As Autoridades Nacionais da Concorrência e a Comissão Abel M. Mateus Introdução O objectivo deste trabalho é estudar as relações entre as ANCs e a Comissão Europeia depois das recentes reformas institucionais introduzidas em 2004. Começaremos pela análise da relevância da Política da Concorrência Comunitária para o Estado Português. Seguidamente vão-se abordar as áreas das concentrações e das práticas restritivas no que respeita à coordenação e cooperação entre aquelas instituições. Em particular vamos estudar o funcionamento da Rede Europeia da Concorrência (ECN). Ao longo deste trabalho iremos deixando uma série de recomendações, identificando os seus destinatários, e lançando alguns desafios para a próxima Presidência Portuguesa.1 Terminaremos com algumas reflexões sobre a necessidade de alguns ajustamentos na divisão de tarefas e coordenação, bem assim como a necessidade de harmonização nas instituições, regimes e processos dos diferentes Estados Membros. 1. Importância da Política da Concorrência Comunitária para o Estado Português Uma grande parte das relações entre Portugal e a Comissão têm sido polarizados no passado pela obtenção de fundos comunitários para a economia portuguesa, que se revelaram essenciais no esforço de convergência de um país com cerca de dois terços da média do rendimento da União Monetária. Tivemos também um papel importante na construção da zona do euro e em múltiplas áreas da actuação da Comissão. Mas não restam dúvidas que há medida que os fundos entrados em Portugal se reduzem, e os problemas estruturais para o desenvolvimento são mais visíveis, que os problemas da concorrência passam a ter cada vez maior importância. Contudo, não exageramos em dizer que no passado foi relativamente reduzido não só o peso como o interesse manifestado e o entrosamento na definição e orientação da política da concorrência a nível da Comissão. Aliás, outra manifestação do estatuto menor que a política da concorrência desempenhou em Portugal até recentemente foi o facto de a Autoridade da Concorrência só ter surgido, como órgão actuante, a partir de 2005. Dois casos paradigmáticos marcam a relação entre Portugal e a Comissão: a concentração bancária Champalimaud/Banco Santander no ano 1999/2000 e a concentração na área da energia: EDP/ENI/GdP de 2004, casos em que as propostas do governo português foram rejeitadas ou tiveram dificuldades de prosseguimento. Mas em ambos os casos houve uma certa dificuldade de entendimento da política comunitária de concorrência e do que ela representa para a economia portuguesa. Já referimos por diversas vezes a importância da política de concorrência para construção da economia de mercado e para a competitividade da economia. Desse ponto de vista, a nossa posição é bem clara: Portugal necessita de uma política da 1 Propostas para a Presidência (PP). concorrência no seu território que seja eficaz e contribua para o aumento da produtividade das empresas, tendo como finalidade o bem-estar dos consumidores. Contudo, há áreas em que o jogo se estabelece a nível comunitário, e as empresas portuguesas poderão ser afectadas (i) pela forma como se define a política comunitária, (ii) ou por políticas nacionais em áreas que sendo de reserva dos Países Membros, e com as quais temos fortes laços de comércio externo, criam condições estruturais concorrenciais que prejudicam as empresas portuguesas. Entre os primeiros incluiria o debate em torno do futuro da política de concorrência em sectores como o energético, financeiro, telecomunicações e transportes. Em quase todos estes casos existe um problema básico que tem a ver com os “nacionalismos” e a construção e protecção dos chamados campeões nacionais. Ao serem criados grupos empresariais 20 a 30 vezes superiores em dimensão ao equivalente português, a regra do jogo de mercado será enviesada, ou devido a economias de escala ou ao menor custo do capital. Já várias vezes demonstrámos noutras intervenções que Portugal não tem qualquer vantagem em defender a criação de “campeões nacionais”, pois numa base de reciprocidade terá que os admitir nos grandes Estados Membros, com as consequências que acima referimos. Mas mais ainda, também não faz sentido defender a constituição de “campeões europeus”: a fusão dos incumbentes dos grandes países com os dos pequenos resultaria num mercado a nível europeu com um pequeno número de empresas, levando a uma estrutura pouco concorrencial e prejudicando os consumidores. Esta situação pode evitar-se se as leis comunitárias da concorrência forem