CARTA DOS GESTORES - AGOSTO 2015 Europa: Lidando com os Riscos de Deflação Ao longo dos últimos 12 meses, a economia da Zona do Euro tem sido nosso principal tema de investimento, com foco em sua política monetária expansionista, e nos riscos de deflação na região. Nesta carta, abordaremos como o ambiente econômico, a atuação do Banco Central Europeu (ECB, na sigla em inglês) e suas implicações influenciaram nossas alocações em ativos europeus. Há sete anos, desde a eclosão da crise financeira global em 2008, a Zona do Euro encontra-se estagnada economicamente. A fraqueza da demanda privada, em lento processo de redução do endividamento, foi determinante para o fraco desempenho da economia no período. Os efeitos da crise foram especialmente pronunciados nos países periféricos. Nos anos que sucederam a crise, o aumento expressivo do endividamento público e a recapitalização dos bancos impactaram economias de países como Grécia, Portugal, Espanha e Itália. O protagonismo do ECB no combate a esta crise ficou evidente desde a famosa intervenção verbal do Presidente Mario Draghi em 2012 (“the ECB is ready to do whatever it takes to preserve the euro.”), tanto pelo conjunto de medidas de política monetária adotadas, quanto pela implementação de avanços regulatórios junto ao setor bancário. Em 2014, este processo se refletiu em crescentes riscos deflacionários. Neste período, as contradições e fragilidades dentre membros da união tornaram-se ainda mais evidentes: vimos uma fragmentação financeira entre os países do núcleo e os periféricos, e grande aversão a riscos. penalizando suas populações com altas taxas de desemprego, especialmente entre os mais jovens. A persistência desta situação representa risco adicional para seu crescimento, à medida em que impacta negativamente a produtividade do trabalho. A Zona do Euro vem registrando baixas taxas de crescimento e baixa inflação, mantendo vivos temores de uma “japanificação”. Na segunda metade de 2014, quando importantes choques afetaram a região, tais temores foram amplificados. A crise geopolítica na Ucrânia (que impactou comércio e sentimento empresarial), a desaceleração no crescimento global, e a queda no preço do petróleo afetaram negativamente os preços de bens, e contribuíram para abertura no hiato do produto europeu. Estes eventos exerceram pressões adicionais na inflação, afetando de maneira desigual os países da região. Atividade Econômica Ao longo dos últimos anos, os países-membros da Zona do Euro tiveram marcantes divergências em seu desempenho econômico. Enquanto a Alemanha recuperou-se com maior vigor, outros países não foram capazes de elevar seus níveis de atividade aos patamares pré-crise. A liderança da economia alemã reflete a dinâmica de um país competitivo, com maior grau de abertura e agilidade no processo de desalavancagem de seu setor privado. Esta combinação propiciou altos níveis de emprego à população alemã. Nos países periféricos, a realidade é bem diferente; estes tiveram um fraco desempenho econômico, A pressão deflacionária resultante destes choques poderia ser combatida com polítiticas fiscal e monetária estimulativas. Entretanto, o que vimos até recentemente foi a contração no balanço do ECB (até meados de 2014) e a condução de políticas fiscais austeras. Na próxima seção, comentaremos as políticas desenhadas pelo ECB, que reverteram esta contração de seu balanço, e as limitações para utilização das políticas fiscais expansionistas. 1 CARTA DOS GESTORES - AGOSTO 2015 liquidez para os bancos e compras de ativos do setor privado financeiro. Apesar desse esforço, no início de 2014 a inflação ainda permanecia abaixo da meta de 2%. Política Fiscal e Monetária Em reação à crise de 2008, os governos da Zona do Euro conduziram políticas fiscais estimulativas, com objetivo de estabilizar seu crescimento. Enquanto o setor privado reduzia seu endividamento (em parte, via defaults), os governos elevavam seus gastos na tentativa de sustentar a atividade econômica. A carga sobre os governos ficou ainda mais pesada com as sucessivas recapitalizações bancárias, muitas realizadas com dinheiro público. Esta dinâmica ocasionou um perigoso crescimento das dívidas públicas, do qual apenas a Alemanha escapou. Como visto na seção anterior, esta expansão fiscal não foi suficiente para viabilizar a retomada do crescimento econômico na Zona do Euro. As limitações ao endividamento público, contidas no Tratado de Maastricht, restringem o uso da política fiscal expansionista como estímulo à economia. Como vimos anteriormente, o balanço do ECB sofreu importante contração durante a primeira metade de 2014. Frente a isso, o banco adotou medidas adicionais de afrouxamento monetário, visando à expansão do seu balanço. Elas incluíram novas linhas de liquidez para os bancos (TLTROs, na sigla em inglês), taxas de depósito negativas e compras de papéis lastreados em ativos, do setor privado não financeiro (ABS, na sigla em inglês). Apesar das medidas, a queda da inflação corrente e a atividade fraca impactaram ainda mais as expectativas de inflação. Frente à necessidade de expansão significativa do balanço do ECB, a inclusão de compras de papéis de dívida soberana no programa parecia incontornável e iminente. Na fase imediatamente anterior à expansão, em janeiro de 2015, intensificaram-se as disputas dentro do comitê executivo do ECB em torno dessa questão. Em 22 de janeiro, o ECB anunciou a expansão do Quantitative Easing (QE), com a inclusão de papéis soberanos de países do bloco. O programa prevê compras mensais de papéis públicos e privados, em um volume total de 60 bilhões de euros. As compras se estenderão entre março de 2015 e setembro de 2016 (1.1 trilhão de euros, no total). Coube então ao ECB ser o mais importante ator no campo das medidas cíclicas. Podemos lembrar a série de medidas adotadas pelo banco, visando ao afrouxamento das condições monetárias, desde antes da recessão vivida pela Zona do Euro em 2012. Dentre estas estão cortes de juros, concessão de linhas de O QE e a Evolução da Economia no Início de 2015 O impacto do QE sobre o câmbio e os juros foi notável, mesmo antes do anúncio de sua expansão em janeiro. Ao mesmo tempo, houve forte redução do diferencial de juros entre a Zona do Euro e os Estados Unidos. 2 CARTA DOS GESTORES - AGOSTO 2015 mantivemos uma posição vendida no euro contra o dólar, sendo esta a maior posição do fundo. Na expectativa de um grande movimento de depreciação do euro, mantivemos uma boa parte de exposição via opções de compra de dólar contra euro, que naquele momento negociavam a níveis de baixa volatilidade implícita. Em meados de março deste ano a cotação do euro atingiu 1.05, e como a volatilidade havia mudado de patamar, aproveitamos para realizar lucros em boa parte da posição. As expectativas de inflação responderam positivamente e a inflação implícita no mercado futuro voltou ao patamar de 1.8% ao ano em maio. Olhando à frente, o cenário de inflação ainda se mostra desafiador, com a expectativa de que o núcleo só atinja 2% ao ano de forma sustentável após 2017. Com relação à atividade econômica, o impulso de injeção monetária e do câmbio desvalorizado, e também a queda significativa no custo de energia ao longo dos últimos trimestres fizeram com que houvesse aceleração significativa do crescimento no início deste ano. Nossa expectativa é de que a Zona do Euro continue crescendo a taxas compatíveis com o fechamento do hiato do produto, porém com importantes distinções entre os principais países. A economia espanhola mostra melhora contínua no mercado de trabalho, enquanto a alemã, já no pleno emprego e neste ambiente estimulativo, tende a permanecer aquecida. Ainda há muita incerteza sobre o ritmo de recuperação das economias francesa e italiana. Apesar da aceleração do crescimento destes países no ínicio de 2015, as reformas estruturais (principalmente no mercado de trabalho e visando à maior competição doméstica) ainda são fundamentais para o crescimento desses países no médio prazo. Estratégia de Investimento: Moeda Desde meados do ano passado, identificávamos a necessidade de forte expansão monetária por parte do ECB. Deduzimos que a combinação da grande expansão monetária com taxa de depósitos negativa traria forte desvalorização para o euro, maior até que o efeito que os respectivos programas de QE no Japão e nos EUA trouxeram para o iene e para o dólar. Por isto, Ao longo dos próximos meses veremos uma grande ampliação do balanço do ECB pela compra de títulos soberanos e privados, e também pelas linhas de liquidez de longo prazo para os bancos (TLTRO). Com a liquidez aumentando à medida que o programa avança, a pressão sobre a moeda intensificará e o euro deve voltar a depreciar. A tendência é atingir a paridade ao longo da implementação do programa. Acreditamos que o programa de QE poderá ser extendido para além de 2016, pois a inflação estará distante da meta de 2% ao ano. Estratégia de Investimento: Renda Variável Paralelamente à estratégia vendida no euro, montamos alocações em renda variável na Europa, que tiveram um período mais longo de maturação, mas mostraram-se vencedoras após atuação mais decisiva do ECB. Inicialmente, implementamos esta alocação em bolsa por meio de futuros de índices (Eurostoxx) e opções, buscando agilidade e assimetrias de ganhos. Em uma segunda etapa, quando passamos a prever um período de menor assimetria, desenvolvemos uma alocação setorial consonante ao cenário macro que vemos para a região. O primeiro tema que abordaremos será o investimento em Apartment Real Estate Investment Trusts (Apartment REITs) na Alemanha. Os REITs são companhias que gerenciam portfólios de imóveis, lucrando com as receitas de aluguéis e com o crescimento dessas receitas ao longo dos anos. São muitas vezes comparados a bonds, pela resiliência de suas receitas. Os fundamentos do setor imobiliário residencial na Alemanha são extremamente positivos: taxas de desocupação baixíssimas (chegam a menos de 1% em diversas regiões), sustentadas por uma economia aquecida, que gera pressões sobre os preços dos aluguéis. Com retornos de 4% nominais e forte inflação de aluguéis, visualizamos espaço para valorização destas companhias. 