ID: 50931999
22-11-2013
Tiragem: 38650
Pág: 28
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 27,28 x 30,97 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
“Este Governo fez uma espécie de
destruição criativa: rebentou com tudo”
Manuel Sobrinho Simões Há quase 25
anos que o instituto que dirige, e fundou,
é referência na investigação do cancro em
Portugal, fazendo de Sobrinho Simões um
dos cientistas mais conhecidos do país
Entrevista
Samuel Silva Texto
Fernando Veludo/Nfactos
Fotografia
O prestígio do Instituto de
Patologia e Imunologia Molecular
da Universidade do Porto
(Ipatimup) não o deixou incólume
aos cortes de fundos públicos e é
dessa experiência e dos desafios
da ciência em tempos de crise
que falará esta tarde (tal como o
físico Carlos Fiolhais, o economista
Daniel Bessa ou o ensaísta
Onésimo Teotónio de Almeida),
na conferência Ciência, Economia
e Crise, que a Fundação Francisco
Manuel dos Santos organiza na
reitoria da Universidade do Porto.
Aos 66 anos, Sobrinho Simões
não disfarça o entusiasmo quando
fala do próximo grande projecto
em que está envolvido, o Instituto
de Investigação e Inovação
em Saúde (I3S), que junta o
Ipatimup aos institutos de Biologia
Molecular e Celular (IBMC), de
Engenharia Biomédica (INEB) e
agora a Faculdade de Medicina
da Universidade do Porto, para
investigar sobretudo doenças
neurodegenerativas e infecciosas,
cancro e medicina regenerativa.
Nos últimos 15 anos, Portugal
fez um caminho com o aumento
do investimento em ciência,
quer público, quer privado,
e obteve bons resultados. De
quem foi o mérito?
O primeiro é um demérito, já
que partimos muito de baixo.
O segundo foi a capacidade de
projectar o futuro do [ex-ministro
da Ciência e Ensino Superior]
Mariano Gago, que foi instrumental
para desencadear e consolidar
esta aposta. O terceiro mérito
foi dos ministros do PSD que
tiveram a pasta da ciência. Nunca
perturbaram esta estratégia, o que
é uma coisa raríssima em Portugal.
O que falhou?
Não conseguimos que as
universidades e politécnicos
contratassem tantos doutorados e
pós-doutorados nos seus quadros
como gostaríamos. E isto tem uma
consequência, sobretudo numa
fase de crise, porque eles não estão
a encontrar emprego.
Há lugar para esses diplomados
nas empresas?
As nossas empresas não estão
treinadas a fazerem investigação
internamente. Temos um tecido
empresarial fraco e que gosta
muito de comprar “chave na mão”.
Os anteriores governos do PSD
seguiram a linha iniciada por
Gago. Este não fez o mesmo?
Este Governo fez uma ruptura,
que não foi só na ciência. Mas na
ciência foi mais grave, porque é
um tecido relativamente novo. Fez
uma espécie de destruição criativa:
rebentou com tudo, esperando
que, das cinzas, nasça algo de
novo. Na ciência, não nasce.
O que perdemos já com a
austeridade?
Perdemos muita gente. E
perdemos esperança. Na ciência,
apesar de tudo, os nossos jovens
têm capacidade para serem
contratados, no estrangeiro,
mas vão muito feridos de asa e
dificilmente voltarão.
A responsabilidade é de quem?
De uma política cega em relação
ao ensino superior. O Governo não
percebeu que não pode rebentar
com o tecido universitário.
Como vê a proposta do
Orçamento do Estado para o
sector?
É péssima, porque corta de
uma forma cega. Não reforça as
instituições que merecem e deviam
ser premiadas. Ao mesmo tempo,
deveria reformular as instituições
que não merecem. Do lado da
ciência, há uma ideia de que um
investigador muito bom pode
juntar dois amigos e vai ali para o
pátio do Hospital de S. João fazer
um projecto de investigação.
É aplicar à ciência a cartilha do
empreendedorismo?
A ciência, antes de mais
nada, precisa de um tecido de
suporte. O empreendedorismo é
criminoso, porque tem estimulado
perversões. O cientista que é
muito empreendedor deve ser um
empresário. Os estímulos deste
tipo podem acabar por ser um
convite ao chico-espertismo.
Como vê as alterações que a
Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (FCT) introduziu ao
financiamento da ciência?
A FCT está de uma incompetência
como eu nunca vi. Está a mudar
permanentemente as regras e os
prazos. Não há coisa mais difícil do
que alguém planear a sua vida sem
um mínimo de estabilidade.
E concorda com os critérios
de avaliação, baseados na
produção científica e obtenção
de patentes, por exemplo?
