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ANA CRISTINA DA SILVA
MULHERES QUE FORAM A LUTA:
PATICIPAÇÃO FEMININA NAS LUTAS SINDICAIS DOS MINEIROS
DE CRICIÚMA ENTRE 1986 E 1996
CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2005.
1
ANA CRISTINA DA SILVA
MULHERES QUE FORAM A LUTA:
PARTICIPAÇÃO FEMININA NAS LUTAS SINDICAIS DOS MINEIROS
DE CRICIÚMA ENTRE 1986 E 1996
Monografia apresentada à Diretoria de
pós-graduação da Universidade do
Extremo Sul Catarinense-UNESC, para a
obtenção do título de especialista em
História Social e História Cultural.
Orientador: Drº: João Batista Bitencourt.
CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2005.
2
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho:
Aos meus pais que são o meu chão e o meu esteio.
À minha família e em especial as mulheres que
foram influencia fundamental na minha formação e
a todas as mulheres que vão à lutas todos os dias.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus pais que
não mediram esforços para proporcionar a mim e ao meu
irmão educação de qualidade e acesso à cultura, aos
meus familiares que torceram por mim. Aos colegas da
pós-graduação e meus amigos; Cristiane Matiola Moraes,
Rodrigo da Rosa, Roseli Terezinha Bernardo e em
especial ao Jajá (Jailson Gomes) que com leveza coloriu
minhas tardes de árduo trabalho. À Tereza Chagas,
Jaqueline Delfino Serafim, Isolete Silva Vitório, Giani
Rabelo e Laércio Silva que muito prontamente me
concederam entrevistas para esse trabalho.
Aos
professores do Departamento de História da UNESC, em
especial ao meu orientador João Batista Bitencourt que
com muita sabedoria e paciência não mediu esforços na
orientação desse trabalho.
A todos, muito obrigado!
4
EPÍGRAFE
Fulanas, Beltranas e Sicranas
São tantas que os dedos dos pés e das mãos nem conta
Mulheres cansadas de guerras por que a luta também era delas
Fulanas, Beltranas e Sicranas são tantas...
Jailson Gomes (Jajá)
5
RESUMO
Entre 1986 e 1996, Criciúma vivenciou o ressurgimento do sindicalismo combativo,
reflexo de um movimento que aconteceu em todo o país, iniciado no ABC Paulista. A
cidade abrigava vários sindicatos, sendo o de maior visibilidade, o dos mineiros,
devido ao número de filiados e a influência exercida sobre os outros sindicatos da
região como; motoristas, vestuaristas, bancários, professores, servidores públicos
municipais de Criciúma, ceramistas. Apesar do Sindicato dos Mineiros de Criciúma
ser exclusivamente masculino, as mulheres participaram ativamente em suas ações
grevistas. Esse trabalho evidencia a participação e os papéis assumidos pelas
mulheres nos movimentos de greve da categoria mineira.
Palavras-Chaves: mulheres. Mineiros. movimento sindical.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................07
2 “AMANHÃ VAI SER OUTRO DIA”
Década de 1980, a abertura política, econômica e o novo sindicalismo brasileiro. .03
3 “NÃO PROVOQUE É COR DE ROSA CHOQUE”
Construção social da imagem feminina e Feminismo Revisado................................29
4 MULHERES NAS LUTAS SINDICAIS DOS MINEIROS DE CRICIÚMA
Participação das mulheres nas lutas sindicais dos mineiros de Criciúma entre 1986 a
1996............................................................................................................................38
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................53
REFERÊNCIAS..........................................................................................................56
FONTES CONSULTADAS........................................................................................58
7
1 INTRODUÇÃO
Tive durante toda a minha vida influência de personagens femininos
fortes, minha mãe, minhas tias, minha madrinha, minhas avós e bisavós, que eram e
são atuantes, pois exerceram e ainda exercem, papéis de liderança, tanto na esfera
privada quanto na pública. Diante dessa influência, se tornou mais fácil escolher um
tema que falasse de mulheres. Defini, então, por escrever sobre as mulheres que
participaram das lutas sindicais dos mineiros de Criciúma.
Neste contexto, o que me conduziu a escolher as mulheres ligadas à luta
dos mineiros, como objetivo de estudo para esta monografia foi a minha militância no
Partido dos Trabalhadores, que em Criciúma está intimamente ligado ao
sindicalismo. Chamou-me a atenção esse assunto, pois em conversas informais, em
meio a reuniões partidárias e encontros descontraídos, ouvia as histórias das greves
do período da década de 1980 e sobre as estratégias táticas e embates com a
polícia.
Entretanto, o que mais me chamava à atenção, era que nas histórias
contadas pelos homens não havia a presença de mulheres, porém nas falas
femininas apareciam fragmentos da participação delas nesses movimentos.
Quando decidi fazer o curso de especialização em História Social e
História Cultural na UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense, este tema
já estava escolhido, mas, era preciso delimitá-lo e, para isso, pesquisei em jornais
locais da época e conversei informalmente com alguns militantes do Sindicato dos
Mineiros. Dados que me levaram a concluir que os anos entre 1986 e 1996 foram o
período de maior efervescência das ações sindicais da cidade, o que fez
estabelecer-se este período como recorte temporal para essa pesquisa.
8
O ano de 1986 é marcado pela vitória, na eleição do Sindicato dos
Mineiros, da chapa de oposição que representava o novo sindicalismo e, por
conseguinte, o sindicalismo da região carbonífera tomou outros rumos. Foram
praticamente dez anos de intensos movimentos dos diversos sindicatos que
atuavam em Criciúma e que contavam com o apoio da força numérica, logística e
política do Sindicato dos Mineiros, afinal nessa época o Sindicato dos Mineiros era o
maior da região e contava com quase dez mil associados.
Outro ano que delimita esse trabalho é o de 1996, ano em que as
atividades
da
Carbonífera
Siderúrgica
Nacional
(CSN)
são
encerradas
definitivamente, mesmo depois de privatizada em 1991, quando um minerador da
cidade assume a administração do patrimônio da estatal e cinco anos mais tarde
fecha definitivamente suas portas.
Durante os anos em que a extração do carvão prevaleceu na economia
da região carbonífera foi construída e reforçada culturalmente a imagem do mineiro
como; homem forte, provedor da casa e símbolo do progresso. Essa imagem foi
construída na década de 1940, inspirada no trabalho pesado dos subsolos, quando
Criciúma recebe o título de “Capital Nacional do Carvão”.
A imagem do mineiro forte ocultou da história oficial a participação das
mulheres na história da região, sendo q eu elas estão inseridas nesse processo,
porém invisíveis culturalmente. Eram elas as mineiras, escolhedeiras, marmiteiras,
lavadeiras, donas-de-venda, de pensão, costureiras, prostitutas, professoras, donasde-casa... Personagens que povoaram o cotidiano da cidade, das vilas operárias e
das minas, que contrariando o discurso constituído na cidade, complementavam a
renda familiar. 1
1
CAROLA.Carlos Renato. Dos Subterrâneos da História: As trabalhadoras das minas de carvão de
Santa Catarina. Ed. UFSC, 2002.
9
Por estarem inseridas no cotidiano das vilas operárias, minas e na
economia da região, estavam, também elas, nas lutas sindicais dos mineiros,
mesmo quando sua presença nas atividades de mineração já não mais ocorria.
Escrever sobre mulheres, mineiros, movimentos sindicais é estar em
sintonia com uma “nova história” que ganhou mais visibilidade na década de 1970
quando o mundo estava passando por algumas mudanças culturais, econômicas e
sociais. Essa tendência historiográfica chega no Brasil nos últimos anos da década
1980 e início dos 90, quando o país também passa por momentos de quebras de
paradigmas e está em busca de uma nova imagem para a nação.
Alguns grupos e personagens nada comuns à história oficial surgem no
cenário da história do Brasil.2 Em Criciúma a chamada nova história chega por meio
dos
professores
da
UNESC
(Universidade
do
Extremo
Sul
Catarinense)
influenciados pela Universidade Federal de Santa Catarina e comprometidos com a
história da maioria e do proletariado; evidenciando a história dos mineiros e suas
lutas, discutindo gênero e pautando a historização da cidade.
Com essa tendência surgem alguns procedimentos e abordagens para a
historiografia local com novos e renovados personagens, sendo que a preocupação
com os lugares de memória, a importância da fonte oral, a resignificação de espaços
e a inclusão da literatura como fonte, são algumas das inovações conferidas.
Neste contexto, entre 1986 e 1996 a região carbonífera, de maneira mais
específica a cidade de Criciúma, presenciou a forte ação dos sindicatos de diversas
categorias e com maior destaque o Sindicato dos Mineiros de Criciúma. A
participação das mulheres nas lutas sindicais dos mineiros e de outro sindicato
2
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Editora Autêntica. Belo Horizonte – MG.
2004.
10
também não foi um fato isolado, ou seja, fazia parte de uma tendência que acontecia
várias partes do Brasil.
Essa tendência foi chamada de feminismo renovado, fruto da participação
ativa de mulheres em grupos políticos de esquerda durante a ditadura que
emergiram mais tarde na década de 1980, nos movimentos de bairro, sindicatos,
pastorais da igreja católica e partidos políticos.3
Portanto, tudo indica que as mulheres de Criciúma também vivenciaram
esse movimento, pois o reflexo disso foi à intensa participação das mulheres nas
ações de greve de diversos sindicatos, inclusive o dos mineiros de Criciúma,
exclusivamente masculino. Elas estavam presentes nas portas dos escritórios das
mineradoras, nos portões das oficinas de manutenção, nas bocas das minas e nas
ruas.
Neste sentido, contei com leituras de alguns textos que auxiliaram na
fundamentação desse trabalho para poder teorizar, discutir e evidenciar a
construção da imagem da mulher na cultura ocidental, o desenvolvimento e avanços
do feminismo do período da industrialização, passando pelas duas grandes guerras
mundiais chegando na década de 1980 e para entender o cenário político,
econômico e social do período entre 1986 e 1996.
Para entender o cenário nacional e local em que ressurge o sindicalismo
combativo utilizei publicações de José Paulo Teixeira e Eder Sader que discorrem
sobre a trajetória e as políticas públicas adotas pelos governos federais para o
carvão catarinense e sua importância na economia sul catarinense. Consultei os
Ensaios sobre a economia sul catarinense, organizados por Alcides Goulart Filho e
os textos de Maria Lucia Coutinho, Joan Scott, Eric J. Hobsbawm, Jean Deluneau e
3
SOARES, Vera. Mulher e Política Gênero e Feminismo no Partido dos Trabalhadores .In: Muitas
Faces do Feminismo no Brasil. Editora Fundação Perseu Abramo. P. 33-5.1998. São Paulo – SP.
11
Peter Gay possibilitando-me, assim, adquirir bagagem para discutir a construção da
imagem da mulher na cultura ocidental, sua trajetória e conquistas da idade média ,
passando pela modernidade e discutindo a atualidade.
Por fim para discutir e evidenciar a participação das mulheres nas lutas
operárias e o feminismo renovado da década de 1980 consultou-se as obras de
Michele Perrot e Vera Soares, além do já citado Eric J. Hobsbawm. Foram também
utilizadas como fontes para a construção desse trabalho às entrevistas com;
Jaqueline Delfino Serafim, Isolete Silva Vitório, Tereza Chagas, Giani Rabelo e
Laércio Silva.
Também foram fontes de pesquisa; jornais locais entre 1980 e 1996
pertencentes ao acervo do Arquivo Histórico Municipal “Pedro Milanese”, recortes de
jornais, documentos e fotos do arquivo do Centro de Educação Popular - CEDP que
estão sobre os cuidados do Centro de Documentação - CEDOC do museu
universitário da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC e ainda o
arquivo do Sindicato dos Mineiros de Criciúma.
Para que houvesse uma maior compreensão do trabalho, optou-se por
dividi-lo em três capítulos: O primeiro apresenta a introdução do estudo, assim como
as delimitações que este apresentará. O segundo capítulo intitulado de “Amanhã vai
ser outro dia”, tenta reconstruir a atmosfera dos anos que delimita o meu trabalho,
além de falar da importância do carvão para a economia da cidade e região. Este
mesmo segmento relata, ainda, algumas ações de greve do Sindicato dos Mineiros
ocorridos em Criciúma.
