Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade Nova de Lisboa
A INSUSTENTÁVEL INÉRCIA DO CIDADÃO – A [NÃO]
PARTICIPAÇÃO PÚBLICA COMO CONTRIBUTO PARA A
PRESERVAÇÃO DO LITORAL
O Estudo de Caso do Projecto Coastwatch
Lurdes Maria dos Santos Soares
Mestrado em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos
Lisboa 2007
Dissertação apresentada à
Faculdade Ciências Sociais e Humanas
para obtenção do grau de Mestre
Esta dissertação foi elaborada em 2006 e 2007, sob a
orientação da Professora Doutora Iva Pires, da
Faculdade
de
Ciências
Sociais
Universidade Nova de Lisboa
e
Humanas
–
AGRADECIMENTOS
“Acima de tudo, na vida, temos necessidade de alguém que nos obrigue a
realizar aquilo de que somos capazes. É este o papel da amizade”
(autor desconhecido).
Por isso quero agradecer a todos os que de uma forma ou de outra, me ajudaram na
concretização desta dissertação:
À minha orientadora que me fez acreditar que a tarefa seria fácil.
Ao Carlos Costa, pela amizade, paciência, encorajamento e inspiração.
À Luanha Saraiva minha amiga e companheira de momentos difíceis. Jamais
esquecerei que permaneceu ao meu lado quando estive triste, ouviu-me mesmo
quando não consegui falar, caminhou comigo em silêncio e com ternura sorriu,
obrigando-me a encetar novas caminhadas.
À Teresa Venceslau pela amizade, inspiração e presença, mesmo quando ausente.
À Lúcia e ao Pedro por todo o apoio que me deram, nos momentos de crise, sempre
prontos a orar por mim.
À Margarida Jogo, pela força e jeito “descomplicado” de me obrigar a estar na vida.
Ao Francisco Andrade, à Adelaide Ferreira e à Maria Andrade por estarem aí.
À Bia que mesmo à distância me apoiou e acreditou que chegaria ao fim.
A todos os meus amigos que tiveram paciência para ouvir os meus “não”, nem sempre
com o melhor dos humores.
Aos investigadores com quem trabalhei nestes anos, ao serviço do Coastwatch, cujo
profissionalismo foi modelo inspirador, em especial ao Carlos Reis, ao César Andrade e
à Conceição Freitas.
Ao Nuno que me incentivou de forma a sentir que era tarefa fácil, quando a vontade era
desistir…
À Graça Brito e ao Daniel Vendas pela disponibilidade e boa vontade.
À Margarida Nicolau e Fernando Alves.
Aos coordenadores regionais, participantes e todos os envolvidos no projecto
Coastwatch que responderam ao questionário e trabalharam comigo.
À Dr.ª Margarida Oliveira que me estendeu a mão e me fez encontrar a minha
essência.
À Arq. ª Margarida Almodôvar e Eng.ª Guida Henriques do Instituto Nacional da Água
À Dr.ª Isabel Raposo e ao Jorge Neves da Agência Portuguesa do Ambiente
À Dr.ª Teresa Leonardo do Instituto Conservação da Natureza e Biodiversidade
Ao GEOTA
Aos que me esqueci de mencionar e a todos os que directa ou indirectamente
contribuíram, de alguma forma, para que esta dissertação chegasse ao fim.
Por fim queria dedicar esta dissertação à minha mãe, embora não esteja presente, que
no dia em que entrei para a 1ª classe me disse, ao sair de casa “Filha faz uma boa letra
que haverá sempre quem a leia…”.
Obrigado a todos por estarem aí…
Lurdes Soares
RESUMO
O envolvimento dos cidadãos com vista a assegurar influência nos processos de
decisão é, efectivamente, um processo essencial numa sociedade desenvolvida; mas
como qualquer mudança gera sempre resistência.
Em Portugal, apesar de podermos falar em sinais de mudança, assiste-se, nalguns
casos a uma inércia do cidadão em muitos processos. Outros há, em que a
manifestação perante determinada situação não poderá ser enquadrada num
verdadeiro exercício de cidadania por ser fruto da defesa de interesses particulares e,
desse modo, ser mais reactiva que pró-activa. Porém, em qualquer análise do percurso
da participação pública em Portugal não pode ser esquecido os cinquenta anos de
autoritarismo do regime político anterior que não deixam de se fazer sentir nesta lenta
consolidação de uma democracia participativa.
Assim, se é verdade que até há bem pouco tempo eram válidos os pontos de vista de
que: “a sociedade portuguesa mantém sinais claros de um défice de participação cívica
(Cabral, 2000), conservando-se, por outro lado, entre as autoridades locais e centrais,
uma tendência marcadamente centralista, pouco aberta à interacção com os cidadãos
(Vasconcelos, 2001)”, também é verdade que este cenário, por força das contingências
políticas, socio-económicas ou até mesmo culturais, dá sinais de uma evolução
positiva.
Desde a década de 70 até aos nossos dias muito trabalho foi desenvolvido. Foram
criadas as estruturas legais à escala nacional e europeia – sem duvida que a entrada
de Portugal na União Europeia foi uma forte alavanca no processo de participação
pública – assim como métodos de participação para que o cidadão se manifeste e dê
os seus contributos nos processos de decisão que directamente lhe dizem respeito.
Do conjunto de medidas tomadas em prol da participação pública a Convenção de
Aarhus foi, sem sombra de dúvida, um importante instrumento, na medida em que veio
introduzir uma série de legislação de apoio ao cidadão e “obrigar” os responsáveis de
cada país a desenvolverem medidas com este fim. As directrizes incluídas neste
documento são um forte contributo para uma tomada de consciência dos diferentes
actores sociais, relativamente aos papéis que cabe a cada um desempenhar na
promoção do desenvolvimento sustentável.
Assim, na análise da participação pública dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira
(POOC), é possível observar a evolução da participação dos cidadãos nos processos
de decisão. Se, com rigor, não se pode deixar de afirmar que a participação é
fortemente cingida a interesses particulares, nomeadamente ao nível dos apoios de
praia, também é verdade que desde o POOC Caminha – Espinho, até ao de Vilamoura
-Vila Real de Santo António, houve uma evolução positiva no envolvimento dos
cidadãos, em número e na forma de participação.
O estudo de caso – o Projecto Coastwatch – consolida a ideia de que os projectos de
educação ambiental são um forte contributo para sensibilizar e desenvolver práticas de
cidadania. As potencialidades do Coastwatch têm sido aproveitadas por diversas
entidades que usam o projecto como forma de pôr em prática princípios que conduzem
os participantes a participar activamente na temática do ordenamento do território em
áreas costeiras. Apesar dos seus dezoito anos de existência o projecto conseguiu
reestruturar-se e alargar fronteiras, para já até ao Brasil e em breve para outros países
de expressão lusófona, como Cabo Verde, Angola e Moçambique, comprovando as
potencialidades do projecto como difusor da cidadania ambiental e das práticas de
participação.
ABSTRACT
The involvement of citizens with the goal of assuring some influence in the processes of
decision is, in fact, an essential process in a developed society, but, as any change,
always entails some resistance.
In Portugal, although some signs of change are already noticeable, there is, in some
cases, some inertia of the citizens in many processes. In other cases, the reactions in
face of certain situations cannot be acknowledged as real exercises of citizenship,
because they result from private interests, and thus appear to be more reactive than
proactive. However, any analysis of the evolution of the public participation in Portugal
cannot ignore the 50 years of previous authoritarian political regime, whose effects still
linger in this slow consolidation of a participating democracy.
Thus, if it is true that, until quite recently, the following points of view were valid: “the
Portuguese society maintains clear signs of a deficit of civic participation (Cabral, 2000),
retaining, on the other hand, a marked tendency of centralization among local and
central authorities, little open to an interaction with the citizens (Vasconcelos, 2001)”, it
is also true that this state of affairs, due to political, socio-economical and even cultural
contingencies, shows signs of a positive evolution.
A lot of work was developed since the 1970’s up to our days. Legal structures were
created both at a national and European scale – the adhesion of Portugal to the
European Union was undoubtedly a powerful lever in the process of public participation
– as well as methods of participation allowing for the citizen to speak up and contribute
to the decision processes that concern him directly.
Amongst the set of measures taken in behalf of the participation, the Aarhus Convention
was, without a doubt, a most important tool for this goal, since it introduced a series of
legal instruments to support the citizens and “force” the responsible representatives of
each country to develop measures with this goal in mind. The directives included in this
document are a great contribution to a raise of awareness of the different social actors
in what regards the role that each one is supposed to play in the promotion of the
sustainable development.
Therefore, in the analysis of the public participation on the Coastal Strip Ordering Plans
(POOC), it is possible to observe the evolution of the citizens’ participation in the
decision processes. If, rigorously speaking, one cannot disregard that the participation is
practically restricted to personal interests, namely at the level of the beach
infrastructures, it is also true that, from the POOC of Caminha – Espinho up to that of
Vilamoura – Vila Real de Santo António, there was an evolution in the citizens’
involvement, both in number and form of participation, with better informed citizens.
The case study – the Coastwatch Project – consolidates the idea that the environmental
education projects represented a powerful contribution to raise the awareness and
develop citizenship practices. Several entities took advantage of the potential of the
Coastwatch and used the project as a means to put in practice some principles that lead
the participants to actively participate in the theme of territory ordering in coastal areas,
as can be verified by the enquiries that were carried out.
In spite of its 18 years of existence, the project was able to restructure itself and expand
beyond borders, for the time being to Brazil and soon to other Portuguese-speaking
countries, such as Cape Verde, Angola and Mozambique, thus proving the project’s
potential as a purveyor of environmental citizenship and participation practices.
ÍNDICE GERAL
RESUMO .........................................................................................................................6
ABSTRACT......................................................................................................................8
ÍNDICE GERAL..............................................................................................................10
ÍNDICE DE QUADROS..................................................................................................12
ÍNDICE DE FIGURAS ....................................................................................................13
LISTA DE SIGLAS .........................................................................................................15
INTRODUÇÃO.................................................................................................................1
CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA DA DISSERTAÇÃO NO ÂMBITO DO MESTRADO ........................4
1. DA EMERGÊNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL AO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL.........................................................................................................12
1.1 O PERCURSO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ...............................................................12
1.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – UMA ABORDAGEM HISTÓRICA .........................17
1.3 AS DIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ...........................................27
1.4 – ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ....................................31
1.4.1
ESTRATÉGIA DA UNIÃO EUROPEIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .31
1.4.2
ESTRATÉGIA NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ................34
2. INSTRUMENTOS POLÍTICOS E CIDADANIA AMBIENTAL EM PORTUGAL..........38
2.1 Políticas ambientais e estímulo à participação pública na UE.........................40
2.2 POLÍTICAS AMBIENTAIS EM PORTUGAL..................................................................45
2.2.1
PLANOS DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA............................................55
2.2.2
GESTÃO INTEGRADA DAS ZONAS COSTEIRAS ................................................64
2.3 PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NA PRESERVAÇÃO DO LITORAL .........................................66
2.3.1
O ASSOCIATIVISMO EM PORTUGAL ...............................................................69
2.3.2
O EXEMPLO DOS PLANOS DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA .....................73
2.4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL ........................................................................................79
2.4.1
O INCENTIVO DAS ONG À PARTICIPAÇÃO PÚBLICA ...........................................79
2.4.2
DOIS EXEMPLOS PRÁTICOS DE DINAMIZAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA .........86
3. CASO DE ESTUDO: O PROJECTO COASTWATCH...............................................93
3.1 O COASTWATCH NA EUROPA ..............................................................................93
3.2 COASTWATCH EM PORTUGAL ..............................................................................95
3.2.1
OBJECTIVOS ...............................................................................................95
3.2.2
Metodologia ..............................................................................................98
3.3 IMPLEMENTAÇÃO DO PROJECTO ........................................................................105
3.3.1
O QUESTIONÁRIO......................................................................................105
3.3.2
PRODUÇÃO DE MATERIAIS DE APOIO ..........................................................108
3.3.3
O PROJECTO COASTWATCH NO ENSINO FORMAL ........................................109
3.4 AVALIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NO PROJECTO COASTWATCH ................................112
3.4.1
METODOLOGIA ..........................................................................................112
3.4.2
ANÁLISE DOS INQUÉRITOS AOS PARTICIPANTES NO PROJECTO COASTWATCH .113
3.5 FRAGILIDADES DO PROJECTO COASTWATCH ......................................................121
3.6 POTENCIALIDADES DO PROJECTO COASTWATCH ................................................125
3.7 PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DO QUESTIONÁRIO .................................................127
3.8 INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL - O MODELO DPSIR ...........131
3.8.1
APLICAÇÃO DO MODELO DPSIR NA ANÁLISE DE INDICADORES DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA GESTÃO DO LITORAL ................................................133
3.9 PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO COASTWATCH
INTERCONTINENTAL .....................................................................................................135
3.9.1
COASTWATCH BRASIL ...............................................................................135
4. CONCLUSÕES .......................................................................................................137
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................141
ANEXOS ......................................................................................................................146
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro I – Marcos no percurso da Educação Ambiental em Portugal ..........................14
Quadro II – Alguns Princípios do Direito do Ambiente ...................................................24
Quadro III – Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU..................................25
Quadro IV – Principais problemas visados na EDS – UE (2001)...................................33
Quadro V - A União Europeia e o Desenvolvimento Sustentável (2007/13) ..................34
Quadro VI – Integração de Portugal no processo europeu e global de DS ...................35
Quadro VII – Medidas por domínios de intervenção ......................................................46
Quadro VIII – Participações nos processos de AIA .......................................................50
Quadro IX – Instrumentos de Gestão Territorial (IGT) ...................................................54
Quadro X – Princípios e Objectivos Fundamentais da GIZC .........................................66
Quadro XI – Planos Ordenamento da Orla Costeira......................................................74
Quadro XII- Resumo das principais instituições com responsabilidade na gestão da
zona costeira..................................................................................................................74
Quadro XIII – Possíveis Pontos comuns aos POOC .....................................................76
Quadro XIV – Títulos das campanhas Coastwatch........................................................97
Quadro XV - Excerto da Divisão dos Blocos por NUT (exemplo) ................................100
Quadro XVI - Excerto da Base de dados Coastwatch .................................................102
Quadro XVII – Distribuição de Alertas emitidos pela Protecção Civil...........................123
Quadro XVIII – Indicadores percepção de Risco .........................................................130
Quadro XIX - Indicadores Ambientais ..........................................................................131
Quadro XX – Indicadores de DS na Gestão do Litoral.................................................133
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Dimensões do Desenvolvimento Sustentável ...............................................27
Figura 2 - Esquema sobre a Zona Costeira Adoptado na União Europeia ...................56
Figura 3 - Mapa de jurisdição do litoral ..........................................................................57
Figura 4 – Limites da faixa terrestre e marítima de protecção .......................................60
Figura 5 – Regiões geológico-estruturais de Portugal Continental e POOC..................61
Figura 6 - Entidades envolvidas nos processos de elaboração dos POOC ...................62
Figura 7 – Planos de Ordenamento da Orla Costeira ....................................................63
Figura 8 – Limites da EGIZC..........................................................................................65
Figura 9 - Registo das ONGA por ano e acumuladas ....................................................71
Figura 10 – Estatuto das ONGA em 2006 (valores absolutos) ......................................71
Figura 11 – Âmbito da actuação da ONGA, 2006 (%) ...................................................72
Figura 12 – Tipologia das ONG inquiridas .....................................................................73
Figura 13 – Distribuição dos participantes .....................................................................77
Figura 14 – Alterações realizadas..................................................................................78
Figura 15 – Participação por Município..........................................................................78
Figura 16 – Tipologia das ONG inquiridas .....................................................................80
Figura 17 – Ano de Formação da ONG .........................................................................80
Figura 18 – Âmbito da ONG...........................................................................................81
Figura 19 – Número de associados das ONG inquiridas ...............................................81
Figura 20 – Localização das ONG por NUT II................................................................82
Figura 21 – Tipologia dos projectos ...............................................................................82
Figura 22 – Acções desenvolvidas no âmbito dos projectos..........................................83
Figura 23 – Tipologia das entidades parceiras na dinamização das acções .................83
Figura 24 – Faixa etária dos participantes .....................................................................84
Figura 25 - Organização das Sessões de esclarecimento .............................................85
Figura 26 – Faixa etária dos participantes nas sessões de esclarecimento ..................85
Figura 27 – Classificação da participação pública. ........................................................86
Figura 28 - A observação antes do debate ....................................................................90
Figura 29 - A Sessão de abertura e a Sessão técnica...................................................90
Figura 30 - O Público e a participação ...........................................................................90
Figura 31 - Mapa de campo (exemplo) ..........................................................................99
Figura 32 – Kit de Nitratos ...........................................................................................100
Figura 33 – Previsão de marés (Fonte: Instituto hidrográfico) .....................................101
Figura 34 – Evolução de número de escolas participantes no projecto (1999-2007)...103
Figura 35 – Número total de alunos em relação ao total de participantes no projecto
(2003-2007) .................................................................................................................104
Figura 36 – Número de entidades envolvidas no projecto 2003-2007 .........................105
Figura 37 – Número de autarquias coordenadoras......................................................107
Figura 38 – Número de docentes participantes em função da disciplina leccionada. ..112
Figura 39 – Grau de envolvimento no projecto (%)......................................................114
Figura 40 – Meio de conhecimento do Projecto Coastwatch (%).................................115
Figura 41 – Número de anos de permanência no projecto ..........................................115
Figura 42 – Workshop Apr(e)ender o Litoral –Prática CW e Prática de Perfil de Praia
.....................................................................................................................................116
Figura 43 - Tipologia das actividades desenvolvidas no âmbito da divulgação do
Coastwatch ..................................................................................................................117
Figura 44 - Número de pessoas envolvidas por acção ................................................118
Figura 45 – Tipologia das parcerias na dinamização de actividades ...........................119
Figura 46 – Tipo de Projectos/Actividades associados à dinamização do Coastwatch
(%) ...............................................................................................................................119
Figura 47 – Tipo de actividades de divulgação dos resultados (%) .............................120
Figura 48 – Entidades Convidadas/Envolvidas na divulgação dos resultados.............120
Figura 49 – Exposição de trabalhos desenvolvidos no âmbito do Coastwatch (CM
Funchal) .......................................................................................................................121
Figura 50 - Precipitação mensal em Portugal Continental em 2006.Comparação com os
valores médios.............................................................................................................122
Figura 51 – Corte e planta da área de análise do projecto Coastwatch.......................127
Figura 52 – Tipos de costa no litoral português ...........................................................128
Figura 53 - Estrutura conceptual do modelo PER da OCDE........................................130
Figura 54 - Modelo DPSIR : Forças Actuantes (Driving forces) - Pressão – Estado –
Impactes – Resposta ...................................................................................................133
Figura 55 - Aplicação do modelo DPSIR na análise de indicadores de desenvolvimento
sustentável na gestão do litoral ...................................................................................134
LISTA DE SIGLAS
ADA - Associações de Defesa do Ambiente
AIA - Avaliação de Impacte Ambiental
APA – Agência Portuguesa do Ambiente
CCDR – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional
CE – Comissão Europeia
CIDN - Conselho Ibérico para a Conservação da Natureza
CIGA – Centro de Investigação e Geologia Aplicada
CNA - Comissão Nacional de Ambiente
CNUAD - Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento
CPADA - Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente
CREA - Conselho Regional de Engenharia, Arquitectura e Agronomia
CTA - Comissão Técnica de Acompanhamento
DGOTDU - Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano
EEB - European Environmental Bureau
EIA – Estudos de Impacte Ambiental
ENDS – estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável
EPE - European Partners for the Environmen
EU – União Europeia
EUCC - European Union for Coastal Conservation
FOIA - Freedom of Information Act
GAP - Gabinetes de Atendimento Personalizado
GEOTA – Grupo de Estudo Ordenamento do Território e Ambiente
GIZC - Gestão Integrada das Zonas Costeiras
IA – Instituto do Ambiente
ICNB - Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade
IGT - Instrumentos de Gestão Territorial
INAG - Instituto Nacional da Água
INAMB - Instituto Nacional de Ambiente
IPAMB - Instituto de Promoção Ambiental
JNICT - Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica
LBOTU - Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo
LPN - Liga para a Protecção da Natureza
MAOTDR - Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento
Regional e o Ministério educação
OCDE- Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
ONG – Organização Não Governamental
ONGA - Organização Não Governamental de Ambiente
ONU – organizações das Nações Unidas
PDM – Planos Directores Municipais
PEOT – Planos Especiais de Ordenamento do Território
PIENDS - Plano de Implementação
PNOPT - Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território
PNUA - Programa das Nações Unidas para o Ambiente
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POOC – Plano Ordenamento da Orla Costeira
PROT – Planos Regionais de Ordenamento do Território
RJIGT - Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial
SAR - Seas at Risk
SEMARH - Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos –
SGT - sistema de gestão territorial
TAI – The Acess Initiative
UICN - União Internacional para a conservação da Natureza
UNECE - Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
WCED - World Commission on Environment and Development/ Comissão Mundial
sobre Ambiente e Desenvolvimento
WWF - World Wildlife Fund
INTRODUÇÃO
O tema da dissertação enquadra-se no domínio da Ecologia Humana e tem como
objectivo investigar os contributos da participação pública na preservação do litoral. A
fragilidade do litoral é amplamente conhecida pelas características demográficas, socioeconómicas, políticas, biológicas, históricas, entre outras, que lhe são subjacentes.
