de Bethesda (1988 revisada em 1991 e 2001). Esta terminologia para laudo citológico sub-classifica as lesões precursoras cervicais em lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LIE-BG), para lesões previamente classificadas como atipia coilocítica ou viral (HPV) e / ou NIC 1, e em lesão intraepitelial escamosa de alto grau (LIE-AG) compreendendo NIC 2 ou NIC 3 (tabela 1).1 (Vide na página a seguir). Epidemiologia Dados apontam que, em uma população rastreada de mulheres sexualmente ativas em países desenvolvidos, a incidência acumulada de câncer cervical se encontra entre 0,2 e 0,5%. A taxa de prevalência de LIE de alto grau e de 0,5-1,0%, e a LIE de baixo grau é de 3-5%. As lesões de alto grau são diagnosticadas em mulheres entre 25 a 35 anos de idade, enquanto que o câncer invasor é diagnosticado geralmente 8 a 13 anos depois isto é, após os 40 anos.1, 2 Evidências científicas demonstram que a infecção persistente por tipos específicos de 156 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia HPV é considerada um fator necessário para o desenvolvimento da carcinogênese cervical em 99% dos casos. É importante também considerar alguns outros fatores que podem atuar associados a esta infecção, pois nem todas as mulheres infectadas com o HPV desenvolvem lesões intraepiteliais de alto grau e carcinoma invasor. Estes cofatores são capazes de aumentar o papel indutor do HPV acelerando a carcinogênese. Destaca-se o tabagismo, inicio de atividade sexual precoce, a multiplicidade de parceiros sexuais, deficiências nutricionais e o estado de imunossupressão (HIV, doenças crônicas).1, 3 O HPV geralmente se transmite mediante o contato direto da pele a pele e com mais frequência durante o contato genital com penetração (relações sexuais vaginais ou anais). Na maioria dos casos, as infecções genitais pelo HPV são transitórias. Aproximadamente 70% das mulheres com infecções pelo HPV se tornam negativas do DNA do vírus em um ano e até o 91% delas em dois anos. A duração média das infecções novas é de oito meses.4 TABELA 1 Correlação entre as terminologias de Displasia, NIC e de Bethesda DISPLASIA Normal NIC Normal Atipia reativa / inflamatória Atipia Atipia Atipia ASCUS / AGUS Atipia coilocítica, condiloma plano LIE de baixo grau (LIEBG) Displasia leve NIC 1 LIE de baixo grau (LIEBG) Displasia moderada NIC 2 LIE de alto grau (LIEAG) Displasia acentuada NIC 3 LIE de alto grau (LIEAG) Atipia Adaptado: Screening. IARC. 157 BETHESDA Dentro dos limites da normalidade. Alterações benignas (infecção ou reparação) FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Manifestações clínicas As mulheres que apresentam neoplasias intraepiteliais do colo uterino são frequentemente assintomáticas, só sendo observadas alterações HPV induzidas na forma subclínica, que somente são vistas através da Colposcopia. Muito raramente a NIC de alto grau pode levar a sangramento de contato e pós coito causado por alterações vasculares do epitélio.1, 2 Diagnóstico Sabe-se que a citologia aponta a presença de células alteradas, sugestivas de lesão epitelial, mas não o local da alteração tecidual. Essa informação será dada pela colposcopia, que identificando a área alterada permite realizar a biópsia para o estudo histopatológico, que fará o diagnóstico definitivo. Esta tríade constitui o diagnóstico morfológico da lesão.5 Apesar da correlação entre os diagnósticos citopatológico, histopatológico e colposcópico estar estabelecida, vários trabalhos apontam controvérsias entre os resultados destas avaliações na dependência dos critérios e classificações utilizados.6 A citologia pelo método Papanicolaou apresenta uma boa sensibilidade e alta especificidade quando utilizada em populações como método de triagem Entretanto, a citologia vem sofrendo uma série de críticas nos últimos anos devido às taxas de resultados falsos negativos, que variam de 5% a 70%, e falsos positivos, de 10% a 30%.6, 7, 8, 9 Existem várias limitações comprovadas do método, como a possibilidade de amostra celular insuficiente, preparação inadequada dos esfregaços, leitura inadequada das lâminas e falta de dados clínicos.10 Tendo em conta as deficiências da