No terceiro capítulo, refrão de uma música de Rita Lee e Roberto
Carvalho, concentra-se nos períodos e mudanças que ocorrem com o mundo
feminino devido à industrialização e as duas grandes guerras mundiais que foram
12
marcos de mudanças sociais e econômicas que atingiram e influenciaram boa parte
dos países. Destaca-se, também as alterações no feminismo em especial o dos
anos que delimitam esse trabalho.
O último capítulo, “Mulheres nas lutas sindicais dos mineiros de Criciúma”
é o segmento que se evidencia as atuações das mulheres que participaram das
lutas sindicais dos mineiros de Criciúma e de que forma se davam essas
participações, suas responsabilidades dentro do movimento, sua visibilidade e a
tomada dos espaços dentro do próprio movimento.
Cabe ressaltar que esse trabalho não tem a pretensão de ser a verdade
única, mas, uma versão, que tem como objetivo evidenciar a participação das
mulheres nas lutas sindicais dos mineiros de Criciúma, sem a preocupação de
discutir as relações de gênero e os papéis femininos assumidos.
13
2 “AMANHÃ VAI SER OUTRO DIA”
Década de 1980, a abertura política, econômica e o novo sindicalismo
brasileiro.
“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.4
Foi com o sentimento expresso na música de Chico Buarque, acima
citada, que a década de 1980 começou. Período em que houve o início da abertura
política ou redemocratização do Brasil, no qual grupos políticos que se organizavam
clandestinamente começaram a emergir, dando força e impulsionando os
movimentos sociais e populares que, até então, eram retidos pela ditadura.
O primeiro grande movimento foi pela anistia dos perseguidos políticos
que se encontravam fora do país, entre eles intelectuais e artistas. Outros dois
grandes movimentos foram o da Constituinte e o das Diretas Já, que formaram
comitês por todo o Brasil e mobilizaram milhares de pessoas de várias frentes do
que se considerava à esquerda da época.
A igreja Católica também foi um dos personagens importantes nessa
reabertura do país, a Teologia da Libertação liderada por uma ala renovada, levava
as comunidades, por meio de grupos de reflexão, “Pastorais” como a da Terra,
Juventude e Operária entre outras, à formação política, neste contexto, juntaram-se
religiosidade e responsabilidade social mesclada com noções de higiene e
planejamento familiar. Ao mesmo tempo em que surgiu no ABC paulista, área de
grande concentração de operários devido à quantidade de fábricas e montadoras de
veículos, um “novo sindicalismo” que repercutiu em várias regiões do Brasil.
4
Refrão da Música “Apesar de Você” de Chico Buarque
14
Movimento esse que se fundiu com o surgimento do Partido dos Trabalhadores - PT
e a criação da Central Única dos Trabalhadores – CUT.5
Para compreender este cenário é preciso voltar no tempo e assim
compreender toda essa efervescência da década de 1980. Constata-se que o Brasil
mergulhou, no dia 30 de março de 1964, em 21 anos de ditadura militar, os
chamados “anos de chumbo”, fazendo parte de uma tendência que atingiu a
América Latina, na tentativa de responder a um crescimento de esquerda ligado ao
socialismo e ao comunismo que se espalhava, fascinava e recrutava homens e
mulheres, em sua maioria jovem, de toda à parte do mundo.
No Brasil essas tendências afloraram por meio dos “Atos Institucionais”,
os conhecidos AI’s, e suas numerações que significaram cada vez mais o
endurecimento da ditadura e a restrição de direitos políticos, pessoais, incluindo
também restrições à impressa escrita, falada, aos roteiros de cinema, televisão,
teatro e letras de músicas inclusive.
Na tentativa de driblar a censura, autores e compositores, muitas vezes,
fizeram malabarismos ou até mesmo escreveram em forma de enigmas. Portanto,
mesmo com todas as mordaças e amarras criadas pelos militares para segurar o
crescimento da esquerda, ela se manteve e se renovou na clandestinidade tendo
como fomento a opressão.
Neste contexto, em resposta a 21 anos de ditadura, a geração anos 80,
veio com sede de liberdade e com o sonho de um país democrático e livre. Talvez
esses jovens não soubessem que o caminho fosse tão longo e que teriam que
adquirir uma paciência histórica.
5
SADER, Eder. Quando Novos Personagens entram em cena Experiências e lutas dos
trabalhadores da grande São Paulo 1970-1980 Editora Paz e Terra. 2ª edição 1995 São Paulo- SP
15
A cidade de Criciúma foi irradiada por toda aquela movimentação política
que aconteceu no Brasil na década de 80. O que não foi de estranhar, pois era a
principal cidade de uma região carbonífera que abrigava cerca de dez mil operários
mineiros e suas famílias e ainda outras categorias sindicalizadas como ceramistas,
vestuaristas, bancários, comerciários, motoristas, metalúrgicos, etc. É o que afirma
João Paulo Teixeira em seu livro Os Donos da Cidade.
O surgimento do “novo sindicalismo” na região do ABC, em São Paulo e a
emergência de novos atores sociais no cenário político brasileiro, no final da
década de 70 e início de 80, repercutiu na cidade de Criciúma. Além dos
mineiros, é possível identificar outros três atores que estão na origem
destes movimentos: grupos de militantes da Pastoral da Juventude e da
Pastoral Operária, organizados no início dos anos 80; militantes do Partido
dos Trabalhadores, fundado em Criciúma em 1981; Movimento de Oposição
Sindical, organizado primeiramente na ANAMPOS – Associação Nacional
dos Movimentos Populares e Sindicais e, posteriormente na CUT e nas
Oposições Sindicais organizadas em Criciúma a partir de 1983. [...] Além de
“cidade do carvão”, Criciúma é reconhecida nacionalmente como um dos
6
principais centros de mobilização operária e sindical de Santa Catarina.
O chamado “novo sindicalismo” com o apoio de outros setores já
mencionados, começou a ganhar corpo e visibilidade, quando grupos ligados a ele
começaram a mobilizar categorias com o objetivo de ganhar as eleições dos
sindicatos, colocando para fora as direções “pelegas”.7 patrocinadas e organizadas
pelos patrões. Foi o que ocorreu em 1986 no Sindicato dos Mineiros de Criciúma,
quando a chapa encabeçada por José Paulo Serafim venceu. Os componentes
dessa chapa estavam envolvidos diretamente com o “novo sindicalismo”, com a
fundação do Partido dos Trabalhadores em Criciúma, a formação da CUT - Central
Única dos Trabalhadores na região, na participação da campanha das Diretas Já e,
mais tarde, como articuladores das grandiosas greves gerais e demais mobilizações
de trabalhadores, dentro e fora do Sindicato dos Mineiros.
6
TEXEIRA, José Paulo. Os Donos da Cidade. Editora Insular – 1996 Florianópolis – SC página 149150
7
Pelego é uma pele de carneiro utilizada para amortecer o peso da cela no dorso do cavalo. No meio
sindical de esquerda a palavra é muito usada como forma de identificar uma pessoa que está do lado
do patrão ou é de direita, ou seja, que serve para amortecer a pressão operária para o patrão.
16
Anos antes, por representarem a oposição, que vinha se fortalecendo e
causando preocupação na classe empresarial da região, a chapa representante dos
mineradores resolveu utilizar, nas eleições de 1982, métodos ilícitos para impedir ou
retardar a chegada do chamado “novo sindicalismo”, na direção do sindicato.
Tereza Chagas, militante de esquerda e ativista nas lutas do Sindicato
dos Mineiros, conta, por meio de uma entrevista, que em 1982 foi organizada uma
chapa de oposição para combater a direção “pelega” e por isso foi feito um trabalho
de conscientização, uma campanha muito forte junto aos mineiros. A vitória da
chapa de oposição era certa.
Segundo a militante a “minerada” estava toda reunida na frente do
sindicato esperando o resultado das eleições, porém, quando souberam do
resultado, houve revolta e confronto entre os grupos, que utilizaram pedras,
quebraram vidros, sendo que pias do sindicato foram arrancadas e jogadas no chão
e na confusão foram queimados documentos e papéis do sindicato. Para acalmar os
ânimos foi chamada a polícia que utilizou a costumeira força e bombas de gás.
Tereza reforça dizendo que o confronto foi até as três horas da manhã.8
Já desconfiados de fraude nas eleições, a chapa de oposição ficou
sabendo de que forma aconteceu a vitória a chapa pelega.
Depois nós descobrimos que eles tinham uma sala, que dava pro
restaurante, onde fizeram um buraco e por ali trocavam as urnas. As urnas
ficavam dentro da sala do presidente, e nós ficávamos do lado de fora
9
cuidando. Era o cara do restaurante que trocava as urnas para eles.
A história do Sindicato dos Mineiros é recheada de resistências e de
opressões por parte do Estado que dava suporte policial aos mineradores. Em 1944,
quando o governo de Getúlio Vargas, a pedido dos donos das minas, se viu
obrigado a fundar a Associação dos Trabalhadores na Indústria da Extração do
8
9
Tereza Chagas, entrevista realizada por Ana Cristina da Silva em Criciúma 30/06/2005.
Tereza Chagas entrevista citada
17
Carvão, a medida procurava estancar o movimento de operários mineiros que estava
acontecendo clandestinamente, pois os mineiros insatisfeitos com suas condições
de trabalho, de renda e de moradia já estavam se organizando em reuniões e
conversas que se realizavam no meio do mato, no subsolo ou em outros lugares que
o Estado, a Polícia e o Patrão tinham menor ou nenhum acesso.
Essa Associação, apesar de organizada e fiscalizada pela Secretaria
Regional do Trabalho de Santa Catarina, transformou-se, um ano mais tarde, no
Sindicato dos Mineiros de Criciúma. Como o Sindicato estava sob a tutela do
governo federal, os seus presidentes eram indicados pelos patrões e, como não
podia ser diferente, estavam sempre em divergência com a categoria, que exigia
posições mais definidas e optavam pelo movimento de greve. Já a direção, optava
pela negociação na tentativa de buscar o “meio-termo”.10
Mesmo atados pela Secretaria Regional do Trabalho, alguns movimentos
de trabalhadores mineiros surgiram em oposição à direção “pelega”. Em 1957 os
candidatos da oposição venceram a chapa da situação, dando assim um outro rumo
para o sindicalismo em Criciúma. Segundo Terezinha Volpato, foi de 1957 a 1964
que o Sindicato assumiu uma face mais combativa, com objetivo de reivindicar
interesses imediatos para a categoria.
Nesse período as reivindicações mais comuns eram: melhores condições
de trabalho, mais segurança no subsolo, melhores equipamentos individuais,
compensação de perdas salariais compulsórias e a diminuição da agressão ao meioambiente. A autora afirma ainda que, em 1961, o Sindicato dos Mineiros de Criciúma
sofreu uma divisão, incentivada pelo então candidato a deputado Diomício Freitas
que também era minerador e tinha forte influência política e econômica na região.
10
VOLPATO, Terezinha Gascho, A Pirita Humana,Os mineiros de Criciúma. Editora da UFSC, 1984
– Florianópolis-SC – p. 114.
18
Por meio de um pedido ao Ministério do Trabalho conseguiu, este
empresário, permissão para a criação de um sindicato que abrangesse os
trabalhadores do Rio Maina e região. A ata de criação do novo sindicato menciona
que os objetivos seriam: dar assistência aos associados, livrar os operários das
mãos do comunismo e dos elementos agitadores, além de promover a colaboração
entre os patrões e empregados,
11
reafirmando assim quais as razões que tornaram
interessante essa divisão.
Torna-se relevante salientar que nem todos os problemas no setor
carbonífero da região se resumiam em jogos de poder domésticos. Toda a política
de exploração mineral era definida nas esferas federais onde o preço e as cotas
eram decididas e, por conseguinte, refletia na relação com o trabalhador.
Somente com a Primeira Guerra Mundial, quando o país teve problemas
para importar combustível fóssil, o carvão nacional, - em especial o de Santa
Catarina, que até então não tivera a devida atenção, mesmo o Estado, contando
desde 1920, com um complexo carbonífero composto de indústrias mineradoras,
ferrovias e portos, - passou a ser uma alternativa barata. Porém foi no Primeiro
Governo de Getúlio Vargas que leis que regulamentavam o uso do coque
catarinense, que, a partir de então, foi utilizado no funcionamento da recém criada,
Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, o que levou a construção do Lavador de
Capivari, uma usina de beneficiamento, e para abastecê-lo uma usina de energia
termo elétrica.