Este é, não apenas um problema social contemporâneo, como também um problema
de Ecologia e de Ecologia Humana em particular.
Sobre a faixa litoral reside cerca de 75% da população portuguesa – com todo o
impacte que isto acarreta, nomeadamente em termos de pressão imobiliária e turística
– daí que o (des) ordenamento do litoral seja uma evidência em termos práticos e de
discussão. Aliás, é tema infindável de muitos estudos, notícias, projectos, etc. Gera
ainda inúmeros projectos-lei, planos e um interminável rol de outras matérias.
Questiona-se, assim, porque os cidadãos não desenvolveram hábitos de participação
pública, quando são discutidos estes temas; porque não se interessam activamente
pela discussão pública de projectos que vão alterar o território, condicionando, quase
sempre, a sua sustentabilidade, com impacte não só na geração actual como nas
vindouras.
Por experiência profissional, enquanto docente e mais recentemente ligada ao
associativismo e a projectos de educação e cidadania ambiental, vocacionados
essencialmente para o litoral, verifico que, muito embora haja um maior envolvimento
por parte dos cidadãos nas questões ambientais e nos processos de decisão, esta
participação pública funciona em muitos casos de acordo com os interesses de cada
um, individualmente ou em grupo. Os relatórios de ponderação da discussão pública
provam esta realidade.
E, porque a educação ambiental foi institucionalizada em 1986, com a publicação da
Lei de Bases do Sistema Educativo, esperava-se que tal desse os seus frutos e as
gerações seguintes, algumas já com responsabilidades sociais e políticas, fossem mais
pró-activas. A realidade veio provar que a inércia e os grandes erros de ordenamento e
gestão são, com efeito, não só insustentáveis como dificilmente reparáveis.
1
A investigação realizada no desenvolvimento do trabalho incidiu principalmente na
problemática da participação pública como contributo para a preservação do litoral.
Em termos gerais, os cidadãos têm acesso a instrumentos de participação política
indirecta, com a eleição de órgãos representativos, a petição para a adopção de leis e o
referendo. Não se trata, pois de uma questão de suporte legislativo. A Constituição
prevê o envolvimento dos cidadãos em decisões administrativas, para tal as
autoridades públicas são obrigadas a fornecer as informações necessárias à
participação pública, apoiar e promover iniciativas do público e receber as suas
opiniões e informação. Segundo Sendim (2002), a participação no Estado de Direito do
Ambiente justifica-se ao possibilitar a incorporação de mais informação nos processos
decisórios e a potencial minimização de impacte negativos no ambiente, ao permitir
uma melhor afectação dos bens e interesses em causa e como condição de
legitimidade. A participação é assim promotora da transparência, da racionalidade e da
qualidade das decisões administrativas.
Neste âmbito, um dos pontos do presente trabalho prende-se com a participação
pública na elaboração dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC). E,
porque a participação social também desempenha um papel imprescindível, importa
compreender de que forma as ONG vivenciam a questão da participação pública. Que
actividades dinamizam e como as desenvolvem; como lidam com a educação ambiental
e com as fragilidades do litoral.
Posteriormente foi analisado o Projecto Coastwatch, como estudo-caso ao nível da
participação pública. Sendo um projecto implementado há 18 anos, cujo objecto de
estudo é o litoral e o impacte que a actividade humana exerce sobre ele, em que a
educação ambiental sempre teve uma tónica vincada, propôs-se conhecer o projecto e
compreender como evoluiu ao longo deste período.
A experiência de dinamização do Coastwatch mostrou a necessidade de introduzir
novas variáveis no questionário que é usado pelos participantes. Nesse sentido são
propostos novos itens de monitorização que permitem introduzir novas tónicas ao
projecto; adequá-lo aos currículos escolares e ao próprio ecossistema em estudo que,
devido a factores naturais e/ou antrópicos, também sofreu alterações.
2
Assim pretende-se com este trabalho, por um lado dar um contributo para repensar a
participação pública em Portugal e por outro perceber de que forma os projectos de
educação ambiental poderão ser integrados nos currículos escolares criando sinergias
entre escolaridade institucional e cidadania.
3
CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA DA DISSERTAÇÃO NO ÂMBITO DO MESTRADO
Em 1866, o biólogo alemão Ernst Haeckel criava, com duas palavras gregas (οi\κος e
λóγος), a palavra ecologia. Definia ele a ecologia como “o conhecimento da economia
da natureza, a investigação de todas as relações de um animal ao mesmo tempo com o
seu meio inorgânico e orgânico, incluindo, além disso, todas as suas relações
amigáveis e antagónicas com os animais e as plantas com os quais entra directamente
em contacto”1.
Para Odum (1971:4) “ A Ecologia define-se usualmente como o estudo das relações
dos organismos ou grupos de organismos com o seu ambiente, ou a ciência das interrelações que ligam os organismos vivos ao seu ambiente”. Porém, muitos outros
autores se dedicaram a definir e estudar este tema, muito antes de ecologia ser
reconhecida como ciência.
A ecologia, per si, é tão antiga quanto o Homem, na medida em que este, desde
sempre, sentiu necessidade em conhecer o ambiente e os seres que com ele partilham
o Planeta. Primitivamente, por uma questão básica de sobrevivência – abrigo,
alimentação – adaptando-se numa simbiose com a natureza, nem sempre pacífica, e
posteriormente, à medida que o progresso tecnológico tomava forma e procurava suprir
outras necessidades, inclusive culturais. “Ao imaginarmos uma paisagem pré-histórica
onde habitam alguns homens, á priori, dificilmente perceberemos a existência de
quaisquer litígios entre a sua presença e a paisagem que os envolve” (Carapeto, 1998).
Porém essa convivência com a natureza terá sido, frequentemente, marcada por
rupturas. Segundo Costa (1992) “O Homem foi, desde sempre, um poderoso factor de
alteração do meio. A primeira manifestação desse poder terá consistido na destruição
de largas parcelas de floresta tropical (por exemplo, na China), através do domínio da
prática do fogo, com vista a garantir áreas de pastagem”. O mesmo autor refere que “ao
consolidar a sua característica gregária a ocupação humana acentuou a sua influência
sobre a evolução das componentes geoambientais que, por sua vez, condiciona a
qualidade de vida do Homem. E conclui que “em alguns casos o declínio das
1
Citado por Prieto, 2000
4
civilizações pode estar associado à degradação dessas mesmas condições ambientais”
dando como exemplo, o actual Iraque, berço dos impérios sumérios e babilónios, “em
cuja zona de influência se estende agora o deserto: no avanço do delta do Tigre e do
Eufrates sobre o Golfo Pérsico está grande parte do solo fértil da Mesopotâmia” (Costa,
1992: 257).
A capacidade de produzir impactes no ambiente é uma característica intrínseca da
Humanidade desde os primórdios, e como tal reconhecida desde há séculos. Cotta
(1866)2 afirmava: “acredito que a superfície actual da Terra, com todas as suas formas
individuais, tem vindo a ser gradualmente desenvolvida numa relação recíproca entre o
Homem e a Natureza”. De acordo com Costa o que é novo nessa relação é o carácter
global das transformações e da velocidade que se lhes pode imprimir. De facto, a
magnitude dos efeitos das actividades humanas no ambiente tem-se manifestado numa
relação directamente proporcional ao crescimento económico.
Tal como refere Campbell (1983) “Enquanto o número de seres humanos foi reduzido e
baixa a densidade das populações, a humanidade adaptou-se aos ecossistemas
existentes, quer do ponto de vista biológico quer de comportamento, sem gerar grandes
alterações na estrutura do sistema”. E, continuando na linha de raciocínio daquele autor
“actualmente, no entanto, devido ao presente nível de progresso tecnológico e ao
enorme aumento demográfico a ele associado, as fronteiras entre os diversos sistemas
perderam significado e, hoje em dia, a humanidade compartilha daquilo que é, na sua
essência, um único ecossistema à escala mundial: a biosfera. A nossa sobrevivência
como espécie depende da circunstância de reconhecermos tal facto” (Campbell,
1983:240).
Não obstante a interdependência entre o Homem e a “ecologia inata”, os primeiros
registos escritos sobre o estudo das relações entre os diferentes grupos de organismos
e o meio reportam à Antiguidade; indicando Teofrasto como o primeiro ecólogo da
História. Numa época em que o estudo da natureza e a subjacente preocupação com o
ambiente eram palco para a generalidade das ciências, não admira que a ecologia
estivesse associada a todas elas.
2
Citado por Costa (1992:257).
5
Como refere Prieto (2000), “Teofrasto, (372 a.C – 287 a.C) discípulo de Aristóteles, foi
muitas vezes chamado “pai da botânica”, mas um estudo atento dos seus escritos
revela que ele merece um outro título: “pai da ecologia”. Mais de metade dos escritos
botânicos de Teofrasto ocupa-se de observações ecológicas (ver de Teofrasto a sua
Metafísica e as Investigações sobre as Plantas). Não se trata de observações isoladas,
mas de um ponto de vista sistemático. Teofrasto não estuda uma planta isoladamente,
mas investiga qual a sua relação como organismo vivo com o brilho do sol e a
exposição aos agentes naturais, o solo, o clima, a água, a cultura e as outras plantas e
animais. Baseava as suas afirmações na observação. Reconhecia a diferença entre
grandes zonas climáticas mas também estudava microclimas. Igualmente estava ciente
da extrema importância da água para o crescimento das plantas em regiões áridas.
Observava com particular interesse a resposta das plantas à domesticação. Algumas
plantas, diz ele, não podem ser cultivadas, mas das que podem algumas adquirem uma
muito diferente aparência devido ao solo e ao cultivo que recebem. Discute, portanto,
alterações produzidas pela cultura. Finalmente dá notícia de certas alterações locais ao
clima provocadas por actividades humanas. Reuniu, por exemplo, informações sobre as
alterações de temperatura causadas na sua época pela drenagem dos pântanos,
desvio do curso dos rios e desflorestação” (Prieto, 2000:39)3.
Muitos outros se dedicaram ao estudo da ecologia, sobretudo na ciência grega.
“Descobertas importantes foram feitas em Alexandria. Lá e noutras zonas do mundo
helenístico, manuais botânicos foram escritos e ilustrados com desenhos. Infelizmente
muitos dos escritos dos cientistas do Museu pereceram, mas o Museu de Alexandria
representou um ponto culminante no estudo grego do mundo natural e estabeleceu
uma ponte no tempo entre os filósofos gregos do século IV a.c. e o crescimento de
Roma no domínio da bacia mediterrânica (Prieto, 2000).
Do despertar da ecologia ao seu reconhecimento enquanto ciência, por volta de 1900,
permanece o registo de muitas obras como reflexo do trabalho de inúmeros cientistas
das mais diversas áreas e países. De entre todas as obras escritas, a “origem das
espécies” de Charles Darwin, publicada em 1859, terá sido, como refere Campbell
(1983) uma das obras mais importantes jamais escritas.
3
http://www2.dlc.ua.pt/classicos/novela.pdf (visitado em 11 de Junho 2007)
6
Já anteriormente a Darwin, T. R. Malthus, no seu livro “Ensaio sobre os Princípios da
População”, publicado em 1798, demonstrava que o potencial de reprodução da
humanidade excedia em muito os recursos naturais disponíveis para alimentar uma
população em crescimento. De constatar, que este estudo patenteou um valor
inquestionável, no âmbito da Ecologia Humana.
Contudo, será com o raiar do século XX que a Ecologia inicia o seu percurso como
ciência distinta da Biologia; ainda que relacionadas. Se dissecarmos os conteúdos das
mais diversas ciências, ainda hoje se constata que a Ecologia, face ao seu objecto de
estudo com intensa ligação às Ciências da Terra e da Vida, permanece com elas
articulada como refere Melo (1993) “A Ecologia recorre à informação e apresenta
interfaces com outros ramos das ciências da vida (biologia, bioquímica, genética), bem
como com as diferentes especialidades taxonómicas (zoologia, botânica, microbiologia
e suas subdivisões).”
Todavia, a partir de que momento se começa a falar em Ecologia Humana?
Tal como aconteceu com a Ecologia geral, a Ecologia Humana foi objecto de estudo,
muito antes de se considerar como tal – não fosse o homem mais um organismo e um
elemento da biosfera que vive num ecossistema próprio com interacções, entre os
membros da mesma e outras espécies (de predação, parasitismo, comensalismo,
simbiose, indiferença). Contudo, terá sido a Revolução Industrial e todas as alterações
tecnológicas, sociais e demográficas que despoletou o motor de arranque para o
reconhecimento da Ecologia Humana enquanto área de especialização.
Muito embora tenha sido nos meados do século XX que este ramo da ecologia criou
alicerces – ao que o pós 2ª Grande Guerra não foi alheio - não terá sido por acaso
que, numa fase inicial, a Ecologia Humana surgiu associada à Escola de Chicago, ela
própria fundamentada no cenário da sociedade americana: crescimento desordenado
dos grandes centros urbanos, pobreza, condições de vida precárias, instabilidade, etc.
É interessante verificar que à medida que as sociedades vivenciavam o êxodo rural,
transferindo contingentes populacionais para as cidades em detrimento do campo – e
como tal aprofundando a ruptura com a natureza – a Ecologia, enquanto ciência,
7
sempre atenta aos fenómenos decorrentes, sofre igualmente um transfere no seu
objecto de estudo.
A relação do homem com a natureza continua a ser um importante objecto de análise,
mas o meio urbano fervilha de problemas que urge entender. Problemas estes que,
com maiores ou menores mutações, não deixaram de aumentar, ao ritmo do
crescimento urbano, da industrialização, do desenvolvimento tecnológico e posterior
terciarização das sociedades.
Com efeito, a complexidade das sociedades e dos enigmas dela emergentes,
permitem-nos entender a Ecologia Humana como uma ferramenta essencial para
melhor compreender/solucionar os impactes exercidos sobre a biosfera. Para trás ficam
as ideias deterministas e positivistas: o Homem é parte integrante da Natureza e
dependendo da situação (alternadamente, em simultâneo ou por reflexo), ambos –
Homem/Natureza – influenciam-se, modificam-se e interagem. Porém, nesta dicotomia,
reconhece-se que os comportamentos humanos foram maioritariamente de domínio e
predação, induzindo alguns desequilíbrios neste grande ecossistema que é o planeta –
a uma escala global.
Para enfatizar o papel central do Homem na geologia e na ecologia, Crutzen e
Stoermer (2000) propuseram o termo “antropocénico” para a corrente época geológica.
Em apoio da sua tese referiram: “Para assinalar uma data mais específica para o início
do Antropocénico, ainda que arbitrário, propomos a parte final do século XVIII, embora
estejamos conscientes que propostas alternativas podem ser feitas (alguns podem
incluir o Holocénico inteiro). Contudo, escolhemos esta data porque, durante os dois
últimos séculos, os efeitos globais das actividades humanas se tornaram evidentes.
Este é o período em que os dados colhidos dos testemunhos de gelo glaciar mostram o
crescimento das concentrações atmosféricas de vários “gases com efeito de estufa”,
em particular CO2 e CH4. Esta data de início também coincide com a invenção da
máquina a vapor de James Watt, em 1784.”
O termo Holocénico (literalmente “todo o recente”) para a época geológica pós-glaciar
dos últimos 12 mil anos parece ter sido proposto inicialmente por Sir Charles Lyell em
1833, e adoptado pelo Congresso Geológico Internacional em Bolonha em 1885
8
(Encyclopaedia Britannica, 1976). Durante o Holocénico as actividades humanas
cresceram gradualmente enquanto força transformadora da morfologia da Terra, como
foi reconhecido desde muito cedo por vários cientistas. G. P. Marsh, em 1864, publicou
o livro com o título “O Homem e a Natureza”, um século mais tarde reimpresso como “A
Terra modificada pela acção do Homem” (Marsh, 1965). Stoppani, em 1873, classificou
as actividades humanas como “uma nova força telúrica com o poder e a universalidade
comparável às forças maiores da Terra”4.
Vemadsky5 reconheceu o poder crescente do Homem como parte da biosfera
interrogando-se sobre a direcção na qual os processos de evolução deverão seguir,
nomeadamente rumo a uma consciência e um pensamento mais claros acerca da
crescente influência sobre o meio que nos rodeia. Ele, juntamente com o jesuíta
francês, Teilhard de Chardin e E. Le Roy (1924), criaram o termo “noosfera”, o mundo
do pensamento, para marcar o papel crescente do poder do cérebro humano e os seus
talentos tecnológicos na modelação do seu próprio futuro e do ambiente.
Efectivamente, ao longo da história da humanidade e, por inerência da ecologia, muitas
das adaptações operacionalizadas pelo Homem, sentidas como um acto de vitória – o
poder do homem sobre a natureza – a diferentes escalas temporais, acabaram por
mostrar que o ecossistema tem uma “palavra a dizer”, que convém ouvir. Como refere
Campbell (1983) “Continuamos a confrontar-nos com os mesmos problemas que
tiveram os nossos antepassados – problemas de sobrevivência. Em última análise,
dependemos em absoluto da natureza, das plantas e dos animais junto dos quais
vivemos. (…) a fome que ameaça um terço da população mundial mostra com nitidez
como é extensa a nossa dívida para com a natureza e como são finitos os seus
recursos. Pelo facto de o homem ser produto da hereditariedade e do meio ambiente, a
ciência da ecologia (…) é a chave quer para o entendimento da evolução da
humanidade quer para a compreensão da própria natureza humana”. Desde já, e não
no futuro, indiscutivelmente, a conduta do Homem para com a Natureza terá que ser de
mutualismo, simbiose e cooperação.
4
5
Citado por Clark (1986)
1926, reimpresso em 1998
9
Com efeito, a expansão da humanidade, em número e exploração per capita dos
recursos naturais tem sido espantosa (Turner et al, 1990). Para dar alguns exemplos:
nos últimos 3 séculos a população humana cresceu 10 vezes, ultrapassando os 6
biliões de seres no ano 2000, o que é acompanhado pelo crescimento da população de
gado (cerca de 1 vaca por cada família, Crutzen e Greadel, 1986). A urbanização
cresceu 10 vezes no passado século. Em poucas gerações a humanidade queimou
literalmente os combustíveis fósseis gerados no decurso de centenas de milhões de
anos. A libertação de CO2, globalmente cerca de 160 Tg/ano para a atmosfera devido à
queima de carvão e petróleo é pelo menos tão grande como a soma das emissões
naturais (Watson, et al., 1990). Segundo Vitousek et al. (1997) de 30 a 50% da
superfície da Terra foi transformada por acção do Homem; mais azoto é fixado
sinteticamente a partir da utilização de fertilizantes na agricultura que naturalmente nos
ecossistemas terrestres; a libertação para a atmosfera de NOx a partir da queima de
biomassa e de combustíveis fósseis é hoje superior às contribuições naturais dando
origem à formação de ozono fotoquímico (conhecido por “smog”) em largas partes do
globo. Mais de metade da água potável está a ser usada pelo Homem, e o que é pior,
genericamente de uma forma lesiva. A actividade humana acelerou a taxa de extinção
das espécies em milhares a dezenas de milhares de vezes nas florestas tropicais
(Wilson, 1992).
Neste contexto, as zonas húmidas costeiras são das mais seriamente afectadas pelo
Homem, no que resultou já a perda de cerca de 50% dos mangais das áreas tropicais.