citologia convencional, a citologia de base liquida (LBC) tem sido proposta como o método mais moderno e eficaz no rastreamento do câncer do colo uterino. Entretanto estudos recentes, incluindo uma revisão sistemática realizada por Davey e col. – 2006 revelaram que não existem atualmente evidencias que apóiem que a citologia de base líquida seja melhor que a citologia convencional. O seu uso não reduziu a porcentagem de esfregaços insatisfatórios comparado com citologia convencional, bem como não mostrou melhor desempenho na detecção da doença de alto-grau em estudos de alta qualidade.11 A Colposcopia, um exame do colo uterino sob boas condições de iluminação e ampliação é uma técnica aceita para avaliar mulheres que tiveram citologias cervicais anormais. Neste papel se tornou um componente integrado de programas de screening cervical e 158 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia um passo diagnóstico essencial no planejamento terapêutico e acompanhamento das portadoras de lesões precursoras.1, 3 Estudo de Mitchel e colaboradores mostrou que a sensibilidade da colposcopia no diagnóstico do colo normal ou com metaplasia comparado com todas as anomalias do colo uterino (atipias de baixo grau, lesões de alto grau e câncer) foi de 96% e a especificidade média de 48%. Quando abordou o colo normal junto com a lesão de baixo grau em comparação com lesão de alto grau e câncer, a sensibilidade diminuiu para 85% mas a especificidade aumentou para 69%. Entre nós Rosane Alves em estudo comparativo encontrou um valor preditivo positivo (VPP) de 71,8% e uma especificidade de 83% na análise conjunta de NIC 2, NIC 3 e câncer.1, 12, 13 A colposcopia com biopsia dirigida é descrita como o método de referência ou “padrão de excelência” para o diagnóstico de lesões pré-neoplásicas do colo uterino. Alguns fatores podem influenciar na acurácia do método, dentre eles o tamanho e a gravidade da lesão, a idade das pacientes, o número de biópsias realizado e a variabilidade da interpretação citológica e histológica.14 As falhas encontradas na colposcopia se devem, em geral, pela falta de qualificação dos profissionais, fato comum no nosso meio. Por isso é altamente recomendável que a colposcopia seja realizada por médicos que possuam habilitação específica na aplicação dessa técnica. A associação da colposcopia, da citologia oncótica e da histologia constitui o chamado “tripé diagnóstico” que apesar das críticas, permite realizar o diagnóstico das lesões neoplásicas e pré-neoplásicas em mais de 90% das vezes. Isto é importante já que isoladamente a colposcopia bem como a citologia apresentam alta sensibilidade porem baixa especificidade. A histopatologia está baseada em critérios morfológicos arquiteturais e celulares, sendo considerada o padrão ouro do diagnóstico morfológico. Mas a responsabilidade da exatidão do diagnóstico não é exclusiva do patologista que avalia a amostra, mas também do colposcopista que lhe proporciona o material para o exame histológico. Os testes para detecção do HPV têm sido propostos como estratégia complementar da citologia oncótica na detecção precoce do câncer cérvico-uterino e de suas lesões precursoras. Atualmente o teste de DNA/HPV é aprovado para uso em dois contextos: (1) como um segundo teste (i.e., triagem) apos um resultado de citologia equívoco de células escamosas atípicas de significação indeterminada (ASCUS); e (2) para screening primário realizado junto com citologia cervical para mulheres com 30 anos ou mais.4 A realização de teste DNA/HPV para subtipos não oncogênicos, não se justifica na 159 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia prática clínica. Nas lesões intra-epiteliais escamosas não há ainda como identificar com precisão os fatores prognósticos que poderiam evidenciar aquelas com maiores possibilidades de evolução para câncer. O estudo de fenômenos da interação entre o HPV e a célula hospedeira tem levado à identificação de marcadores com possível associação com um maior risco evolutivo, tais como o MIB-1 e o p53. No entanto, os achados não permitem considerá-los de grande utilidade na prática diária.15 O p16INK4a devido a sua expressão mais claramente