respeitadas, sem interferência política, pois trata-se de uma questão de definição do mercado relevante. A contribuição para a construção comunitária não se esgota no Conselho Europeu, onde os nossos votos a 27 membros são reduzidos. Para participar mais activamente na implementação da política de concorrência Portugal deverá ter uma política mais activa de participação nos órgãos da Comissão que trabalham em concorrência,2 e distinguir-se pela competência das suas propostas. No segundo grupo de políticas temos questões como os auxílios de Estado ou políticas regulatórias de outros Estados Membros que podem distorcer o Mercado Único e prejudicar as empresas portuguesas: como é o caso por vezes referido dos preços da energia para grandes empresas em Espanha. Estas são todas áreas em que é essencial e urge a definição de uma estratégia do Estado português para contribuir para a construção comunitária. Inúmeros trabalhos da OCDE têm demonstrado que a maior concorrência no mercado dos produtos é fundamental para aumentar a competitividade da economia europeia. Já não basta o bom funcionamento do mercado de trabalho, como muitas vezes se pensou. Em conclusão, o Governo e a Autoridade devem trabalhar para elevar a prioridade da política da concorrência nas suas preocupações e propostas das políticas comunitárias. Essa prioridade deverá manifestar-se nas propostas concretas que apresenta de reformas a nível europeu. 2 A Autoridade, devido à escassez de pessoal, tem apenas 1 técnico destacado na Comissão, mas não há nenhum português em cargos directivos de alto nível. Recomendação (PP): Implementar o pacote energético recentemente proposto pela Comissão com vista à construção do Mercado Único de Energia, com um conjunto de propostas realistas e eficazes.3 2. Coordenação e Cooperação na área das Concentrações Esta é uma área em que existe uma divisão clara entre concentrações de dimensão comunitária e nacionais. Contudo, embora exista um fluxo de informação permanente da Comissão para os Estados-Membros sobre as primeiras e uma certa participação dos Estados-Membros no processo decisório, as concentrações a nível nacional são da reserva exclusiva dos Estados-Membros. Em nosso entender existe aqui uma certa assimetria, que embora exista em nome do princípio da subsidariedade necessita de ajustamentos para acompanhar as restantes áreas, como se verá posteriormente. Segundo o Regulamento (CE) 139/2004: 3 A principal proposta do Pacote de Reforma é o unbundling no sector, separando pela propriedade as empresas de produção e de transmissão e transporte de energia, aliado ao aumento da capacidade e regulação dos interconectores entre países. São propostas fundamentais para criar o Mercado Único de Energia, mas que estão a enfrentar a oposição de alguns dos grandes Estados Membros. Contudo, ainda permanece o problema de mercados nacionais onde a concentração de produção é muito grande, nalguns casos o incumbente é um monopólio, o que levanta sérios problemas de concorrência. Haverá coragem para ir mais longe? Em Portugal existe uma história de sucesso a contar em termos do unbundling entre a produção e transporte de alta tensão, onde esta última rede pertence à REN, empresa autónoma, e sujeita a regulação, embora existam problemas noutras àreas do mercado. Uma das condições mais importantes expressas neste regulamento é a famosa regra dos 2/3, que estabelece que uma concentração é do domínio da ANC quando cada uma das empresas em causa tem 2/3 do seu volume de negócios num único país, mesmo que a concentração seja da ordem de vários biliões de euros, como aconteceu recentemente com o caso Sonaecom/PT, operação de cerca de 11 biliões de euros e que envolvia a maioria do sector das telecomunicações em Portugal. A metodologia empregue tanto pela Comissão como pelos E-M segue em grande parte as Guidelines sobre Fusões e Aquisições da Comissão e a jurisprudência comunitária, mas existem grandes diferenças na aplicação prática entre a Comissão e as ANCs. Duas razões fundamentais são: os critérios de decisão: aprovação, aprovação com remédios ou rejeição; e, a estrutura institucional das ANCs, em particular se são independentes ou se a decisão é do Governo. Quanto ao primeiro, em Portugal segue-se o antigo critério da dominância, enquanto que a Comissão tem um critério misto – dominância (à alemã) e redução significativa da concorrência (à anglo-saxão). Segundo o regulamento: A aplicação do critério pode conduzir a resultados substancialmente distintos nalguns casos: o da dominância