Comportamento Dielétrico e Mecânico do Polietileno Utilizado em Cabos Subterrâneos G. C. Silva1, J. Tomioka1 e E. L. Leguenza1 II. EXPERIMENTAL Resumo- No presente artigo são encontrados resultados iniciais do estudo do comportamento dielétrico e mecânico do polietileno reticulado (XLPE) em amostras de cabos subterrâneos não envelhecidas, envelhecidas em campo e em laboratório. O comportamento dielétrico das amostras de XLPE exibe picos de relaxação dielétrica obedecendo a forma assintotica das funções de Dissado e Hill. À medida que o envelhecimento evolui, um aumento nas perdas dielétricas é observado na região de baixa freqüência. Em conseqüência, variações nas propriedades dinâmico-mecânica das amostras de XLPE, também são observadas com o tempo de envelhecimento. Palavras-chave—Dielétrico, Envelhecimento, Espectroscopia, Polietileno, Relaxação. I. INTRODUÇÃO O polietileno tem sido usado como isolante elétrico por quase quatro décadas, principalmente devido ao baixo custo e às suas excelentes propriedades físicas e químicas. Polietileno na forma reticulada (XLPE) é encontrado em cabos isolados e amplamente utilizado em redes subterrâneas de distribuição de energia elétrica. Entretanto, apesar de suas excelentes propriedades físicas e químicas, o XLPE experimenta degradação das propriedades dielétricas quando exposto a ambientes úmidos podendo levar à prematura ruptura dielétrica, e além disso, também levar à mudanças nas suas propriedades mecânicas. A ocorrência e crescimento de arborescência (water tree) tem sido apontada como sendo o principal fenômeno de degradação em materiais poliméricos, em particular, polietileno utilizado como isolante em cabos de distribuição de energia elétrica [1]. Tem sido sugerido que este tipo de degradação é devida aos mecanismos de migração da água contendo íons na presença de campos elétricos, envolvendo, também, fenômenos de oxidação e quebra de cadeias [1,2]. Neste trabalho são apresentados resultados iniciais de medidas dielétricas (Espectroscopia Dielétrica) e uma relação destes resultados com os obtidos com técnicas: dinâmicomecânica (Análise Dinâmico-mecânica – DMA) e físicoquímica (Espectroscopia Infravermelho por Transformada de Fourier – FTIR). Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento − (LACTEC/UFPR) e-mail: [email protected] 1 Foram utilizadas amostras comercialmente disponíveis de cabos coaxiais isolados em XLPE, classe de tensão 15kV, não envelhecida, envelhecida em laboratório e em campo. O envelhecimento acelerado em laboratório foi realizado em amostras de cabo, submersas em câmaras de aço inox contendo solução de 1M de NaCl e água destilada, nas quais foram aplicadas tensões da ordem de 10kV à 1kHz, por um período de 500h em temperatura ambiente. Por outro lado, a amostra envelhecida em campo esteve instalada 25 anos e foi retirada da rede após falha observada. Após o envelhecimento em laboratório, as amostras foram removidas da câmara de envelhecimento, limpas cuidadosamente com água destilada. Em seguida, as amostras não envelhecida, envelhecida em laboratório e envelhecida em campo foram radialmente microtomadas, com 150µm de espessura e 5cm de largura, desde logo abaixo da camada semicondutora externa até logo acima da camada semicondutora interna. Foram então, escolhidas amostras da região logo abaixo da camada semicondutora externa. Em seguida, depositou-se em ambas as faces das amostras planas, eletrodos de alumínio de 35mm de diâmetro sob alto vácuo. As amostras foram colocadas em uma câmara de aço inox blindada, na qual, realizaram-se as medidas dielétricas [3]. Os dados dielétricos no intervalo de freqüência de 10-5Hz a 5x10-2Hz foram determinados da corrente transitória de descarga, utilizando-se a aproximação de Hamon [4]. Ainda, medidas utilizando um amplificador lock-in foram realizadas, fornecendo dados no intervalo de freqüência de 5x102 Hz a 10Hz. Adicionalmente, medidas com ponte forneceram dados no intervalo de