PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA 2010 Discussão a partir do livro SILVA, T. T. . Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo. 1. ed. Belo Horizonte (MG): Autêntica, 1999. 2 Temática • O currículo como narrativa étnica e racial • Uma coisa “estranha” no currículo: a teoria queer O currículo como narrativa étnica e racial • Primeira fase: * As teorias críticas estavam preocupadas com as questões de acesso à educação e ao currículo. * Análise dos fatores que levavam ao fracasso escolar, crianças e jovens pertencentes a grupos étnicos e raciais considerados minoritários. * Em geral, estas análises se concentravam nos mecanismos sociais e institucionais que supostamente estavam na raiz desse fracasso, em geral, deixavam de questionar o tipo de conhecimento que estava no centro do currículo que era oferecido as crianças e jovens pertencentes a estes grupos. O currículo como narrativa étnica e racial Segunda fase: * Foi a partir do surgimento das análises pósestruturalistas e dos estudos Culturais que os conceitos de raça e etnia passaram a ser mais problematizados. * Identidade étnica e racial questão de saber e de poder. * Raça ligada às relações de poder que opõem o homem branco europeu às populações dos países por ele colonizados. * SEC. XIX Termo utilizado como forma de classificação científica da variedade dos grupos humanos, com base nas características físicas e biológicas. * SEC. XX - A moderna genética demonstra que não existe nenhum conjunto de critérios físicos e biológicos que autorize a divisão da humanidade em qualquer número determinado de raças. * Caráter cultural e discursivo dos termos raça e etnia: * A diferença tal como a identidade não é um fato ou uma coisa, mas um processo relacional. Só existem numa relação de mútua dependência. RAÇA X ETNIA * Em geral, reserva-se o termo “raça” para identificações baseadas em caracteres físicos como a cor da pele, por exemplo. * E o termo “etnia” para identificações baseadas em características supostamente mais culturais, tais como religião, modo de vida, língua etc. * A confusão causada por essa problemática distinção é tão grande que em certas análises “raça” é considerado o termo mais geral, abrangendo o de “etnia”, enquanto que em outras análises é justamente o contrário. RAÇA X ETNIA * Na primeira perspectiva, as etnias seriam subconjuntos de uma determinada raça; na segunda, a “etnia” seria mais abrangente que “raça” por compreender, além das características físicas definidoras de raça, também características culturais. * Dadas as dificuldades dessa distinção, grande parte da literatura simplesmente utiliza os dois termos de forma equivalente. * O fato de que o termo “raça” não tenha nenhum referente “físico”, “biológico”, “real”, não o torna menos “real” em termos culturais e sociais. O que é (a identidade) depende do que não é (a diferença ) e vice-versa * E através do vínculo entre conhecimento, identidade e poder que os temas raça e etnia ganham seu lugar na teoria curricular. O texto curricular está recheado de narrativas nacionais, étnicas e raciais. Em geral estas narrativas celebram os mitos da origem nacional, confirmam o privilégio das identidades dominantes e tratam as dominadas como exóticas ou folclóricas. * A questão da raça e da etnia não é simplesmente um tema transversal, é uma questão de conhecimento, poder e identidade. * Como desconstruir o texto racial do currículo, como questionar as narrativas hegemônicas de identidade que constituem o currículo? * Como desconstruir o texto racial do currículo, como questionar as narrativas hegemônicas de identidade que constituem o currículo? * Não se trata de uma simples adição ao currículo escolar de informações superficiais sobre outras culturas e identidades; * Não se trata de celebrar a diferença e a diversidade, mas de questioná-las. Quais são o mecanismo de construção da identidade nacionais, raciais, étnicas? Como a construção da identidade e da diferença está vinculada a relações de poder? Como a identidade dominante tornou-se a referência invisível através da qual se constroem as outras identidades como subordinadas? Quais são os mecanismos institucionais responsáveis pela manutenção da posição subordinada de certos grupos étnicos e raciais? * Não se trata simplesmente de uma questão de preconceito individual O racismo é parte de uma matriz mais ampla de estruturas institucionais e discursivas que não podem simplesmente ser reduzidas a atitudes individuais. Tratar o racismo como questão institucional e estrutural não significa ignorar a sua profunda dinâmica psíquica, subjetiva. * O racismo é parte de uma economia do afeto e do desejo feita de sentimentos que podem ser considerados “irracionais”. * Conseqüentemente, um currículo anti-racista não pode ficar limitado ao fornecimento de informações racionais sobre a “verdade” do racismo. 