A predação mecanizada da actividade pesqueira remove actualmente mais de 25% da
produção primária dos oceanos nas regiões de “upwelling” e cerca de 35% das regiões
da plataforma continental das zonas temperadas (Paul e Cristensen, 1995).
Não se trata aqui de pôr em causa o desenvolvimento económico. Segundo Costa
(2007) “É possível e desejável o desenvolvimento económico. Mas, de acordo com a
Declaração de Tóquio (WCED, 1987), ele deverá ser um desenvolvimento sustentável,
definido em termos simples como “uma forma de abordagem do progresso que vá ao
encontro das necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras
gerações poderem dar resposta às suas”. Segundo esta perspectiva as actuais
gerações poderão estar já a pagar os erros cometidos pelas anteriores. De facto, o
10
consumo desenfreado de recursos que resulta da não consideração integrada do
binómio “desenvolvimento económico”/“conservação dos recursos” parece estar na
base do desencadeamento dos grandes desequilíbrios ambientais da nossa era, com
destaque para as alterações climáticas globais.”
A nossa civilização, a primeira de contornos efectivamente planetários, atravessa uma
crise global. Valores como o papel da ciência e da tecnologia, e instituições como o
Estado-nação, são constantemente questionados (adaptado de Soromenho-Marques,
1998). O crescimento demográfico sem paralelo na história, a produção e consumo
desenfreados, as alterações no modus vivendus da população dos países mais
desenvolvidos e a reduzida ou inexistente proximidade/intimidade com a natureza,
entre outros factores, conduziram a um desequilíbrio tal que a sustentabilidade está
ameaçada.
Mas, à medida que a fragilidade do planeta e os desequilíbrios ambientais atingem
proporções demasiado evidentes, a preocupação com a tónica da conservação e da
educação ambiental (como meio indissociável desta conservação), torna-se uma
constante de uma franja social cada vez maior no mundo desenvolvido e os alertas
chegam de diferentes formas e de diversas vias. Sistema social humano e ecossistema
estão intimamente ligados –“Marten (2001) defende que, no âmbito da Ecologia
Humana, um ecossistema abrange o próprio ambiente construído pelo homem,
podendo também ser considerados ecossistemas uma aldeia, uma grande cidade ou o
próprio planeta Terra”6 .
Tendo em conta este contexto e a enorme pressão sobre a faixa costeira, o objectivo
deste trabalho é contribuir para o estudo da Participação Pública, ao nível das decisões
sobre o litoral e à luz do Desenvolvimento Sustentável. E porque a educação ambiental,
foi o fio condutor da participação pública, a experiência do projecto Coastwatch ao
longo de 18 anos, em prol da cidadania ambiental será o estudo de caso abordado
nesta dissertação.
6
Citado por Briz, 2005
11
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
DA
EMERGÊNCIA
DA
EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
AO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Neste primeiro capítulo serão abordadas as temáticas relacionadas com a educação
ambiental, o desenvolvimento sustentável e a participação pública. O debruçar sobre
cada um destes temas permitir-nos-á compreender o papel dos cidadãos face aos
actuais problemas ambientais.
Assim, o primeiro capítulo começa com um percurso pela educação ambiental em
Portugal, na medida em que esta foi vital para que o cidadão visse o ambiente com um
outro olhar. Embora a um ritmo lento, foi-se tomando consciência que era preciso
alterar comportamentos para alcançar atitudes mais ambientais. “As investigações têm
referido que a formação de atitudes é só um passo para a obtenção de
comportamentos ambientalmente positivos” (Bickman et al, 1972)7.
Seguidamente será desenvolvida uma abordagem histórica do Desenvolvimento
Sustentável, com ênfase sobre os quatro pilares do Desenvolvimento Sustentável,
complementares entre si – ambiental, económico, social e institucional.
Por fim, cumprindo o tema da tese, será abordado a temática da participação pública e
os contributos que esta pode ter em prol do Desenvolvimento Sustentável.
1.1 O PERCURSO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Sobre os objectivos da Educação Ambiental pode ler-se no PNUA – Relatório do
Director executivo, nº 1, 1978. “Uma educação cuja finalidade seja o desenvolvimento
de uma população mundial consciente e se sinta afectada pelo ambiente e pelos
problemas que lhe estão associados e que possua os conhecimentos, capacidades
práticas, atitudes, motivações e compromissos necessários para trabalhar individual e
colectivamente para a solução dos problemas existentes e prevenir outros novos”.
Interessa, pois “espreitarmos” para o percurso da educação ambiental em Portugal. A
participação de Portugal em eventos internacionais vocacionados para a temática do
7
Citado por Martins, 1996:3
12
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
ambiente, conservação da natureza e educação ambiental foi uma importante ajuda
para um processo que dava os primeiros passos “Depois dos problemas ambientais se
terem tornado uma preocupação internacional, no final dos anos sessenta, o debate em
torno do tema intensificou-se” (Martins, 1996:1). A título de exemplo cite-se, em 1977, a
Conferência de Tbilisi, onde o então Secretário de Estado do Ambiente apresentou um
relatório sobre as iniciativas levadas a cabo por Portugal em termos de educação
ambiental. “Esta conferência é tida como o evento mais importante até hoje realizado
em todo o mundo em relação à educação ambiental” (Aleixo, 2002:41)8.
No entanto, ao pesquisar nos anais da história percebe-se que a educação ambiental
em Portugal há muito dava sinais de arranque. “João Evangelista (1992) no seu livro
Razão e Porvir da Educação Ambiental refere, em memórias sobre o assunto, que
existiram quatro etapas de educação ambiental, compreendendo toda uma dinâmica
legislativa que, a partir de recomendações das Nações Unidas e das suas agências
especializadas, deram corpo a um conjunto de acções promocionais por todo o país,
nomeadamente nas escolas: Primeiros passos, o arranque, a expansão e o final de um
ciclo” (Aleixo, 2002.49).
Assim, na história da educação ambiental, o primeiro grande passo é indicado pelo
autor como a inscrição das problemáticas ambientais no III Plano de Fomento
Quinquenal (1968/73). Já em 1965 a ONU fazia referência oficial aos problemas
ambientais; em 1967 reuniu-se a Conferência de Williamsburg da ONU sobre a crise
mundial da educação, antecedendo o Maio de 68 em França9.
Em 1968 a UNESCO faz um levantamento em 79 países sobre a inclusão do estudo do
ambiente nos programas escolares. Pela sua pertinência este trabalho é considerado
uma referência na educação ambiental.
Portugal, pelo regime político vigente, nomeadamente ao nível da política ultramarina
era muitas vezes contestado nos fóruns internacionais. “Como bom aluno estava atento
ao que se passava lá fora neste campo, estudava as matérias, partilhava
preocupações, fazia comunicações sobre a situação ambiental portuguesa” (Aleixo,
8
Conferência Intergovernamental sobre educação ambiental, organizada pela UNESCO, à qual
assistiram mais de 300 especialistas vindos de 69 estados-membros.
9
Adaptado de Aleixo (2002:50)
13
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
2002: 50). Vários acontecimentos comprovam o papel da educação ambiental em
Portugal. A título de exemplo ficam os mais marcantes no período antes do 25 de Abril
(Quadro I).
Quadro I – Marcos no percurso da Educação Ambiental em Portugal
(adaptado de Aleixo, 2002:51-61)
1969 - Portugal foi solicitado pela ONU para apresentar um relatório ambiental sobre o país. Tinha a
finalidade de preparar a Conferência Mundial de Estocolmo agendada para 1972 sobre problemas do
ambiente. No prazo de 48 horas foi elaborado um documento pela Junta Nacional de Investigação
Científica e Tecnológica (JNICT)
1970 – Publicou-se a Lei Básica de Parques (Lei10/70), surgiram as portarias 29/70de 14 de Janeiro e
307/71 de 17 de Junho para defesa e protecção de ecossistemas ricos e únicos na flora e fauna.
Inaugura-se o Parque nacional da Peneda-Gerês.
10
1971 – Foi criada a Comissão Nacional de Ambiente (CNA) na JNICT , cujo objectivo era intensificar e
coordenar as actividades do país, directa ou indirectamente relacionadas com a preservação e
melhoria do ambiente, a conservação da natureza e a protecção da valorização dos recursos naturais.
“Com a institucionalização do CNA entra-se numa fase a que chamaremos de Arranque da Educação
11
Ambiental” .
1972 – Realiza-se a Conferência de Estocolmo. Portugal constava na lista dos 113 países
participantes. Esta é considerada a primeira grande referência para a educação ambiental.
“A partir destes contactos internacionais e pela comunhão de novos princípios ecológicos a CNA passa
a preocupar-se mais com a questão da Educação Ambiental em Portugal”
1973 – Em Portugal a CNA celebra o Dia Mundial do Ambiente. O momento ficará para a história.
Registam-se alguns acontecimentos que servirão de marco para a Educação Ambiental: Lançamento
na RTP da série “Há só uma Terra”; edição do livro “O Mundo é a Nossa Casa”; edição traduzida “dos
Limites do Crescimento”. Paralelamente realiza-se a sessão solene sobre o tema, na Gulbenkian;
desenvolve-se debates e criam-se exposições principalmente nas escolas, que aderiram com
entusiasmo à iniciativa. Ainda neste ano dá-se a reforma do ensino “Veiga Simão”
1974 – A 15 de Maio é criado o Ministério de Equipamento Social e do Ambiente. Agrega a CNA que
deixa de fazer parte da JNICT. A este momento João Evangelista chamou Expansão da Educação
Ambiental.
Por reflexo da euforia política pós revolução 25 de Abril, ou por outras questões sociais,
aliando, ainda, as notícias sobre o impacte do Homem na natureza e consequente
extinção de muitas espécies, a década de 80 foi uma época relevante para a
emergência do trabalho voluntário em prol do ambiente. Sem dúvida que a
mediatização do ambiente funcionou, tal como hoje, como um considerável
influenciador de massas. “O tema do ambiente, depois de marginal e minoritário, foi
ganhando, no decurso dos últimos 30 anos, um amplo e múltiplo direito de cidade. Das
preocupações quotidianas e de longo prazo do cidadão comum, à linguagem do
discurso institucional (…) a multifacetada realidade da tomada de consciência colectiva
acerca da crise ambiental, já não se confunde com o tom de profetismo visionário e
apocalíptico com que eram malevolamente contemplados, pelos seus detractores dos
10
11
Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica
Evangelista, 1992:32, citado por Aleixo, 2002:51
14
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
anos 60 e 70, os pioneiros da reflexão e intervenção ecologista e ambientalista”
(Soromenho-Marques, 1998).
A publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986, veio institucionalizar a
educação ambiental muito embora, já anteriormente, no ensino primário, “o Meio Físico
e Social” tivesse introduzido os temas ambientais no currículo, conferindo ao educador
ou professor uma grande responsabilidade. “O professor deve actuar de modo que os
problemas do ambiente sejam abordados e tratados de tal maneira que os alunos, ou
os receptores de informação, sejam capazes, por eles próprios, de elaborar novos
conceitos e novos valores, segundo o método heurístico” (Fernandes, 1983).
Todavia, a introdução do ambiente nos «currícula» – por falta de formação, motivação
ou recursos – nem sempre foi sinónimo de uma verdadeira educação, muitas vezes
cingiu-se a uma mera visita de estudo ou actividade com uma total ausência de reflexão
sobre a realidade observada e os comportamentos a seguir. Segundo Wals12,”Não se
trata de remediar tal ou tal atitude dizendo aos alunos, ou a quem ela se dirige, o que
eles devem pensar ou fornecendo-lhes os juízos de valor já prontos; bem pelo
contrário, trata-se de ensiná-los a reflectir por si próprios”.
Com o intuito de fazer justiça a todos os que, ao longo da história recente, tanto se
esforçaram para trabalhar em prol da educação ambiental, louva-se os inúmeros
projectos que foram sendo desenvolvidas por Escolas – muitas vezes apenas por um
professor que remou contra a maré – associações diversas, entidades com
sensibilidade para a temática, entre outros. E, apesar de algumas falhas, a realidade
comprova que a institucionalização da educação ambiental, foi um valioso passo em
prol do ambiente.
A história da educação ambiental adquire uma “lufada de ar fresco” com a
implementação do Ano Europeu do Ambiente, que, de entre outras coisas, permitiu a
organização do I Seminário de Formação de Professores em Educação Ambiental,
iniciativa conjunta entre o Ministério do Ambiente e da Educação. Com oscilações
diversas, existe até hoje um protocolo entre estas duas entidades que permite a
12
Citado por Fernandes (1983)
15
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
requisição de professores para coordenarem projectos de educação ambiental, entre
eles o Projecto Coastwatch Europe.
A educação ambiental entra na década de 90 já ligada à investigação e às
Universidades, facto sem dúvida relevante, consolidado pela “popularização” dos
cursos de Engenharia do Ambiente em diferentes Universidades do país.
A escola teve, efectivamente, um papel preponderante em todo o percurso da
educação ambiental. As acções que decorreram num contexto escolar foram e
continuam a ser muitas e diversas.
Poder-se-á questionar se algumas destas acções foram ou não eficazes, se se
integraram plenamente na educação formal, se foram ou não uma mais valia para o
sistema educativo, se existe consonância entre o que se aprende/ensina e o que se
pratica. Aleixo (2002) questiona: “O sistema educativo ao produzir tantos e tão
importantes diplomas para se adequar à complexidade dos tempos presentes, estará
de facto a desenvolver competências e a tornar as pessoas mais autónomas e
preparadas para lidar com o tempo futuro que se advinha complexo?”13.
Com efeito muitas questões poderão ser colocadas, nem todas obterão resposta
satisfatória, porque se tal acontecesse a realidade educativa, ambiental, cultural e
social do país seria diferente.
A trajectória da educação ambiental tem ainda um longo caminho a percorrer, só que
mudar mentalidades, por vezes, não é compatível com uma ou duas décadas de
investimento, sobretudo quando o processo nem sempre foi bem alicerçado. Contudo,
“chegamos a uma etapa da educação ambiental, que se caracteriza já não tanto pela
informação com sentido de protecção ambiental, mas sim pela auto formação através
de práticas cooperativas com intervenção directa nos problemas, favorecendo a
autonomia e ao mesmo tempo a abertura aos outros solidariamente” (Aleixo, 2002:62).
Actualmente a escola encontra-se em processo de reestruturação, mas as questões
relacionadas com a educação ambiental e com a participação pública fazem já parte da
realidade escolar quer seja nas áreas curriculares ou não curriculares. Isso mesmo é
13
(Aleixo, 2002:62)
16
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
comprovado pela adesão aos diferentes projectos que são dinamizados pelos
docentes.
Estamos pois a caminho de algo mais abrangente, algo em que a Educação ambiental
é apenas uma vertente: O Desenvolvimento Sustentável.
1.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – UMA ABORDAGEM HISTÓRICA
“Em meados do século XX vimos o nosso planeta, pela primeira vez, a partir do espaço.
Os historiadores talvez considerem que esta visão teve um maior impacte no
pensamento, que a revolução de Copérnico, no século XVI, que alterou a imagem que
o Homem tinha de si próprio, ao revelar que a Terra não é o centro do Universo. A partir
do espaço, vê-se uma bola pequena e frágil envolvida não pela actividade e
construções humanas, mas sim por um tecido de nuvens, oceanos, zonas verdes e
solos. A falta de capacidade do Homem para adaptar as suas acções àquele tecido
está a causar alterações fundamentais nos sistemas planetários. Muitas destas
alterações são acompanhadas por riscos que ameaçam a vida. Esta nova realidade, à
qual não se pode fugir, tem de ser reconhecida – e gerida” (in “O Nosso Futuro
Comum”14.
Enquanto a população aumenta de ano para ano, a quantidade de recursos com que a
sustentar mantém-se finita. É esta dualidade que torna a sociedade cada vez mais
frágil. O progresso tecnológico possibilita uma produção megalómana, cuja aliança com
a poderosa arma de marketing permite um consumo desrespeitador, por parte de uma
população ávida do consumo. Aliás, psicológica e socialmente, à medida que a ciência
e tecnologia avançam – o que facilita melhores níveis de vida e bem-estar dos cidadãos
– a necessidade de consumir é manifestamente crescente.
“A qualidade e o tempo perderam importância. Consomem-se bens e serviços não
porque eles sejam necessários às pessoas ou por contribuírem para a sua felicidade,
mas porque existe uma gigantesca máquina de propaganda que pressiona o consumo
como forma de alimentar artificialmente o crescimento económico” (Melo et al, 1993).
14
Gabinete de Estudos e Planeamento da Administração do Território – Ministério do Planeamento e da
Administração Interna (1987:15)
17
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
De facto, a satisfação dos mais altos padrões de vida gera tensões ambientais que se
têm agravado, em parte pela ausência de politicas visionárias e de determinação para
implementar medidas.
Há muito que se provou que a economia e a ecologia estão cada vez mais envolvidas
na mesma teia, todavia, ainda se teima em separá-las, nalguns casos até colocá-las em
posições diametralmente opostas: viver numa óptica ecológica parece ser antagónico
de viver numa óptica económica.
Por ironia ou não, a parte do mundo mais pobre que nem sequer sonha com as
possibilidades (in)finitas que a produção permite consumir, também recebe o seu valor
acrescentado para pagar. E salda uma dívida, que não tem, de duas formas. Por um
lado a pobreza, ela própria, também degrada o ambiente, criando tensões ecológicas
de outra índole, porque para sobreviverem, “os mal nutridos” – ou os simplesmente
pobres – destroem o ambiente que os rodeia: florestas e pastagens dizimadas, uso
incorrecto de terrenos acabando por os conduzir ao seu empobrecimento total, entre
outros factores – para não falar daqueles que fugindo da penúria contribuem para uma
miséria maior nos grandes centros urbanos, ao encetarem colossais êxodos rurais.
Mas para além desta vertente, os mais pobres pagam, ainda, porque os mais ricos,
usam e abusam dos seus recursos naturais, esgotam-lhe os solos em plantações para
exportação – amputando-lhe as fracas hipóteses de uma agricultura de subsistência –;
extraem-lhe os minérios e combustíveis fósseis de forma não sustentada.
Por outro lado, à medida que os problemas ambientais se agravam, os ecossistemas
adoecem; a perda de biodiversidade é real e não deixa margem para dúvidas. Em 1998
a União Europeia adoptou a estratégia para a Biodiversidade. “Desde então a taxa de
perda de biodiversidade, longe de diminuir, ou mesmo estabilizar, não parou de
crescer, na razão directa da intensificação das pressões que sobre ela se exercem de
forma cada vez mais intolerável” (Costa 2006:1).
Todos queremos o desenvolvimento económico mas ele conduz à expansão urbana e
industrial, infra-estruturas de transporte, energia e outras. E, nada disto se faz sem o
reverso da medalha: desflorestação, incêndios, erosão e consequente desertificação.
18
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
Desta forma temos todos a nossa quota de responsabilidade no declínio da
biodiversidade.
Já em 1995, o Relatório Dobris alertava para o facto de muitas regiões da Europa
estarem a perder biodiversidade como consequência do uso intensivo do solo, através
de práticas agrícolas e silvícolas incorrectas, de uma fragmentação crescente dos
habitats naturais em resultado de infra-estruturas e urbanizações e da exposição ao
turismo de massas e à poluição da água e do ar. Porém, a perda de biodiversidade é
apenas umas das pontas do iceberg que demonstra a fragilidade ambiental do planeta.
A uma escala mais próxima, cada sociedade tem a responsabilidade de zelar por si,
tendo sempre bem patente a sustentabilidade das gerações futuras. E esta premissa
atinge uma complexidade tal que se torna difícil, nalguns casos, impossível de cumprir.
Assim, não é de estranhar que o tema do desenvolvimento sustentável esteja na ordem
do dia. Este foi colocado na agenda política mundial pela Conferência das Nações
Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), realizada no Rio de Janeiro em
1992 e reafirmado-se o conceito - definido como o desenvolvimento que satisfaz as
necessidades presentes sem comprometer a capacidade de as gerações futuras
satisfazerem as suas próprias necessidades - lançado em 1987 pelo Relatório
Brundtland "O Nosso Futuro Comum".
Não obstante toda a importância da Conferência do Rio para a temática ambiental e de
Desenvolvimento Sustentável, há que considerar outros momentos em que o conceito
já se esboçava.