produz tendencialmente estruturas duopolistas, o da redução de concorrência é um critério de estrutura concorrencial “mais estrutural” do mercado. Centremo-nos agora na colaboração entre a Comissão e as ANCs no caso das concentrações de dimensão comunitária. Quando a empresa faz uma notificação à Comissão envia uma cópia a todas as ANCs. As ANCs são informadas de todas as fases do processo, são-lhe transmitidos todos os documentos e podem fazer observações em qualquer fase do processo (art. 19º). Os casos simplificados ou de 1ª fase são decididos pela Comissão, sendo esta comunicada às ANCs. Nos casos de 2ª fase, que são os que têm problemas de concorrência, a decisão de passagem é também enviada às ANCs, passando-se depois a uma análise mais aprofundada que dá origem a um Statement of Objections, de que é dado conhecimento às ANCs. Então a empresa propõe um conjunto de remédios para resolver os problemas identificados, e pode requerer uma audição oral em que participam representantes das ANCs. Para todos os casos de 2ª fase é obrigatório, em seguida, a realização de um Comité Consultivo, em que é relator uma ANC e presidida pela Comissão. Neste comité procede-se a uma votação final e à elaboração de um relatório que depois vai ao Conselho de Comissários a acompanhar a decisão da DG-Comp, mas este parecer é não vinculativo. Em termos históricos apenas em 2 casos a Comissão seguiu uma orientação diferente do Comité, mas indo mesmo assim em parte ao encontro deste. A decisão é tomada pelo colégio de Comissários, sob proposta do Comissário da Concorrência. Também historicamente não se conhecem casos em que aquele tenha ido contra a proposta deste Comissário. As notificações feitas às ANCs são da sua inteira responsabilidade, não tendo a Comissão qualquer direito de interferência no processo. Já houve diversos casos em que as empresas “se queixam ao Comissário da Concorrência” sobre a orientação da decisão que é contrária aos seus interesses. Nestes casos tem sido sempre afirmado que “esse é um assunto da ANC e sobre o qual o Comissário nada tem a dizer”, acrescentando muitas vezes “que tem inteira confiança na ANC”. É evidente que nestes casos a jurisprudência se estabelece apenas a nível nacional, embora nos casos mais interessantes as ANCs procurem aprender umas com as outras em casos “paradigmáticos”. No caso de notificações a múltiplos EM o novo regulamento procurou simplificar e introduzir dois esquemas: o balcão único e o mecanismo de remessa. No caso de mais de notificações a mais de 2 EM a empresa notifica a Comissão. O mecanismo da remessa ou reenvio funciona quando é notificada uma operação à Comissão mas que o EM argumenta que tem um impacto apenas nacional (mercado distinto). Uma ANC ou Governo dos EM podem pedir a remessa de uma notificação feita a uma ANC para a Comissão caso fundamente que a concentração afecta o comércio intra-comunitário. Foi o que a Autoridade Portuguesa fez no caso Endesa/Gaz Natural, argumentando que esta afectava o Mibel. Contudo, este pedido foi rejeitado pela Comissão. 3. Coordenação e Cooperação na área do Combate às Práticas Restritivas O Regulamento 1/2003 veio causar uma verdadeira revolução nesta área, ao descentralizar para os Estados-Membros uma parte significativa dos processos, libertando a Comissão para os processos mais importantes a nível comunitário.4 4 Esta não é a visão de alguns Estados como a Alemanha que considera que a descentralização permitiu à Comissão chamar a si os processos mais importante e deixar para as ANCs os casos de rotina. Também existe um Comité Consultivo junto da Comissão para as decisões sobre os artigos 81 e 82. 4. O funcionamento da ECN A Rede Europeia da Concorrência instituída como parte da reforma do regulamento 1/2003 veio criar uma rede efectiva de colaboração entre os Estados-Membros e a Comissão. A Rede ECN constitui um espaço privilegiado de cooperação entre todas as Autoridades Nacionais da Concorrência incluindo a Comissão Europeia, relativamente a um conjunto vasto de matérias nucleares para a aplicação eficaz coerente das regras comunitárias de concorrência como a afectação de casos, a troca de informação confidencial, investigações conjuntas e por conta de outro EM. O trabalho da ECN assenta fundamentalmente sob os seguintes pilares centrais: Infraestrutura informática e Reuniões de vários níveis: Infra-estrutura informática – Encontra-se instalada uma infra-estrutura informática de alta segurança, no seio da qual 37 Autoridades Administrativas Europeias da Concorrência estão