11 Sem ser terapêutico, um currículo antiracista não pode deixar de ignorar a psicologia profunda do racismo * Um currículo crítico precisa evitar, ainda, uma abordagem essencialista da questão da identidade étnica e racial. Não apenas aquelas fundadas na biologia, mas as formas mais sutis de essencialismo, como o cultural. * Um currículo centrado em torno desse tipo de questões evitaria reduzir o multiculturalismo a uma questão de informação. Um currículo multiculturalista desse tipo deixaria de ser folclórico para se tornar político. Frases de alguns pensadores dos séculos XVIII e XIX * Voltaire, escritor anticlerical, advogado da tolerância e da razão: os negros são inferiores aos europeus, mas superiores aos macacos. * Karl von Linneo, classificador de plantas e animais: O negro é vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos. * David Hume, entendido em entendimento humano: O negro pode desenvolver certas habilidades próprias das pessoas, assim como o papagaio consegue articular certas palavras. * Etienne Serres, sábio em anatomia: os negros estão condenados ao primitivismo porque tem pouca distância entre o umbigo e o pênis. * Francis Galton, pai da eugenia, método científico para impedir a propagação dos ineptos: Assim como um crocodilo jamais poderá chegar a uma gazela, um negro jamais poderá chegar a ser um membro da classe média. CONSIDERAÇÕES Na educação escolar, trabalhar na perspectiva da diversidade cultural significa uma ação pedagógica que vai além do reconhecimento de que os alunos sentados nas cadeiras de uma sala de aula são diferentes, por terem suas características individuais e pertencentes a um grupo social, mas é preciso efetivar uma pedagogia da valorização das diferenças. Entendemos que o primeiro passo para isso é defender uma educação questionadora dos conceitos essencialistas e tratá-los como categorias socialmente constituídas no decorrer dos discursos históricos. CONCLUSÃO • Em relação ao currículo como narrativa étnica e racial, a questão central consistia em compreender e analisar os fatores que levavam ao fracasso escolar as crianças e jovens pertencentes a grupos étnicos e raciais minoritários. Na perspectiva critica, o currículo lidaria com a questão da diferença como uma questão histórica e política, pois não importa apenas celebrar a diferença e a diversidade, mas questioná-la. UMA COISA “ESTRANHA” NO CURRÍCULO: A TEORIA QUEER Bem me quer, mal me queer... Se você notou algo "estranho” no título acima, que possa haver ali alguma coisa “esquisita” ou “fora do normal”, talvez não imagine o quanto já se aproximou do nosso tema. Pois é, trata-se da gíria inglesa queer, vocábulo usado justamente para designar o que é “incomum”, “excêntrico”, “anormal”. * O termo em inglês-uma ambiguidade que é convenientemente explorada pelo movimento queer. * Historicamente- o termo queer tem sido utilizado para se referir, de forma depreciativa, as pessoas homossexuais, sobretudo do sexo masculino. * O termo significa também, de forma não necessariamente relacionada às suas conotações sexuais, “estranho” “esquisito”, “fora do normal”,”excêntrico”, “incomum”. A Teoria Queer (do inglês queer: «raro», utilizado durante muito tempo como eufemismo para referir-se aos homossexuais) é uma teoria sobre o gênero que afirma que a orientação sexual e a identidade sexual ou de gênero das pessoas são o resultado de uma construção social e que, portanto, não existem papeis sexuais essencial ou biologicamente inscritos na natureza humana, se não formas socialmente variada de desempenhar um ou vários papeis sexuais. De acordo com isto, a Teoria Queer (TQ) rejeita a classificação dos indivíduos em categorias universais como «homossexual», «heterossexual», «homem» ou «mulher», sustento que estas esconde um número enorme de variações culturais, nenhuma das classes seriam mais fundamental ou natural que as outras. Contra o concepto clássico de gênero, que distinguia o «normal» (em inglês straight) do «anormal» (queer), a TQ afirma que todas as identidades sociais são igualmente Anormais Embora ligado originalmente a uma conotação de preconceito sexual, o termo queer foi então recuperado pelos próprios estudos gays e lésbicos para, depois de uma virada histórica, transformar-se num importante símbolo político. Sob este aspecto, indica também uma perspectiva teórica cuja principal característica compreende toda e qualquer “identidade” (seja ela sexual ou não) como resultado, sobretudo, de convenções sociais e culturais Assim nos explica Tomaz Tadeu da Silva: “(...) o termo queer funciona como uma declaração política de que o objetivo da teoria queer é o de complicar a questão da identidade sexual e, indiretamente, também a questão da identidade cultural e social. Através da „estranheza‟, quer-se perturbar a tranqüilidade da „normalidade TEORIA QUEER A teoria“queer”, que “radicaliza o questionamento da estabilidade da fixidez da identidade feito pela teoria feminista recente” (p. 105). Essa teoria questiona o predomínio da heterossexualidade como a identidade considerada normal, discutindo a forma como os processos discursivos de