•
Período «Pré-Estocolmo»
“Relativamente aos aspectos percursores do conceito de desenvolvimento sustentável,
Mebraut (1998) refere um primeiro período histórico “Pré-Estocolmo”, que abrange o
período antecedente da conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano,
realizada em Estocolmo em 1972. (…)Mebraut considera também como percursor do
conceito, o contributo de Malthus que nos finais do século XVIII, indica a escassez de
recursos como factor limitante do crescimento, perante a evidência de problemas como
o desemprego, a pobreza e doenças associadas à revolução industrial” (Briz, 2003:7).
19
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
De entre alguns marcos deste período destacam-se, a Conservação das espécies com
a criação do 1º parque natural criado em Yellowstone, EUA, no final do séc. XIX; a
comemoração, pela primeira vez, do dia da Terra em 1970; o lançamento o programa
MaB – (Man and the Biosphere)15 pela UNESCO, em 1971, tendo como principal
objectivo promover o conhecimento, a prática e os valores humanos para implementar
boas relações entre as populações e o meio ambiente em todo o planeta.
Já em 1972 “O relatório Meadows - Limites do crescimento - apresentado ao Clube de
Roma16, revelava um conjunto de preocupações, sobretudo relacionadas com o
esgotamento dos recursos, face aos elevados níveis de consumo que então se
verificavam”(Carvalho, 2003:16).
“Assim, quanto mais rapidamente se investisse na alteração destas tendências,
maiores seriam as probabilidades de criar condições de estabilidade ecológica e
económica, numa perspectiva de muito longo prazo” (Meadows et al., 1972:32)17.
•
Conferência de Estocolmo
Em 1972 realiza-se aquela que é considerada a primeira grande referência para o
Desenvolvimento Sustentável: a Conferência de Estocolmo18. Segundo Carvalho (2003)
“O facto mais relevante da década é a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente
Humano, realizada em Estocolmo, onde se discute pela primeira vez, o futuro do
mundo, e se traz para a discussão pública o problema da degradação do ambiente, a
qual coloca em risco esse mesmo futuro” (2003:16).
15
Criado como resultado da "Conferência sobre a Biosfera" realizada pela UNESCO em Paris em
Setembro de 1968
16
“O Clube de Roma é uma ONG constituída por cientistas, economistas, empresários, altos funcionários
públicos internacionais, chefes de Estado e ex-chefes de Estado, que partilham as suas diversas
experiências no sentido de obterem um entendimento aprofundado das questões mundiais.
Estabelecendo a sua missão como catalizador global da mudança, o Clube de Roma pretende contribuir
para a resolução de problemas de natureza política, social, económica, tecnológica, ambiental,
psicológica e cultural. O primeiro relatório publicado “The Limits to Growth”, obteve 12 milhões de
exemplares vendidos em 27 línguas, tendo-lhe sucedido outras publicações sobre diferentes temáticas,
como a educação, a energia e o impacte da micro-electrónica na sociedade” (Briz, 2005:7). Mais
informações sobre o clube de Roma em www.clubofrome.org (visitado em 19 de Outubro de 2007)
17
Citado por Briz (2005:8)
18
Participaram 113 países entre os quais Portugal. A partir de contactos internacionais encetados e pela
comunhão de novos princípios ecológicos a Comissão Nacional de Ambiente (CNA) passa a preocuparse mais com a questão da Educação Ambiental em Portugal
20
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
A Conferência de Estocolmo inicia-se com a ideia que parar o crescimento seria um
erro mas também com o “peso” do relatório “Limites do crescimento” e com tudo o que
estava inerente à dicotomia Norte-Sul e às assimetrias Leste-Oeste.
Destas ideias compartilham alguns autores. Segundo Biswas &Biswas, 198219 “ Na
Conferência havia um sentimento generalizado por parte de muitos países de que a
protecção do ambiente podia dificultar o seu processo de desenvolvimento”. Para Cans,
(1992:13)20 “Quando os políticos se reuniram para alertar contra o crescimento
desenfreado encolheram-se os ombros: pôr fim ao crescimento? Era o mesmo que
pedir a paragem do progresso! Quebrar o ímpeto do desenvolvimento económico? Era
pior que um erro – um crime!”. E de acordo com Soromenho-Marques (1998) “As
questões ambientais estão sobre-determinadas pela clivagem Norte-Sul. Esta
característica, que continua a impedir a existência de uma concepção consensual de
ambiente, capaz de prefaciar uma real actuação comum entre uma maioria significativa
de Estados de diversos continentes já patente na Conferência de Estocolmo, sendo
alias mais forte que a fissura ideológica da Guerra Fria” (1998:181).
Com efeito, os países do Norte mostraram-se preocupados com a deterioração do
ambiente e o rápido esgotamento dos recursos do planeta, reconhecendo que a divisão
do mundo em ricos e pobres, tem uma elevada cota de responsabilidade; por seu lado
os países do sul consideraram que o principal problema era o desenvolvimento da sua
economia
e
que
os
problemas
ambientais
eram
apenas
preocupações
e
responsabilidade dos países ricos.
Desta declaração consta ainda a proclamação do dia 5 de Junho de cada ano como o
Dia Mundial do Ambiente, e é criado o PNUA21, que dotará a comunidade internacional
de conhecimentos ambientais, através do desenvolvimento e disseminação de
ferramentas apropriadas e instrumentos políticos. De entre a lista de princípios que saiu
desta declaração citam-se dois em que o Desenvolvimento Sustentável está mais
patente: “ (...) Cabe o homem o dever solene de proteger e melhorar o ambiente para
19
Citado por Martins (1996:43)
Citado por Martins (1996:43)
21
PNUA - Programa das Nações Unidas para o Ambiente
20
21
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
as gerações actuais e vindouras. (...)” e “Os recursos naturais do Globo (...) devem ser
salvaguardados no interesse das gerações presentes e futuras (...)”.
No ano de 1980, destaca-se a Estratégia Mundial da Conservação, UICN. “O
desenvolvimento e a conservação são igualmente necessários para a nossa
sobrevivência e para assegurarmos as nossas responsabilidades como garantes dos
recursos naturais das gerações futuras. A Estratégia Mundial da Conservação
identificou três grandes objectivos para desenvolvimento sustentável: Manutenção dos
processos ecológicos essenciais e dos sistemas de suporte de vida, a Prevenção da
diversidade genética e a Utilização sustentável das espécies e dos ecossistemas”
(Partidário, 2003).22
•
Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento (WCED)
A constituição da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento (WCED) pela
ONU, da qual viria a ser publicado, em 1987, o Relatório “O Nosso Futuro Comum”
também conhecido por relatório Brunddtland, assume grande relevância para o
desenvolvimento sustentável. “Este relatório viria a ter uma grande importância ao
identificar os principais problemas ambientais que ameaçam e entravam o
desenvolvimento de muitos países do Sul, e propondo um compromisso entre ecologia
e economia, assente no conceito de desenvolvimento sustentável, ou seja conciliar a
intervenção tecnológica com a capacidade ecossistémica do planeta de suportar essa
intervenção. Em suma conciliar ambiente e desenvolvimento” (Carvalho, 2003:17).
Apesar de ser criticado pelos seus pressupostos irrealistas, o principal impacte do
relatório Brandtland tem sido a capacidade de estimular novos planos de protecção do
ambiente tanto a nível nacional como internacional (Martins, 1996:45).
22
In: Aulas de Políticas de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – evolução histórica e situação
internacional.
22
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
•
A Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento
(CNUAD)
A Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD) –
também conhecida por Conferência do Rio, realizou-se no Rio de Janeiro em 1992. “A
Cimeira da Terra, foi a Cimeira dos bons propósitos: as convenções sobre as
mudanças climáticas, a diversidade biológica, o combate à desertificação; os 27
princípios sobre o Desenvolvimento Sustentável, conhecidos como a declaração do
Rio; a Agenda 21” (Santos, 2002)23.
Desta Conferência ressalta-se a elaboração de dois documentos com a maior
importância para o Desenvolvimento Sustentável: a Agenda 21 e a Declaração do Rio;
ambos constituem um importante compromisso político. Ainda hoje estes documentos
servem de linha orientadora dos trabalhos que têm vindo a ser realizados, quer a nível
internacional quer no âmbito das políticas domésticas dos países considerados
individualmente.
Em relação à Agenda 21 pode afirmar-se que foi um importante instrumento na área do
ambiente, servindo como referência em termos de gestão ambiental na maioria das
regiões do mundo. Ao focalizar a implementação do desenvolvimento sustentável, tem
sido uma referência muito importante de apoio à decisão, relacionando aspectos
ambientais, sociais e económicos.
A declaração do Rio é composta por 27 Princípios com vista a garantir a manutenção
do equilíbrio ecológico do planeta e do desenvolvimento sustentável. De realçar os
princípios de Declaração do Rio que coincidem com os princípios fundamentais do
Direito do Ambiente, internacional e nacional, de acordo com Canotilho (1998) –
princípios 4,10,15 e 16 - e com Magno (2001) – princípios 10, 15, 16, 17, 18 e 19
24
(Quadro II).
23
24
http://www.ces.fe.uc.pt/opiniao/bss/057en.php (visitado em 19 de Outubro 2007)
Citado por Briz (2005:14)
23
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
Quadro II – Alguns Princípios do Direito do Ambiente25
Princípio 4 – Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a protecção ambiental deve constituir parte
integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada separadamente
Princípio 10 - A melhor forma de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, de todos os
cidadãos interessados ao nível conveniente. Ao nível nacional, cada pessoa terá acesso adequado às
informações relativas ao ambiente detidas pelas autoridades, inclusive informações sobre produtos e
actividades perigosas nas suas comunidades e a oportunidade de participar em processos de tomada de
decisão. Os Estados deverão facilitar e incentivar a sensibilização e participação do público,
disponibilizando amplamente as informações. O acesso efectivo aos processos judiciais e
administrativos, incluindo os de recuperação e de reparação, deve ser garantido.
Princípio 15 – Para que o ambiente seja protegido serão aplicado pelos Estados, de acordo com as suas
capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças e riscos sérios ou irreversíveis não será
utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas custo-eficazes para
evitar a degradação ambiental.
Princípio 16 - As autoridades nacionais deverão esforçar-se por promover a internacionalização dos
custos ambientais e a utilização de instrumentos económicos, tendo em conta o principio de que o
poluidor deverá, em princípio, suportar o custo da poluição, com o devido respeito pelo interesse público
e sem distorcer o comércio e investimento.
Princípio 17 - Deverá ser empreendida a avaliação do impacte ambiental, enquanto instrumento
nacional, de certas actividades susceptíveis de terem impacte significativo adverso no ambiente e que
estejam sujeitas a uma decisão por parte de uma autoridade nacional competente.
Princípio 18 - Os Estados deverão notificar imediatamente os outros Estados de quaisquer desastres
naturais ou outras emergências que possam produzir efeitos súbitos nocivos no ambiente desses
Estados. Deverão ser envidados todos os esforços pela comunidade internacional para ajudar os
Estados afectados por tais efeitos.
Princípio 19 - Os Estados deverão notificar, prévia e atempadamente, os Estados potencialmente
afectados, e fornecer-lhes todas as informações pertinentes sobre as actividades que possam ter um
efeito transfronteiriço adverso significativo sobre o ambiente, e deverão estabelecer consultas
atempadamente e de boa fé com esses Estados.
Fonte: Adaptado de Briz, (2005:12)
•
Declaração do Milénio
Em Setembro de 2000, a Declaração do Milénio, organizada pelas Nações Unidas, não
só reforça a importância de resolver as questões ambientais como acentua a tónica na
erradicação da pobreza, uma outra vertente do Desenvolvimento Sustentável.
A assinatura desta declaração foi uma esperança para muitos dos que tentam combater
a pobreza extrema, auxiliando as suas vítimas. “A declaração apresenta uma visão
arrojada firmada num compromisso partilhado com relação aos direitos humanos
universais e à justiça social, e apoiada por metas com prazos bem definidos. Essas
metas incluem a redução da pobreza extrema para metade, diminuição da mortalidade
de crianças, provisão de educação para todas as crianças do mundo, redução das
doenças Infecciosas e a promoção de uma nova parceria mundial para produzir
resultados”26 (Quadro III).
25
26
Declaração do Rio Sobre Ambiente e Desenvolvimento
Relatório Desenvolvimento Humano (PNUAD), 2005:1
24
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
Quadro III – Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU
1. Erradicação da pobreza e
fome extremas
•
•
2. Alcançar a educação
primária universal
3. Promover a igualdade
entre os sexos e delegar
poderes nas mulheres
4. Reduzir a mortalidade
infantil
5. Melhorar a saúde maternal
6. Combater o VIH/SIDA, a
malária e outras doenças
•
•
Reduzir para metade a proporção da população que vive com um rendimento
inferior a um dólar diário;
Reduzir para metade a proporção da população que sofre de fome
Garantir que todas as crianças, raparigas e rapazes, completem a
escolaridade primária
Eliminar as disparidades entre sexos na educação primária e secundária de
preferência até 2005 e a todos os níveis até 2015
Reduzir em dois terços a taxa de mortalidade entre as crianças com menos de
cinco anos
•
Reduzir em três quartos o rácio de mortalidade maternal
•
Parar e iniciar a inversão do alastramento do VIH/SIDA
•
Parar e iniciar a inversão da incidência da malária e de outras grandes
doenças
7. Garantir a
•
Integrar os princípios de desenvolvimento sustentável nas políticas e
sustentabilidade ambiental
programas nacionais; inverter a perda de recursos ambientais
•
Reduzir para metade a proporção da população sem acesso sustentável à
água potável
•
Alcançar, até 2020, uma melhoria significativa nas vidas de pelo menos 100
milhões de moradores de bairros degradados
8. Desenvolver uma parceria •
Aprofundar o desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro baseado
global para o
em regras, previsível e não-discriminatório. Inclusão de um compromisso com
desenvolvimento
a boa governação, desenvolvimento e redução da pobreza – a nível nacional e
internacional
•
Abordar as necessidades especiais dos países menos desenvolvidos. Isto
inclui uma política de acesso isenta de taxas e quotas para as suas
exportações; o aumento do alívio da dívida para os países pobres altamente
endividados; o cancelamento das dívidas bilaterais oficiais; maior ajuda
pública ao desenvolvimento para os países que estão empenhados na
redução da pobreza
•
Abordar as necessidades especiais dos pequenos Estados insulares em
desenvolvimento e dos Estados sem acesso ao mar
•
Lidar de forma abrangente com os problemas da dívida dos países em
desenvolvimento através de medidas nacionais e internacionais concebidas
para tornar as suas dívidas sustentáveis a longo prazo
•
Em cooperação com os países em desenvolvimento, criar emprego decente e
produtivo para os jovens
•
Em cooperação com a indústria farmacêutica, disponibilizar medicamentos
financeiramente acessíveis nos países em desenvolvimentos
•
Em cooperação com o sector privado, tornar disponíveis os benefícios das
novas tecnologias - especialmente tecnologias da informação
Fonte: Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável 2005-2015 (2005:17)
•
A Declaração do Milénio, para além de levantar a questão da pobreza, procurou
assentar metas concretas que implicassem a inversão da tendência da degradação do
ambiente e para a insustentabilidade das condições de vida de uma grande parte do
planeta.
•
A Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável
A Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo de
26 de Agosto a 4 de Setembro de 2002 foi outro marco para o Desenvolvimento
Sustentável. As esperanças eram muitas por parte dos ambientalistas relativamente
aos resultados que iriam sair da Convenção de Joanesburgo. Contudo a opinião geral
foi de que os resultados foram pouco ambiciosos. “ A Cimeira de Joanesburgo deixou
25
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
em aberto não apenas a realização do Plano de Implementação, como também o
desafio de implementar a nível mundial estratégias nacionais para o desenvolvimento
sustentável na década – 2005/2015 - que as Nações Unidas vão dedicar a esse tema
decisivo” (Mota et al, 2005:16).
No entanto, os documentos redigidos no âmbito desta Convenção ficaram muito aquém
do esperado. Segundo Vieira (2002a:1) “Ao falhanço completo na resolução da maioria
dos problemas humanos e ecológicos que se verificou nas últimas décadas acresce
agora a falta de vontade política para inverter a degradação do Planeta”27.
Para Santos (2002)28 “O fracasso da Cimeira de Joanesburgo foi um fracasso
anunciado. Depois do colapso das reuniões preparatórias não havia muito a esperar.
(…) Esperava-se que a Cimeira de Joanesburgo fosse a Cimeira dos compromissos
vinculativos, dos objectivos concretos e dos prazos definidos. Em vez disso, a Cimeira
foi dominada pela aversão a prazos e objectivos e pela preferência por compromissos
voluntariamente assumidos.
A Conferência do Rio tinha defendido um conceito amplo de Desenvolvimento
Sustentável que não só punha em causa o modelo de desenvolvimento económico
em curso – na medida em que este não garante a renovação dos recursos –, como
também punha limites ao mercado enquanto critério de acção social e decisão
política. A prova disto mesmo foi o facto de a Cimeira ter sido dominada pelos
Estados e pela sociedade civil sob a forma de organizações não governamentais.
Neste domínio, a Cimeira de Joanesburgo não só não avançou como significou um
retrocesso”.
Apesar de alguns aspectos positivos, tais como o Anúncio do Canadá e da China da
ratificação do protocolo de Quioto; da redução para metade, até 2015, da percentagem
de pessoas em condições de pobreza extrema; do número de pessoas sem acesso a
água potável – reafirmação dos objectivos e metas do Desenvolvimento do Milénio –,
“Os discursos inflamados dos líderes mundiais na Cimeira de Joanesburgo acabaram
por ficar reduzidos a compromissos vagos e frágeis. No final, uma declaração política,
27
28
Citado por Briz (2005:17)
http://www.ces.fe.uc.pt/opiniao/bss/057en.php (visitado 19 de Outubro 2007)
26
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
um plano de acção, várias parcerias e a frustração pela ausência de metas” (Público, 5
de Setembro 2002)29.
1.3 AS DIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Quando, em 1987, o relatório Brundtland, definiu o conceito de desenvolvimento
sustentável, pretendia alertar para a urgência em interligar a política económica com os
programas de ambiente, de forma a não comprometer o futuro das novas gerações.
“Para que isso seja atingindo, são requeridas grandes mudanças no comportamento
dos indivíduos, da indústria e dos governos. (Martins, 1996:45).
Desde que o conceito de Desenvolvimento Sustentável foi publicado, tem havido uma
difusão, não apenas do conceito em si como das diferentes dimensões que o
compõem. O desenvolvimento sustentável assentava inicialmente em duas dimensões
fundamentais: o desenvolvimento económico e a protecção do ambiente.
Porém, “após a Cimeira Social de Copenhaga, realizada em 1995, foi integrada a
vertente social como terceiro pilar do conceito de desenvolvimento sustentável. Assim,
embora actualmente o desenvolvimento sustentável mantenha o mesmo desígnio
global, a sua implementação é realizada com base em três dimensões essenciais: o
desenvolvimento económico, a coesão social e a protecção do ambiente” (ENDS,
2005:10) (Fig. 1).
Dimensão Económica
(eficiência, crescimento, estabilidade)
Desenvolvimento
Sustentável
Dimensão Social
(equidade)
Dimensão Ambiental
(reproduzibilidade dos recursos)
Figura 1 – Dimensões do Desenvolvimento Sustentável
30
Fonte: Melo, et al, 2001:218)
29
30
http://dossiers.publico.pt/dossier.aspx?idCanal=979 (visitado em 19 de Outubro de 2007)
Citado por Aleixo, 2002:33
27
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
•
Dimensão ambiental
Em termos ambientais, a sustentabilidade requer, não apenas alterações nos padrões
de produção e consumo, como também limites ao crescimento populacional pois só
assim se conseguirá garantir o pressuposto no conceito de desenvolvimento
sustentável. Com efeito como gerir recursos ambientais sabendo que os aspectos
socio-económicos da sociedade estão muito aquém de estarem resolvidos? Em
sociedades mais desenvolvidas, em que a satisfação do bem-estar e qualidade de vida
está assegurada, as questões ambientais assumem um papel imprescindível e, regra
geral, já não aparecem dissociadas dos restantes domínios. Todavia, falar e resolver
questões ambientais em sociedades onde impera a fome, a pobreza e a guerra é algo
praticamente inconcebível.