associada ao mecanismo transformante viral e já disponível na prática clínica parece ser um marcador importante no auxílio diagnóstico de lesões intra-epiteliais escamosas de alto grau, por vezes morfologicamente difíceis de serem diferenciadas de quadros reparativos intensos e de lesões de menor grau com importantes alterações reativas. O uso do marcador mostrou um valor preditivo positivo de 100% para as lesões intra-epiteliais escamosas de alto grau e de 88% para as lesões de baixo grau. Dentre os casos de lesões de baixo grau, há dois grupos. O primeiro, composto por lesões que simplesmente refletem infecções agudas por HPV, ou seja, aquelas com infecção em curso e replicação viral, mas com expressão de HPV de alto risco restrita nas células epiteliais diferenciadas (p16 negativo nas camadas basal e parabasal). E um segundo grupo com expressão de oncogene do HPV de alto risco desregulada (p16 positivo nas camadas basal e paranasal). Assim, parece que a progressão para lesões de mais alto grau preferencialmente ocorreria naqueles casos que possuem expressão de oncogene de HPV de alto risco ativado no compartimento basal do epitélio. Deste modo pode-se ter uma melhor identificação de lesões com maior potencial evolutivo para a invasão.15 Citologia A citologia é um método rápido, econômico e o mais utilizado para detectar precocemente lesões neoplásicas e pré-neoplásicas cervicais. Sua acurácia é controversa e provavelmente seu valor seja exagerado por alguns autores. Esse método de detecção está sujeito a erros desde a colheita do esfregaço até a sua interpretação.5 Atualmente os distúrbios de maturação do epitélio escamoso vêm sendo designados de “Lesão intra-epitelial escamosa”, denominação adotada pela Classificação de Bethesda, que assim subdivide as lesões epiteliais escamosas:16 Atipia celular de significado indeterminado (ASCUS) e Atipia celular de significado indeterminado, favorecendo lesão intraepitelial de alto grau (ASC-H) b) Lesão intra-epitelial escamosa de baixo grau (LIEBG) a) 160 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia - Papilomavirus humano (HPV) - Displasia leve/ neoplasia cervical intra-epitelial 1 (NIC 1) c) Lesão intra-epitelial escamosa de alto-grau (LIEAG) - Displasia moderada / NIC 2 - Displasia acentuada / NIC 3 - Carcinoma in situ / NIC 3 d) Carcinoma de células escamosas A Nomenclatura Citopatológica Brasileira – 2002 foi desenvolvida com o objetivo de padronizar a descrição das citologias cervicais, visando reduzir confusões diagnósticas e intervenções desnecessárias, levando em consideração similaridade com o Sistema Bethesda.17 As LIE-BG são basicamente representadas nos esfregaços citológicos, por alterações em células superficiais e intermediarias com relação núcleo-citoplasmática um pouco aumentada, hipercromasia discreta e cromatina homogênea finamente granular. Nesta fase, podem ser observados coilócitos: células que apresentam núcleos hipercromáticos e volumosos. O citoplasma destas células tem grandes halos que mostram amplas áreas claras e mais centrais e limites celulares são intensamente corados (Figura 1 - Superior).5, 16, 17 Figura 1: Superior - LIE-BG: células com núcleo aumentado e hipercromático, cromatina bem distribuída ou granular e cavitação perinuclear (coilocitose). Inferior - LIE-AG: células imaturas isoladas, em placas ou sincícios com relação N/C aumentada. Presença de hipercromasia, núcleos com cromatina grosseiramente granular. (fotos cedidas pelo Dr. Fernando Miziara - DF) As LIE-AG, por sua vez apresentam alterações celulares mais pronunciadas, com aumento da relação núcleo-citoplasmática, maior condensação da cromatina sendo sua distribuição bastante irregular. O contorno nuclear também é irregular e com pronunciada hipercromasia. As células podem apresentar vários graus de hiperqueratinização (Figura 1 - Inferior).5 Colposcopia O propósito de colposcopia é o exame do colo uterino e do epitélio do trato genital inferior sob magnificação, a identificação de áreas potencialmente anormais pré ou neoplásicas e a realização de biópsias destas áreas anormais.2,18 161 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia A colposcopia não deve se restringir a simples localização da lesão, a descrição dos achados deve ser suficientemente pormenorizada visando identificar o local mais significante, aquele com maior probabilidade de corresponder ao substrato histopatológico sugerido pelo colposcopia. 