em contacto permanente e cooperam on line em toda a actividade que envolve a aplicação da legislação comunitária da concorrência no espaço da União Europeia. Constitui, ainda, um forum de debate e de reuniões virtuais sobre matérias de interesse comunitário. A participação da Autoridade da Concorrência nesta Rede implica, ainda, a gestão de diferentes blocos de informação agrupados nas seguintes três funcionalidades: ECN PKI Secure System (e-mail seguro para troca de informação confidencial codificada entre os membros da Rede), ECN Intranet (base de dados onde consta toda a informação relativa aos EM, GT, Subgrupos Sectoriais e Plenário ECN), ECN Interactive (partilha da informação relativa aos processos comunitários inseridos na Rede pela Comissão e pelos 25 Estados Membros e particularmente para o cumprimento das obrigações previstas nos Artigos 11 (3) e (4) do Regulamento (CE) N.º 1/2003 do Conselho). Plenário e seus Grupos de Trabalho ECN – O Plenário constitui um forum onde matérias horizontais e sectoriais bem como questões de implementação do Regulamento 1/2003 são objecto de debate. O Plenário, igualmente, contribui para a preparação das reuniões de Directores-gerais. Todas as Autoridades Nacionais da Concorrência estão representadas neste forum. No âmbito do Plenário foram criados 3 Grupos de Trabalho - Cooperation Issues, Leniency e Ne Bis In Idem- cujas funções consistem em preparar os trabalhos de natureza horizontal definidos pelo Plenário. Os resultados e as propostas de soluções formulados por esses Grupos de Trabalho são submetidos, posteriormente, à apreciação e aprovação do Plenário. Grupos de Trabalho Horizontais – Estão implementados e em pleno funcionamento o Grupo de Trabalho de Economista-Chefe da Concorrência, o Grupo de Trabalho sobre Abusos de Posição Dominante, o Subgrupo de Concentrações, o Grupo das Tecnologias de Informação e Comunicações, o Subgrupo “Private Enforcement”, Grupo dos Interesses dos Consumidores e, ainda, o Grupo de Trabalho de Auxílios de Estado. Subgrupos Sectoriais - Estas reuniões constituem fora de discussão de matérias específicas de diversos sectores de actividade económica. Existem actualmente 15 Subgrupos Sectoriais: Banca, Títulos, Seguros, Energia, Telecomunicações, Media, Profissões liberais, Cuidados de saúde, Produtos farmacêuticos, Veículos automóveis, Caminhos-de-ferro, Transportes Marítimos, Desporto, Alimentação e Ambiente.5 Através de uma infra-estrutura informática de alta segurança 37 Autoridades Administrativas Europeias da Concorrência estão em contacto permanente e cooperam on line em toda a actividade que envolve a aplicação da legislação comunitária da concorrência no espaço da União Europeia. No que respeita à informação confidencial codificada foram recepcionados pela Autoridade Nacional em 2006 um total de 1563 comunicações relativas a processos 5 Em 2006 realizaram-se 99 reuniões em Bruxelas da ECN, tendo a AdC estado presente em 69. Das primeiras, 15 foram do Comité Consultivo das Concentrações, 35 de aplicação dos artigos 81 e 82, 15 foram sessões plenárias da ECN e 14 dos grupos sectoriais. comunitários, pedidos de elementos sobre casos de aplicação da legislação comunitária em curso e pedidos de informação sobre a legislação e sectores económicos nacionais. No ano de 2006, a Autoridade da Concorrência Portuguesa em cumprimento do disposto no Artigo 11.º do Regulamento N.º 1 /2003, procedeu a notificação à Comissão e à Rede, da abertura de três processos por infracção aos artigos 81º e 82 º do Tratado da Comunidade Europeia. Igualmente, no mesmo período foram remetidos à Comissão, nos termos do artigo 11 (4), um projecto de decisão e duas decisões finais com consequente encerramento destes últimos dois processos. Desde 2004, a Autoridade da Concorrência Portuguesa em cumprimento do disposto no artigo 11.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, procedeu a notificação à Comissão Europeia e à Rede ECN, da abertura de 17 processos por infracção aos artigos 81.º e 82.º do Tratado CE. Destes cerca de 70% respeitam a sectores de serviços, designadamente, financeiros, telecomunicações, transportes aéreos e profissões liberais. Igualmente, no mesmo período foram remetidos à Comissão, nos termos do n.º 4 do artigo 11.