66_cronica_38.qxd 09-06-2009 14:11 Page 66 CRÓNICA Imprensa: nem há uma crise nem precisamos de uma solução JOSÉ VÍTOR MALHEIROS o contrário do que se costuma dizer por aí, a imprensa não está a atravessar uma crise. Muitas empresas de media, na convicção de que a imprensa está a atravessar de facto uma crise, têm tentado identificar os factores que estão na sua origem, de forma a contrariar a sua influência, para atalhar o mal pela raiz, mas até agora sem resultados entusiasmantes. O que é natural já que, como disse... a imprensa não está a atravessar “uma” crise. De facto, a imprensa está a atravessar três profundas crises: uma crise de credibilidade dos jornalistas (que vem de longe e se tem intensificado nos últimos anos, tanto nos Estados Unidos como na Europa), uma crise de atractividade dos seus produtos tradicionais (que se traduz em perda de leitores, perda de interesse dos leitores, perda de anunciantes, perda de receitas) e uma crise devida ao novo modelo de consumo on-line da informação, ao qual os jornais ainda não encontraram forma de se adaptar, e que é tanto uma crise por ausência de um modelo de negócio on-line como uma crise de definição dos novos produtos em si (e que é resultado do aparecimento da Internet, de novos suportes de comunicação, novos concorrentes, multiplicação de formas de acesso à informação, etc.). Existem fortes relações entre as três crises e até se pode dizer que em muitos casos as fronteiras entre uma e outra são difíceis de estabelecer - o que é verdade -, mas existem problemas específicos em cada uma delas e a solução de uns não pressupõe nem garante a solução de outros. A resolução do problema da rentabilidade dos sites de informação não resolve de forma alguma o problema de credibilidade dos jornalistas e a eventual resolução deste não resolve o primeiro (ainda que possa contribuir para ele). A resolução do problema da falta de atractividade do jornalismo tradicional não resolve o problema do modelo de negócio online (ainda que possa contribuir para ele, pois nem tudo aqui é concorrência) e a resolução do segundo também não resolve o primeiro. A 66 |Abr/Jun 2009|JJ Finalmente, a resolução do problema da credibilidade também não resolveria o problema da falta de atractividade dos modelos e suportes tradicionais do jornalismo (ainda que pudesse contribuir para ele) e a resolução do segundo também não resolveria o primeiro. Da mesma maneira que em cada uma destas três crises existe uma nebulosa de problemas, que se alimentam uns aos outros mas não se resumem uns aos outros, não existe - como sonham os jornalistas mais ingénuos, os directores de jornais mais voluntaristas e os gestores menos esclarecidos - “uma solução” para “a crise”. A resposta a esta revolução - no tipo de jornalismo, no modelo de publicação, no tipo de financiamento, na relação com os leitores - não se poderá fazer com “uma” solução e terá de passar por inúmeras mudanças e ajustamentos, por inúmeras soluções. Algumas parecem evidentes há anos (menos infotainment, mais jornalismo; menos reverência, mais investigação; menos marketing, mais honestidade; menos treta, mais diálogo com os leitores; menos burocracia, mais criatividade; menos repetição, mais originalidade) mas não são postas em prática à espera da “bala mágica” que irá matar a crise... e que não vai chegar nunca. nquanto no passado havia “um” modelo de negócio que funcionava para toda a imprensa, isso não vai acontecer no futuro. É duvidoso que volte a haver um modelo único de negócio one size fits all. Como a Internet tornou duvidosa a sobrevivência do “jornal transatlântico”, que faz tudo, tem tudo e continua a tentar ser o single shopping point onde o cidadão pode encontrar toda a informação. Na Internet o conceito não tem sentido - mas há quem continue a sonhar com ele e a não conseguir prescindir do tipo de jornalismo ou de jornal que se fazia nos bons velhos tempos antes da Internet. Jornalista ([email protected]) JJ E (Crónica publicada no jornal “Público” em 12 de Maio de 2009. Fotografia de JVM por Daniel Rocha)