Junto com estes investimentos foi criada uma lei, que tanto a siderúrgica
quanto à usina elétrica iriam funcionar com carvão e coque catarinenses,
impulsionando assim o carvão catarinense, dando assim maior importância.
11
VOLPATO, Terezinha Gascho, A Pirita Humana, Os mineiros de Criciúma. Editora da UFSC, 1984
– Florianópolis-SC. p 122
19
Mais adiante, na década de 40 situa-se a Segunda Guerra Mundial e
novamente uma guerra impulsiona o carvão de Santa Catarina, que ganha liderança
de produção, sendo “uma década de ouro para a indústria carbonífera
catarinense”.12 Neste cenário, com as duas grandes guerras mundiais, o governo
brasileiro ficou vulnerável, pois dependia dos combustíveis fósseis importados, e
uma das saída foi tornar o carvão catarinense a fonte de combustível mais viável, o
que desenvolveu a economia sulina. É o que lembra Fábio Farias Moraes:
A defesa do carvão catarinense, por ser o único no Brasil que tem
propriedades para ser usado na siderurgia, de tempos em tempos surgiu
nos discursos dos políticos nacionais como peça fundamental para o
desenvolvimento industrial. Também como fonte de energia, foi tido por
tantas vezes como o recurso que diminuiria a dependência de combustíveis
fôsseis do exterior. Por essas e outras razões, a relação do governo
brasileiro com o carvão catarinense, após 1930, sempre foi mais prioritária
13
do que outros setores da economia sulina.
Carlos Renato Carola em seu livro Dos Subterrâneos da História: As
trabalhadoras das minas de carvão de Santa Catarina, denomina de terceira fase
esta do carvão, pois para ele os anos de 1953 a 1973 é o período que vigora o
Plano do Carvão Nacional e ao mesmo tempo a Comissão Executiva do Plano
Nacional do Carvão com a função de controlar a produção, incentivar, providenciar e
liberar possíveis financiamentos, assim como modernizar, mecanizar e promover
assistência social às famílias mineiras. Comissão essa que foi extinta em 1970,
passando suas responsabilidades para o DNPM – Departamento Nacional de
Produção Mineral, criado em 1953, que até então tinha somente a função de
controlar a exploração e beneficiamento do carvão mineral.14
Anos de ouro também foram os transcorridos entre 1974 e 1985, quando
foi prorrogado o Plano Nacional do Carvão. O Brasil passava por sérios problemas
12
CAROLA.Carlos Renato. Dos Subterrâneos da História: As trabalhadoras das minas de carvão de
Santa Catarina. Ed. UFSC, 2002, p 17 e18.
13
MORAES. Fábio Farias. O carvão catarinense e o planejamento estatal. In: Ensaio sobre a
Economia Sul-Catarinense. Organizador: Alcides Goulart Filho. UNESC. Criciúma-SC. 2003. p. 92
14
CAROLA.Carlos Renato. Dos Subterrâneos da História: As trabalhadoras das minas de carvão de
Santa Catarina. Ed. UFSC, 2002, p 19-20.
20
internacionais devido a sua alta dívida externa, estando, segundo Fábio Farias de
Moraes, em uma encruzilhada: ou honrava suas dívidas e brecava seu crescente
desenvolvimento ou bancava o crescimento industrial e químico mergulhando cada
vez mais em dívidas. Foi à segunda opção a escolhida pelo governo militar, que
estava no poder na época. Outro fator que facilitou a escolha foi a crise do petróleo
de 1970 que tornou o carvão nacional novamente a opção mais viável. 15
O carvão catarinense, mais uma vez, foi pensado como a alternativa
nacional para abastecer as indústrias. Além de servir como fonte de energia e
componente para a indústria carboquímica, entretanto para que esses objetivos
fossem alcançados, foi construída a ICC – Indústria Carboquímica Catarinense S.A.
e a unidade VI da Termelétrica Jorge Lacerda, que, entrou em funcionamento em
1980.
Moraes afirma que o carvão catarinense atinge seu auge durante os anos
de 1982 até 1985, quando as produções de carvão e coque superaram toda a
produção da década de 70, chegando a empregar mais de 10 mil operários, pois
todo o complexo carbonífero instalado na região funcionava com capacidade total,
chegando a necessitar de algumas ampliações. Como reforça o autor:
... foram mantidos os subsídios ao transporte, as cotas de consumo
obrigatório e a mistura de carvão metalúrgico no coque das grandes usinas
siderúrgicas do Sudeste. Assim, a indústria teve condição para avançar a
16
elevadas taxas de crescimento.
Moraes segue afirmando em seu artigo constado na obra Ensaios sobre a
economia sul-catarinense, que o setor carbonífero entrou em colapso em 1986,
porém os jornais dos anos de 1984 e 1985 já anunciavam um desequilíbrio. Como é
possível percebermos por meio das manchetes a seguir: Nilton Alves deputado
15
MORAES. Fábio Farias. O carvão catarinense e o planejamento estatal. In: Ensaio sobre a
Economia Sul-Catarinense. UNESC. Organizador: Alcides Goulart Filho. UNESC. Criciúma-SC. 2003.
16
MORAES. Fábio Farias. O carvão catarinense e o planejamento estatal. In: Ensaio sobre a
Economia Sul-Catarinense. Organizador: Alcides Goulart Filho. UNESC. Criciúma-SC. 2003, p. 101
21
Gaúcho do PDT critica a relação Brasil-Colômbia na Importação de Carvão, notícia
que falava da preocupação do deputado, em um pronunciamento na câmara, com os
negócios entre Colômbia e Brasil que possivelmente atingiriam a economia do Rio
Grande do Sul.
Importações de Carvão Preocupa Mineradores, o jornal volta a falar das
relações entre Brasil e Colômbia e a preocupação do aumento do desemprego nas
cidades carboníferas e ao mesmo tempo apontam problemas com o meio-ambiente.
Carvão: Santa Catarina quer co-autoria nas decisões em Brasília, essa
reportagem demonstra a preocupação do então governador do Estado, Esperidião
Amim, que através de telex e telefone cobra uma resposta do ministro César Cals
relacionada à suspensão da compra de carvão energético CE 5200 da Carbonífera
Próspera, Coque Catarinense e Ibracoque Mineração. Segundo o ministro, as
compras foram suspensas por falta de recursos. O governador também critica a
política de subsídio do transporte do carvão e pede ao ministro que o governo de
Santa Catarina participe das reuniões em Brasília que decidem as políticas no setor.
Produção de Carvão Catarinense poderá entrar em Colapso, as estruturas
que faziam parte do complexo carbonífero também apresentavam problemas de
financiamento. Em treze de maio de 1985 o jornal Tribuna Criciumense mostrava a
decisão do secretário do Conselho Nacional do Petróleo, além de desautorizar a
compra do carvão energético catarinense, também deixar de fazer o pagamento da
empresa Terras e Máquinas Ltda, responsável pelo descarregamento dos vagões,
limpeza dos trilhos e estocagem do carvão. A não prestação de serviços de tal
empresa significava a inviabilização do funcionamento da Estrada de Ferro Dona
Tereza Cristina, por onde era escoada a maior parte da produção de carvão. Esse
22
colapso prenunciado pelo jornal colocava em risco os quase quinze mil empregos no
setor.
Crise atinge Mina de Carvão do Sul, o corte de 15,2% na cota do carvão
nacional, atinge os mineradores sulinos. Os mineiros eram os maiores interessados
e prejudicados, junto com a economia regional, com as oscilações que estavam
acontecendo com o setor carbonífero, é o que mostra a reportagem: Mineiros
Ameaçados de Demissão. Diante da crise causada pela redução da cota, a
Carbonífera Próspera S/A ameaçava demitir cerca de 400 mineiros. A redução da
cota também preocupava, o então prefeito de Criciúma, José Augusto Hülse, na
reportagem Carvão em Crise Preocupa Hülse
17
, vê-se que o prefeito estava
apreensivo com as crescentes demissões na região carbonífera, na qual Criciúma é
a cidade pólo.
Esse declínio pré-anunciado em 1984 e vivenciado nos anos de 1986 a
1994 acontece devido a retirada, por parte do governo federal, dos incentivos que
impulsionavam o setor. No ano de 1994 houve o verdadeiro desmonte do parque
carbonífero. Iniciado ainda no governo militar do General João Figueiredo por meio
do Programa Nacional de Desestatização, atravessando o governo Sarney e sendo
regulamentado pela Lei 8.031/90 no governo do presidente Fernando Collor e
obtendo seu apogeu nos governos de Fernando Henrique Cardoso.
Segundo Ivan Berzin, a desestatização fazia parte de um projeto maior
que tinha o objetivo de junto com a reestruturação do país, depois de anos de
ditadura, “reduzir a divida pública, permitir a retomada dos investimentos, contribuir
para a modernização da indústria, concentrar esforços em atividades fundamentais e
17
Manchetes do jornal Tribuna Criciumense, estão citadas respectivamente nessa ordem 21/01/1984,
04/02/1984, 10/11/1984, 10/11/1984, 10/11/1984, 13/03/1985, 29/05/1985, 10/08/1985, 14/08/1985.
23
incentivar a democratização de propriedade do capital das empresas privadas”.18
Berzin reforça dizendo que para os defensores da desestatização, o modelo
administrativo implantado por Getulio Vargas era burocrático, pesado e caro.
Toda essa mudança que ocorreu a partir de 1986 em relação à política
adotada para o carvão; a crise, a venda das estatais e a retirada dos subsídios,
refletiram nos subsolos e resultou em uma crise no setor carbonífero da região. Nas
minas já se falava em demissões e a produção caia.
Com a retirada dos subsídios, os mineradores queriam manter os lucros
reduzindo os gastos e, como conseqüência, diminuía-se a qualidade das condições
de trabalho e as negociações com os mineradores como a reivindicação de direitos e
salários que ficaram mais difíceis. Porém essa atitude tomada pelos mineradores
entrou em choque com um sindicalismo fortalecido pela crescente adesão dos
operários, que contagiou, além dos mineiros, outras categorias abrangendo toda a
região.
Como se vê, Criciúma foi o palco de uma acirrada luta política e sindical.
O crescimento dessas lutas, em alguns momentos, fez da cidade não apenas a
capital do carvão, mas a cidade das greves e das lutas de classes.19 Quando
falamos de sindicalismo combativo na região de Criciúma, apesar de na década de
80 haver vários sindicatos fortes e engajados nas lutas operárias, é o Sindicato dos
Mineiros que tem a imagem mais forte.
Conhecido pelas mobilizações contendo grande quantidade de pessoas,
visto que na época a região tinha cerca de 10 mil mineiros, e por ter influência sobre
outros sindicatos e sobre a própria cidade, o Sindicato dos Mineiros também ficou
18
BÉRZIN, Ivan. A transição conservadora: o caso das privatizações no sul do estado de Santa
Catarina. In: Ensaios sobre a economia sul-catarinense II. Organizador: Alcides Goulart Filho.Ed.
UNESC, 2005, p. 30.
19
TEXEIRA, José Paulo. Os Donos da Cidade. Editora Insular – 1996 Florianópolis – SC p. 156
24
conhecido pelos constantes confrontos com a polícia, pelos acampamentos,
piquetes, idas a Brasília, pedágios, grandes passeatas e pela união da categoria que
movimentava toda a região.
A Região Carbonífera, em especial a cidade de Criciúma, vivenciou, entre
1986 e 1996, momentos de fortes lutas sindicais. Depois das eleições do Sindicato
dos Mineiros de Criciúma em 1986, quando a chapa de oposição encabeçada por
José Paulo Serafim venceu, o sindicato assumiu um caráter mais combativo. Já em
janeiro de 1987 houve a greve da CCU Companhia Carbonífera Urussanga, a
primeira da nova diretoria.
Na CCU os trabalhadores eram obrigados a passar profundas lâminas de
água para chegar à frente de trabalho, além disso, o relógio ponto ficava no local da
extração (fundo da mina) e todo o tempo que o mineiro levava para chegar à frente
de trabalho não era considerado como hora trabalhada. Essas e outras antigas
reclamações foram colocadas em negociação com os patrões, porém não foram
ouvidas até que foi deflagrada a greve.