º, cinco projectos de decisão e quatro decisões finais com consequente encerramento destes últimos processos. O intercâmbio electrónico de informações com as Autoridades da Concorrência de outros Estados Membros processou-se também de uma forma intensa. De referenciar, no ano transacto, um total de 182 comunicações relativos a pedidos de informação, questionários e respostas transmitidas, envolvendo a Comissão Europeia e praticamente todos os países da União Europeia.. No âmbito desta vertente, a Autoridade da Concorrência Portuguesa teve oportunidade de prestar particular assistência aos Estados Membros de recente adesão, transmitindo informações sobre a legislação da concorrência e experiência portuguesa em matéria de procedimentos, com utilidade relevante para o aperfeiçoamento das respectivas legislações nacionais no contexto da implementação do processo de modernização do direito comunitário nos respectivos territórios. A Autoridade da Concorrência Portuguesa tem assegurado um elevado grau de participação nas reuniões de Plenário e Grupos de Trabalho horizontais, assumindo no desenvolvimento de alguns temas uma função de liderança e contribuindo desse modo, decisivamente para a formulação de guidelines sobre as matérias em estudo. Foi o caso da aplicação de programas de clemência a pessoas naturais e a matéria de cooperação entre os EM no âmbito de inquéritos sectoriais. A troca de informações confidenciais e a possibilidade de uma Autoridade de um EM poder proceder no seu território investigações em nome e por conta da Autoridade de outro EM são outro instrumento importante para uma aplicação coerente da legislação e eficiente alocação dos recursos disponíveis. Neste domínio, há a reportar um pedido formal de assistência por parte da Autoridade da Concorrência de um EM de recente adesão para se proceder uma investigação em Portugal, que foi plenamente correspondido pela Autoridade da Concorrência. Também de referenciar dois pedidos de informação confidencial e um caso de realocação de um processo para a Autoridade Portuguesa por se encontrar em melhor posição para instruir o caso. Recomendação (PP): Dado o aumento exponencial dos grupos de trabalho e das reuniões6 propõem-se o desenvolvimento e instalação de uma rede segura de vídeoconferência entre a Comissão e todas as ANC, o que permitiria uma maior frequência no intercâmbio de informações sobre os casos, e uma redução dos custos nas reuniões actuais. É evidente que se continua a justificar a realização de uma parte significativa das reuniões que actualmente se fazem, em Bruxelas. 5. Algumas propostas para ajustamentos futuros nas áreas das concentrações e ECN A reforma da regra de 2/3 sobre concentrações foi já proposta pela Comissão, mas a sua probabilidade de passagem no Conselho é muito reduzida pela oposição dos grandes países. A posição da Autoridade sobre esta matéria é de apoio da Comissão. Esta regra necessita de qualificação pelos seguintes motivos: suponhamos uma dada empresa, com uma escala de eficiência mínima relativamente elevada, quando comparada com a dimensão do mercado de uma pequena economia, devido a economias de escala, de rede ou de gama. É mais provável que a empresa do grande país tenha a totalidade das operações nesse país, enquanto que a empresa do pequeno país ou tenha operações noutros E-M ou que parte dos seus activos sejam detidos pela empresa do grande país. E esta probabilidade aumenta com o grau de integração. Suponhamos agora uma concentração entre duas destas empresas. No país grande esta concentração irá provavelmente ser avaliada pela ANC e no caso do pequeno país irá parar na Comissão. Evidentemente que não haveria problemas caso os modelos institucionais e os critérios de avaliação tivessem um certo grau de harmonização dentro da UE. Como não acontece podem surgir sérios problemas de tratamento destas concentrações. Elas afectam sobretudo os sectores dos não transaccionáveis, com fortes economias de rede e de escala (infraestruturas), e que são normalmente sectores regulados. Evidentemente que uma solução radical, ainda mais intrusiva da soberania nacional é a constituição de reguladores a nível europeu, o que não seria aconselhável neste estádio de integração em muitos sectores. Vejamos outras áreas que merecem algum aperfeiçoamento. A experiência até agora mostra a necessidade de cooperação mais estreita na alocação de casos entre a Comissão e as ANC. Outra área que requer colaboração mais estreita refere-se à construção de bases de dados estatísticos para benchmarking em casos de práticas restritivas, nomeadamente nos abusos de posição dominante. Embora cada país tenha uma estrutura específica da sua indústria, existe hoje uma comunalidade de tecnologias em sectores como o das telecomunicações, financeiros ou de tipos de energia, em que as ANC muito beneficiariam da colecta e existência de bases de dados sobre custos e preços. Este tipo de bases de dados é muitas vezes coligido por consultoras internacionais, o que mostra a sua utilidade e factibilidade. 