•
Dimensão económica
Na dimensão económica é evidenciado o saber usar os recursos ambientais de modo
eficiente e fazê-lo de modo estável considerando o desenvolvimento como um processo
de longo prazo, contudo, tal não é tarefa fácil. Segundo Martins (1996) “A vitalidade
económica de uma sociedade depende da sua capacidade para dispor de excedentes
que possa trocar pelos bens que necessita. Esses excedentes podem derivar da
produtividade, tecnologia ou saber, mas caso derivem dos seus recursos naturais a
capacidade de renovação dos mesmos deve ser a primeira consideração a ter em
conta para se manter o desenvolvimento sustentável”
Sem dúvida que os países mais ricos estão mais sensibilizados para o problema da
sustentabilidade, porém, são também os que têm uma economia mais forte. E, esta
forte economia dá-lhes uma segurança que lhes permite enveredar por “uma
qualificação dos consumos e desmaterialização das produções de maior eficiência
produtiva, resultando algumas poupanças de energia e de matérias-primas e maior
requalificação ambiental” (Aleixo, 2002:34).
Contrariamente, os países do Sul – os mais pobres – ainda em fase de satisfação das
suas necessidades básicas, preocupam-se exclusivamente com a sua sobrevivência e
aqui as questões ambientais perdem peso. Perante objectivos antagónicos há que
haver esforços e cedências de ambas as partes.
28
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
De acordo com Soromenho-Marques a questão dos custos económicos é um factor
decisivo para facilitar ou dificultar acordos. “O modo como o Estado e outros actores
ambientais antecipam o impacte de medidas de protecção ambiental sobre as suas
economias e sobre as suas perspectivas de desenvolvimento pode conduzir a alianças
muito mais complexas do que a simples oposição Norte-Sul poderia fazer prever”
(1998:192). A título de exemplo cite-se o lento e problemático processo que mediou
entre a assinatura da Convenção-quadro sobre as Alterações climáticas (1992) e o
protocolo de Quioto (1997), cujo objectivo era a redução efectiva de emissões de gases
causadores do efeito de estufa.
Confirma-se assim que a dimensão económica do Desenvolvimento Sustentável é
bastante complexa não apenas entre países ricos e pobres como no seio do grupo de
países mais ricos. Efectivamente, eficiência, crescimento e estabilidade são essenciais,
porém, a equidade intrageracional e intergeracional, objectivos da economia ecológica,
são difíceis de alcançar e, manter o equilíbrio e a sustentabilidade vai gerar ainda
muitas discussões cimeiras e acordos.
•
Dimensão Social
A Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Social, conhecida pela Cimeira de
Copenhaga, realizou-se em 1995. Vem introduzir a tónica da dimensão social ao
Desenvolvimento Sustentável. De entre os objectivos destacam-se: Erradicação da
pobreza absoluta, apoio ao pleno emprego como um objectivo político básico;
promoção da integração social baseada no reforço e na protecção de todos os direitos
humanos; aumento dos recursos atribuídos ao desenvolvimento social; reforço da
cooperação para o desenvolvimento social, etc. A observação, atenta, destes objectivos
permite concluir que são os mesmos que cinco anos mais tarde foram estabelecidos
nas metas e objectivos da Cimeira do Milénio. Aliás, a dimensão social está patente em
todos os relatórios do Programa das Nações Unidas (PNUD), o que demonstra a sua
importância a nível internacional.
Contudo, tendo em conta os problemas bélicos que dominam o cenário internacional,
os conflitos internos da maior parte dos países em desenvolvimento, os regimes
totalitaristas que vigoram nos países menos desenvolvidos, a fome que continua a
29
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
afectar uma parte importante da população mundial, entre outros indicadores, torna-se
difícil concretizar a dimensão social do desenvolvimento sustentável.
•
Dimensão institucional
Para além das dimensões anteriormente focadas, económica, ambiental e social, foi
acrescentada ao desenvolvimento sustentável a dimensão institucional31. Esta
dimensão tem intrínseca a ideia de abranger as questões relativas à forma de
governação quer das instituições quer dos sistemas legislativos.
A vertente institucional chama a atenção para as questões relativas às formas de
governação, das instituições e dos sistemas legislativos tais como a flexibilidade,
transparência, democracia, para o quadro da participação dos grupos de interesse
(sindicatos e associações empresariais) e para a sociedade civil, onde as Organizações
Não Governamentais (ONG) são parceiros essenciais na promoção dos objectivos do
desenvolvimento sustentável.
Actualmente não se pode dissociar governação de participação pública. O papel
desempenhado e a desempenhar pelos cidadãos nos processos de decisão é
inquestionavelmente reconhecido. Na 5ª Conferência Ministerial “Ambiente para a
Europa”, realizada em Kiev, na Ucrânia, em 2003, a Declaração Ministerial, no
§37º,“...encoraja todos os Estados a encetar os passos para a promoção de uma
“governação responsável e transparente” e em reforçar o papel do público no processo
de tomada de decisão, designadamente através de medidas de formação de
capacidade dirigidas para a implementação do Princípio 10 da Declaração do Rio, tal
como foi sublinhado na Declaração de Lucca da 1ª Reunião das Partes da Convenção
de Aarhus” (CNADS, 2003:13).
O princípio da participação32encontra-se consagrado nas principais Declarações e
Convenções Ambientais33 e o Livro Branco sobre Governação dá-lhe uma nova
31
Governance, no original.
“A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento
fundamental de consolidação do sistema democrático (...)”
33
Declaração do Rio Janeiro sobre Ambiente e Desenvolvimento – Princípio 10 “Participação, Acesso à
Informação e Direito à Justiça em Matéria de Ambiente” (IPAMB, 1997); Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre as Alterações Climáticas – Artigo 6º “Educação, Formação e Informação do Público” (IM,
1994); Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação – Artigo 3º “Princípios” (SPCCD,
1996); §37º da Declaração de Kiev, 23 de Maio de 2003.
32
30
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
expressão ao enunciar o Princípio da Participação para uma Governação Responsável
como “a qualidade, relevância e eficácia das políticas da União Europeia dependem do
assegurar da ampla participação ao longo de todo o processo político – desde a
concepção à implementação. O aprofundar da participação gera uma maior confiança,
por parte do público, quanto ao resultado final da aplicação das políticas, assim como
nas instituições que as elaboram e propõem. Para a participação ser uma realidade, os
governos centrais deverão seguir uma “aproximação inclusiva” aquando da elaboração
e implementação das políticas da União Europeia” (CE, 2001b).
Tendo em conta que a dimensão institucional “governance” assenta na participação
pública e sendo esta uma dimensão do desenvolvimento sustentável, deparamo-nos
com mais uma questão de desigualdade entre países ricos e pobres. Ao acrescentar
um novo pilar ao desenvolvimento sustentável – institucional – aumentou-se o fosso
entre países do Norte e do Sul. Mas o acesso à informação também é desigual nos
países do Norte em função dos níveis de rendimento e escolaridade.
1.4 – ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Um dos compromissos internacionais assumidos no âmbito da Agenda 21, acordada na
Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio
de Janeiro em 1992, foi a elaboração de uma Estratégia de Desenvolvimento
Sustentável por parte dos Estados-Membros. Este mesmo compromisso viria a ser
reafirmado na 19ª Sessão Especial da Assembleia-Geral das Nações Unidas de 1997,
onde os Estados-Membros da União Europeia, acordaram apresentar as suas
estratégias nacionais a tempo do Conselho Europeu de Sevilha (2002), no quadro de
preparação da Cimeira sobre Desenvolvimento Sustentável a ocorrer em Joanesburgo.
1.4.1 ESTRATÉGIA DA UNIÃO EUROPEIA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A elaboração da estratégia para o Desenvolvimento Sustentável torna-se imperativa à
luz dos princípios e das políticas defendidas pela União Europeia. Assim, as Nações
Unidas e a União Europeia, entre outras entidades e instituições, apelaram para que
cada país formulasse e implementasse a sua própria estratégia para o desenvolvimento
sustentável. A própria União Europeia deu o exemplo ao aprovar a sua própria
31
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
Estratégia Comunitária para o Desenvolvimento Sustentável (2001). As Nações Unidas,
como forma de sensibilização designaram a década de 2005-2015 à consagração
universal do carácter estratégico do desenvolvimento sustentável. O Desenvolvimento
Sustentável é, assim, primeiro que tudo, um objectivo fundamental consagrado nos
Tratados da União Europeia, em que se exige uma abordagem integrada das políticas
económicas, sociais e ambientais.
O Processo de Cardiff34 em 1998 consagrou a integração das questões ambientais nas
políticas sectoriais. Desde esta data e dentro deste contexto têm vindo a ser assumidos
compromissos políticos e mecanismos de aplicação que permitem salvaguardar as
preocupações ambientais no desenvolvimento das diversas políticas.
Posteriormente, na Estratégia de Lisboa (2000), definiu-se um novo objectivo
estratégico para a primeira década do século XXI no espaço da União Europeia:
“Tornar-se na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do
mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e
melhores empregos, e com maior coesão social”35. A dimensão ambiental é assim
acrescentada à Estratégia de Lisboa (Quadro IV).
34
O processo de Cardiff foi o enquadramento acordado para a aplicação do artigo 6º do Tratado da
União Europeia de integração das questões de ambiente nas demais políticas sectoriais.
(http://www.gri.maotdr.gov.pt/) (visitado em 20 de Outubro 2007)
35
http://www.ces.pt/file/doc/68 (visitado em 20 de Outubro 2007)
32
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
Quadro IV – Principais problemas visados na EDS – UE (2001)
O mandato de Gotemburgo reconhece a necessidade de acção urgente nas quatro áreas de
intervenção prioritárias:
• Alterações climáticas;
• Transportes sustentáveis;
• Riscos para a saúde pública;
• Recursos naturais.
No combate às alterações climáticas são reiterados os compromissos relativos ao Protocolo de Quioto,
nomeadamente o da redução, até 2010, de 8% das emissões de gases com efeito de estufa, tendo por
referência os níveis de 1990. Antecipa-se que, para além de 2010, e até 2020, a UE deverá procurar
alcançar uma redução das emissões de gases com efeito de estufa numa taxa média de 1% ao ano
relativamente aos níveis de 1990. Estabelece-se ainda a meta indicativa de 22% (em 2010) para a
produção de electricidade proveniente de energias renováveis.
Relativamente aos transportes sustentáveis, a UE identifica como objectivos a redução dos níveis de
tráfego, congestionamento, ruído e poluição, bem como incentivar o uso de transportes que respeitem o
ambiente e assegurar a plena internalização dos custos sociais e ambientais. Salienta a necessidade de
serem adoptadas medidas para dissociar o crescimento dos transportes do crescimento do PNB através,
nomeadamente da substituição do transporte rodoviário pela ferrovia, pelo transporte marítimo e pela
maior utilização de meios de transportes públicos de passageiros.
Na diminuição de riscos para a saúde pública, a Estratégia Comunitária convida as instituições
europeias competentes a adoptarem, até 2004, a estratégia para os produtos químicos e aprovação do
regulamento relativo à Autoridade Alimentar Europeia.
Relativamente à gestão mais responsável dos recursos naturais, a UE assume como fundamental o
objectivo da dissociação do crescimento económico, do consumo de recursos naturais e da produção de
resíduos, de modo a assegurar a manutenção da biodiversidade e a preservação dos ecossistemas.
Salienta que a Política Agrícola Comum deverá ter em conta a promoção de modos de produção
sustentáveis, incluindo a produção biológica e a protecção da biodiversidade e que, no âmbito da Política
Comum de Pescas deverá ser assegurada que a pressão exercida sobre os recursos haliêuticos terá em
conta o impacte social resultante da necessidade de evitar a sobrepesca. Reitera a importância da
implementação da política integrada de produto em cooperação com as empresas, com o objectivo de
reduzir a utilização de recursos e o impacte ambiental de resíduos. Define ainda como desígnio
prioritário que o declínio da biodiversidade deverá ser sustido até 2010
Aos Conselhos Europeus da Primavera, de acordo com o mandato de Gotemburgo, cabe a revisão do
desenvolvimento e da implementação da EDS e adopção de orientações para o futuro, tendo por base
os relatórios síntese produzidos pela Comissão.
Fonte: ENDS 2005-2015 (Mota et al, 2005:20)
Em 2001 no Conselho de Gotemburgo os países membros elaboraram uma estratégia
para o desenvolvimento sustentável acrescentando uma dimensão ambiental à
estratégia de Lisboa relativo ao emprego, à reforma económica e à coesão social. Em
2004 a Comissão Europeia apresentou Construir o Nosso futuro Comum, Desafios
políticos e Recursos Orçamentais da União Alargada, 2007-2013. O Desenvolvimento
Sustentável surge como o primeiro grande objectivo das políticas da UE. (Quadro V)
33
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
Quadro V - A União Europeia e o Desenvolvimento Sustentável (2007/13)
Na sua comunicação ao Conselho e ao Parlamento Europeu - Building Our Common Future a Comissão Europeia
define três grandes objectivos para a União Europeia no período 2007/13
•
Desenvolvimento Sustentável, através da mobilização das políticas económicas, sociais e ambientais
•
Cidadania Europeia, completando as realizações na área de liberdade, justiça, segurança e acesso aos bens
públicos básicos
•
Projecção da Europa como Parceiro Global
O Desenvolvimento Sustentável surge como o primeiro dos Objectivos e como um vector estratégico do terceiro
Objectivo. Para a Comissão Europeia o Objectivo de aumentar a prosperidade dos cidadãos europeus de um modo
sustentável desdobra-se em três vectores.
•
Transformar a UE numa economia baseada no conhecimento dinâmica e orientada para o crescimento
•
Atingir uma maior coesão no contexto de uma União alargada
•
Reforçar a competitividade da agricultura europeia, fortalecer o desenvolvimento rural, assegurar uma
exploração sustentável dos recursos piscatórios e a qualidade do ambiente
Por sua vez o Objectivo “Projecção da Europa como Parceiro Global” desdobra-se em três vectores principais
•
A União Europeia e o seu espaço próximo
•
A União Europeia como parceiro para o Desenvolvimento Sustentável (quer através da sua acção ao nível
global, quer no quadro das suas relações bilaterais)
•
A União Europeia como Actor Global
No primeiro vector do Objectivo “Desenvolvimento Sustentável” - “Transformar a UE numa economia baseada no
conhecimento dinâmica e orientada para o crescimento” destacam-se como objectivos operacionais:
•
Promover a competitividade das empresas num mercado único totalmente integrado
•
Reforçar o esforço europeu na área da investigação & desenvolvimento
•
Aumentar a conectividade na Europa através de redes transeuropeias
•
Melhorar a qualidade da educação e da formação
•
Prosseguir a agenda social europeia, no sentido de ajudara a sociedade europeia a antecipar e gerir a
mudança
No segundo vector do Desenvolvimento Sustentável – “Coesão no contexto de uma União alargada” a União Europeia
deverá prosseguir com a política de coesão assente num conjunto de princípios orientadores Concentração de
recursos e investimentos
•
Respeito pelas regras do Mercado Único
•
Maior ênfase na criação de empregos em novas actividades
•
Contribuição para o desenvolvimento de parcerias e de boa governação
No terceiro vector do Objectivo “Desenvolvimento sustentável” – “Reforçar a competitividade da agricultura europeia,
fortalecer o desenvolvimento rural, assegurar uma exploração sustentável dos recursos piscatórios e a qualidade do
ambiente” integram-se como vectores chave:
•
O prosseguimento da reforma da Política Agrícola Comum
•
A implementação da nova Política Comum de Pescas mais orientada para a exploração sustentável dos
recursos vivos aquáticos
•
A implementação do programa da UE para a Mudança climática
•
A implementação das estratégias temáticas dirigidas a prioridades ambientais específicas - solo; qualidade
do ar; pesticidas; ambiente marinho; etc.
•
A implementação do Plano de acção em Tecnologias ambientais
•
O desenvolvimento da rede Natura 2000
Fonte: ENDS 2005-2015 (Mota et al, 2005:22-23)
Em qualquer um destes conselhos europeus está patente a temática da coesão social
na estratégia do desenvolvimento económico. Com efeito, a União Europeia assumiu o
desafio da Sustentabilidade como aspecto central da sua agenda política.
1.4.2 ESTRATÉGIA NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Tendo como enquadramento a estratégia da UE para o Desenvolvimento Sustentável,
cada estado membro deveria formular a sua própria estratégia. No caso de Portugal a
34
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável foi definida para o período
2005/15. De acordo com os autores, entende-se por ENDS “um conjunto coordenado
de actuações que, partindo da situação actual do País, com as suas fragilidades e
potencialidades, permitam num horizonte de 12 anos assegurar um crescimento
económico célere e vigoroso, uma maior coesão social, e um elevado e crescente nível
de protecção do ambiente” (ENDS, 2005,13).
Após alguns contratempos eis que em 2005 a Estratégia Nacional para o
Desenvolvimento Sustentável ficou concluída, mas não para entrar em vigor como
estava previsto. Foi em Agosto de 2007 que a resolução do Conselho de Ministros
109/2007, publicou em Diário da República36 a aprovação ENDS 2005-2015 e o
respectivo Plano de Implementação (PIENDS). Para trás fica um complexo processo.
No Quadro VI estão expostos os principais momentos que assinalam a integração de
Portugal no processo europeu e global de Desenvolvimento Sustentável.
Quadro VI – Integração de Portugal no processo europeu e global de DS
•
•
•
•
•
Consagração no texto originário da Constituição da República Portuguesa de 1976 do “direito a um ambiente
de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado (n.º 1 do artigo 66º, na versão originária): de salientar que,
relativamente aos Estados-membros da União a quinze, apenas a Grécia nos precedeu, consagrando a
protecção ambiental na sua Lei Fundamental desde 1975.
Aprovação da Lei de Bases do Ambiente (Abril de 1987) que aponta para um: “desenvolvimento integrado,
harmonioso e sustentável” (art.º3).
Resolução do Conselho de Ministros sobre o Plano Nacional de Política de Ambiente (Abril de 1995): o PNPA,
onde a menção ao desenvolvimento sustentável como objectivo surge de modo claro, seria discutido no
Outono de 1995, mas jamais entraria em fase de implementação. O PNPA definiu várias Orientações
Estratégicas nas quais integrou a Educação Ambiental como Tarefa Primordial, evidenciando a importância da
questão ambiental na formação dos cidadãos; assim, o Ambiente deixa de ser encarado apenas como recurso
e passa a ser também peça fulcral da Sociedade Portuguesa: “...A educação ambiental visa, em última
instância, a defesa de valores comuns, o exercício de direitos democráticos, em suma, uma afirmação de
cidadania...”.
Consagração na revisão constitucional de 1997 do Desenvolvimento Sustentável (Artigos 66.º e 81º da
Constituição da República Portuguesa.
Criação do Conselho Nacional para o Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (Agosto de 1997).
Resolução do Conselho de Ministros sobre a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (Março de
2002).
Fonte: Adaptado de ENDS 2005-2015 (Mota et al, 2005:23-24)
•
Após a aprovação37 das grandes linhas gerais de orientação da ENDS 2002 esta foi
submetida à discussão pública em Junho de 2002. “Foi alvo de críticas, que
sublinharam as suas inspirações e fragilidades, aliás inevitáveis, no curto período da
sua elaboração” (Schmidt &Valente, 2004:30)38.
36
(1.ª série — N.º 159 — 20 de Agosto de 2007)
Resolução do Conselho de 28 de Maio de 2002
38
Citado por Briz (2005:35)
37
35
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
O resultado das fortes críticas não deixou de se fazer sentir e a coordenação política do
Plano de Implementação da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável
(PIENDS) passou a ser da responsabilidade do Gabinete do Primeiro-Ministro “de modo
a reflectir a transversalidade que lhe é inerente e a necessidade de coordenação ao
mais alto nível” (Mota et al, 2005:25). Assim, em Janeiro de 2004 é nomeada uma
comissão de especialistas, encarregue de terminar ENDS para que esta estivesse
pronta até Janeiro de 2005.
No documento final da ENDS pode ler-se. “O Grande Desígnio que enforma a
Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável é o de fazer de Portugal, no
horizonte de 2015, um dos países mais competitivos da UE, num quadro de qualidade
ambiental e de coesão e responsabilidade social” (Mota et al, 2005:9).
Segundo o portal do Governo, a ENDS tem sete objectivos de acção39: Preparar
Portugal
para
a
«Sociedade
do
Conhecimento»;
Crescimento
Sustentado,
Competitividade à Escala Global e Eficiência Energética; Melhor Ambiente e
Valorização do Património Natural; Mais Equidade, Igualdade de Oportunidades e
Coesão Social; Melhor Conectividade Internacional do País e Valorização Equilibrada
do Território e Uma Administração Pública mais Eficiente e Modernizada.
