Apresentação por ocasião da
Entrada em Vigor do Novo Regime de
Política Comunitária da Concorrência
Abel M. Mateus
Presidente da Autoridade da Concorrência
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Boa Tarde
Quero desde já agradecer a vossa presença aqui na Autoridade da Concorrência
Estamos aqui reunidos para celebrar a entrada em vigor do Novo Regime de Política
Comunitária da Concorrência, marcado pelo Regulamento das Comunidades Europeias
nº 1/2003 e legislação anexa. Foi a 1 de Maio p.p. que, coincidindo com o alargamento
da União Europeia de 15 a 25 membros, entrou em vigor este novo regime, vulgarmente
designado por “Pacote da Modernização”. É um marco histórico, que na gíria
comunitária é conhecido como “big bang”, pois é a primeira grande reorganização da
política comunitária da concorrência desde que entrou em vigor a Comunidade
Europeia. Por isso, a Comissão celebrou também este dia como o “Dia da
Concorrência”. Esta “revolução” gradual e silenciosa (como o Comissário Monti lhe
chamou) traz para a Autoridade novas atribuições e poderes, bem assim como novas
responsabilidades. A partir desta data, as Autoridades Nacionais da Concorrência
passam a aplicar, de uma forma paralela, com a Comissão e Tribunais Nacionais, os
artigos 81 e 82 do Tratado da Comunidades Europeias.
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Nesta breve introdução vamos abordar o significado e implicações genéricas do novo
regime, bem como as implicações estratégicas que a sua entrada em vigor representam
para as empresas e esta Autoridade.
1. O que significa o novo regime da política comunitária da concorrência?
O regulamento 1/2003 contempla uma aplicação paralela da política contra práticas
restritivas (artigos 81 e 82) da Comissão, das Autoridades Nacionais de Concorrência
(ANC) num processo contra-ordenacional, e dos Tribunais Nacionais num contexto de
processo cível ou no quadro de um recurso de uma decisão da AdC. A partir de hoje já é
possível a qualquer empresa dirigir-se à ANC e apresentar uma queixa contra um
acordo entre empresas, por exemplo, de distribuição, mesmo que este tenha impacto
sobre o comércio entre os Estados-Membros. Este regulamento vem também tornar
mais visível a possibilidade de uma empresa accionar um processo em tribunal nacional
contra uma ou várias outras empresas que a estão a prejudicar através de um acordo ou
prática anti-concorrencial. Repare-se que esta possibilidade já existia por força do efeito
directo dos artigos 81.º e 82.º, mas estava limitada às proibições, excluindo o balanço
económico previsto no n.º 3 do artigo 81.º Esta é uma área em que há muito a fazer: nos
EUA cerca de 90% dos casos de concorrência são accionados através dos tribunais, o
que é fruto de uma “cultura de concorrência”.
Assim, a partir desta data, a Autoridade da Concorrência portuguesa passou a ter plenos
poderes para aplicar o direito comunitário da concorrência, no âmbito previsto pelo
referido regulamento.
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Por outro lado, criou-se um sistema europeu para troca de informações: A Rede
Europeia da Concorrência, que permite às ANC e à Comissão trocar entre si toda a
informação disponível sobre casos apreciados por qualquer destas instituições,
incluindo informação confidencial, dentro de um sistema seguro.
Também os Tribunais Nacionais podem aplicar directamente os artigos 81 e 82, perante
queixas que lhes são apresentadas por particulares, embora no quadro da apreciação de
litígios comerciais entre empresas: a entidade responsável para apreciar queixas é a
AdC. Para assegurar uma certa coerência no julgamento destes casos, não só a
Autoridade como a Comissão podem apresentar observações escritas, como as decisões
dos Tribunais não podem ir contra a prática decisória da Comissão.
2. Porquê esta reforma?
Durante alguns anos discutiu-se a possibilidade de a legislação nacional da concorrência
ser substituída apenas pela legislação comunitária. Esta uniformidade de leis tem
fundamentos na construção do mercado único, à semelhança da política monetária que
hoje também é única para o espaço do euro, parece ser uma tendência natural. Mas
vários países, entre os quais Portugal e a Alemanha acharam que ainda não se havia
chegado à necessidade imperiosa dessa uniformização, pelo que se adoptou por um
sistema de “aplicação paralela”, salvaguardando, como não podia deixar de ser, o
princípio da primazia do direito comunitário sobre o direito nacional, já reconhecido há
muito na ordem jurídica comunitária.