freqüência de 10Hz a 105Hz. Um campo elétrico DC de 2kV/mm foi aplicado utilizando-se fonte estabilizada marca HP, modelo 6521A, e a corrente de carga foi medida com um eletrômetro marca Keithley, modelo 617. Após aproximadamente 16 horas, o campo foi removido e a corrente de descarga foi medida por 1 hora, de modo similar. As medidas de capacitância e condutância e função da freqüência foram realizadas com uma ponte marca general Radio, modelo 1621, no intervalo de freqüência de 10Hz a 105Hz. Ainda, as partes real e imaginária da corrente como uma função de freqüência foram realizadas com um amplificador lock-in marca SRS, modelo SR 830, no intervalo de freqüência de 5x10-2Hz a 10Hz [5]. Os dados dielétricos, i.e., χ″(ω), em todo intervalo de freqüência de 10-5Hz a 105Hz foram então combinados e ajustados com os valores assintóticos da função de Dissado-Hill. Além disso, os valores de χ′(ω) no mesmo intervalo de fre- A figura 1 mostra o espectro dielétrico [i.e., as partes real, χ′(ω), e imaginária, χ″(ω), da susceptibilidade complexa, χ(ω), em função da freqüência] para as amostras de cabos isolados em XLPE não envelhecida, envelhecidas em laboratório e em campo. Pode ser observado da figura 1 que a amostra de cabo isolado em XLPE não envelhecida, exibe três picos dipolares em paralelo, na região de baixa freqüência, média freqüência e alta freqüência, respectivamente. Para a amostra de cabo XLPE envelhecida em campo, como pode ser visto da figura 1, os dois picos dipolares nas regiões de alta freqüência e de média freqüência foram substituídos um processo QDC, devido a transporte de carga intercluster. Com relação à amostra envelhecida em campo (figura 1), pode ser observado o mesmo comportamento da amostra envelhecida em laboratório seguido de um aumento significativo dos valores de χ″(ω) com o tempo de envelhecimento. É sugerido que um processo competitivo é estabelecido quando o envelhecimento progride, envolvendo um componente dipolar e um componente de carga espacial originado de processos de injeção de cargas do campo e/ou formação de ions. O componente de carga espacial é observado tornarse mais dominante à medida que o envelhecimento progride. Pode ser argumentado que com o envelhecimento, existe uma distribuição de cargas espacialmente não-uniforme devido a um processo de condução quase-permanente. Vale a pena notar que um comportamento bastante similar foi previamente relatado para amostras de cabos isolados em XLPE e amostras planas de LDPE, envelhecidas sob campo alternado em condições de laboratório [10-13]. χ', χ" - Susceptibilidade 10-1 10-2 10-3 χ' - não env. χ" - não env. χ' - env. em campo χ" - env. em campo χ' - env. em laboratório χ" - env. em laboratório 10-4 10-5 10-6 10-5 10-4 10-3 10-2 10-1 100 101 102 103 104 105 106 Frequência (Hz) Figura 1. Comportamento dielétrico das amostras de cabo XLPE não envelhecida, envelhecida em laboratório e envelhecida em campo. Na figura 2 é mostrado o comportamento dinâmicomecânico das amostras de cabo XLPE não envelhecida, envelhecida em campo e envelhecida em laboratório [i.e., as partes real E' (módulo de armazenagem) e imaginária E" (módulo de perda) do módulo complexo E*] [8,14]. Pode ser observado na figura 2 que as amostras não envelhecida, envelhecidas em campo e em laboratório exibem um pico de relaxação em torno de –120oC e um pico de relaxação em torno de –8oC [14,15]. A redução da intensidade do picos de relaxação pode ser atribuído a restrições de movimento das cadeias principais (i.e., redução da mobilidade das cadeias) gerado por grupos de carbonilas ou produtos de oxidação que podem ser produzidos à medida que o envelhecimento evolui [16]. 