Foram momentos de tensão com a polícia e, como saldo, cerca de 1200
trabalhadores demitidos. Depois de mais de um mês em greve, as reivindicações
dos trabalhadores foram aceitas e os mesmos readmitidos. No mesmo ano o
sindicato foi chamado para interferir na situação da Companhia Brasileira
Carbonífera Araranguá – CBCA, na qual, por mais de três meses os trabalhadores
não recebiam seus salários e, como protesto, invadiram o escritório da empresa e
acamparam com suas famílias como forma de pressão para que fosse tomada uma
decisão mais rápida e justa para os trabalhadores. Depois de meses de espera os
mineiros lotaram três ônibus e foram a Brasília, de lá também não trouxeram nada
de concreto para o fim do problema. Então decidiram acampar nos trilhos da
25
Ferrovia Dona Tereza Cristina, nas proximidades do bairro Pinheirinho, com a
intenção de impedir o escoamento do carvão da cidade e região que utilizavam
aquelas linhas férreas. Devido à obstrução, o acampamento foi atacado duas vezes
pela polícia militar na tentativa de tirá-los do local. Nas duas tentativas houve
confrontos entre os policiais e os mineiros.
Durante o movimento de resistência algumas idéias foram tomando corpo
e uma delas era transformar a então CBCA em uma cooperativa administrada pelos
trabalhadores. Foi o que ocorreu em 14 de agosto de 1987, depois de muitos
confrontos, idas a Brasília e negociações.
Outro grande movimento que marcou a história da cidade, foi a chamada
greve do 145%, quando os trabalhadores já percebiam manobras para privatização
da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional. Em um dia de pagamento dos salários
de importantes empresas da cidade, os trabalhadores impediram o funcionamento
das agências do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Em resposta ao
piquete, toda a área foi cercada por batalhões de choque da Polícia Militar, sendo
que estes utilizaram bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, mas os mineiros
também usavam pedaços de madeira e pedras para revidar a ofensiva da polícia.
A cidade virou uma verdadeira praça de guerra, a polícia militar pediu
reforços para outras cidades e a greve continuou até que a empresa concedesse o
aumento reivindicado pelos trabalhadores.
No final do ano de 1990 e início de 1991 foi a vez de lutar contra a
privatização da CSN, que fazia parte dos projetos do recém eleito Fernando Collor
de Mello. Devido à conhecida força de resistência da categoria, o governo federal
decidiu não privatizar, mas fechar a estatal o que pegou a categoria de surpresa,
26
pois o sindicato já previa a privatização, inclusive vinha discutindo com a categoria e
a sociedade através de assembléias e via meios de comunicação.
Então, na situação da Carbonífera Siderúrgica Nacional, foram feitos
acampamentos no pátio do escritório e das minas, protestos no centro da cidade, o
sindicato tentou apoio político de todas as formas. Nos movimentos pró-CSN
também foram levantadas as possibilidades de os trabalhadores administrarem a
empresa, mas manobras políticas impediram.
O empresário Realdo Guglielmi assumiu a administração da empresa que
passou a se chamar Nova Próspera, porem em 1996 foi fechada por força de uma lei
ambiental municipal que impediu a mineração nas áreas concedidas a empresa.
Novamente as minas foram fechadas, os trabalhadores demitidos e todo o
patrimônio em máquinas e equipamentos de lavra ficaram abandonados no subsolo,
sendo alagados com o passar dos anos. Até hoje a União não recebeu qualquer
recurso pela venda da estatal ao empresário Realdo Guglielmi.
Entretanto, além de privatizar a Carbonífera Siderúrgica Nacional – CSN,
o então Presidente da República, também tomou a decisão de reduzir as alíquotas
de importação do carvão, de 15% para 0%, e desobrigou as empresas brasileiras de
comprar carvão nacional. Como resultado desse ato em dezembro de 1993 chegou
ao porto de Imbituba o cargueiro You Yi, trazendo 33 toneladas de carvão africano,
mais uma vez, a categoria dos mineiros interviu. Cerca de 300 mineiros acamparam
no porto e dias depois decidiram ocupar o navio. Dessa vez estavam do mesmo lado
empresários, trabalhadores e políticos. O navio foi embora com sua carga e os
quase quatro mil empregos foram preservados.20
20
As informações e as datações sobre os principais movimentos do Sindicato dos Mineiros de
Criciúma entre 1986 e 1996 foram adquiridas na fonte a seguir: Uma História de Luta Combatendo
pela raiz as diferenças sociais. Encarte publicitário feito pela assessoria de imprensa do Gabinete do
Deputado José Paulo Serafim.
27
Os fortes confrontos com a polícia, assim como o penoso trabalho,
ajudaram a construir uma imagem rude do trabalhador do subterrâneo, que se
tornou símbolo da cidade na década de 1940 quando Criciúma ganhou o título da
“Capital Nacional do Carvão”, representado por um monumento erguido no centro da
Praça Nereu Ramos, em homenagem aos “homens do carvão”. O hino da cidade
igualmente traduz essa construção do mito do mineiro forte e heróico, símbolo do
trabalho e construtor do progresso.
Essa imagem, porém, exclui os diversos trabalhos femininos que, dentro
das minas, nas vilas ou nas casas, fizeram parte da economia regional da época.
Segundo alguns historiadores locais as mulheres tinham funções diversificadas e
importantes para renda familiar e para o setor de mineração. Eram elas:
escolhedeiras, mineiras, costureiras, lavadeiras, prostitutas, parteiras, benzedeiras,
donas-de-casa, donas-de-pensão, marmiteiras, entre outros trabalhos considerados
pela sociedade carbonífera como menores ou desvalorizados.
Além da construção da imagem do “homem do carvão” na década de
1950, a mecanização e a extinção das funções de escolhedeiras, tida como
secundária, causou uma maior masculinização dos espaços de mineração,
justificados por um discurso de divisão de trabalho por gênero e por habilidade
física.21 Porém deve-se ressaltar, as mulheres sempre fizeram parte dos trabalhos e
conseqüentemente dos movimentos de reivindicações.
Michelle Perrot em seu livro Os Excluídos da História: Operários,
Mulheres, Prisioneiros, fala da participação efetiva em resistências cotidianas que as
mulheres vivenciaram durante a industrialização da França. Segundo a autora:
21
CAROLA.Carlos Renato. Dos Subterrâneos da História: As trabalhadoras das minas de carvão de
Santa Catarina. Ed. UFSC, 2002, p 185
28
“nesses motins, as mulheres intervêm coletivamente, nunca armadas, é com o corpo
que elas lutam, rosto descoberto, mão à frente...”.22
Para Perrot, as mulheres trabalhadoras das fábricas, participam e
engrossam motins, contra as máquinas, as condições de trabalho, e também as
donas-de-casa pautaram com seus movimentos de resistência
influenciando os
preços dos mercados, as cobranças de aluguéis, e inclusive nos salários dos
maridos.
Pode-se dizer que tais ações vieram a se repetir em Criciúma nos anos de
1986 a 1996, nas lutas sindicais dos mineiros, quando houve também, o crescimento
dos movimentos sociais, pois mulheres esposas, irmãs, filhas e mães de mineiros ou
que faziam parte de outros sindicatos, participaram dessas lutas de forma ativa.
Algumas vezes, essas mulheres, eram usadas como massa de manobra,
como escudos humanos contra os policiais, eram ainda mantedoras dos movimentos
e engrossavam os, juntamente com as crianças, na busca de alcançar os objetivos
traçados pelas reivindicações da categoria. Porém ainda não se tem a dimensão e
as evidências totais da participação das mulheres nesses movimentos, que ficaram
ocultadas sob a sombra do “homem do carvão”.
22
PERROT, Michelle. Os excluídos da História: Operários, Mulheres e Prisioneiros. 2001 Ed. Paz e
Terra .
29
3 “NÃO PROVOQUE É COR DE ROSA CHOQUE”
Construção social da imagem feminina e Feminismo Revisado.
“Nas duas faces de Eva / A bela e a fera / Um certo
sorriso de quem nada quer / Sexo frágil, não foge à
luta / E nem só de cama vive a mulher / Por isso não
provoque / É cor-de-rosa choque”.23
A letra da música de Rita Lee e Roberto Carvalho, que inicia e intitula o
segundo capítulo, bastante ouvida na década de 1980, traduz em seus versos as
mulheres contemporâneas daqueles anos, que vivenciaram as mudanças políticas,
econômicas e culturais do seu tempo. Vera Soares em seu artigo Muitas faces do
feminismo no Brasil cita Beth Lobo que identifica o feminismo ressurgido nesse
período, de “feminismo revisado”, pois, esse surge em meio aos movimentos sociais
retidos até então pela ditadura militar.
Assim como já foi discutido no primeiro capitulo, as mulheres da região de
Criciúma também tiveram influência desses movimentos sociais e do chamado novo
sindicalismo que também despontava. Podemos dizer que elas são herdeiras de
mulheres que, ao longo da existência humana, vem rompendo barreiras e lutando
contra papéis pré-estabelecidos. Desse modo, convém, antes de discutirmos a
participação dessas mulheres no movimento sindical dos mineiros de Criciúma nos
anos 1986 a 1996, refletir quanto a sua invisibilidade nesse movimento e também
sobre a construção dessa invisibilidade na sociedade ocidental, assim como as
conquistas ocorridas contra essa invisibilidade.
23
Musica de Rita Lee e Roberto Carvalho
30
A maioria das mulheres ouviu, durante toda sua vida, expressões como:
“Isso não é coisa de menina”, “não sente de perna aberta” , “isso é trabalho para
homem”, “tão bonita e não é casada?”, “filhos têm que ficar com a mãe”, “mulher tem
mais jeito para isso”, “só pode ser uma mulher mesmo!”, “mulher no volante perigo
constante”, “mulher é pra esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque”, “não
precisa estudar para lavar cuecas”, “minha mãe não trabalha, ela é dona-de-casa”.
Talvez algumas dessas expressões já caíram em desuso, viraram
bordões e piadas, mas foram elas que durante décadas ou talvez séculos, povoaram
a educação e formação das meninas. Falas como essas, juntamente com algumas
posturas, segundo Maria Lucia Rocha Coutinho foram construídas culturalmente
com a intenção de moldar, definir e manter as mulheres em seus papéis sociais.
Maria Lucia Rocha Coutinho afirma que esses discursos estão de tal
maneira inseridos na cultura européia ocidental, com grande influência também no
Brasil, que passam a serem vistos como “naturais”.
Em decorrência desta “naturalização” das funções femininas, passou a ser
demarcada uma série de características femininas (como, por exemplo,
dedicação, abnegação, docilidade), quase todas vinculadas àquelas
características necessárias a uma “boa mãe, levando-se muitas vezes a se
24
identificar feminilidade e maternidade”.
Os papéis que hoje conhecemos e também exercemos de homem e
mulher, foram construídos e constituídos na cultura ocidental. Cultura essa na qual o
homem é considerado um ser superior à mulher e tem como responsabilidade
mantê-la sob vigilância e controle.
Neste contexto, atribuiu-se ao homem habilidades como: inteligência, o
direito a sua sexualidade, facilidades para os negócios, o divertimento, a política e
tudo que diz respeito à esfera pública. Ao contrário da imagem concedida à mulher,
um ser abnegado, dócil, sensível e frágil, guardiã da família e da casa, responsável
24
COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos panos A Mulher Brasileira nas Relações
Familiares. Rocco. Rio de Janeiro. 1994. pagina 41.
31
pela educação dos filhos, não apta em lidar com coisas do intelecto e com tantos
afazeres domésticos; seu tempo deve ser dedicado aos filhos e bem estar do
marido, pois a mulher não tem, teoricamente, tempo para deslumbrar os espaços
públicos.
Segundo Jean Deluneau esse discurso, que o autor chama de
antifeminista, foi reforçado entre os séculos XVI e começo do século XVII, quando
surgiram uma série de textos eclesiásticos, científicos e juristas que reafirmavam, o
que era chamado de “método científico”, para comprovar o discurso culturalmente
estabelecido.