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Impunha-se, assim, uma reforma profunda para tornar possível a aplicação da política
comunitária da concorrência num contexto de 25 países – o maior alargamento da
história das Comunidades Europeias. É necessário garantir às empresas que estas
operem segundo as mesmas regras de concorrência, qualquer que seja a localização
dentro do espaço comunitário.
Por outro lado, a Comissão tinha que promover a descentralização das suas actividades,
não só perante o alargamento, como devido ao crescente volume de casos pendentes nos
seus serviços. Com esta reforma, a Comissão pode concentrar-se mais nas violações da
lei que maior prejuízo causam à concorrência no espaço comunitário.
Finalmente, para tornar a Europa mais competitiva é essencial prosseguir a estratégia de
reforma e tornar os mercados tanto do produto como dos factores mais concorrenciais. E
isso passa essencialmente por uma política da concorrência mais eficiente.
3. Implicações para a Autoridade e para as empresas.
A Autoridade da Concorrência tem a obrigação, desde 1 de Maio de 2004, de aplicar
directamente o artigo 81 e 82 a todos os processos onde haja um impacto sobre o
comércio, efectivo ou potencial, entre os Estados Membros.
As principais práticas proibidas pela legislação comunitária e nacional são os acordos
de cartelização seja horizontal como vertical entre empresas, bem assim como o
abuso de posição dominante.
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Os cartéis são a forma mais perniciosa de prejudicar ou as empresas que estão fora do
cartel ou os consumidores, pelo que o seu combate assume grande prioridade na
actuação da Autoridade e da Rede Europeia de Concorrência. Refira-se, a título de
exemplo, que a Comissão impôs em 2001 coimas sobre 10 cartéis no valor de 2 biliões
de euros, e em 2002 empresas envolvidas em 9 cartéis pagaram 1 bilião de euros.
A partir de agora a Autoridade portuguesa passa a dispor de toda a informação que é
disponibilizada pela Comissão e pelas restantes autoridades para poder actuar dentro das
nossas fronteiras contra empresas portuguesas ou estrangeiras que estejam envolvidas
em cartéis.
Quais são os casos que vêm para a Autoridade e os que vão para a Comissão? Os
primeiros são aqueles onde o maior impacto seja sobre o território nacional. Esperamos
também receber uma série de casos em que as ANC portuguesa e espanhola actuem
paralela mas coordenadamente. A Comissão actua nos casos onde há mais do que 3
Estados Membros envolvidos, ou onde a questão de fazer doutrina, assegurar coerência
ou inactividade de uma ANC se põe.
Os acordos entre empresas, seja entre grossistas e retalhistas, ou seja em termos de
acordos sectoriais ou de associações de empresas ou profissionais, deixam de estar
sujeitos a notificação prévia, pelo que a Autoridade passará a actuar de uma forma mais
selectiva, mas mais eficaz, seja baseada em queixas seja por iniciativa própria da
Autoridade. Para facilitar a apreciação dos casos que ainda podem recair sobre a
legislação nacional publicou-se hoje, na internet, e para consulta pública, um novo
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regulamento para apreciação deste tipo de acordos, unicamente ao abrigo da lei
nacional.
O art. 7º do regulamento 1/2003 permite agora combater de uma forma mais efectiva os
abusos de posição dominante, ao permitir a adopção de medidas estruturais, quando as
medidas de tipo comportamental não sejam eficazes.
A Comissão deixa de agora em diante de emitir decisões de isenção sobre acordos, pelo
que são as próprias empresas que têm de aplicar o balanço económico à análise dos
acordos entre empresas, cabendo à Comissão e às ANC a sua fiscalização à posteriori.
Finalmente, o novo regime dá poderes acrescidos de inspecção junto das empresas e da
possibilidade de estender esta investigação a casas particulares de administradores e
directores, com autorização judicial. No caso de não colaboração pelas empresas
sujeitas a inspecção estas podem ser multadas até 1% do volume de negócios anual ou
até 5% do volume diário para acções repetidas, que se prolongam no tempo.
4. O art.81 e a sua aplicação aos casos portugueses
A entrada em vigor do Regulamento (CE) 1/2003 não provoca grandes alterações ao
quadro legal já instituído pela nossa lei nacional da concorrência (18/2003) no que
respeita às práticas anti-concorrenciais. Porém, deixem-me que refira a importância
desta matéria.
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Um dos males que mais aflige o funcionamento dos mercados nacionais é
cartelização entre as empresas. É um tipo de comportamento que foi no passado
encorajado seja pelo Estado Novo ou pelas formas estatais de intervenção. Ora na
economia de mercado a empresa tem que tomar as suas decisões de uma forma
autónoma, e assumir o risco necessário derivado da informação imperfeita que detém do
mercado e do desconhecimento da forma de actuação dos seus concorrentes.