2, 18 O diagnóstico colposcópico das alterações pré-neoplásicas ou neoplásicas cervicais se baseia no reconhecimento das seguintes características: tonalidade e intensidade do acetobranqueamento, margens e contorno superficial das áreas acetobrancas, padrão vascular e da coloração do iodo. A maioria dos índices de gradação colposcópica leva em conta estas características.19, 20 A última Terminologia Colposcópica (Barcelona – 2002) apresentou uma importante novidade: a introdução de um guia referencial para facilitar a caracterização e a diferenciação entre metaplasia, lesão de baixo e alto grau e suspeita de câncer invasivo como mostra o quadro 1. 19, 21 QUADRO 1 Características colposcópicas sugestivas de alterações metaplásicas A) Superfície lisa com vasos de calibre uniforme B) Alterações acetobrancas moderadas C) Iodo negativo ou parcialmente positivo Características colposcópicas sugestivas de alterações de baixo grau (alterações menores) A) Superfície lisa com borda externa irregular B) Alteração acetobranca leve, que aparece tardiamente e desaparece rapidamente C) Iodo negatividade moderada, frequentemente iodo malhado com com positividade parcial D) Pontilhado fino e mosaico regular Características colposcópicas sugestivas de alterações de alto grau (alterações maiores) A) Superfície geralmente lisa com borda externa aguda e bem marcada B) Alteração acetobranca densa, que aparece precocemente e desaparece lentamente; podendo apresentar um branco nacarado (ostra) C) Negatividade ao Iodo, coloração amarelo-mostarda em epitélio densamente branco previamente existente D) Pontilhado grosseiro e mosaico de campos irregulares e de tamanhos discrepantes E) Acetobranqueamentodenso no epitélio colunar pode indicar doença glandular Características colposcópicas sugestivas de câncer invasico A) Superfície irregular, erosão ou ulceração B) Acetobranqueamento denso C) Pontilhado irregular extenso e mosaico grosseiro D) Vasos atípicos 162 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia No diagnóstico das lesões intraepiteliais cervicais é importante a observação das áreas bem delimitadas, densas, opacas, acetobrancas, próximas ou contíguas à junção escamocolunar na zona de transformação, após a aplicação do ácido acético. Geralmente, o grau de acetobranqueamento do epitélio está correlacionado com o grau de alteração neoplásica na lesão colposcópica. Nas lesões de baixo grau, a reação com o ácido acético é menos acentuada do que para aquelas de alto grau; as lesões são de coloração menos intensa e aparecem mais lentamente. Estas lesões mais diferenciadas apresentam margens com contornos pouco definidos, são irregulares, picotadas com aspecto geográfico (Figura 2 à esquerda).19, 21, 22 Figura 2 À esquerda: epitélio acetobranco tênue com margens irregulares compatível com LIE-BG À direita: epitélio acetobranco denso, de cor branconeve com mosaico compatível com LIE-AG As lesões de maior grau apresentam coloração branca mais intensa e aparecem mais rapidamente após aplicação do ácido acético. Estas áreas menos diferenciadas estão associadas com lesões de aspecto branco fosco ou branco-acinzentado, geralmente denso e intensamente opaco na zona de transformação. Lesões de alto grau revelam margens bem delimitadas, regulares, que às vezes podem apresentar margens sobrelevadas e deiscentes (Figura 2 à direita).1, 19, 21, 22 A visualização de uma ou mais margens dentro de uma lesão acetobranca (“lesão dentro da lesão”) ou de uma lesão com intensidade variada de cor é uma observação importante que indica lesão pré-neoplásica, sobretudo de alto grau. 1, 21, 22 O epitélio escamoso cervical normal e o epitélio metaplásico maduro contêm células ricas em glicogênio e, assim, captam o iodo e adquirem uma coloração castanha ou preta. O epitélio displásico contém pouco ou nenhum glicogênio que se reflete no grau de coloração. As lesões de baixo grau