São terríveis. Primeiro, porque
coloca os investigadores das
ciências sociais e humanas numa
situação de dificuldade. E a
sociedade portuguesa precisa,
como de pão para a boca, de
ciências sociais. Depois, parece-
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me que é mais importante a
repercussão da nossa actividade no
mundo científico e na sociedade
do que o facto de se publicar numa
revista com muito impacto. A FCT
não pensa o mesmo.
O próximo quadro de
financiamento europeu é uma
saída para estas dificuldades?
Será muito importante e vamos
responder bem. Mas os estímulos
europeus têm perigos. Como
estamos numa crise filha da mãe,
vamos ter de responder a todas a
solicitações. Há um efeito perverso
se começarmos a concorrer a
coisas que não costumamos
fazer. A Europa tem de ser a
cereja em cima do bolo, não pode
servir para suportar custos fixos.
Temos sempre de ter um tecido
institucional, que tem que ser
suportado pelo Estado.
Defende que se inverta a
política de cortes?
Quem ganhasse um projecto
europeu, tinha como prémio não
um corte, mas dinheiro a mais.
Mas a Europa também está a falar
muito de aplicação e inovação
quando o assunto é ciência.
Quando se desvia para essa área,
coloca Portugal numa situação
difícil, por causa da fragilidade do
tecido empresarial.
A relação com o mercado pode
ser uma solução para os centros
de investigação?
A ciência precisa de tempo. E a
indústria, a inovação e a Europa
querem resolver coisas no menor
intervalo de tempo possível. Uma
pessoa não tem tempo para pensar
e fazer boas perguntas. Então o
que faz? Faz perguntas óbvias a
que já sabe a resposta.
Assim, é difícil haver na ciência
movimentos disruptivos.
Sobretudo em países pobres. Neste
momento, só há dois movimentos
disruptivos: ou há um investigador
genial com uma excelente
pergunta, ou se está num sítio tão
rico que pode comprar sempre
a última versão do equipamento
pesado. Neste aspecto, a Europa
também está em dificuldades.
Por exemplo, o Beijing Genomic
Institut (China), sozinho, tem mais
capacidade de sequenciação que
toda a Europa junta.
Qual a saída para o actual
momento que vivemos no
ensino superior e na ciência?
Não sei. Mas tenho a certeza de
que não é com esta gente. O meu
medo é que não seja fácil pensar
com quem há-de ser. Não há tanta
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Pág: 29
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 11,12 x 26,16 cm²
Âmbito: Informação Geral
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diferença assim entre os partidos
do centro.
Então o que defende?
A Europa tem de constituir de
facto um tecido de ensino superior
e investigação que ultrapasse as
fronteiras nacionais. E temos de
colaborar mais ao nível das regiões
europeias. O Norte do país tem de
trabalhar com Espanha.
Quanto tempo aguenta o país o
desinvestimento na ciência sem
pôr em causa o que foi feito?
Não sei, e tenho muito medo de
que aguentemos menos do que
aquilo que as pessoas pensam. O
Ipatimup aguenta mais dois ou três
anos, depois acaba.
Porquê?
Tivemos uma redução do nosso
financiamento de base do Estado
de 45% em quatro anos. Antes,
representava 1/3 e, nesta altura,
é 1/7, correspondendo a cerca de
900 mil euros.
Como foi possível manter o
instituto em funcionamento?
Aumentámos a prestação
de serviços e a investigação
contratada com as farmacêuticas,
criando uma unidade de translação
e outra de inovação, que tem
trabalhado junto da indústria.
Ainda não conseguimos começar
a ganhar projectos europeus em
quantidade suficiente, ao passo
que os concursos da FCT estão
cada vez mais difíceis, com menos
dinheiro e maior competição.
O I3S é o grande projecto para
os próximos tempos?
No fundo, será o I4S. Porque
agora também temos a Faculdade
de Medicina da Universidade do
Porto associada ao projecto. É um
crescimento brutal para nós. As
obras estão a andar bem e, em
Janeiro de 2015, vamos começar
a fazer a mudança. É uma aposta
séria, numas instalações que têm
18 mil metros quadrados e poderão
acolher 600 investigadores.
Vai reorientar a investigação em
função dessa nova realidade?
Fizemos sempre investigação em
cancro e genética populacional e
iremos manter essas duas linhas.
Como é muito mais fácil estudar
as alterações genéticas do que
a influência do tabaco ou dos
raios solares, temos continuado
a estudar sobretudo as alterações
genéticas e metabólicas que
justificam os cancros. Mas agora
temos consórcios com o Hospital
de S. João e o Instituto Português de
Oncologia para procurar a ligação à
prevenção e ao tratamento.
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22-11-2013
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Cores: Preto e Branco
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Corte: 3 de 3
Sobrinho Simões
acusa Governo de
“rebentar com tudo”
Um dos mais conhecidos
cientistas do país diz que
Governo “fez uma espécie de
destruição criativa” p28/29
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