Esses textos, segundo seus autores, são frutos de pesquisas ou
observações que vinham confirmar, sobretudo, a superioridade do homem sobre os
demais viventes do planeta, o que incluía as mulheres chamadas também de
“segundo sexo” ou “seres de segunda classe”. 25
Antes dessa tentativa de comprovação científica, típica da modernidade,
que tentava abandonar as explicações empíricas e religiosas da igreja, indo em
busca de suas próprias explicações, porém agora com métodos estabelecidos e o
que eles imaginavam desprendidos de cresças, a própria igreja durante o período
que regularmente chamamos de idade média tirou algumas conclusões sobre a
diferença entre os sexos.
Segundo a igreja a mulher se encontrava numa dualidade, tendo em um
dos lados uma face diabólica facilmente captada pelas influências do mal, donas de
artimanhas e facetas. Havia ainda um outro lado que teria uma face sagrada,
guardiã da família, dos costumes e tradições, do marido e da casa.
25
DELUMEAU. Jean. História do Medo no Ocidente 1300-1800. Companhia das Letras. São Paulo.
2001. página 328 à 333.
32
Dealumeau, afirma que a mulher é fonte de medo e mistério para os
homens. Justifica essa afirmação dizendo não ser à toa que a maioria dos acusados
de feitiçarias vítimas de torturas e morte na Santa Inquisição, foram mulheres. 26 “A
mulher, origem do mal e da infelicidade, potência noturna, força das sombras, rainha
da noite, oposta ao homem diurno da ordem e da razão lúcida [...]”.27
Diante de tanto receio só restava aos homens mantê-las sobre um olhar
bastante cuidadoso e controlador. Essas mulheres que por segurança eram
enclausuradas, pelo receio masculino, para não chamarmos de medo, justificado por
métodos científicos, religiosos e teóricos. Com a revolução industrial, e por ocasião
das duas grandes guerras mundiais, conquistaram aos poucos a esfera pública.
Como nesse momento o que mais vigorava era o lucro, foi bastante conveniente o
uso da força do trabalho feminino, já que as mulheres eram mal remuneradas. Elas
agora estavam em maior número, nas ruas, nas fábricas e engrossavam também os
movimentos sociais e reivindicatórios.28
Segundo Eric Hobsbawm, pode-se perceber uma mudança na situação
das mulheres, no período que ele chama de sociedade pré-industrial e também no
período industrial, a partir da constatação que nesses períodos ocorreu uma
diminuição da natalidade e por conseqüência da mortalidade infantil. Observa ainda
que as famílias ficaram menores, que passaram a ter números maiores de solteiros
e as moças começam a casar-se no final de seus vinte anos.
A sociedade estava passando por modificações sociais e econômicas e
como conseqüência, estas modificações influenciaram culturalmente a vida das
pessoas. As famílias pré-industriais e industriais, não mais viviam em grandes
26
DELUMEAU. Jean. História do Medo no Ocidente 1300-1800. Companhia das Letras. São Paulo.
2001. página 310 e 311.
27
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História: Operários, Mulheres, Prisioneiros. Editora Paz e
Terra. São Paulo – SP. 2001. pagina 168.
28
HOBSSBAWN, Eric. A Era dos Impérios 1875 – 1914. Paz e Terra. 3ª edição. Rio de Janeiro-RJ.
33
espaços, estavam mudando-se para áreas urbanas, que para uma melhor
convivência, tinham regras.
Hobsbawm, afirma ainda, que era complicado manter muitas crianças
pequenas em um espaço reduzido, principalmente depois de leis que proibiam o
trabalho infantil. O que antes era mais uma fonte de renda para a família, passou a
ser um fardo. Apesar de serem contemporâneas das mesmas mudanças, as
mulheres camponesas não as sentiam, elas ainda tinham seu mundo reduzido aos
arredores de sua casa e o trabalho doméstico se confundia com o trabalho no
campo e outros afazeres.29
“Transformações
estruturais
e
a
tecnologia
agora
alteravam
e
aumentavam consideravelmente a perspectiva feminina de emprego assalariado”.30
Na segunda metade do século XIX foram abertos postos de trabalho culturalmente
chamados de femininos, como: empregos em lojas, em escritórios e no magistério.
Hobsbawm afirma que depois da década de 1870, aumentaram as
alternativas de trabalho para mulheres, podendo incluir nesse contingente, esposas
e filhas da classe média e operária. Essas mulheres estavam casando mais tarde e
por isso ficavam mais tempo dependendo economicamente da família, que nem
sempre tinha condições de mantê-las até que se casassem.
Não eram somente as condições sociais e empregatícias que estavam
mudando para as mulheres. Juntamente com a industrialização, nasce também o
movimento operário e com ele o socialismo e os partidos de esquerda. São nesses
29
HOBSSBAWN, Eric. A Era dos Impérios 1875 – 1914. Paz e Terra. 3ª edição. Rio de Janeiro-RJ.
P. 270 a 279.
30
HOBSSBAWN, Eric. A Era dos Impérios 1875 – 1914. Paz e Terra. 3ª edição. Rio de Janeiro-RJ.
P. 283
34
movimentos de esquerda que as mulheres encontram terrenos férteis para sua
organização e reivindicações de seus espaços e direitos. 31
A ascensão dos movimentos operários e socialistas como movimentos
fundamentais para a emancipação dos desprivilegiados, incontestavelmente
incentivou as mulheres à busca de sua liberdade; não foi por acaso que elas
perfizeram um quarto dos sócios da (pequena e de classe média)
32
Sociedade Fabiana, fundada em 1883.
Segundo Hobsbawm antes da Segunda Guerra mundial era impossível
pensar na “sucessão de qualquer mulher à liderança de qualquer república”,33 ou
seja, era algo impensável que mulheres pudessem ser assumidamente, em qualquer
instância uma liderança. Do mesmo modo, depois de 1945 também não poderia, ele,
classificar o movimento feminino de forma generalizada, pois o mundo estava divido,
em socialista e capitalista, além de em primeiro, segundo e terceiro mundo.
Apesar das mulheres na Rússia socialista estarem mais habituadas com o
trabalho assalariado e a participarem da vida política, também sofriam elas com a
invisibilidade e as condições que o “segundo sexo” é condicionado. Segundo o
autor, as mulheres dos países socialistas não tiveram um movimento feminista
articulado, visto que os movimentos tenham que ter respaldo do Estado, mas
paradoxalmente almejava aquilo que as mulheres do ocidente capitalista queriam se
livrar.
Enquanto a mulher do ocidente capitalista queria ter mercado de trabalho
e libertar-se da casa e da responsabilidade exclusiva dos filhos, as mulheres do
oriente socialistas queriam ter tempo para cuidar de sua casa e dedicar-se mais aos
filhos. Ambas lutavam por libertações com o objetivo principal de livrar-se da
invisibilidade social, ou seja, deixar de ser “um apêndice do marido e da casa,
31
HOBSSBAWN, Eric. A Era dos Impérios 1875 – 1914. Paz e Terra. 3ª edição. Rio de Janeiro-RJ.
P. 283 – 285.
32
HOBSSBAWN, Eric. A Era dos Impérios 1875 – 1914. Paz e Terra. 3ª edição. Rio de Janeiro-RJ.
P 285.
33
HOBSSBAWN, Eric. A Era dos Extremos O breve século XX 1914-1991. Companhia das Letras.
2003. São Paulo – SP. Pagina 307-309.
35
alguém que fosse visto pelo mundo como indivíduo, e não como membro de uma
espécie (“ apenas esposa e mãe”).”34
Podemos perceber tal experiência também para o Brasil, em que a mulher
não escrava do Brasil-colônia, tinha seu espaço de atuação reduzido, na sua maioria
no interior das casas e fazendas, ocupando-se dos afazeres cotidianos o que
impunha manter-se nos territórios de seus quintais, jardins, atarefada com os
afazeres domésticos e o comando dos escravos. Claro que estamos falando de uma
maioria, há também história de mulheres que assumiram a frente de fazendas e de
negócios da família, no lugar de seus maridos, filhos e pais.
Quando a industrialização também chegou ao Brasil e a mão-de-obra
barata das mulheres foi conveniente para os negócios, elas passaram a assumir
outros espaços. Porém não significa que eram tratadas em iguais condições ou seu
trabalho tinha igual valor ao de um homem. 35
As mulheres da sociedade pré-industrial e pós-segunda grande guerra,
estes dois períodos distintos responsáveis por grandes mudanças sociais e
econômicas
no
planeta,
foram
precursoras
do
movimento
feminista
que
gradativamente foi se construindo e teve sua maior visibilidade na década de 1960
nos Estados Unidos, e de uma formar revisada, nos 1970 e 1980 no Brasil, pósditadura militar. “As mulheres - novas atrizes -, ao transcenderem seu cotidiano
doméstico, fizeram despontar um novo sujeito social: mulheres anuladas emergem
como inteiras, múltiplas”.36
34
HOBSSBAWN, Eric. A Era dos Extremos O breve século XX 1914-1991. Companhia das Letras.
2003. São Paulo – SP. Pagina 312.
35
COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos panos A Mulher Brasileira nas Relações
Familiares. Rocco. Rio de Janeiro. 1994.
36
SOARES, Vera. Muitas Faces do Feminismo no Brasil. In: Mulher e Política Gênero e
Feminismo no Partido dos Trabalhadores. Editora Fundação Perseu Abramo. 1998. São Paulo – SP.
Pagina 35.
36
O feminismo que surgiu na década de 1960, não foi fruto somente de uma
abertura para as mulheres no campo do trabalho, mas também um maior acesso à
educação de ensino fundamental e médio. No ensino superior houve avanços
maiores, além de conquistarem mais vagas nas universidades públicas, tiveram
também maiores acessos a cursos considerados de elite intelectual como: medicina,
odontologia, administração, direito e engenharias. 37
Na década de 1980 junto com o ressurgimento de movimentos sociais
desponta também o que Beth Lobo, citada no artigo já comentado de Vera Soares,
chama de Feminismo Revisado. Essas mulheres adeptas desse chamado
Feminismo Renovado, já vinham participando de movimentos sociais antes do Golpe
militar de 1964 e fizeram parte de organizações clandestinas durante todos os anos
de chumbo, espalhando-se também pelos movimentos sociais desencadeado em
1980.
As mulheres estavam inseridas em todos esses processos sendo
inevitável acontecer um movimento de gênero, agora renovado, visto que não surge
das intelectuais, mas daquelas de base popular. Então, o feminismo renovado
emerge dos bairros, das igrejas, dos sindicatos e dos partidos de esquerda.
“Nas décadas de 1970 e 1980, o feminismo ou movimento de mulheres
está diretamente ligado aos organismos sociais, estando as protagonistas inseridas
nos movimentos de bairros, nas lutas por melhores condições, infra-estrutura e
protestos sobre o alto custo de vida, sendo que esses movimentos ressurgem
pálidamente, ainda durante a ditadura”.38
37
HOBSSBAWN, Eric. A Era dos Extremos O breve século XX 1914-1991. Companhia das Letras.
2003. São Paulo – SP.
38
SOARES, Vera. Muitas Faces do Feminismo no Brasil. IN: Mulher e Política Gênero e
Feminismo no Partido dos Trabalhadores. Editora Fundação Perseu Abramo. 1998. São Paulo – SP.
37
Segundo Vera Soares “muitas mulheres compuseram a coluna vertebral
das organizações da sociedade civil”.39
Uma das parcelas dos movimentos de mulheres nos anos 70 e 80, no
Brasil, nasceu dos grupos de vizinhança nas periferias dos grandes centros
urbanos. As mulheres dos bairros populares construíam uma dinâmica
política própria. Por intermédio de seus papéis socialmente designados de
esposas e mães, fizeram os primeiros protestos contra o regime militar.
Lutaram contra o aumento do custo de vida, reivindicaram boas escolas,
centros de saúde, água corrente, transportes, rede elétrica, moradia,
legalização de terrenos e outras necessidades de infra-estrutura urbana,
exigiram condições adequadas para cuidar de sua família, educar suas
40
crianças.
Podemos perceber na fala de Michelle Perrot quando diz, “ser os
movimentos das mulheres responsáveis pela baixa dos preços do custo de vida, do
aluguel e às vezes do aumento do salário de seus maridos”.41 o envolvimento das
mulheres nas lutas dos homens, já no período de industrialização na França é o que
também podemos constatar em Criciúma no período de 1986 a 1996, junto ao
Sindicato dos Mineiros.
