Janeiro| 2015
Implicações da queda do preço de petróleo sobre a economia mundial
O segundo semestre de 2014, e especialmente os últimos três meses do ano, foram marcados por um fortíssimo movimento de queda nos preços de
petróleo. Em termos de média mensal, temos na comparação entre dezembro e junho um recuo de nada menos que 45%. Diante disto, qualquer análise sobre as
perspectivas para a economia mundial nos próximos anos deve necessariamente incorporar uma avaliação sobre a natureza e os efeitos desse choque.
Para avançar na compreensão dessa questão, é preciso avaliar até que ponto essa queda de preços é devida a mudanças pelo lado da oferta ou demanda.
Um estudo recente do FMI1 sugere que provavelmente a dinâmica recente reflete uma combinação de fatores dos dois lados. No que tange à demanda, o ritmo de
expansão na China mostrou nos últimos anos uma clara moderação em comparação aos níveis quase febris observados na década passada, embora siga
crescendo de forma ainda vigorosa. Somando-se a isto o quadro de recessão ou estagnação na Europa, tivemos nos últimos anos um ritmo de crescimento mais
modesto em termos globais. Na média de 2012 a 2014, a economia mundial teve um crescimento anual da ordem de 3,3%, comparados a 5,1% de 2003 a 2007, no
período que antecedeu a Grande Recessão. Especificamente em 2014, o desempenho do Japão e da Zona do Euro acarretou algum desapontamento em relação
às expectativas de expansão global.
Em um contexto de crescimento mundial mais moderado, tem havido uma tendência de acomodação dos preços de commodities em geral. Se
excetuarmos os preços de energia, vemos ao longo dos últimos três anos uma queda nos preços (medidos em dólares) das commodities da ordem de 12%. Esse
movimento, que contrasta com a tendência fortemente ascendente que prevaleceu entre 2003 e 2011, parece estar relacionado predominantemente a questões
de demanda.
É plausível, nesse sentido, que parte da queda dos preços de petróleo seja um sintoma do ritmo mais modesto de expansão da economia mundial. Essa
parece ser, contudo, uma explicação parcial. O estudo do FMI indica que mudanças pelo lado da oferta podem explicar algo como 2/3 da queda recente dos preços.
O destaque no período recente é a ampliação da produção na Líbia, mas em paralelo a isto continuamos a assistir a uma vigorosa ampliação da produção nos
Estados Unidos. Nos últimos 6 anos, há um crescimento acumulado de mais de 60%, levando a produção de petróleo para mais de 8 milhões de barris/dia (mmbd) e
contribuindo para que as importações líquidas de petróleo e derivados do país fossem reduzidas de perto de 13 mmbd em 2006 para 5 mmbd no ano passado.
As indicações de que a queda de preço deriva predominantemente de uma ampliação da oferta de petróleo são uma boa notícia para a economia mundial.
Essencialmente, temos um insumo fundamental se tornando mais abundante e, por consequência, mais barato. Desta forma, tornam-se também mais baratos,
por exemplo, os custos de transporte em geral e de fertilizantes. Projetos de investimento que não seriam factíveis com energia mais cara se tornam viáveis. De um
modo geral, a economia mundial se torna mais rica e se amplia sua capacidade de produção.
Deve-se observar, contudo, que os efeitos sobre as diversas regiões e setores são fortemente assimétricos. A queda de preços representa,
essencialmente, uma transferência de renda de produtores para consumidores. Para países que são grandes importadores líquidos de petróleo, essa transferência
se dá de produtores em parte localizados em outros países para seus consumidores. Isto faz com que esse grupo de países, no qual se destacam China, Japão,
Zona do Euro e Estados Unidos (a despeito da forte ampliação da produção nos últimos anos) seja beneficiado.
Obviamente, esse mesmo raciocínio leva à conclusão de que exportadores de petróleo se tornam mais pobres com a queda de preços. Esse é o caso, por
exemplo, de países do Oriente Médio, da Rússia e da Venezuela. No caso de grandes exportadores, ajustes macroeconômicos importantes podem ser
necessários, especialmente no caso de países que, nos anos de bonança, fragilizaram seus fundamentos e instituições. Particularmente no caso da Rússia, que por
seu tamanho e relevância geopolítica atrai mais atenções, há dificuldades pela enorme importância do petróleo nas exportações (32%) e nas receitas
governamentais (45%).
Voltando ao caso dos grandes importadores, é interessante observar que as respostas de política econômica da Zona do Euro e dos EUA devem ser
diferentes. Ambas as regiões se defrontarão com um clássico choque de oferta positivo, que tende a simultaneamente estimular o crescimento e reduzir a inflação.
Contudo, as duas regiões encontram-se em fases muito distintas no ciclo econômico. De um lado, os EUA têm estado em consistente processo de recuperação há
mais de cinco anos, e esse processo deu sinais de aceleração nos últimos 18 meses. Nesse contexto, as condições do mercado de trabalho têm melhorado com
certo vigor, e o retorno a uma situação próxima ao pleno emprego pode ser vislumbrada entre o fim de 2015 e meados de 2016. Embora a inflação ainda persista em
níveis abaixo da meta de 2%, as expectativas do próprio Fed são de que, no horizonte relevante para a política monetária, a inflação deve convergir para a meta,
refletindo, com as defasagens usuais, a melhoria das condições do mercado de trabalho. Desde que as expectativas permaneçam bem ancoradas (o que é o caso
até aqui), os efeitos da queda do petróleo sobre a inflação tendem a ser transitórios. Se for assim, o Fed deve iniciar o processo de elevação dos juros em algum
momento entre o 2º e o 3º trimestres deste ano, após quase sete anos de juros próximos a zero.
Janeiro| 2015
No caso da Zona do Euro, a economia teve em 2014 um crescimento pobre, abaixo de 1%, após uma segunda rodada de recessão em 2012 e 2013. A
inflação na região já está em níveis muito baixos e segue recuando com vigor, ao mesmo tempo em que as expectativas de inflação também caem. Sob tais
circunstâncias, a queda do petróleo acentua o risco de um espiral deflacionário e, diante disto, o Banco Central Europeu deve se ver forçado a adotar medidas
adicionais de afrouxamento não convencional, incluindo eventualmente um programa de compra de títulos soberanos, ao estilo do que fizeram seus pares nos
EUA, Reino Unido e Japão.
Em resumo, a forte queda dos preços de petróleo dos últimos meses tem efeitos bastante divergentes nas diversas regiões e, por consequência, ensejará
respostas de política econômica também muito distintas. De todo modo, há evidências de que questões de oferta respondem por uma parte importante da queda
e, se for assim, estamos diante de um jogo de soma positiva. Isto é, há um empobrecimento inequívoco dos grandes produtores, mas o efeito líquido sobre a
economia mundial será positivo. De acordo com o FMI, o efeito sobre o PIB mundial poderia variar entre 0,3 e 0,7 p. p. em 2015 e entre 0,4 e 0,8 p. p. em 2016,
dependendo de qual parcela da queda de preços seria efetivamente explicada por questões de oferta. A concretização desse cenário, contudo, pressupõe que os
exportadores de petróleo sejam capazes de implementar os ajustes que o novo contexto impõe, de tal forma que crises financeiras que pudessem contaminar
negativamente o crescimento mundial sejam evitadas.
Alexandre Bassoli
Economista-chefe do Opportunity e Mestre em Economia pela USP.
1
“Seven questions about the recent oil price slump”, de Olivier Blanchard e Rabah Arezki, disponível em http://blog-imfdirect.imf.org/2014/12/22/seven-questions-about-the-recent-oil-price-slump/
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