Formas de reduzir essa incerteza, seja por acordos de preços, divisão de
mercados regionais, acordos de investimento, imposição de barreiras à entrada, e outras
práticas restritivas são proibidas pelo artigo 81 do Tratado, que foi vertido na Lei
18/2003.
A Autoridade já está a investigar este tipo de práticas nalguns sectores e, à
medida em que a Tutela autorize a contratação de mais recursos humanos, não deixará
de estender as suas investigações a outros sectores onde existam indícios sérios destas
práticas que são das mais perniciosas para os consumidores e empresas-clientes, em
geral.
Deixem-me recordar que no domínio das sanções que a Autoridade pode aplicar,
seja ao abrigo da legislação comunitária, seja nacional, estas podem ir até 10% do
volume anual de negócios.
Também quanto a acordos vamos estar particularmente atentos às restrições que
existem ainda no seio de algumas associações profissionais, tal como a Comissão
alertou recentemente. E, gostaria de alertar, que estas associações não se podem escudar
em práticas ou portarias que dêem cobertura a tais práticas, tais como decisões recentes
dos Tribunais Comunitários o determinam.
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5. O art. 82 e a sua aplicação aos casos portugueses
Os abusos de posição dominante, que respeitam ao mesmo tipo de práticas, mas
onde existe uma empresa ou grupo que tem um poder dominante sobre um dado
mercado, são também práticas que têm prejudicado seriamente as empresas e os
consumidores portugueses.
Sabemos que houve um processo de liberalização e de privatização dos sectores
das infraestruturas e onde as considerações sobre concorrência nem sempre, no passado,
tiveram grande relevância. Substituíram-se monopólios públicos por privados, o que na
ausência de medidas estruturais concorrenciais causa enormes distorções sobre a
competitividade das empresas. Basta tomar alguns números de referência no que
respeita à electricidade, gás ou telecomunicações, publicados pelo Eurostat.
E os preços nestes sectores, onde existem insuficiências de regulação e outras
restrições contratuais que o Estado nem sempre terá negociado da forma mais vantajosa
para os utentes, não vão descer por decreto.
Só através de uma concorrência mais intensa se conseguirá uma redução de
preços em benefício das empresas e dos consumidores. É nisto que a Autoridade está
fortemente empenhada, e onde contamos com a vossa colaboração na difusão desta
mensagem – pois é em benefício, a longo prazo, da vossa competitividade.
6. Conclusão
A economia do mercado para funcionar eficientemente necessita de regras anti-trust.
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Estamos perante uma nova cultura que é requerida das empresas e dos seus consultores
jurídicos. Por um lado, as empresas terão maior segurança para fazer valer os seus
acordos perante os tribunais e menor carga administrativa. Por outro lado, terão que
fazer uma auto-análise mais cuidada dos seus contratos e práticas. Deixa assim de haver
possibilidade de pedirem sistematicamente às ANC para analisarem ex-ante a legalidade
destes instrumentos, no domínio do novo regulamento, embora ela se possa ainda fazer
dentro da lei nacional, quando não afecte o comércio entre Estados-Membros. E acima
de tudo, esta reforma deve assegurar maior homegeneidade no tratamento das empresas
no mercado alargado da EU.
Contamos, pois, com as Associações de Empresas e Profissionais, as que estão aqui
presentes e as que foram convidadas, para difundir esta nova cultura da concorrência.
Só assim se conseguirá um mais eficiente funcionamento da economia de mercado.
A missão da Autoridade da Concorrência é prosseguir o bem-estar dos consumidores e
assegurar que as regras de concorrência entre as empresas asseguram um funcionamento
eficiente dos mercados, com as mesmas oportunidades para todas elas. Por isso,
combatemos privilégios dados apenas a umas empresas e não a outras, e nos
asseguramos que não há barreiras à entrada quando pretendem entrar num negócio.
A redução dos preços das infraestruturas é fundamental para a competitividade externa
dos nossos produtos e serviços.
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Também não nos cansamos de apregoar a todas as instâncias nacionais que é essencial
para a competitividade das empresas nacionais que haja cá dentro uma concorrência sã e
equilibrada. Só assim os nossos empresários, e que as vossas associações aqui presentes
representam, saberão concorrer em espaços mais alargados e globais.
Só assim, poderemos ter mais inovação e mais progresso técnico e produtividade, para
beneficiar o futuro das gerações presente e vindouras.
Muito obrigado.
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Apresentação - Autoridade da Concorrência