apresentam uma positividade parcial com aspecto malhado pela moderada diferenciação do epitélio. Já as lesões de alto grau não se coram com iodo e podem apresentar-se na cor amarelo-mostarda ou de açafrão.1, 19, 20, 22 O pontilhado e mosaico grosseiros são formados por vasos de maior calibre com distâncias intercapilares maiores e irregulares. Às vezes, os dois padrões são sobrepostos em uma área, de modo que as alças capilares são vistas no centro de cada “ladrilho” do mosaico. Este aspecto é denominado de umbilicação. Os vasos atípicos se associam de forma importante com alterações mais graves do epitélio e se caracterizam por irregularidades de tamanho, calibre, forma, curso e disposição no epitélio (Figura 3). 1, 19, 163 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia Figura 3 À esquerda: mosaico regular de uma lesão escamosa de baixo grau À direita: mosaico grosseiro de uma lesão escamosa de alto grau A penetração do epitélio atípico nas glândulas forma um invólucro à volta do canal de abertura glandular, traduzido como halo branco espesso periorificial. Nas lesões de maior grau eles são mais brancos (cornificados), maiores e mais numerosos que os anéis acetobrancos tênues, discretos que às vezes são vistos na metaplasia As alterações associadas com as lesões de alto grau invariavelmente estão localizadas mais próximas e contíguas à junção escamocolunar. Elas costumam ser complexas e geralmente ocupam dois ou mais quadrantes do colo e podem estender-se ao canal endocervical. 1, 19, 20, 22 Histopatologia As lesões intra-epiteliais escamosas se caracterizam por alterações de maturação e anomalias nucleares a diversos níveis do epitélio. Essas lesões são divididas em três graus segundo a extensão e gravidade. A NIC I é a displasia confinada ao terço inferior do epitélio; a NIC II é a displasia que afeta os dois terços inferiores do epitélio, e a NIC III é uma lesão escamosa na qual as anomalias nucleares afetam mais de dois terços da espessura do epitélio. Neoplasia intraepitelial cervical grau 1 (NIC 1) É caracterizada por uma discreta alteração da arquitetura epitelial com proliferação de células imaturas com baixa taxa mitótica no terço inferior do epitélio, mas sem mitoses atípicas. Os núcleos mostram cariomegalia e hipercromasia, bi ou multinucleação e halos perinucleares (coilocitose). As alterações decorrentes de infecção por HPV estão presentes nos dois terços superiores do epitélio, e são caracterizadas por alterações celulares que incluem diferenciação e maturação citoplasmática (citoplasma eosinofílico e amplo) (Figura 4 à esquerda). 1, 5 Neoplasia intraepitelial cervical grau 2 (NIC 2) Neste caso observa-se que as alterações são mais pronunciadas, ou seja, maior 164 FEBRASGO - Manual de Orientação em Trato Genital Inferior e Colposcopia estratificação do epitélio (acantose), com maior grau de despolarização e proliferação de células imaturas atípicas. Existe também uma menor maturação citoplasmática nos estratos superiores, a coilocitose é menos freqüente e as atipias nucleares mais pronunciadas. Geralmente os dois terços basais estão comprometidos por estas alterações. (Figura 4 à direita). 1, 5 Figura 4 À direita: LIE-AG (NIC 2/ NIC 3): as alterações são mais pronunciadas com maior estratificação do epitélio (acantose), maior grau de despolarização, e proliferação de células imaturas atípicas que atingem mais de dois terços do epitélio. Figura 4 À esquerda LIE-BG (NIC 1): discreta alteração da arquitetura epitelial com proliferação de células imaturas no terço inferior do epitélio. Células com alterações por HPV (coilocitose) presentes nos dois terços superiores do epitélio. Neoplasia intraepitelial cervical grau 3 (NIC 3) Uma grande alteração da arquitetura pode ser vista nas três camadas do epitélio. As células exibem marcada redução da maturação, com perda de volume citoplasmático e aumento de volume nuclear (alteração da relação núcleo/ citoplasmática). Os núcleos são hipercromáticos, de cromatina grosseira e de distribuição irregular. Podem ser observadas mitoses em toda a espessura do epitélio e a coilocitose é pouco observada. 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