6 Estima-se que em 2006 o custo destas reuniões, não considerando a imputação do tempo dos técnicos que participam nas reuniões nem os custos das instalações, terá ascendido a 200 mil euros, sendo suportado metade pela Comissão. Finalmente, duas das áreas prioritárias em que a Comissão tem investido recursos para uma reflexão mais profunda são as Guidelines on Abuses of Dominant Position (art. 82º) e de acções privadas no domínio do Direito da Concorrência (private enforcement). O prosseguimento da sua discussão continuará por todo 2007. Recomendação (PP): Continuar e completar o processo de elaboração para as Orientações na aplicação do artigo 82, que está em curso na Comissão, recebendo comentários das ANCs. Recomendação (PP): Idem para as acções privadas no domínio do Direito da Concorrência. 6. Necessidade de harmonização entre Estados Membros Quanto às questões institucionais da organização das ANC continuam a subsistir grandes diferenças nos modelos nacionais. Embora esta questão caia na subsideriedade de cada Governo, existe um problema de fundo que não podemos ignorar. As empresas devem enfrentar o mesmo level-playing-field qualquer que seja a parte do Mercado Único em que competem. A área monetária veio trazer, na construção da zona euro, importantes lições sobre esta matéria, ao estabelecerem-se no Tratado de Maastricht requisitos mínimos a que os Bancos Centrais deveriam obedecer. Da mesma forma, e respondendo a este imperativo de harmonização deveria estabelecer-se um modelo de referência mínimo para as ANC. À semelhança dos Bancos Centrais, a área mais crítica a regular por uma norma comunitária seria a independência das ANCs. O processo de descentralização para as ANCs, que se operou a nível dos Processos de Práticas Restritivas, também deveria, em nosso entender, estender-se às ajudas de Estado. Talvez fosse uma forma de incentivar a aplicação do modelo de referência sugerido no parágrafo anterior que esta descentralização fosse feita apenas para ANCs com estatuto de independência. Outra área a requerer uma certa harmonização é a que se refere às concentrações, conforme se defendeu acima. Esta harmonização deveria começar por um esforço de convergência nos critérios de avaliação das concentrações e na construção de uma rede de informações entre a Comissão e ANCs no que respeita às concentrações de âmbito nacional. Não faz sentido que uma empresa, na aplicação do Regulamento 1/2003 seja sancionada num E-M em escassas dezenas de milhar de euros, e outra, de igual dimensão, e em circunstâncias semelhantes, seja sancionada em dezenas de milhões de euros, noutro E. -M. Embora os diferentes sistemas penais, que cabem na soberania dos E-M, não sejam harmonizáveis, é importante dar um passo na convergência de critérios na aplicação de sanções para casos semelhantes nos E-M. Finalmente, continua a verificar-se a necessidade de convergência entre E-M na aplicação do Regulamento 1/2003. As principais áreas são: (i) abolição do sistema de notificação prévia de acordos (art. 1º), (ii) aplicação paralela das regras anti-trust nacionais e comunitária (art. 3.2), (iii) poder para impor remédios estruturais (art. 7),7 7 Os países que já têm esta possibilidade são a Alemanha, Áustria, Reino Unido, Irlanda, República Checa, Grécia e Eslovénia, entre outros. (iv) poder para impor medidas cautelares, (v) poder para aceitar compromissos (art. 9), (vi) poder para selar instalações empresariais, e apreender livros e documentos (art. 20), (vii) poder para inspeccionar residências pessoais,8 (viii) multas sobre associações de empresas (art. 23.2 e 23.4), (ix) estuto de clemência, (x) investigação sectorial ou tipos de acordos (art. 17). De todos estes pontos, os que Portugal ainda não respeita totalmente são (i), (iii), (v), (vii), e (viii). É necessário continuar a fazer um esforço entre nós de adequação da Lei da Concorrência a estes requisitos comunitários, embora o ponto (vii) nos pareça muito complicado. Recomendação (PP): Trabalhar na harmonização e convergência dos modelos institucionais e leis na área das concentrações e práticas restritivas, com vista a uma maior harmonização na aplicação das leis da concorrência. 8 As Autoridades de todos os países já têm este poder, excepto Dinamarca, Finlândia, Itália, Lituânia, e Bulgária.