Como já foi mencionado no primeiro capítulo e comentado no início desse
segmento, as mulheres, nesse período, estavam envolvidas em organizações
comunitárias, religiosas e sindicais. Criciúma passava por um período combativo dos
sindicatos, principalmente em embates que envolviam os sindicatos dos mineiros.
Portanto, nas lutas dos mineiros da cidade e região, apesar de invisível, há a
presença ativa de mulheres, que será discutida e evidenciada no próximo capítulo.
39
SOARES, Vera. Muitas Faces do Feminismo no Brasil. IN:Mulher e Política Gênero e Feminismo
no Partido dos Trabalhadores. Editora Fundação Perseu Abramo. 1998. São Paulo – SP. P. 34.
40
SOARES, Vera. Muitas Faces do Feminismo no Brasil. IN: Mulher e Política Gênero e
Feminismo no Partido dos Trabalhadores. Editora Fundação Perseu Abramo. 1998. São Paulo – SP.
P.39.
41
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História: Operários, Mulheres, Prisioneiros. Editora Paz e
Terra. São Paulo – SP. 2001. p. 195.
38
4 MULHERES NAS LUTAS SINDICAIS DOS MINEIROS DE CRICIÚMA
Participação das mulheres nas lutas sindicais dos mineiros de Criciúma
entre 1986 a 1996.
“Mas é preciso ter raça / é preciso ter força / é
preciso ter gana sempre” .42
Como já foi discutido no primeiro capítulo, Criciúma foi tomada pelo “novo
sindicalismo” vindo do ABC paulista, reflexo de 21 anos de ditadura e repressão dos
movimentos de esquerda. Com o término da ditadura esses movimentos ressurgiram
na tentativa de reconstruir a liberdade e a democracia, sendo que na primeira
década, depois do término, do governo militar, houve momentos de fortes atividades
sindicalistas, populares, partidárias e de organismos ligados a esquerda.
Criciúma era um pólo trabalhista e sindical da região, havia vários
sindicatos que atuavam na região carbonífera e foi o de maior influência, o dos
mineiros, que assumiu uma face combativa a partir de 1986, com a vitória da chapa
liderada por José Paulo Serafim, que na época representava a nova tendência do
sindicalismo no Brasil e por conseguinte, na região carbonífera.43 O grupo que
assumiu em 1986 tinha o compromisso, auto-atribuído, de reorganizar o sindicato
moralmente, financeiramente e politicamente.
Diz-se politicamente, pois desde a destituição da direção no período da
ditadura até 1986, as diretorias do sindicato, ao longo dos anos, eram indicadas
pelos mineradores e em troca essas direções evitavam movimentos de resistência
do operariado. Portanto, havia chegado o momento de responder aos anseios da
categoria que em resposta à política aplicada no sindicato até então, elegeram a
chapa de oposição.
42
43
Milton Nascimento: canção Maria, Maria.
TEXEIRA, José Paulo. Os Donos da Cidade. Editora Insular – 1996 Florianópolis – SC
39
Neste contexto, a nova direção descobriu um desfalque nas contas do
sindicato, colocando em penhora sua sede, inclusive, além disso, o sindicato era
alvo de comentários ruins devido ao uso de bebidas alcoólicas e boatos de que ali
seria local para encontros extraconjugais, pivô de várias separações matrimoniais.
Por isso foi proibido o uso de bebidas alcoólicas dentro do sindicato e foram
incentivadas a presenças das esposas e filhos dos mineiros no ambiente,
principalmente as que eram ligadas à direção do sindicato.
Ações foram aplicadas na tentativa de moralizar o ambiente da sede e
assim mudar a imagem do sindicato. Essas atitudes e a presença feminina
causaram estranhamento na categoria, já acostumada com a antiga conduta.44 É o
que afirma uma das militantes da época: “Eles achavam estranho a nossa presença
e a nossa participação, porque antes as mulheres não iam lá. Os mineiros achavam
estranho ter mulher dentro do sindicato”.45
A nova direção do sindicato assumiu em 1986, no mesmo ano enfrentou
seu primeiro movimento de greve. Foi à chamada “Greve da CCU” e tratava-se de
uma mobilização de vários meses e de embate contra mineradores e a polícia46,
porém, Jaqueline Delfino Serafim afirma que o movimento de greve estava se
desmobilizando, os homens estavam indo embora e não voltavam. Segundo ela,
eles não voltavam, pois as mulheres não acreditavam que eles estavam no sindicato
ou nos piquetes.
44
Jaqueline Delfino Serafim entrevista realizada por Ana Cristina da Silva em 04/07/2005
Jaqueline Delfino Serafim entrevista realizada por Ana Cristina da Silva em 04/07/2005.
46
As informações e as datações sobre os principais movimentos do Sindicato dos Mineiros de
Criciúma entre 1986 e 1996 foram adquiridas na fonte a seguir: Uma História de Luta Combatendo
pela raiz as diferenças sociais. Encarte publicitário feito pela assessoria de imprensa do Gabinete do
Deputado José Paulo Serafim.
45
40
Isto acontecia devido à má fama que tinha o sindicato, as esposas dos
mineiros acreditavam que eles poderiam estar em bordéis e bares e por isso
impediam sua volta para ao movimento.
A Lele (Rosangela Souza advogada do Sindicato na época) me chamou e
disse: Jaque os mineiros estão indo embora e não estão voltando mais.
Está esvaziando o movimento dos mineiros e o “Zé” (José Paulo Serafim)
com mais quatro ou cinco mineiros do comando não vai dar. Nós
precisamos fortalecer o movimento. Os homens estão indo dormir com as
47
mulheres e elas não estão deixando eles voltarem.
Diante da desmobilização, que poderia colocar em risco as negociações
do comando de greve, foi adotado como estratégia localizar as esposas dos mineiros
que estavam no comando de greve ou que faziam parte dos piquetes assiduamente,
contando para isso com os cadastros do sindicato. A intenção era visitá-las para
conscientizá-las da importância delas no movimento de greve.
Essa tarefa ficou sobre a responsabilidade de alguns membros do
comando de greve e mulheres que já estavam engajadas, então utilizando o carro
do sindicato, o grupo foi de casa em casa na tentativa de mobilizar as mulheres e,
por conseguinte, garantir a presença e permanência dos mineiros nos movimentos.
Fomos atrás delas, mostramos como estava a greve e que tinha que ter a
força delas. Que elas não podiam ficar atrás do fogão e ouvindo pelo rádio.
Que também dependia delas. Se não ia passar para a sociedade que elas
48
estavam com a barriga cheia em casa. Tava em greve e tinham comida.
Tereza Chagas em sua entrevista também menciona que a participação
das mulheres foi uma estratégia tirada para que a greve não fosse somente uma
reivindicação salarial, mas que também caracterizasse um movimento social. Ela
ainda comenta que com o engajamento das mulheres nos movimentos garantia-se a
presença dos maridos.49
Segundo
Jaqueline
Delfino
Serafim,
primeiramente
fez-se
uma
sensibilização com as esposas dos mineiros que estavam no comando de greve,
47
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
49
Tereza Chagas entrevista já citada
48
41
com a intenção de torná-las agentes multiplicadoras. A tarefa das agentes
multiplicadoras era sensibilizar, aos poucos, outras mulheres que ainda não estavam
engajadas para que participassem e, com isso, trouxessem seus maridos também.
Segundo ela foi, então, feito uma chamada através das rádios Eldorado e
Difusora para uma assembléia com todos; homens e mulheres. Ela afirma ainda que
houve dois fatos que surpreenderam o grupo responsável pela mobilização da
assembléia. O primeiro foi à quantidade de pessoas que compareceram, tanto
homens quanto mulheres e o outro foi que, pelo fato de tratar-se de uma assembléia
voltada para a sensibilização, motivação e mobilização direcionada às mulheres, os
mineiros que compareceram não se sentiram confortáveis e comprometidos em
participar, ficando assim do lado de fora, participando da assembléia as mulheres e
as crianças.
Diante do fato, o grupo de mulheres envolvido na organização do evento
reuniu-se com o comando de greve para reclamar do ocorrido e propuseram como
solução dessa separação que houvesse mulheres no comando geral. O que, a
priore, foi achado um absurdo.50 No dia seguinte ao da assembléia, o Jornal de
Santa Catarina noticiou a adesão das mulheres ao movimento dos mineiros e a
necessidade da presença destas no movimento.
As mulheres dos mineiros em greve na região iniciaram, ontem um
movimento de apoio à greve, que poderá culminar com a arrecadação de
alimentos e fundos, além do estabelecimento de reuniões mensais para
conscientização política. Ontem à tarde , em torno de 80 mulheres se
reuniram no Auditório São José para uma primeira discussão,e, hoje às
13:30, voltam a conversar, procurando “amarrar” alguns compromissos,
segundo Jaqueline Serafim, coordenadora do movimento. – “Tem mulheres
que acham que cumprem seu papel ficando em casa, lavando roupa e coisa
assim, mas nosso apoio deve ser concreto, real, nossos maridos estão
lutando por nós também.”Na reunião de ontem foi levantado que algumas
mulheres já começaram a questionar seus maridos, por que o dia do
pagamento vai passando (algumas empresas pagam normalmente no dia
1º) e o “rancho” do mês não chega, criando um clima psicológico prejudicial
junto aos trabalhadores. “As mulheres não podem fazer este tipo de pressão
e, com estas, reuniões, vamos tentar deixar claro porque vamos tentar
50
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
42
também arrecadar alimentos em Criciúma e no estado para manter nossas
famílias. Não sabemos até quando vão estas greves”. Reforçou Jaqueline
Serafim. Hoje também as mulheres podem definir a realização de um
51
pedágio na cidade.
Depois de feita a sensibilização para a participação das mulheres, foi
formada, a partir da assembléia, o chamado comando das mulheres, que começou a
assumir algumas ações dentro do próprio movimento. Uma das grandes
preocupações era manter o maior número possível de pessoas nos locais de piquete
e mobilizados no sindicato. Para isso tornava-se necessário recursos para
alimentação, financiamento, estratégias e boa negociação.
Neste contexto, as mulheres tinham, quase sempre, tarefas ligadas à
alimentação, a arrecadação e distribuição de recursos e de alimentos, sendo que o
comando das mulheres, a princípio, ficou com a responsabilidade da alimentação,
porém não era somente o fogão que elas almejavam no movimento sindical.
Quando nós formamos o comando das mulheres eles achavam que nós
queríamos ficar somente no fogão, lá no sindicato. Fizemos uma assembléia
e dissemos que não estava mudando muita coisa, por que tínhamos saído
52
do fogão de casa para o fogão do sindicato.
Na assembléia mencionada na fala acima, o comando das mulheres
reivindicou a presença de homens nas comissões formadas, responsáveis para fazer
as alimentações, pois não estavam ali somente para cozinhar, as panelas eram
muito grandes e elas sentiam a necessidade de reforços para mexê-las, deslocá-las
e para o momento de servir a comida.
Além da comida para os que estavam no movimento, as mulheres eram
responsáveis pela arrecadação de mantimentos e alimentos para cestas básicas que
eram distribuídas às famílias que estavam passando por necessidade devido à
greve. Segundo Isolete da Silva Vitório as famílias eram cadastradas através do
51
Manchete do Jornal de Santa Catarina, edição de 04/06/1986. Recorte de Jornal pertencente ao
acervo do arquivo do CEDIP.
52
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
43
nome e apelido do mineiro, contido nos registros do sindicato. Eram feitas
arrecadações no comércio, pedido ajuda aos supermercados e mercados menores
e, ainda através das igrejas e movimentos de bairro.
A distribuição dos alimentos era feita na sede do sindicato ou na igreja do
bairro Santa Bárbara e segundo a entrevistada eram distribuídas senhas para cada
família, sendo que os de melhores condições financeiras abriam mão das doações
para os que tinham menos ou que a família era numerosa.53
Fatos embaraçosos aconteceram devido a distribuição das doações.
Jaqueline afirma que aconteceu mais de uma vez de a mulher chegar com crianças
ou parentes, para buscar as doações, e sua senha já havia sido usada, percebendo
o estranhamento do comando, o mineiro chamava as responsáveis de lado e
explicava constrangido que realmente já havia sido utilizada a senha, mas, que essa
mulher se tratava da “outra” e que ela também dependia dele.54
Para manter os movimentos de greve também era necessário dinheiro
para o pagamento de despesas com viagens à Brasília e à Florianópolis que
demandavam gastos com ônibus e alimentação. Esses valores também eram
utilizados para dar suporte a algumas famílias mais necessitadas, pois se tratavam
de longos períodos em que os mineiros ficavam sem pagamento e ordem de
compra.