A destacar da ENDS o capítulo V – A ENDS como Desafio à Cidadania – como os
próprios autores afirmam “A ENDS só terá possibilidades de ter êxito se for entendida,
no que diz respeito à sua gestão, implementação, acompanhamento, avaliação e
reformulação, como um desafio mobilizador da sociedade portuguesa, dos diferentes
parceiros sociais e, individualmente, de cada cidadão em particular” (Mota et al,
2005:103).
A Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável foi aprovada pelo Conselho de
Ministros para discussão pública no dia 8 de Junho de 2006. Como exercício de
cidadania e participação, esteve em discussão pública até 15 de Setembro de 2006,
tendo estado a cargo da equipa de projecto prevista na Resolução de Conselho de
Ministros n.º 112/2005, de 30 de Junho, a promoção da consulta. O Relatório da
39
http://www.desenvolvimentosustentavel.pt (visitado 20 de Outubro 2007)
36
Capítulo 1 – Da Emergência da Educação Ambiental à Participação Pública
Discussão Pública esteve disponível no site do Instituto do Ambiente, actualmente
Agência Portuguesa do Ambiente40:
A elaboração do Plano de Implementação da Estratégia Nacional de Desenvolvimento
Sustentável PIENDS foi dividida em 3 Fases, a cada uma das quais associada um
período de discussão. Como resultado da 1ª Fase foi preparado um conjunto de
documentos de trabalho, que reúnem as propostas de objectivos, acções e indicadores
da responsabilidade dos sectores e expressas nos Painéis Sectoriais realizados41.
Como metas transversais para 2015 a ENDS pretende colocar Portugal num patamar
de desenvolvimento económico mais próximo da média europeia, melhorar a posição
do País no índice de Desenvolvimento Humano do PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento) e reduzir o défice ecológico em Portugal. Sem dúvida
grandes metas que exigem um grande esforço por parte de todos os sectores do país.
40
41
www.iambiente.pt/pls/ia/homepage
Adaptado de http://portal.icnb.pt/ICNPortal/vPT/Noticias/ (visitado a 20 de Outubro 2007).
37
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
INSTRUMENTOS POLÍTICOS E CIDADANIA AMBIENTAL EM
PORTUGAL
Conquanto só nas últimas décadas o tema da participação pública tenha começado a
fazer parte da linguagem de muitos cidadãos, a concepção subjacente a esta temática
é histórica. Segundo Beck (1992)42 “na sociedade contemporânea, por vezes
qualificada como “sociedade de risco”, os cidadãos preocupam-se cada vez mais com
os riscos resultantes do desenvolvimento industrial e tecnológico e tornaram-se, do
mesmo passo, mais reflexivos, reclamando uma intervenção mais activa na gestão
desses riscos. Talvez tenha sido o risco, associado à capacidade de obter informação
sobre o mesmo que tenha induzido a uma maior difusão da participação pública dos
cidadãos e à criação, por parte das entidades responsáveis, de um mecanismo legal
em que estes se pudessem apoiarem.
Muito embora só recentemente se comece a falar em participação pública na sociedade
portuguesa, de acordo com o CNADS pode-se encontrar raízes muito claras nos
debates constitucionais das revoluções americana e francesa, do final do século XVIII.
Actualmente a participação é uma exigência fundamental da cidadania activa plena e
como já foi referido os seus princípios fundamentais encontram-se evidenciados no
longo percurso da construção europeia, das políticas comunitárias e da política
internacional de ambiente.
Porém, para que haja participação há que ver consagrado o direito mais básico: o de
acesso à informação. “O direito de acesso à informação assume, assim, uma dimensão
estruturante no direito do ambiente, aspecto que é reconhecido quer pelo direito
internacional quer pelo direito comunitário43. No âmbito do direito internacional, merece
especial relevo a Convenção sobre o acesso à informação, a participação pública no
processo decisional e o acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus
em 25 de Junho de 1998” (Sendim, 2002: 30).
42
Citado em CNADS, 2003: 10
No direito comunitário deve-se ter em conta a Directiva nº 90/313/CEE transposta pela Lei nº 65/93, de
os
26 de Agosto com as alterações introduzidas pelas leis N. 8/95, de 29 de Março e 94/99, de 16 de Julho
43
38
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
No que respeita à legislação nacional, em matéria de ambiente e qualidade de vida a
Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 66º, consagra o “direito a um
ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” e proclama que “o
direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao
Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos
cidadãos”. Esta norma constitucional é, de alguma forma, reiterada na Lei de Bases do
Ambiente44, onde se acentua o “apelo a iniciativas populares e comunitárias”, e
reforçada, no campo dos princípios, pela referência aos conceitos de participação e de
responsabilização.
E, apesar de alguns entraves por parte de determinados sectores da administração
pública, a lei é bem clara em matéria de acesso a documentos por parte dos cidadãos
“estes são públicos, podendo ser consultados e copiados por qualquer cidadão”
(Sendim, 2002:29).
A convenção de Aarhus encontra-se em vigor desde 30 de Outubro de 2001 contudo, é
importante questionar que percentagem de cidadãos portugueses a conhece ou dela se
vale como instrumento político. Com efeito, o acesso à informação e participação
pública em Portugal é munido de diferentes instrumentos políticos, mais ou menos
acessíveis, como forma de incentivar o indivíduo a pôr em prática a cidadania
ambiental. Para além das políticas ambientais de estímulo à participação pública na
UE, a legislação portuguesa criou uma série de mecanismos com o intuito de dotar os
cidadãos de instrumentos que lhe permitam exercer uma cidadania ambiental activa e
participada, “os textos legais em vigor garantem estes direitos a todos os cidadãos num
enquadramento mais abrangente do que existe em vários países europeus” (TAIDIS,
2006:13).
De entre o vasto leque de instrumentos em que o cidadão pode exercer o seu direito de
participação (na sua maioria verifica-se na fase de Consulta Pública dos procedimentos
de Avaliação de Impacte Ambiental), a presente dissertação debruçar-se-á sobre a
44
Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, artigos 2º, nº1, e 3º, alíneas c) e h).
39
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
participação pública nos POOC45 e sobre o seu contributo como forma de preservar o
litoral.
Por fim, com base nos inquéritos realizados às ONG com o intuito de analisar o
incentivo social à participação pública, procurar-se-á avaliar de que forma este incentivo
contribui ou não para formar cidadãos mais activos e participativos.
1.5 Políticas ambientais e estímulo à participação pública na UE
Apesar de alguns registos históricos sobre políticas ambientais a nível internacional,
estas cingiam-se, na maior parte dos casos, à protecção de algumas espécies. Na
realidade só a partir dos anos 60 do século passado, fruto do desenvolvimento
industrial e tecnológico e do seu impacte a nível planetário, emerge a necessidade
urgente de uma política de ambiente internacional.
Não obstante este facto, podem referir-se alguns exemplos comprovativos de
preocupações com o ambiente em períodos transactos, muito embora na sua maioria
reflectissem uma preocupação com a protecção de espécies.” (…) Já em 1872 o
governo da confederação Helvética propusera o estabelecimento de uma comissão
internacional para a protecção de aves migratória. De igual modo, em 1900 e 1903 as
potências coloniais europeias assinam convenções destinadas à protecção da vida
selvagem nas suas colónias africanas. Da mesma forma, a criação em 1946 da
International Whaling Commission, resultou da assinatura em 1931 da Whaling
Concention, que seria a pedra basilar dos esforços conducentes à abolição, ou, pelo
menos, radical redução da caça à baleia” (Soromenho-Marques, 1998:186). É
consensual, que as Conferências de Estocolmo (1972) e do Rio (1992) foram dois
marcos na história da política de ambiente internacional, pese embora todas as falhas
inerentes.
Hoje, é sobejamente reconhecido que a participação pública é um instrumento
fundamental para a sustentabilidade. Contudo, as políticas ambientais como estímulo à
45
POOC - Os Planos de Ordenamento da Orla Costeira são nove. Seis realizados pelo INAG (CaminhaEspinho, Ovar-Marinha Grande, Alcobaça-Mafra, Cidadela-São Julião da Barra, Sado-Sines e BurgauVilamoura) e três, por corresponderem a áreas que integram a rede nacional de áreas protegidas, foram
realizados pelo ICN (Sintra-Sado, Sines-Burgau e Vila Moura-Vila Real de Stº António).
40
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
participação pública, exceptuando casos concretos, começaram a delinear-se na
década de 80. O Relatório Brundtland, a isso faz referência indicando que a justiça
social necessária ao desenvolvimento sustentável devia ser “coadjuvada por sistemas
políticos que garantam a efectiva participação dos cidadãos no processo de tomada de
decisões e por uma maior democraticidade nos processos de decisão a nível
internacional (WCED, 1987:17)”.
De entre todas as áreas, será nas políticas públicas de ambiente, que a necessidade e
a complexidade dos processos participativos encontra a sua verdadeira expressão. A
experiência nacional e internacional comprova que a participação é um processo vital
para o êxito das iniciativas políticas. Ao longo das últimas três décadas de políticas de
ambiente, a necessidade de encarar a participação dos cidadãos nos processos de
tomada de decisão transmutou-se numa tendência política, teórica e prática, cada vez
mais clara e incontornável.
A Declaração do Rio em 1992 vem realçar o papel das sociedades civis em matéria de
ambiente. “O Princípio 10 da Declaração do Rio46 estabeleceu o acesso à informação,
a participação pública nos processos de tomada de decisão e o acesso à justiça como
princípio-chave da «governação ambiental», que ficaram conhecidos como os
princípios de acesso (The access principles) (TAI, 2003; WRI, 2003; Petkova et al,
2002)”47,
O Principio 10 no espaço europeu acabou por ser reforçado com a convenção de
Aarhus. Segundo Kofi Annan, ainda que de âmbito regional, o significado da
Convenção de Aarhus é global. Representa, de longe, a melhor concretização do
Principio 10 da Declaração do Rio, que sublinha a necessidade de os cidadãos
participarem em assuntos e acederem à informação sobre ambiente detida pelas
autoridades públicas (TAIDIS, 2006:39).
46
Princípio 10: “ A melhor forma de tratar as questões ambientais é assegurar a participação de todos os
cidadãos interessados ao nível conveniente. Ao nível nacional, cada pessoa terá acesso adequado ás
informações relativas ao ambiente detidas pelas autoridades, incluindo informações sobre produtos e
actividades perigosas nas suas comunidades e a oportunidade de participar em processos de tomada de
decisão. Os estados deverão facilitar e incentivar a sensibilização e participação do público,
disponibilizando amplamente as informações. O acesso efectivo aos processos judiciais e
administrativos, incluindo os de recuperação e de reparação, deve ser garantido” (Earth Summit’92,
1992:11).
47
Citado em Briz, (2005:38).
41
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
A Agenda 21 realça, igualmente, a tónica da promoção da participação pública e do
envolvimento das ONG e outros grupos nos processos de decisão. No capítulo 8 deste
documento pode ler-se uma recomendação aos cidadãos, no sentido que estes
venham a ter acesso a informação relevante, devendo poder participar efectivamente
no processo de decisão ambiental.
Para Bass et al. (1995)48 apenas não é suficientemente claro o meio como a Agenda 21
poderá chegar aos seu grande desafio – atingir o desenvolvimento sustentável de uma
forma participada. Todavia, segundo o autor, a participação passa a assumir um papel
de revitalização das abordagens de planeamento mal sucedidas, ao mesmo tempo que
se associa aos conceitos empowerment49 e capacity-building50das comunidades”.
Com a Cimeira de Joanesburgo surge uma nova área: A Governância, apontada por
muitos como um alicerce do conceito de Desenvolvimento Sustentável. “Ao introduzir
esta componente na aplicação do Princípio 10 em diferentes realidades nacionais,
pretendeu-se explorar factores instrumentais que coloquem em relevo as iniciativas
desenvolvidas, ao nível de cada país, para efectivar a aplicação deste princípio
fundamental” (TAIDIS, 2006:41).
A governação responsável deve assentar nos princípios da Declaração de Laeken51.
Actualmente o grande desafio da União Europeia passa por uma aproximação das
instituições europeias ao cidadão. Cada vez mais um maior número de cidadãos sentese á margem das decisões, exigindo um papel mais activo e desejando um maior
controlo democrático.
“A «governação responsável» é a
criação
de
novas
oportunidades e não de novos factores de rigidez. Só uma democracia efectivamente
participada conduzirá à prática de uma “governação responsável”. Os cidadãos só
serão os actores e operadores das políticas e contribuirão para um desenvolvimento
48
Citado em Briz (2005:40)
No sentido de conferir poder aos cidadãos, promovendo o acesso a recursos e o desenvolvimento das
suas capacidades para uma participação activa na tomada de decisões, que afectam as suas vidas e a
sua comunidade
50
No contexto da Agenda 21, capacity-building consiste nos mecanismos, esforços ou condições que
promovam significativa e eficazmente a participação pública nas decisões que afectam o ambiente; inclui,
por exemplo, a criação de um enquadramento legal e de suporte administrativo para ONG, a formação de
funcionários públicos para a implementação dos princípios do acesso e a garantia de acesso á internet
ao público em geral (TAI, 2003).
51
A 14 e 15 de Dezembro de 2001, reuniu-se o Conselho Europeu, em Laeken, na Bélgica. Desta
reunião saiu a”Declaração do Concelho Europeu de Laeken”.
49
42
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
sustentável se participarem conscientemente e forem envolvidos no processo decisório”
(CNADS, 2003:12).
O Livro Branco sobre Governação52 reforça igualmente o papel da participação e do
melhor acesso e divulgação da informação como vias essenciais para alcançar uma
governação responsável. Também a 5ª Conferência Ministerial «Ambiente para a
Europa»53, “encoraja todos os Estados a encetar os passos para a promoção de uma
“governação responsável e transparente” e em reforçar o papel do público no processo
de tomada de decisão, particularmente através de medidas de formação de capacidade
dirigidas para a implementação do Princípio 10 da Declaração do Rio, tal como foi
sublinhado na Declaração de Lucca da 1ª Reunião das Partes da Convenção de
Aarhus.
Todavia, já em 2000, a Declaração do Milénio, defendia, no princípio V – Direitos
Humanos, Democracia e Boa Governação, o papel da participação dos cidadãos como
forma de se obter uma boa governação54.
Não obstante estes contributos, outros houveram que permitiram reconhecer a
importância da participação pública nos processos de decisão, no âmbito do
desenvolvimento sustentável. Todavia, poder-se-á considerar a Convenção de Aarhus
como um marco nesta matéria. “Assinada por 36 países em 1998, incluindo Portugal,
entrou em vigor em 30 de Outubro de 2001, depois de ratificada por 16 países55. Tratase de um documento pan-europeu, elaborado no âmbito da Comissão Económica para
a Europa das Nações Unidas (UNECE/CEE/ONU), e que recolhe uma experiência
internacional onde se destacam a legislação norte-americana de 1969 – US Freedom of
Information Act (FOIA) – e a directiva europeia sobre liberdade de informação em
matéria de ambiente (90/313 CE, de 7 de Junho de 1990)” (CNADS, 2003:10).
52
53
(CE, 2001b), proposto pela Comissão Europeia em 25 de Julho de 2001.
Realizada em Kiev, na Ucrânia, de 21 a 23 de Maio de 2003
54
Declaração do Milénio, princípio V “Trabalhar colectivamente para conseguir que os processos
políticos sejam mais abrangentes, de modo a permitirem a participação efectiva de todos os cidadãos,
em todos os países; Assegurar a liberdade dos meios comunicação para cumprirem a sua indispensável
função e o direito do público de ter acesso à informação” (http://www.netprof.pt )
55
cfr. Artº20º, nº1 da Convenção
43
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
A Convenção de Aarhus, assente em três pilares - acesso à informação, o direito à
participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão e o acesso à justiça no
domínio do ambiente – na prática vem munir as sociedades de um instrumento legal
para se manifestarem sobre questões relacionadas com a cidadania ambiental.
Em Janeiro de 2005 o então Instituto do Ambiente, de acordo com as directrizes
europeias, elabora o 1º Relatório Nacional à Convenção de Aarhus, no qual pode lerse: “A Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de
Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em matéria de Ambiente, trata de matéria
transversal à política do ambiente, devendo as suas partes assegurar que: As
autoridades públicas respondam aos pedidos de informação relativos ao ambiente e, de
acordo com a legislação nacional aplicável, disponibilizem a informação bem como as
cópias dos documentos actualizados que a contenham; As autoridades públicas
possuam e actualizem informação em matéria de ambiente; Sejam desenvolvidos
mecanismos obrigatórios de informação às autoridades públicas sobre as actividades
com incidências importantes no ambiente; - Em caso de ameaça iminente para a saúde
ou para o ambiente sejam disponibilizadas, de imediato, todas as informações na posse
das autoridades públicas, susceptíveis de permitir ao público tomar medidas para
prevenir ou limitar eventuais danos; O público participe em decisões sobre actividades
específicas que possam ter impactes significativos no Ambiente; participe na
preparação de planos, programas e políticas relativas a ambiente, bem como na
elaboração de regulamentos e diplomas legais com impacte significativo no ambiente;
Seja garantida a possibilidade de recurso para o tribunal ou para uma entidade
independente quando os pedidos de informação forem ignorados, recusados ou
inadequados” (IA, 2005).
Tal como exposto, a União Europeia tem consagrado diversas políticas ambientais
como reforço da participação pública nos processos de decisão. No cômputo geral, as
políticas ambientais são decididas a nível mundial, transpostas para a UE e
posteriormente adaptadas pelos diferentes estados-membros.
44
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
1.6 POLÍTICAS AMBIENTAIS EM PORTUGAL
Como já foi referido ao longo desta dissertação o Direito do Ambiente é consagrado na
Constituição da República Portuguesa, aprovada e decretada em 1976, através do
artigo 66º. Assim, pode ler-se “1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e
ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. 2. Para assegurar o direito ao ambiente,
no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos
próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: a) Prevenir e controlar a poluição
e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenamento do
território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado
desenvolvimento socio-económico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver
reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de
modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse
histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais,
salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo
princípio da solidariedade entre gerações; e) Promover, em colaboração com as autarquias
locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano
arquitectónico e da protecção das zonas históricas; f) Promover a integração de objectivos
ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial; g) Promover a educação ambiental e o
respeito pelos valores do ambiente; h) Assegurar que a política fiscal compatibilize
desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida” (Constituição da
República Portuguesa)56.
E, muito embora a Convenção de Aarhus venha reforçar o poder do cidadão nos
processos de decisão, em Portugal, há muito que ao nível da legislação existe a
consagração de participação pública por parte dos cidadãos. Com efeito, “Em termos
de legislação Portugal foi considerado internacionalmente como pioneiro, ao conceder
às preocupações ambientais dignidade constitucional. Mas a sua consagração ocorreu
com a publicação da Lei de Bases do Ambiente57, ponto de partida e referência para
todos os diplomas relativos ao ambiente” (Martins, 1995:29-30).
Relativamente à Lei nº 11/87, são definidas as bases da política de ambiente, em
cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da Constituição da República. De entre
56
57
http://www.parlamento.pt (visitado em 19 de Setembro 2007)
Lei n.º 11/87, de 7 de Abril
45
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
os diversos artigos que compõem esta nova Lei destaca-se, a criação do Instituto
Nacional de Ambiente (INAMB), dotado de personalidade e autonomia administrativa e
financeira. No artigo 39º pode ler-se: “2 - O Instituto Nacional do Ambiente é um
organismo não executivo destinado à promoção de acções no domínio da qualidade do
ambiente, com especial ênfase na formação e informação dos cidadãos e apoio às
associações de defesa do ambiente, integrando a representação da opinião pública nos
seus órgãos de decisão.58.
A lei Orgânica do INAMB é aprovada pelo Decreto-lei 34/89 de 30 de Janeiro, e as
competências dos Serviços Centrais do INAMB são definidas pela Portaria n.º 203/89
de 10 de Março. Posteriormente, o Decreto-Lei nº 194/93, de 24 de Maio, cria o Instituto
de Promoção Ambiental (IPAMB), que substitui o então Instituto Nacional de
Ambiente.59“
Para além do suporte legal subjacente à Lei de Bases do Ambiente, a criação do
IPAMB foi um passo considerável ao nível da educação ambiental. Assim, foram
desenvolvidas acções nas áreas da Educação, Formação e Informação Ambiental
como forma de abranger variados tipos de público (Quadro VII).