3 CARTA DOS GESTORES - AGOSTO 2015 Nosso segundo tema setorial é composto por uma cesta de ações de empresas do setor industrial na França, Itália e Espanha. Ao contrário das empresas alemãs, bastante expostas à atividade global, as companhias destes países que selecionamos têm grande exposição à economia doméstica. As empresas selecionadas possuem alta alavancagem operacional à nascente retomada econômica européia, sendo diretamente beneficiadas pelas políticas do ECB. Este investimento é uma aposta na recuperação da atividade na Zona do Euro. Por fim, temos uma alocação no setor bancário europeu, tanto via índice, quanto via uma cesta de ações. Em nossa análise, consideramos os passos dados na direção de uma união bancária mais completa, com o fim dos aumentos de capital, e o início de uma nova fase de maior transparência e redução da percepção de risco no setor, com o Stress Test e o Asset Quality Review realizados ao final do ano passado. As ações dos bancos europeus estão bastante descontadas, com alguns bancos sendo negociados a quase metade de seu valor patrimonial. O BCE está comprando ativos de crédito detidos pelos bancos, e disponibilizou linhas de refinanciamento de longo prazo a taxas muito atraentes para os bancos participantes (TLTRO). Junto com a manutenção da taxa de depósito negativa, estas medidas visam estimular os bancos europeus a tomar financiamento barato e repassar crédito para as empresas e pessoas físicas, na tentativa de reverter o quadro de deflação e baixo crescimento na Zona do Euro. Os bancos participantes serão duplamente beneficiados, tanto pelo aumento de liquidez como pelas condições mais atraentes de financiamento de seus passivos. Dentre os temas que consideramos interessantes, o relacionado aos bancos nos parece o que tem maior a longevidade e enorme potencial de apreciação, que ocorrerá em duas fases distintas. Nesta primeira fase, vemos ainda certa persistência de altos níveis de recebíveis inadimplentes (NPLs) nos balanços de alguns bancos, e acreditamos que aqueles bancos mais descontados e que não necessitem de grandes melhorias operacionais no curto-prazo terão performance destacada. É o caso, por exemplo, de alguns bancos na Alemanha, França e Holanda, que tem tido performance recente superior. Em um segundo momento, veremos o crescimento de crédito nos países periféricos, seguido de uma gradual recuperação na qualidade de ativos. Quando isto ocorrer, iremos migrar a posição nos bancos dos países núcleo, mais resilientes e uma excelente aposta até agora, para uma cesta de bancos de países periféricos, expostos ao crescimento de volumes, à melhora da qualidade de crédito e, por fim, à reversão de provisões para perdas com crédito. Riscos para a Região: Cenário Político O drama da Grécia, que chegou ao limite de deixar vencer o segundo programa de ajuda financeira, mostra a fragilidade política da região. No limite do stress chegaram a um novo programa, contudo ainda não estar claro se o FMI irá participar. O novo governo, sob liderança do atual primeiroministro Alexis Tsipras, vinha buscando uma flexibilização das medidas exigidas pela Troika. Apesar de conseguir algumas concessões, a deterioração econômica foi tão grande, devido ao impasse na negociação, que o volume de ajuda financeira teve de ser aumentado. O risco de implementação das medidas é elevado, pois uma parte do Syriza, partido de esquerda liderado por Tsipras, se opõe às condições traçadas no acordo final. Ainda por parte do governo grego veremos uma tentativa de alteração do perfil da dívida, que se mantém em um patamar insustentável. No último trimestre de 2015 haverá eleições gerais na Espanha e em Portugal. Os dois países já apresentam melhorias na atividade econômica há alguns trimestres, em parte graças às políticas expansionistas do ECB, mas também como resultado dos programas de austeridade iniciados em 2012. Na Espanha, as eleições municipais neste primeiro semestre, especialmente em Barcelona e Madrid, confirmaram a ascenção da oposição, com destaque para o PODEMOS, partido populista de esquerda, em contraposição ao bipartidarismo dos tradicionais PSOE e PP. Vale destacar que estes partidos ainda mantém a maioria dos votos da população. Tanto em Portugal quanto na Espanha, a popularidade da esquerda radical ficará dividida entre a melhora econômica e a fragilidade exposta pela crise grega. Atenciosamente, Marcelo Villela, CFA – Gestor Virgilio Castro Cunha – Gestor Paula Moreno – Gestora Marcos Stein – Analista de Renda Variável Fernando Friaça – Economista Samuel Kinoshita - Economista 4