Foram usadas várias formas de arrecadação, uma delas era os almoços,
geralmente galinha com polenta ou risotos, realizados em centros comunitários
salões de igrejas, para um grande número de pessoas, cujos ingressos eram
53
54
Isolete da Silva Vitório entrevista feita por Ana Cristina da Silva em 12/10/2005
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
44
vendidos antecipadamente. Na maioria das vezes os ingredientes eram ganhos por
meio de doações de mercados e pequenos produtores da região.55
Outras formas de arrecadação foram os pedágios também organizados
pelo comando de mulheres, instalados nas entradas da cidade e em pontos de
grande movimento na avenida Centenário. Participavam dos pedágios as mulheres,
as crianças e alguns homens, que segundo Isolete Vitório, faziam a segurança caso
houvesse alguma investida por parte de motoristas ou ainda de policiais.56
Além da alimentação, das arrecadações e distribuições de doações, as
mulheres também estavam na frente dos movimentos, nas portas dos escritórios e
sedes das mineradoras, nos portões das oficinas, nas bocas de mina e nas ruas. Em
17 de março de 1987, o jornal O Estado noticiou a participação das mulheres em
uma manchete intitulada; Mineiro usa Família no Piquete, que relata o seguinte fato:
A greve de 1mil e 300 mineiros da CCU, que atinge 23º dia, foi marcada
ontem pela tensão e tumulto. Pela manhã os grevistas impediram a saída de
caminhão da oficina central, na mina Santa Augusta, que tentava carregar
na caixa de embarque, também localizada no bairro Santa Augusta. As
Mulheres e filhos dos mineiros participaram do piquete, formando uma
57
grande barreira na frente da empresa.
Podemos ainda, citar a passeata encabeçada pelo comando das
mulheres, na greve de 1987, quando a categoria paralisou seus trabalhos para pedir
um reajuste de 219%, sendo que a decisão do Tribunal Regional do Trabalho
determinou que fosse pago o reajuste de 103%, valor que não foi aceito pelos
mineradores.
Foi uma greve longa que abrangeu 10 mil mineiros dos municípios de
Criciúma, Siderópolis, Içara, Urussanga e Lauro Muller. Nesse movimento grevista
55
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
Isolete da Silva Vitório entrevista já citada
57
Manchete do jornal O Estado, edição de 17/03/1987. Recorte de jornal pertencente ao arquivo do
CEDIP.
56 56
45
foram utilizados vários estratagemas entre eles uma passeata encabeçada pelo
comando das mulheres que culminou em um ato público na praça Nereu Ramos.58
Mais de 2.500 pessoas, entre mulheres de mineiros e professores estaduais
de Criciúma realizaram uma grande passeata ontem à tarde no centro da
cidade. A caminhada culminou com ato público na praça Nereu Ramos, no
centro da cidade, em protesto ao não cumprimento dos mineradores da
decisão TRT, que garantiu reajuste salarial de 103% aos trabalhadores em
minas de carvão e também a intransigência do governo estadual à
reivindicação salarial do magistério catarinense. As mulheres de mineiros
podem realizar pedágio e campanha para angariação de alimentos nos
próximos dias. A decisão foi tomada durante assembléia no início da tarde,
acompanhada por mais de 500 mulheres de mineiros. Ao final do encontro
elas criaram um comando, que manteve encontro com o comando da
Polícia Militar de Criciúma, buscando apoio na realização de pedágios e
campanha para arrecadação de alimentos às famílias de mineiros mais
59
carentes.
Dois grandes confrontos entre os operários e a polícia, no qual houve a
participação das mulheres, foram considerados pelas entrevistadas, os mais
marcantes: o do chamado 145% da CSN, mobilização feita na praça Nereu Ramos,
e o do Trilho no Pinheirinho, referente ao movimento de greve da CBCA.
Em 1987, na chamada Greve da CBCA, o Sindicato dos Mineiros
juntamente com os trabalhadores estavam reivindicando mais de três meses de
salários atrasados e melhores condições de trabalho. A empresa estava afundada
em dívidas. Por ser uma greve longa que também envolvia as finanças da empresas
e com isso órgãos governamentais, o Sindicato dos Mineiros tivera como
estratagema, fazer passeatas, acampamentos nas mineradoras, ir à Brasília
juntamente com os operários para acampar na frente do Ministério do Trabalho.
O que o comando percebia, era que, apesar dos piquetes e protestos, as
negociações não avançavam e não havia propostas concretas para o fim da greve.
Diante da apatia por parte dos mineradores e governo, o comando de greve resolveu
endurecer o movimento, dessa vez a estratégia era acampar em cima dos trilhos nas
58
Manchetes do Jornal da Manhã, edições dos dias: 24/02/1989, 06/03/1989, 07/03/1989 e
28/03/1989.
59
Manchetes do Jornal da Manhã, edição do dia: 08/04/1989
46
proximidades do bairro Pinheirinho, para que assim impedissem o escoamento do
carvão, até que fossem tomadas algumas decisões em negociações com os
mineradores e o governo.
Então, foi montado um acampamento que lá permaneceu por vários dias,
sendo que este se tornara um incomodo político e para acabá-lo foi utilizado como
tática por parte da polícia militar, do governo do estado e dos mineradores a
desmobilização do acampamento. O grupo de negociação que representava os
mineradores e o governo do Estado chamou o comando de greve dos mineiros para
uma reunião de negociação na SATC.60 O comando de greve juntamente com
alguns trabalhadores atendeu o chamado para a reunião ficando no acampamento
as mulheres, as crianças e poucos homens. Entretanto, logo que se iniciou a
reunião, estranhamente, vários microônibus da polícia militar lotados de policiais,
passaram pelo acampamento em direção a área central do bairro Pinheirinho.61
Isolete que se encontrava grávida de nove meses, conta que estava
sentada em um banco do lado de fora da barraca, tomando a fresca, visto que
estava no último mês de gravidez e se sentia agoniada, por isso não conseguia
dormir na barraca, quando passaram dois meninos de bicicleta e disseram a ela que
teriam visto muitos policiais se organizando perto dali. Que não sabiam se vinham
para o acampamento, mas que acharam melhor avisar.62 Mais tarde, Jaqueline
recebeu uma ligação de José Paulo Serafim perguntando como estava à situação no
acampamento, ela relata a presença dos microônibus e a visita dos meninos, o
comando percebe, então, que se tratava de uma emboscada da polícia como forma
60
SATC – Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão, a associação é uma escola
técnica que se localiza no bairro universitário, relativamente próximo do confronto, em uma das
saídas da cidade em direção a Araranguá e ao município de Forquilhinha.
61
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
62
Isolete da Silva Vitório entrevista concedida a Ana Cristina da Silva em 12/10/2005.
47
de retirá-los dos trilhos.63 Segundo Tereza Chagas: “Tudo aconteceu muito rápido,
eles foram chegando e levantando tudo, barraca, mulher, criança...”.64
Durante à tarde do mesmo dia o acampamento recebeu grande doação
de alimentos e a visita de uma vereadora municipal que ficou a par da situação, das
condições do acampamento e da presença de uma mulher grávida e de crianças.
Tudo indica que as informações obtidas através da observação da
vereadora serviram para fornecer dados para a estratégia de ataque dos policiais ao
acampamento, pois sabendo que tinham crianças e mulheres grávidas e com a
retirada da maioria dos homens, o acampamento tornar-se-ia vulnerável, por
conseguinte, a resistência seria ineficiente. Um ataque surpresa cumpriria o objetivo
de desmobilização.
Jaqueline comenta que foi tão rápido o ataque que teve pouco tempo para
proteger as crianças, colocando as que conseguiram alcançar dentro do carro do
sindicato e pediram para um dos mineiros que tirasse o mais rápido possível até que
as coisas se acalmassem.65 “Só deu tempo de eu pegar os meus pela jaqueta da
escola, mais dois e um da Silvonete e colocamos dentro do carro do Zé Carlos e
dissemos: leva eles e enfia na primeira casa que tu puder”.66
Os policiais chegaram organizados, protegidos por escudos típicos do
batalhão de choque, tinham armamentos pesados e bombas de gás lacrimogêneo.
Segundo Isolete eles chegaram quebrando o acampamento, chutando tudo,
misturaram os alimentos, não deixando nada de pé. “Na hora me deu muito medo,
63
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
Tereza Chagas entrevista já citada
65
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
66
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada
64
48
eu com aquele barrigão, lembro que coloquei duas crianças embaixo dos meus
braços e corri para uma casa próxima”. 67
Para revidar os mineiros usavam o que encontravam e que podia servir de
arma como: pedaços de pau, pedras da beira do trilho e destroços das barracas. O
embate durou noite adentro. Aos poucos os policiais foram prendendo os mineiros e
colocando dentro dos microônibus. Então, o sindicato precisava mobilizar mais
mineiros, mas as rádios já estavam fechadas.
Para a mobilização um dos mineiros envolvido no movimento saiu com o
carro do sindicato com alto-falante chamando todos os mineiros daquela redondeza,
que estivessem em casa para se mobilizarem. Próximo dali haviam paradas de
ônibus de mineiros. Alguns mineiros da Mina Criciúma que chegavam do turno,
também se solidarizaram com a luta e entraram no embate com a polícia. O objetivo
principal da polícia durante o confronto era prender o líder, José Paulo Serafim. Para
o comando da polícia, pegar o líder era a fórmula para desmobilizar o confronto.
Foram utilizadas então, táticas para que Serafim não fosse preso naquela
noite e o confronto levou várias horas. Percebendo que nenhum dos lados iria ceder,
foi decidido, em acordo entre a polícia e os mineiros, montar um grupo para
decidirem os rumos da greve.68 Isolete ganhou seu bebê na mesma noite do
confronto.
Outro grande embate foi na chamada Greve do 145% da CSN, em 1988,
quando foi definida como uma das estratégias, pelo comando geral da greve, sair da
sede do Sindicato dos Mineiros, pela avenida Getúlio Vargas e seguir até o Banco
do Brasil e Caixa Econômica Federal para pedir a solidariedade dos bancários e o
fechamento das agências por um dia.
67
68
Isolete Vitório entrevista já citada
Jaqueline Delfino Serafim entrevista já citada.
49
Porém, esperando os mineiros estavam policiais fortemente armados para
impedir a movimentação. Os policiais fizeram dois cordões de isolamento, ladeando
boa parte da avenida que liga a sede do Sindicato dos Mineiros à Praça Nereu
Ramos. Havia ainda, nesse percurso, as agências bancárias alvos da movimentação
e onde se localizava na época o fórum da Comarca de Criciúma.
Segundo Tereza Chagas, quando o grupo de mineiros chegara na frente
da agência Banco do Brasil, localizada a duzentos metros da praça, começaram a
gritar palavras de ordens e então a polícia atacou. O centro de Criciúma virou uma
verdadeira praça de guerra. Os policiais utilizavam escudos e bombas de gás, além
de armamentos. Contra eles os mineiros utilizaram pedaços de pau, pedras e tijolos.
O muro da igreja foi totalmente quebrado e utilizado, pelos mineiros, contra a
policia.69 Sobre isso o jornal local Tribuna Criciumense noticia na sua edição de 02
de março de 1988:
Os mineiros da Carbonífera Próspera que atuam em Criciúma, Içara e
Siderópolis, em greve desde o dia 10 de fevereiro, portanto, por mais de 20
dias, reunidos em assembléia geral na noite de segunda feira, 29,
deliberaram pela paralisação por um dia, o que aconteceu ontem (terçafeira) as atividades de duas empresas do governo – Banco do Brasil e Caixa
Econômica Federal. Desde as primeiras horas da manhã de ontem, terçafeira, centenas de mineiros se postaram em frente aos dois órgãos do
governo, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, bloqueando
principais portas de acesso com faixas : Estamos em greve, sejam
solidários, não trabalhem. [...] As 9:30 começaram a aparecer os primeiro
policiais fortemente armados de cacetetes em punho, bomba de gás
lacrimogêneo e outras armas pesadas[...] Até as 14h tudo parecia que iria
correr as mil maravilhas[...] As 14:30 sem qualquer explicação, os policiais
covardemente partiram para cima dos pacíficos mineiros, sob as ordens do
comandante Militar, passaram a agredir vergonhosamente e traiçoeiramente
os mineiros e inocentes pessoas que encontravam pela frente, resultando
desta forma numa verdadeira guerra campal. De um lado os policiais
fortemente armados com tudo que tinham direito – cacetetes, bombas de
gás lacrimogêneo, revolveres, fuzis e por incrível que pareça metralhadora.