140 3000 E' - não env. E' - env. em campo E' - env. em laboratório E'' - não env. E'' - env. em campo E'' - env. em laboratório 2500 120 100 2000 80 1500 60 1000 40 E'' (MPa) III. RESULTADOS E DISCUSSÃO 100 E' (MPa) qüência foram obtidos com as relações de Kramers-Krönig [5-7]. Medidas de Análise Dinâmico-mecânica (DMA) foram feitas com o analisador da marca Netzsch, modelo DMA242. As amostras planas, da região logo abaixo da camada semicondutora externa, não envelhecida, envelhecida em laboratório e em campo foram preparadas nas dimensões: 4,8mm de largura, 10mm de comprimento e 150µm de espessura. Aplicou-se, no modo tração uma tensão estática de 1,0N superposta à uma tensão dinâmica de intensidade 1,5N à 50Hz com a temperatura variando a uma taxa constante de 2oC/min no intervalo de –150oC a 110oC [8]. Adicionalmente, medidas de Espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR) foram feitas com um espectrômetro marca Bomem, modelo DA8. Amostras, da região logo abaixo da camada semi-condutora externa, com 20mm x 20mm dos cabos não envelhecido, envelhecido em laboratório e em campo foram medidas com o feixe ajustado na posição central da amostra, configurado para o modo transmissão [9]. 20 500 0 0 -150 -100 -50 0 50 100 O Temperatura ( C) Figura 2. Comportamento dinâmico-mecânico das amostras de cabo XLPE não envelhecida, envelhecida em laboratório e envelhecida em campo. A figura 3 apresenta o espectro de FTIR, em gráfico de absorbância normalizado (i.e., deslocado), para as amostras de cabos isolados em XLPE não envelhecida, envelhecida em laboratório e envelhecida em campo. VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Absorbância (%) 0.4 não env. env. em campo env. em laboratório [1] 0.3 [2] 0.2 [3] 0.1 0.0 1760 [4] 1750 1740 1730 1720 1710 1700 -1 Número de Onda (cm ) Figura 3. Espectro de infravermelho mostrando o percentual de absorbância das amostras de cabo XLPE não envelhecida, envelhecida em laboratório e envelhecida em campo. [5] [6] [7] O espectro de FTIR mostra que a amostra envelhecida em campo tem uma significativa quantidade de produtos oxidados tais como cetonas, aldeídos e esteres, na região de número de onda 1735 – 1745 cm-1. Enquanto que o espectro de infravermelho para o cabo em XLPE envelhecido em laboratório mostra uma ligeira redução na presença de produtos de oxidação [7,17]. [8] [9] [10] [11] IV. CONCLUSÕES Pode ser argumentado diante das observações acima que, as características mais importantes a serem observadas no envelhecimento do XLPE, tanto em laboratório como em campo, é o estabelecimento de um processo competitivo com o tempo de envelhecimento. O envolvimento de um componente dipolar originado do esperado aumento das partes dipolares e um componente de carga espacial originando de injeção do campo elétrico. O componente de carga espacial é observado tornar-se dominante quando o envelhecimento progride e o polietileno se torna mais condutivo. Além disso, as mudanças observadas no polietileno do ponto de vista dielétrico concordam com as verificadas nas propriedades mecânicas, as quais, estão intimamente ligadas ao aumento de produtos de oxidação atenuando os picos de relaxação mecânica. Portanto, pode ser concluído que as técnicas de espectroscopia dielétrica, DMA e FTIR são ferramentas úteis no monitoramento e avaliação do estado de envelhecimento de cabos subterrâneos de polietileno reticulado (XLPE). V. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Companhia Paranaense de Energia Elétrica − Copel pelo fornecimento das amostras e ao Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento − LACTEC pelo apoio financeiro. [12] [13] [14] [15] [16] [17] L.A. Dissado and J.C. Fothergill, “Electrical Degradation and Breakdown in Polymers”, The Redwood Press, Wiltshire, England, 1992. A.T. Bulinski, J.P. Crine, B. Noirhomme, R.J. Densley and S. Bamji, “Polymer Oxidation and Water Treeing”, IEEE Trans. Diel. Electr. Insul., Vol. 5, n° 4 (August), pp. 558-565, 1998. E.L. Leguenza, “Influência do Negro de Carbono (Carbon Black) nas Propriedades do Polietileno Envelhecido sob Radiação UV”, Dissertação de Mestrado”, Departamento de Física, Setor de Ciências Exatas, UFPR, 1999. B.V. 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