Domínio de
intervenção
Educação
Formação
Sensibilização e
Informação
Quadro VII – Medidas por domínios de intervenção
Público-alvo
Tipos de medidas
População escolar
Técnicos na área do
ambiente
População em geral
• Apoio a projectos escolares de Educação Ambiental
• Projectos demonstrativos e campanhas específicas
• Acompanhamento das reformas curriculares
• Programa anual de formação na área do ambiente
• Publicações e edições
• Exposições e certames / feiras
• Ecotecas / espaços informativos
Fonte: IPAMB: Relatório do Estado do Ambiente 1999.
Não obstante o trabalho desenvolvido ao nível da educação ambiental, os contributos
desencadeados para sensibilizar, informar e formar indivíduos como cidadãos activos e
detentores do direito à participação pública, foi um trabalho notável. Neste sentido
58
http://www.diramb.gov.pt (visitado em 17 de Agosto 2007)
59
No Ministério do Ambiente cabe ao Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB) a responsabilidade de
promover acções no domínio da formação, educação e informação dos cidadãos, bem como promover
formas de participação alargada dos cidadãos nos processos de decisão no domínio do ambiente”
(Relatório do Estado do Ambiente, 1999: 307)
46
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
foram publicados diversos documentos de ordem prática (fichas, folhetos, …) que em
muito contribuíram para desenvolver hábitos de cidadania (Anexo 1).).
Efectivamente, a par das acções de educação ambiental, o IPAMB, procurava
promover a participação activa dos cidadãos nos processos de decisão. “A promoção
da participação activa dos cidadãos nos processos de decisão compreende os
seguintes objectivos: melhorar o atendimento do cidadão; facultar o acesso à
informação; promover o envolvimento dos cidadãos nas questões ambientais;
implementar a Consulta Pública no âmbito dos processos de Avaliação de Impacte
Ambiental (AIA), melhorar os meios de divulgação da mesma e promover acções de
sensibilização, dirigidas ao público-alvo, sobre procedimentos, avaliação e participação
nos processos de AIA; prestar apoio técnico e financeiro às ONGA. A acção neste
domínio efectuada pelo IPAMB traduz-se na promoção de formas de apoio técnico e
financeiro às ONGA (organizações a privilegiar no contexto da avaliação e decisão
sobre questões ambientais), na criação de infra-estruturas de apoio à informação e
participação do cidadão, e na recolha de contributos no quadro de procedimentos legais
de Consulta Pública, como é o caso dos processos de Avaliação de Impacte Ambiental”
(IPAMB, 1999: 315).
É desta altura a criação da “Casa do Ambiente e Cidadão”, cujos princípios eram
inovadores e bastante positivos. Aí estavam centralizados os serviços de consultas
públicas dos processos de AIA; atendimento ao cidadão; atendimento às ONGA; salas
para formação profissional em ambiente, actualmente a “Casa do Ambiente e Cidadão”
ainda existe, porém, não serve os princípios que levaram à sua criação.
Nove anos após a criação do IPAMB, o Decreto-Lei n.º 8/2002, de 9 de Janeiro, cria o
Instituto do Ambiente como organismo resultante da fusão entre a Direcção-Geral do
Ambiente e o Instituto de Promoção Ambiental. Mas será o Decreto-Lei n.º 113/2003 de
4 de Junho que aprova a orgânica do Instituto do Ambiente.
No artigo 3º pode-se ler: “São atribuições do IA: g) Efectuar a avaliação ambiental
estratégica de planos e programas e coordenar os processos de avaliação de impacte
ambiental de projectos de nível nacional e inter regional, neles se incluindo os
procedimentos de consulta pública, em articulação, no que se refere aos projectos de
47
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
nível regional, com as comissões de coordenação e desenvolvimento regional; p)
Realizar acções de sensibilização, educação e formação dos cidadãos no domínio do
ambiente e promover a estratégia nacional de educação ambiental através da qual se
garanta a integração das matérias relevantes no sistema e programas de ensino, em
articulação, no que se refere aos níveis regional e local, com as comissões de
coordenação e desenvolvimento regional; q) Promover formas de apoio às
organizações não governamentais de ambiente e avaliar a sua eficácia, em articulação,
no que se refere aos níveis regional e local, com as comissões de coordenação e
desenvolvimento regional; r) Assegurar a divulgação da informação sobre o ambiente,
compreendendo a actualização constante do site do IA, bem como promover e garantir
a participação do público e o acesso à informação que lhe permita intervir nos
processos de decisão em matéria de ambiente”60.
A 27 de Abril de 2007, foi publicada em Diário da República (DR, 82 SÉRIE I), a lei
orgânica da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A APA resulta da fusão do
Instituto do Ambiente e do Instituto dos Resíduos e das diversas atribuições a este novo
organismo salienta-se a alínea f) do artigo 2º (Missões e atribuições), respeitante à
Educação Ambiental e à participação pública “ Desenvolver e acompanhar a execução
das políticas de educação e formação dos cidadãos no domínio do ambiente, promover
e acompanhar formas de apoio às organizações não governamentais de ambiente, bem
como promover e garantir a participação do público e o acesso à informação nos
processos de decisão em matéria de ambiente”61.
Na prática, muda-se o organismo mas a legislação mantém-se. Importa pois
acompanhar o trabalho a desenvolver pela APA, para que se compreenda e analise o
papel a desempenhar em prol da efectivação da participação pública e envolvimento
dos cidadãos nos processos de decisão.
Em termos de educação e cidadania ambiental, o trabalho desenvolvido pela rede de
professores requisitados encontra-se fragilizado, tal como o próprio protocolo entre o
Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional
(MAOTDR) e o Ministério da Educação (ME). As contenções económicas e as recentes
60
61
http://www.diramb.gov.pt (visitado a 23 de Setembro 2007)
http://www.dre.pt (visitado em 23 de Setembro de 2007)
48
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
alterações ao nível da carreira docente periclitam a continuidade dos professores à
frente dos diferentes projectos de educação ambiental; tal significará um retrocesso em
termos do trabalho desenvolvido ao longo de mais de uma década.
Sobre o direito de participação Sendim escreve “O Estado de direito ambiental é, como
se sabe, um estado democrático, que se constrói com o envolvimento e a participação
dos cidadãos. Isto significa, essencialmente, que a tarefa de defesa do ambiente não é
só do Estado e dos poderes públicos, competindo antes a todos nós. (…) A
participação promove a transparência, a racionalidade e a qualidade das decisões
administrativas. O exercício útil e efectivo do direito de participação não pode ser
dissociado de outras dimensões fundamentais do estado de direito ambiental. (…) O
Princípio da participação impõe à administração um dever de (co)laboração com os
cidadãos e concede-lhes, simultaneamente, um direito de participação na actividade
administrativa” (Sendim, 2002: 55-56).
Ainda de acordo com este autor os regimes especiais de participação são, o
procedimento de audiência prévia62; a participação na elaboração de instrumentos de
Gestão Territorial63; a participação nos procedimentos de licenciamento de operações
urbanísticas64 e a participação nos procedimentos de Avaliação de Impacte Ambiental
(AIA)65.
No 1º relatório nacional à Convenção de Aarhus, o Instituto do Ambiente esclarece:
“Com o objectivo de promover e diversificar as formas de esclarecimento e auscultação
dos interessados, bem como melhorar os resultados da participação pública nos
processos de AIA, foi posto em prática, desde o início de 2000, um modelo de Consulta
Pública que privilegia o envolvimento das autarquias locais da área geográfica de
62
O regime jurídico da participação procedimental e acção popular previsto na lei nº 83/95, de 31 de
Agosto, impõe a audiência prévia dos procedimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas
condições económicas e sociais e da vida em geral das populações (Sendim, 2002: 63)
63
A lei nº 48/98, de 11 de Agosto (LBOTU) consagrou a participação enquanto princípio geral da política
de ordenamento do território e urbanismo e como garantia dos cidadãos (Sendim, 2002: 69)
64
O DL 555/99, de 16 de Dezembro, prevê a discussão pública dos projectos de loteamento, podendo
ser dispensada tal discussão por regulamento municipal dada a dimensão reduzida, dos quais resultem
apenas lotes confiantes com arruamentos existentes (Sendim, 2002: 74)
65
Estão sujeitos a uma AIA prévia os projectos públicos ou privados susceptíveis de produzir efeitos
significativos no ambiente, natural ou social, nomeadamente os descritos nos anexos I e II do DL nº
69/2000, de 3 de Maio (RJAIA). Além destes, podem ainda ser sujeitos à avaliação do impacte ambiental
projectos cujas características, dimensão e natureza o justifiquem, (Sendim, 2002: 75).
49
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
localização do projecto, através de reuniões técnicas de esclarecimento”66. Com base
no mesmo relatório pode-se observar a evolução das consultas públicas e respectivas
participações nos processos de AIA (Quadro VIII).
Quadro VIII – Participações nos processos de AIA
Fonte: 1º relatório Nacional à Convenção de Aarhus (IA, 2005: 14).
Os fracos níveis de participação prendem-se, em parte, com o desinteresse e ausência
de tradição dos cidadãos em participar em processos de decisão. Assim, os processos
mais participados são os que afectam directamente os interesses das populações ou os
mais mediáticos, não estando normalmente o nível de participação directamente
associado à importância do projecto.
Foram encontrados no arquivo histórico, desde 1995, disponível no site do IA, 961
registos de AIA. Sujeitos a pós-avaliação encontram-se 157 processos; destes um está
em Fase de Acompanhamento Público67.
No entanto, apesar de toda a conjuntura em torno da participação pública, a análise da
Reflexão sobre o Acesso à informação, a Participação Pública nos Processos de
Tomada de Decisão e o Acesso à Justiça, desenvolvida pela CNADS, permite
compreender as fraquezas em torno desta temática, não obstante a convenção de
Aarhus e toda a legislação que lhe está inerente.
Com efeito, o Decreto-Lei nº69/2000 de 3 de Maio68 ao acabar por tornar facultativa a
apresentação da Proposta de Definição do Âmbito do EIA e a sua discussão pública
contraria a norma constante do artigo 6º, nº5 da Convenção de Aarhus, que prescreve
a promoção da discussão antes de apresentar o seu pedido de autorização.
66
1º Relatório Nacional sobre a Convenção de Aarhus, Portugal, (IA, 2005: 13)
http://www.iambiente.pt (visitado a 23 de Setembro de 2007)
68
Revogou o Decreto-Lei nº186/90, de 6 de Junho, que tinha transposto para a ordem interna portuguesa
a Directiva nº85/337/CEE.
67
50
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
“Estabelece este Decreto-Lei que, em qualquer caso, e independentemente da
dimensão e magnitude dos impactes previstos para o projecto, a consulta pública da
proposta de definição do âmbito do EIA, está dependente da iniciativa do proponente69.
Verificam-se, assim, casos em que pequenas obras têm propostas de definição do
âmbito do EIA, que são submetidas a consulta pública e outras, de maiores dimensões,
ou não têm definição do âmbito, ou como foi recentemente o caso do Novo Aeroporto
Internacional de Lisboa, não foram objecto de consulta pública” (CNADS, 2003:38)70.
Perante a exposição da CNADS, apercebemo-nos que o procedimento de Avaliação de
Impacte Ambiental patenteia algumas limitações ao nível da qualidade de informação
disponibilizada, das formas de divulgação e esclarecimento público; do sentido restrito
do conceito de “público interessado” e das formas de participação e da efectiva
ponderação das opiniões públicas.
Efectivamente, muitos dos Resumos Não Técnicos são pouco inteligíveis para o
cidadão comum; o horário normal de expediente da Administração pública para
disponibilização dos Relatórios Base é também um obstáculo à consulta dos mesmos,
para não falar de todos os entraves, muitas vezes ao nível de uma simples fotocópia,
que vão surgindo sempre que se visita o IA para este fim. Os “Gabinetes de
Atendimento Personalizado” (GAP), promotores da participação pública - na prática,
muitas vezes mais não fazem que reuniões de esclarecimento com as autarquias;
sendo que o público, as ONGA ou outras organizações da sociedade civil só terão
acesso se convidadas - vieram substituir as audiências públicas. O fulcro da questão é
que enquanto as audiências públicas tinham carácter obrigatório, os GAP têm um
regime de excepção.
Ao nível do sentido restrito do conceito de “público interessado” e das formas de
participação e da efectiva ponderação das opiniões públicas, o CNADS, como órgão
independente criado pelo decreto-lei nº 221/97 de 20 de Agosto, tece diversas
considerações que provam a fragilidade da efectiva participação pública ao nível dos
AIA contribuindo grandemente para “o clima de desencanto”, característico de uma
69
Número 5 do artº 11º do DL 69/2000, de 3 de Maio.
A consulta púbica foi conduzida no âmbito de actuação de uma CAIA (Comissão de Acompanhamento
de Impacte Ambiental) com base em EPIA (estudos preliminares de impacte ambiental), isto é, existiu
mas não se enquadrou de forma regular numa AIA (Nota da autora)
70
51
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
vasta franja da sociedade civil. Acresce ainda, que apesar de todos os pressupostos,
em prol da participação pública e do envolvimento dos cidadãos, existe, de uma forma
generalizada, a ideia de que em determinados casos se cultiva um ocultar de
informação.
Esta política de “obstáculo à informação” por parte das instituições oficiais, vem reforçar
a já grande desconfiança, por parte dos cidadãos, face às entidades administrativas,
em nada contribuindo para a formação da opinião pública, podendo mesmo
desencadear situações radicais como atitudes reactivas, tipo síndrome NIMBY71, muitas
das vezes conduzindo a boicotes de medidas e soluções ambientais importantes.
No que respeita ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial72 (RJIGT),
que estabelece as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, tem
como suporte legislativo o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, em
desenvolvimento da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto. Para além de modificações
pontuais, o RJIGT foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro,
essencialmente no domínio do procedimento de formação dos planos municipais de
ordenamento do território.
No Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNOPT) pode ler-se
“Um país bem ordenado pressupõe a interiorização de uma cultura de ordenamento por
parte do conjunto da população. O ordenamento do território português depende,
assim, da vontade de técnicos e de políticos, mas também do contributo de todos os
cidadãos” (Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território 2007:7). Crêse, então que a aprovação do PNPOT73 servirá como um instrumento legal integrador
dos diferentes planos existentes. “O Programa Nacional da Política de Ordenamento do
71
O termo “nimby” foi criado a partir das letras iniciais da expressão “not in my back yard”, que na
tradução portuguesa significa “no meu quintal, não”, para designar as atitudes que exprimem a defesa de
interesses concretos e imediatos das pessoas e não necessariamente as suas convicções e pontos de
vista mais sustentados sobre as questões ambientais.
72
Esses instrumentos são: o programa nacional da política de ordenamento do território, os planos
sectoriais (entre outros, transportes, comunicações, energia, turismo, agricultura, comércio, indústria,
florestas e ambiente), os planos especiais de ordenamento do território (áreas protegidas, orla costeira e
albufeiras de águas públicas) e os planos intermunicipais e municipais de ordenamento do território
(planos directores municipais, planos de urbanização e planos de pormenor). Embora o Decreto-Lei
nº380/99 não o declare expressamente, é legítimo inferir-se que, à semelhança do que prevê a Directiva
2001/42/CE, de 27 de Junho, ficam de fora os planos e programas no âmbito da defesa nacional ou da
protecção civil e os financeiros e orçamentais (CNADS, 2003: 40)
73
Lei n.º58/2007, de 4 de Setembro
52
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Território” (PNPOT) constitui um instrumento de desenvolvimento territorial, de natureza
estratégica e de âmbito nacional, com precedência em relação aos restantes IGT. De
acordo com o disposto no Decreto-Lei nº 380/99, o PNPOT: “estabelece as grandes
opções com relevância para a organização do território nacional, consubstancia o
quadro de referência a considerar na elaboração dos demais instrumentos de gestão
territorial [nomeadamente, os PROT e os PDM] e constitui um instrumento de
cooperação com os demais Estados-membros para a organização do território da União
Europeia” (art. 26º); e “estabelece as opções e as directrizes relativas à conformação
do sistema urbano, das redes, das infra-estruturas e equipamentos de interesse
nacional, bem como à salvaguarda e valorização das áreas de interesse nacional em
termos ambientais, patrimoniais e de desenvolvimento rural” (n.º 1a), art. 28º). A
Resolução do Conselho de Ministros nº 76/2002, de 11 de Abril, determina a
elaboração do PNPOT, tarefa de que é incumbida a Direcção-Geral do Ordenamento
do Território e Desenvolvimento Urbano (DGOTDU), com o apoio de uma equipa de
projecto” (2007:9)74.
Um olhar sobre a política de ordenamento do território, permite-nos observar que até
finais dos anos 1990 esta não dispôs de um instrumento legal integrador. Em 1982 são
instituídos os Planos Directores Municipais (PDM)75; no ano seguinte criam-se os
Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT)76; em 1993 são criados os
Planos Especiais de Ordenamento do Território (PEOT); em 1998, o País passa a
dispor de uma Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo
(LBOTU)77. Lei esta que define globalmente os objectivos e princípios desta política e
estabelece o conjunto coerente e articulado dos Instrumentos de Gestão Territorial
(IGT), de âmbito nacional, regional e local, em que ela assenta e que constitui o
sistema de gestão territorial (SGT)” (Quadro IX).
74
http://www.territorioportugal.pt (visitado em 1 de Novembro 2007)
Decreto-Lei nº 151/95, de 24 de Junho.
76
(Decreto-Lei nº 338/83, de 20 de Julho)
77
Lei nº 48/98, de 11 de Agosto
75
53
Âmbito
Municipal
Âmbito
Regional
Âmbito Nacional
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
•
•
•
Quadro IX – Instrumentos de Gestão Territorial (IGT)
Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT)
Planos Sectoriais com Incidência Territorial (PSIT)
Planos Especiais de Ordenamento do Território (PEOT):
Planos de Ordenamento de Áreas Protegidas (POAP)
Planos de Ordenamento de Albufeiras de Águas Públicas (POAAP)
Planos de Ordenamento dos Parques Arqueológicos (POPA)
Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC)
Planos de Ordenamento de Estuários (POE)
•
Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT)
•
•
Planos Intermunicipais de Ordenamento do Território (PIOT)
Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT):
Planos Directores Municipais (PDM)
Planos de Urbanização (PU)
Planos de Pormenor
Fonte: Relatório Nacional Preliminar da Execução da Recomendação 2002/413/CE, de 30 de Maio, sobre Gestão
Integrada da Zona Costeira (2007:18)
Sendo os processos de planeamento e gestão do território divididos em duas fases
distintas: elaboração dos planos (explícito eventuais alterações e revisões) e execução
encontram-se nas duas fases do processo algumas lacunas e limitações no que
respeita ao efectivo exercício dos direitos de informação e de participação pública. Ao
não prever que todos os processos devam ser publicados através da comunicação
social, bastando nalguns a publicação em Diário da República (e.g. Planos Directores
Municipais e com as Estratégias e Programas de âmbito nacional), gera-se à partida
uma deficiência e desigualdade ao nível da informação e da participação pública. “Não
se verifica, pois, neste caso, a regra da proactividade na disponibilização da
informação, pelo que, normalmente, só existe a percepção colectiva de estar em curso
um determinado processo de planeamento, quando ele já se encontra numa fase
avançada da sua elaboração, o que não raro conduz à ideia de que já não há nada de
útil e de eficaz a fazer, em termos de participação directa dos cidadãos na tomada das
decisões” (CNADS, 2003, 41).
Espera-se pois que as recentes alterações ao Regime Jurídico dos Instrumentos de
Gestão Territorial permitam colmatar as falhas apontadas pelo CNADS em 2003 e que
as questões de informação com vista à participação activa dos cidadãos não se
embrenhem na (em nada inócua) teia legislativa.
54
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
1.6.1 PLANOS DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA
Portugal, como aconteceu um pouco por toda a Europa, sofreu o impacte de uma
intensa procura e ocupação do litoral. “É sabido que actualmente a maior parte da
população humana a nível mundial se estabeleceu em zonas litorais (numa faixa que se
estende até cerca de 100 km para o interior). É também sabido que o turismo é
actualmente, nos países desenvolvidos (ou em vias de desenvolvimento) um dos
principais responsáveis pela ocupação do litoral” (Fonseca, 2007: 7).