significação tentam fixar determinada identidade sexual. Segundo esse pensamento, “nós somos o que nossa suposta identidade define que somos” (p. 107). Isto é, o que se torna, assim, uma atitude epistemológica que não se restringe à identidade e ao conhecimento sexuais, mas que se estende para o conhecimento de identidade. A pistemologia que é , nesse sentido, perversa, subversiva, impertinente, profana desrespeitosa. (p. 107) •Tomas Tadeu da Silva: “(...) A teoria queer não se resume, entretanto, à afirmação da identidade homossexual, por mais importante que esse objetivo possa ser (...): ela nos obriga a considerar o impensável, o que é proibido pensar, em vez de considerar simplesmente o pensável, o que é permitido pensar. (...) O queer se torna, assim, uma atitude epistemológica que não se restringe à identidade e ao conhecimento sexuais, mas que se estende para o conhecimento e a identidade de modo geral”. É fácil percebermos como a sexualidade era vista como um perigo e como era projetada na família a suspeita de que os adultos ameaçavam sexualmente seus filhos. Portanto, não é de se admirar que, quando homens homossexuais, mais tarde, viessem a reivindicar o direito à paternidade, seriam imediatamente taxados, entre outras coisas, de pedófilos em potencial. Porém, a homossexualidade não foi sempre vista desta forma. Em diferentes momentos históricos, o “amor que não ousa dizer seu nome” para fraseando o brilhante escritor inglês do século XIX, Oscar Wilde, se construiu de maneiras diferentes. Para chegarmos à construção da homossexualidade tal qual ela é atualmente concebida, inúmeras desconstruções do próprio conceito tiveram de ser feitas em nossa cultura. • A teoria queer, entretanto quer ir além da hipótese da construção social da identidade. Ela quer radicalizar a possibilidade do livre transito entre as fronteiras da identidade, a possibilidade de cruzamento das fronteiras. • A teoria queer não se resume à afirmação da identidade homossexual,por mais importante que esse objetivo, possa ser. Tal como o feminismo, a teoria queer efetua uma verdadeira reviravolta epistemológica. • Deborah Britzman propõem uma pedagogia queer ,tal como a teoria queer, uma pedagogia que não se limitaria a introduzir questões de sexualidade no currículo ou a reivindicar que o currículo inclua materiais que combatam as atitudes homofóbicas. Uma pedagogia queer estimulará que a questão da sexualidade seja seriamente tratada no currículo como uma questão legitima de conhecimento e de identidade. A identidade é fortemente presente na escola, mas raramente faz parte do currículo. • A pedagogia queer não objetiva simplesmente incluir no currículo informações corretas sobre a sexualidade; ela quer questionar os processos institucionais e discursivos, as estruturas de significação que definem, antes de mais nada,o que é correto e o que é incorreto, o que é moral e o que é imoral,o que é normal e o que é anormal. A ênfase da pedagogia queer não está na informação, mas numa metodologia de análise e compreensão do conhecimento e da identidade sexual. • O currículo tem sido tradicionalmente tratado como um espaço onde se ensina a pensar,onde se aprende o raciocínio e a racionalidade. • Um currículo inspirado na teoria e na pedagogia queer, essa ênfase sofre um importante deslocamento. A questão não é mas “como pensar?” e sim “o que torna algo pensável?” Examinar o que torna algo pensável estimula,por sua vez, pensar o impensável. * O currículo dentro da visão pós-critica deve possibilitar ampliar o espaço político e social dentro da escola para discutir no coletivo o que significa uma boa sociedade e quais as melhores maneiras de alcançá-la. * Quais as questões que deveriam orientar um currículo dentro da visão das teorias pós-criticas? * Como o currículo está implicado na formação da masculinidade? * Quais são os mecanismos de construção das identidades nacionais, raciais, étnicas? * Como a construção da identidade e da diferença está vinculada à relação de poder? * Quais são os mecanismos institucionais responsáveis pela manutenção da posição subordinada de certos grupos étnicos e raciais? * O que torna algo pensável? * O que torna algo correto ou incorreto? * O que torna algo moral ou imoral? * O que torna algo normal ou anormal? * Que conexões existem entre as formas como o currículo produz e reproduz a masculinidade e as formas de violência, controle e domínio que caracterizam o mundo social mais amplo? CONCLUSÃO Um currículo inspirado nessa teoria é um currículo que força os limites das epistemes dominantes: um currículo que se limita a questionar o conhecimento como socialmente construído,mas que se aventura a explorar aquilo que ainda não foi construído.A teoria queer- esta coisa “estranha”- é a diferença que pode fazer diferença no currículo ENCERRAMENTO D O SEMESTRE Se vocês quiserem continuar falando sobre essas teorias, que tal nos encontrarmos, para encerrar o semestre no BAR SR. GUAIAMUM, no dia 01 de julho de 2010, às 17h40.