Do outro lado, os mineiros que, ao se verem perdidos e sendo massacrados
70
começaram a retirar pedras e paus por onde encontravam.
As mulheres também participaram desse movimento. Elas saíam da sede
do sindicato com baldes e panelas de águas e pedaços de lençóis, camisetas
69
Tereza Chagas entrevista já citada
Manchete do Jornal Tribuna Criciumense edição de 02/03/1988 p. 01 seleção feita pelo autor
70
50
rasgadas e panos para serem molhados e colocados amarrados para protegerem
boca e narinas dos mineiros que se ressecavam com o gás lacrimogêneo jogado
pela polícia. As panelas às vezes eram utilizadas para juntar pedras para que
fossem jogadas nos policiais. Elas também ajudavam a socorrer os feridos e
esconder os líderes que eram alvo dos policiais.
A Greve do 145% da CSN, já era um dos sintomas da privatização da
estatal que teve entre 1990 e 1996 anos de resistência contra a venda da mesma.
Pode-se dizer que a última grande movimentação da categoria dos mineiros, e que
também delimita meu trabalho, foi o movimento contra a privatização da CSN.
Segundo Giani Rabelo o fato de a direção da carbonífera não ter
concedido o reajuste salarial de 145%, o fechamento de algumas minas, a redução
de pessoal do escritório, a dissolução da Carbonífera Próspera até então acionista
da estatal e o fato da direção da CSN de Volta Redonda assumir todo comando do
patrimônio, juntamente com algumas movimentações do governo federal e da
direção nacional da empresa, indicavam sinais de que a estatal seria privatizada.
Neste contexto, em 1990 são encerradas definitivamente as atividades
extrativas, ficando somente poucas pessoas no escritório e para a manutenção.71
No dia 7/5/1990, os trabalhadores da CSN são colocados em aviso prévio e
no dia seguinte é realizada uma grande assembléia no Sindicato dos
Mineiros de Criciúma, onde são tomadas as seguintes decisões: ocupação
do pátio onde estava localizado o escritório central da Superintendência da
CSN e eleição de um comando de mobilização formado pelos diretores dos
sindicatos de Criciúma e Siderópolis, e trabalhadores da base. Os membros
do comando ficam incumbidos de elaborar um projeto de administração da
72
estatal pelos próprios trabalhadores.
71
RABELO, Giani. A longa resistência: A luta contra a privatização da CSN em Santa Catarina.
In: Memórias e Cultura do Carvão em Santa Catarina. Organizador Alcides Goularti Filho.
Florianópolis – SC. 2004. pg. 293 – 318.
72
RABELO, Giani. A longa resistência: A luta contra a privatização da CSN em Santa Catarina.
In: Memórias e Cultura do Carvão em Santa Catarina. Organizador Alcides Goularti Filho.
Florianópolis – SC. 2004. pg. 300.
51
Giani Rabelo afirma que o comando, do qual ela era a única mulher a
fazer parte, tinha também a missão de manter as ações de greve na mídia e assim
continuar com os canais de negociação, entre o sindicato e os órgãos federais,
abertos. Nesta negociação foram várias viagens à Brasília, pedágios em Criciúma e
Florianópolis, passeatas, panelaços e algumas outras ações mais duras, como
colocar fogo em caminhões velhos nas proximidades da avenida Centenários, em
frente ao escritório central, cercar todo o pátio do acampado de dinamites com
ameaça de estourar ou ainda de colocar dinamites nas próprias cinturas como forma
de chamar a atenção da sociedade e da mídia para o que estava acontecendo.
Giani Rabelo menciona que pela grande duração e intensidade dos
piquetes, aos poucos houve a diminuição da participação, pois se tratavam de
desempregados, o que obrigava muitos companheiros a buscarem fontes de renda,
pois tinham que sustentar suas famílias, que na maioria eram numerosas .73
Apesar da mobilização contra a privatização, da grande quantidade de
desemprego e do que isso representou para a economia da região carbonífera, o
governo federal não voltou atrás, privatizando a CSN em 1991. Entre 1991 e 1996
as minas e áreas que pertenciam a estatal, passaram a ser administradas por um
minerador e conhecido empresário da região sul de Santa Catarina, Realdo
Guglielmi, como já mencionado anteriormente.
Vale a pena mencionar que no final dos anos de carência, que constava
no contrato, o empresário devolveu a carbonífera, ao governo federal, devido à
implantação de uma Área de Preservação Permanente – APP, que impediu que ele
continuasse explorando algumas áreas. Além disso, o empresário minerou nas
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Giani Rabelo entrevista concedida para Ana Cristina da Silva em 13/10/2005.
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terras da CSN durante cinco anos, período de carência, sem pagar nada pelo lucro
da retirada do carvão e o uso dos maquinários.
Pode-se dizer que o movimento contra a privatização da CSN foi à última
grande mobilização, do movimento sindical dos mineiros de Criciúma. Sindicalismo
esse que marcou todo o período que compreende entre 1986 a 1996. Segundo
Laércio Silva, ex-presidente do sindicato dos bancários e sindicalista da época, o
sindicalismo do mundo todo sofreu um refluxo, devido a globalização e o
neoliberalismo que causaram desemprego e insegurança nos operários em todo o
planeta.
Outro fator ressaltado por Silva é o de ter causado o enfraquecimento dos
sindicatos, foi a falta de preparo, por parte dos sindicatos, diante das inovações
tecnológicas que invadiram as fábricas e setores de trabalho muito rapidamente,
facilitado pela globalização. Ele afirma ainda que naquele momento, pós 1996, os
trabalhadores estavam preocupados em manter seus empregos, deixando para o
segundo plano a busca do bem estar social.
Criciúma também vivenciou essa crise sindical Com as minas fechando
devido a crise do carvão e a falta de incentivo do governo federal, as privatizações e
o desemprego que assolou aqueles anos, fez com que também o movimento sindical
da região tivesse um refluxo. Isso não significou o fim dos sindicatos na região de
em Criciúma. Ainda houve alguns movimentos de greve, mas nada que lembrasse
as mobilizações dos períodos entre 1986 e 199674.
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Laércio Silva entrevista concedida a Ana Cristina em 18/10/2005.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Criciúma vivenciou um sindicalismo forte no período entre 1986 e 1996,
marcado por confrontos entre sindicalistas e policiais, sendo que neste movimento
que se destaca o sindicato dos mineiros de Criciúma. As mulheres estavam
presentes nas lutas sindicais dos mineiros e assumiram tarefas cruciais no
movimento, eram elas responsáveis pela alimentação dos militantes no front, além
da arrecadação de dinheiro e de cestas básicas para auxiliar as famílias com
maiores dificuldades e financiar algumas estratégias decididas pelo comando de
greve.
Mulheres que assumiram antigos papéis pré-estabelecidos, nesse caso, a
cozinha e a ação social, legados femininos, pois culturalmente, à mulher é aplicado o
papel de detentora de maior sensibilidade e guardiã da família e do bem estar.
O Sindicato dos Mineiros se beneficiou dessa imagem para utilizá-la como
estratégia, num primeiro momento, a diretoria que assumiu o sindicato em 1986,
precisava moralizar sua sede, alvo de comentários ruins, mudando assim, a sua
imagem na cidade, para isso proibiu o uso de bebidas alcoólicas e incentivou a
presença das esposas e filhos de mineiros na tentativa de tornar o local um
ambiente “familiar”.
Podemos citar ainda o fato de serem mobilizadas, como forma de manter
os maridos, dar volume e visibilidade as ações de greve, tornando-as movimento
social. E, por fim, novamente o uso da imagem, construída culturalmente, da mulher
frágil, mãe e guardiã da família, pois a presença das mulheres e por conseguinte,
das crianças, causavam maior comoção na cidade, além de impedir algumas vezes,
investidas mais violentas da polícia sobre os piquetes e acampamentos.
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As mulheres circulavam por todos os espaços e estavam no cotidiano das
lutas, porém poucas e em raríssimos momentos participavam do comando geral de
greve, responsável pelo planejamento das estratégias e negociações salariais e
política. Segundo as entrevistadas, havia resistências a estas questões de gênero,
sempre pautadas pelas necessidades de seu universo, ou seja, mesmo galgando
espaços no movimento, as mulheres, acabavam concentradas em papéis préestabelecidos socialmente.
Por outro lado à presença feminina não se dava somente pelas
necessidades dos mineiros, mas também por suas necessidades. Visto que, um
mês sem salário implicaria em dificuldades financeiras em casa.
Eram difíceis períodos de greve, significavam atrasos de salários, às
vezes por meses, insegurança, lutas intensas e violentas. Ao se envolverem nas
greves, as mulheres tornavam-se alvos de preconceitos na vizinhança e de
constrangimentos, pois acabavam devendo para a venda ou mercado do bairro ou
ainda dependiam da ajuda dos familiares e amigos. Apesar disso pude perceber,
nas entrevistas, um certo brilho no olhar e saudosismo, que fazia com que elas
falassem com entusiasmo dos momentos de luta chegando a dizer que valeu a pena
e fariam tudo novamente.
Por fim, ressalta-se que esse trabalho focalizou a presença das mulheres
nas greves dos mineiros de Criciúma e de que forma aconteceu sua participação,
ocultada ou desvalorizada na história oficial do carvão.
O sindicalismo de Criciúma não foi formado somente pelo Sindicato dos
Mineiros, houvera outros sindicatos que também foram combativos. Esses períodos
estão cristalizados nas memórias, em recortes de jornais, vídeos amadores, atas e
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fotos que precisam ser historicizados e discutidos, pois, compõem uma rede de
relações que se entrelaçam e fazem parte de um forte momento da cidade.
Finalizando, classifico esse trabalho como algo que poderá aguçar o
interesse e principalmente a curiosidade de outros pesquisadores sobre o
sindicalismo e o envolvimento das mulheres nesses movimentos que foram tão ricos
e estão presentes na memória da cidade.
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REFERÊNCIAS
SADER, Eder. Quando Novos Personagens entram em cena Experiências e lutas
dos trabalhadores da grande São Paulo 1970-1980: São Paulo: Paz e Terra,1995.
VOLPATO, Terezinha Gascho, A Pirita Humana: Os mineiros de Criciúma.
Florianópolis: UFSC, 1984.
CAROLA,Carlos Renato. Dos Subterrâneos da História: As trabalhadoras das
minas de carvão de Santa Catarina.Florianópolis: UFSC, 2002.
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Ensaio sobre a Economia Sul-Catarinense. Org. Alcides Goulart Filho. Criciúma:
UNESC, 2003.
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estado de Santa Catarina. In: Ensaios sobre a economia sul-catarinense II.
Org. Alcides Goulart Filho. Criciúma: UNESC, 2005.
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Relações Familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
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57
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FONTES CONSULTADAS:
Orais:
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realizada em 30/06/2005.
JAQUELINE
04/07/2005.
DELFINO
SERAFIM,
dona-de-casa,
entrevista
realizada
em
ISOLETE DA SILVA VITÓRIO, liderança comunitária e dona-de-casa, entrevista
realizada em 12/10/2005.
GIANI RABELO, Mestre em Educação pela UFSC, doutoranda em Educação pela
UFRGS e professora do curso de Geografia da UNESC, entrevista realizada em
13/10/2005.
LAÉRCIO SILVA, funcionário da Caixa Econômica Federal, entrevista realizada em
18/10/2005.
Outras fontes:
Tribuna Criciumense: entre o período de 1980 a 1996.
Arquivo do CEDP – Centro de Educação Popular, arquivo está sob cuidados do
Centro de documentação do Museu universitário da UNESC – Universidade do
Extremo Sul Catarinense.
Acervo do arquivo do Sindicato dos Mineiros de Criciúma.
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