Importa, primeiro que tudo, definir Zona Costeira na medida em que, dada a
complexidade dos sistemas costeiros não existe uma definição única. Contudo, “As
designações de litoral, costa, faixa costeira, faixa litoral, orla costeira, zona costeira,
zona litoral, área/região costeira são utilizadas de modo indiferenciado ou por
especialistas de diferentes áreas para referir porções do território de dimensões
variáveis, na interface entre a Terra e o Oceano. Se há algum consenso no que
respeita à complexidade da zona costeira (dos processos actuantes e das respostas
dos sistemas), à sua sensibilidade, ao seu dinamismo, à sua importância económica e
ecológica, à ocorrência de conflitos entre utilização e equilíbrio natural, à pressão aí
exercida, à necessidade de promover o seu uso sustentável, já o mesmo não se passa
em relação ao estabelecimento dos seus limites físicos, sendo estes muito variáveis
nos diversos conceitos e documentos legais existentes”78.
A mesma opinião é manifestada por outros autores “A complexidade dos sistemas
costeiras é bem ilustrada pelo facto de não se poder afirmar que exista uma definição
universal em relação ao que é zona costeira e ao que são os seus limites precisos.
Existem mesmo diferentes perspectivas dos limites que esta deve ter, o que tem
resultado na utilização de diferentes definições em diferentes países. Aliás, existe
mesmo um uso indiscriminado, muitas vezes pouco cuidado, dos termos Costa, Zona
Costeira, Litoral e Orla Costeira, que vai variando em função dos objectivos com que se
pretende utilizar o conceito. Esta dificuldade resulta em grande parte do entendimento
78
Projecto Relatório Grupo Trabalho “Bases para a Gestão Integrada da Zona Costeira” (2006:10)
55
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
da Zona Costeira poder variar em função dos elementos que a constituem, quer físicos
quer humanos”79.
Não obstante esta complexidade que dificulta a definição de um conceito único, para o
grupo de trabalho das Bases para a Gestão Integrada da Zona Costeira (2006), Zona
Costeira é a porção de território influenciada directa e indirectamente em termos
biofísicos pelo mar (ondas, marés, ventos, biota ou salinidade) e que pode ter para o
lado de terra largura tipicamente de ordem quilométrica e se estende, do lado do mar,
até ao limite da plataforma continental (2006:10) [Fig. 2].
Figura 2 - Esquema sobre a Zona Costeira Adoptado na União Europeia
Fonte: GIZC, 2007:18
Perante uma tão complexa área e com tantos interesses subjacentes, legislar e fazer
cumprir a lei era, de todo, imprescindível. A figura 3 permite-nos compreender o número
de entidades que têm jurisdição sobre a faixa litoral, o que à priori, pode, nalguns casos
dificultar uma correcta gestão e ordenamento.
79
Relatório Nacional Preliminar da Execução da Recomendação 2002/413/CE, de 30 de Maio, sobre
Gestão Integrada da Zona Costeira (2007:5)
56
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Figura 3 - Mapa de jurisdição do litoral
Fonte: Programa Finisterra
57
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Assim, tomando consciência do enorme problema que se estava a tornar o
(des)ordenamento do litoral, em 1981, realiza-se em Creta, a reunião plenária da
Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da CEE. Nesta reunião é aprovada a
Carta Europeia do Litoral, e, entre os objectivos então enunciados, figuram os de
organização e gestão do litoral, ou seja, o ordenamento do território desta zona através
da fixação de uma disciplina que impeça a sua degradação.
Todavia, em Portugal, as preocupações com esta matéria datam de uma década
anterior à Carta Europeia do Litoral. “Desde de 1971, com a publicação do Decreto-Lei
468/71, de 5 de Novembro, que veio clarificar a natureza, quanto à titularidade, dos
terrenos que integram a margem das águas do mar, o conceito do Domínio Público
Marítimo
encontra-se
enraizado,
tendo
permitido
que
nos
instrumentos
de
planeamento, ordenamento e gestão para o território em geral, e para a zona costeira
em particular, tenham ficado estabelecidas regras que apontam para uma utilização
predominantemente pública desta estreita faixa que se desenvolve ao longo de toda a
costa”80.
À data da entrada em vigor deste Decreto-Lei, a legislação sobre o litoral era bastante
desactualizada. “Impunha-se, com efeito, proceder a tal revisão, pois o direito aplicável
a uma matéria tão vasta e complexa como esta encontrava-se muito antiquado e muito
disperso, não satisfazendo por isso as necessidades actuais. Muito antiquado: na
verdade, grande parte das disposições até agora vigentes datavam de 1892, ano em
que foi publicado o Regulamento dos Serviços Hidráulicos, que regulou o assunto
segundo as concepções da época, e vários outros preceitos agora substituídos, embora
mais recentes, vinham já dos regulamentos marítimos de 1919 ou das reformas de
1926. E muito disperso: realmente, o regime aplicável aos terrenos do domínio público
hídrico constituía, nos últimos tempos, uma autêntica manta de retalhos, daí advindo
todas as indesejáveis consequências que se verificam em circunstâncias semelhantes
e, nomeadamente, a perturbação da certeza do direito e a incoerência das soluções
adoptadas nos diferentes diplomas e nas várias épocas”81.
80
Relatório Nacional Preliminar da Execução da Recomendação 2002/413/CE, de 30 de Maio, sobre
Gestão Integrada da Zona Costeira (2007:1)
81
Decreto-Lei n.º 468/71 de 05-11-1971
58
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Não obstante esta preocupação em clarificar e legislar os usos e ordenamento da faixa
costeira, a crescente ocupação, de um modo geral desordenada rapidamente deixou
consequências de degradação irreversíveis, criando, inclusivamente situações de
ruptura.
Assim, em 26 de Setembro de 1990 entra em vigor o Decreto-Lei n.º 302/9082. Neste
documento pode ler-se: “A solução adequada para obstar aos desequilíbrios que se
vem registando e as suas graves consequências passa necessariamente pela definição
de um enquadramento legal que estabeleça, com clareza e rigor, as regras a que deve
obedecer a ocupação dos solos da faixa costeira, designadamente através da
elaboração de Planos Municipais de Ordenamento do Território que tenham em conta
os princípios estabelecidos pelo presente diploma. Na ausência de planos que
contemplem estes aspectos e enquanto eles não existirem, tem o Governo o dever de
estabelecer tais regras, sempre que o considere justificado, sem prejuízo do respeito
que as autarquias locais devem sempre assegurar, no exercício das suas atribuições,
em relação aos princípios atrás referidos.
Porém, é através do Decreto-Lei 309/93, de 2 de Setembro, que são instituídos os
Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC). Mais tarde o Decreto-Lei nº 151/95,
de 24 de Junho vem considerar os POOC83 como Planos Especiais de Ordenamento
do Território que incidem directamente sobre o PDM e área adjacente ao mesmo e que
estabelecem os condicionamentos, vocações e usos dominantes, para a orla costeira,
numa perspectiva de salvaguarda de ecossistemas fundamentais.
As regras aplicam-se a toda a faixa delimitada pela batimétrica dos 30m e uma zona
terrestre de protecção cuja largura é de 500m a partir da linha limite das margens do
mar (Fig.4).
82
O Decreto-Lei n.º 302/90, de 26 de Setembro, é também conhecido como “Diploma da Gestão
Urbanística do Litoral”.
83
Este diploma não abrange as áreas sob jurisdição portuária, nem os estuários.
59
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
D O M ÍN IO P R IV A D O
D O M ÍN IO P Ú B L IC O M A R ÍT IM O - D L 4 6 8 /7 1 , 5 N o v
P L A N O D IR E T O R M U N IC IP A L
F A IX A T E R R E S T R E D E P R O T E C Ç Ã O
F A IX A M A R ÍT IM A D E P R O T E C Ç Ã O
P L A N O S D E O R D E N A M E N T O D A O R L A C O S T E IR A (P O O C ) - D L 3 0 9 /9 3 , 2 S e t *
F A IX A C O S T E IR A - D L 3 0 2 /9 0 , 2 6 S e t
R E S E R V A E C O L Ó G IC A N A C IO N A L - D L 9 3 /9 0 , 1 9 M a r ; D L 2 1 3 /9 2 , 1 2 O u t * *
Fonte: INAG, 2007 84
Figura 4 – Limites da faixa terrestre e marítima de protecção
Não obstante alguns problemas inerentes a estes planos, a aprovação, execução e
implementação dos POOC, não deixa de ser um contributo positivo para a gestão do
litoral em Portugal. “Pela primeira vez um instrumento de gestão territorial é concebido
e aplicado à totalidade da zona costeira continental, com objectivos de contenção
construtiva e interditando novas ocupações nas zonas de risco, originando uma
discussão e um consenso nacional sobre os problemas e as potencialidades do litoral
português. Por outro, a administração pública, ganha uma base de dados actualizada
que cobre todo o litoral permitindo não só gerar outros estudos como monitorizar a
implementação dos POOC”85.
No entanto, apesar das vantagens que estão associadas a estes planos, existem
alguns aspectos que aparentemente não foram tidos em conta. Segundo Araújo “Ora
numa área extremamente frágil e dinâmica como é a faixa costeira, parece-nos óbvio
que os condicionalismos de ordem natural deveriam ter uma relevância que não parece
ter-lhes sido atribuída. Basta pensar no carácter arbitrário do limite dos 500m a partir da
linha de média preia-mar de águas vivas equinociais (LMPMAVE). Assim, a zona
terrestre de protecção dos 500m tem um significado completamente diferente se
estamos numa zona de arribas graníticas, ou num área de areias dunares assentes em
84
http://www.inag.pt (visitado em 10 de Outubro de 2007)
85 Relatório Nacional Preliminar da Execução da Recomendação 2002/413/CE, de 30 de Maio, sobre
Gestão Integrada da Zona Costeira, 2007:7
60
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
sedimentos consolidados. Pensamos, por isso, que a referida zona terrestre de
protecção deveria ser revista e adequada aos condicionalismos geomorfológicos da
área em questão”86 (Fig. 5).
Fonte: Araújo, 1999
Figura 5 – Regiões geológico-estruturais de Portugal Continental e POOC
A classificação dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira como um instrumento de
natureza especial, permite à administração pública assumir o ordenamento e gestão do
litoral como uma interesse nacional. Actualmente estes prevalecem sobre os
86 http://web.letras.up.pt (Visitado em 28 de Agosto 2007)
61
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
instrumentos de gestão territorial (Planos Municipais de Ordenamento do Território) e
sobre os Planos Intermunicipais de Ordenamento do Território. Dada a sua natureza
especial o POOC, o PNPOT e o PROT deverão articular-se entre si para que se possa
garantir um compromisso mútuo de integração e compatibilização.
A promoção dos POOC é da responsabilidade do Instituto da Água e do Instituto da
Conservação da Natureza (ICN)87. A sua elaboração é acompanhada por uma
Comissão Técnica de Acompanhamento constituída para o efeito, envolvendo diversas
entidades, para que seja garantida a defesa dos vários interesses e pontos de vista
bem como a articulação com outros planos, programas e projectos (Fig. 6).
Fonte: INAG, 2007
Figura 6 - Entidades envolvidas nos processos de elaboração dos POOC
O litoral português no continente foi dividido em nove troços, correspondentes a nove
POOC, embora a ritmos e datas diferentes, actualmente todos os Planos de
Ordenamento da Orla Costeira encontram-se aprovados e publicados.
87 Actualmente o ICN é designado por ICNB. Em 2007, tendo em conta a lei orgânica do Ministério do
Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR) - Decreto-Lei n.º
207/2006, de 27 de Outubro - foi decidida a manutenção e reestruturação do Instituto da Conservação da
Natureza (ICN), refundado com a componente da Biodiversidade e redenominado Instituto da
Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) - Decreto-Lei n.º 136/2007, D.R. n.º 82, Série I de
2007-04-27 (http://portal.icnb.pt)
62
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
O ICN foi o Instituto responsável pela elaboração de 3 POOC, designadamente o
POOC Sintra-Sado, o POOC Sines-Burgau e o POOC Vilamoura-Vila Real de Sto.
António (este o último a ser aprovado) os quais correspondem troços costeiros
abrangidos predominantemente por Áreas Protegidas. Os restantes Planos (CaminhaEspinho, Ovar-Marinha Grande, Alcobaça-Mafra, Cidadela-São Julião da Barra, SadoSines e Burgau-Vilamoura) são da responsabilidade do INAG88 (Fig. 7).
Fonte: ICNB
Figura 7 – Planos de Ordenamento da Orla Costeira
88
http://www.icnb.pt (visitado em 10 de Outubro de 2007)
63
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Tendo em conta a importância e necessidade de preservar os cerca de 950Km de litoral
de Portugal Continental, onde se concentra mais de 70% da população nacional e onde
é gerado mais de 80% do PIB nacional, os POOC e as intervenções por ele propostas
são sem dúvida um importante contributo para a Gestão Integrada das Zonas costeiras
(GIZC).
1.6.2 GESTÃO INTEGRADA DAS ZONAS COSTEIRAS
Pela sua importância e pelo enorme interesse que se gera em torno das zonas
costeiras não é de estranhar que a gestão costeira seja, em todo o mundo, um dos
grandes desafios do século XXI. “Efectivamente, a intensificação do crescimento
populacional junto ao litoral, a ampliação e diversificação das áreas industriais, os
impactes induzidos no litoral por múltiplas actividades antrópicas decorrentes nas
bacias hidrográficas, as intervenções de defesa costeira, o grande crescimento do
turismo balnear, a modificação climática em curso e a elevação do nível médio do mar
(entre vários outros factores que pressionam as zonas costeiras), converteram a faixa
litoral numa zona de grande complexidade cuja gestão harmónica é muito difícil” (Dias,
2007:4).
“Por outro lado, as apetências e interesses que normalmente estas zonas geram e irão
gerar, de forma ainda mais acentuada no futuro, obrigam a que haja um sistema de
gestão integrada, que englobe o controlo, a monitorização e uma dinâmica de
intervenção, capaz de responder com soluções tecnologicamente avançadas e mais
amigas do ambiente, aos múltiplos processos erosivos e às acções antrópicas, sem
que com isso se coloque em causa o desenvolvimento sustentável” (Reis, 2005).
O Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional,
determinou, através do Despacho nº4 /2005, “A criação de um Grupo de Trabalho com
o objectivo de desenvolver as Bases de uma Estratégia que sustente uma política de
ordenamento, planeamento e gestão da zona costeira portuguesa, continental e insular,
nas suas vertentes terrestre e marinha”89.
89
Com base no estabelecido na Recomendação Europeia sobre GIZC (2002/413/EC JO L 148,
06.06.2002) foi criado um grupo de trabalho que teve como missão desenvolver as “Bases para Gestão
Integrada da Zona Costeira” que, em documento apresentado publicamente em Fevereiro de 2006,
64
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Os limites, propostos no documento desenvolvido por este grupo de trabalho podem ser
observados na figura 8.
Fonte: RGIZC (2007: 21)
Figura 8 – Limites da EGIZC
A promoção da Gestão Integrada das Zonas Costeiras (GIZC) é uma prova de que
actualmente existe, a nível mundial, uma tomada de consciência quanto à
indispensabilidade de prestar uma muito maior atenção ao litoral. Os princípios
fundamentais para a estratégia da GIZC deverão ser os enumerados no Quadro X
discutiu igualmente o conceito de zona costeira tentando diferenciar os termos e a sua delimitação
territorial.
65
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Quadro X – Princípios e Objectivos Fundamentais da GIZC
1. Sustentabilidade e
solidariedade
intergeracional
2. Coesão e equidade
social
3. Prevenção e precaução
4. Abordagem sistémica
5. Suporte científico e
técnico
6. Subsidiariedade
7. Participação
Promovendo a compatibilização em todo o território nacional entre o desenvolvimento
socio-económico, a conservação da natureza e da biodiversidade, num quadro de
qualidade de vida das populações actuais e vindouras;
Assegurando o equilíbrio social e territorial e uma distribuição equilibrada dos
recursos e das oportunidades, pelos diversos grupos sociais, classes geracionais,
territórios e lugares;
Prevendo e antecipando os problemas e adoptando uma atitude cautelar face ao
défice de conhecimento ou à capacidade de intervenção, minimizando riscos ou
impactes negativos;
Criando uma nova cultura de abordagem transversal, intersectorial, interdisciplinar,
que permita uma visão integradora e prospectiva da zona costeira;
Apoiando as decisões de medidas de ordenamento e gestão na compreensão dos
fenómenos e na sua evolução dinâmica;
Coordenando os procedimentos dos diversos níveis da Administração Pública, de
forma a privilegiar o nível decisório mais próximo do cidadão;
Potenciando o activo envolvimento do público, das instituições e agentes locais e
reforçando a consciência cívica dos cidadãos, através do acesso à informação e à
intervenção nos procedimentos de elaboração, execução, avaliação e revisão dos
instrumentos de gestão territorial;
8. Co-responsabilização
Assumindo a partilha da responsabilidade nas opções de gestão da zona costeira
com a comunidade, os agentes económicos, os cidadãos e associações
representativas, não só pelo princípio do poluidor - pagador e do utilizador - pagador,
mas também pela procura de formas institucionais que permitam uma gestão mais
próxima dos cidadãos e dos utentes da zona costeira;
9. Operacionalidade
Criando mecanismos legais, institucionais, financeiros e programáticos céleres,
eficazes e com fontes de financia
Fonte: Projecto Relatório Grupo Trabalho “Bases para a Gestão Integrada da Zona Costeira” (2006:11)
Contudo, apesar de todas as potencialidades que a GIZC oferece aos decisores, sem
dúvida um instrumento legal bastante importante, muito há a fazer sobretudo enquanto
os usos e a ocupação das zonas costeiras pelo Homem continuem a ser equacionados
numa perspectiva de curto prazo, quando as escalas temporais de evolução dos
fenómenos naturais se desenrolam a uma escala geológica.
1.7 PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NA PRESERVAÇÃO DO LITORAL
Ambiente e crescimento económico nem sempre conseguem caminhar lado a lado, na
prática porque, em muitos casos, salvaguardar um implica prejudicar o outro. Tal é mais
problemático e intenso em muitos processos relacionados com o ordenamento do
território, seja ele no litoral ou no interior. Porém, forçosamente, por questões
estruturais sobejamente conhecidas (densidade populacional, concentração das
actividades económicas, existência de infra-estruturas, desenvolvimento do turismo,
etc.), o litoral sofre uma maior pressão.
Em Portugal, os processos de planeamento e ordenamento do território mantiveram-se
durante muito tempo fora da alçada dos cidadãos; por inércia ou falta de interesse, a
66
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
realidade mostra a fraca tradição dos portugueses em matéria de participação pública.
Porém, o cenário aparenta alterações e embora não possamos falar da sociedade
portuguesa como uma sociedade deliberativa, há indícios que mostram o percurso dos
cidadãos neste sentido.
“A democracia não é um conceito estático, mas sim um projecto dinâmico e aberto.
Mais importante que os modelos democráticos são os processos de democratização, e
estes devem estender-se a três dimensões: (1) expandir o número de pessoas capazes
de participar efectivamente na decisão colectiva; (2) trazer para os contextos debaixo
de controlo democrático mais temáticas; (3) assegurar a autenticidade do controlo
através do envolvimento efectivo da participação de actores autónomos e competentes
(Dryzek, 2000)90.
Com efeito cada vez um maior número de cidadãos envolve-se nos processos de
decisão, fazendo pressão sobre as diversas entidades e/ou respectivos técnicos. “Hoje
em dia as autoridades locais encontram-se debaixo de um escrutínio crescente por
parte da sociedade civil. Cidadãos, cada vez mais educados e informados, exigem ser
ouvidos e que os seus interesses sejam considerados. No seu dia-a-dia os gestores
responsáveis pelas áreas protegidas sejam dirigentes ou técnicos, enfrentam esta nova
realidade, e não é raro serem confrontados com situações de conflito quando
solicitados a tomar decisões. Isto reflecte a tendência verificada actualmente de
mudança de um sistema de democracia representativa para a deliberativa com uma
intervenção mais activa do cidadão na tomada de decisão (Dryzek, 2000)91.
É verdade que o envolvimento do cidadão numa tipologia de participação tradicional
continua a ter uma grande expressão, mas a forma como decorre começa a ser pouco
apelativa para os novos cidadãos mais activos e conscienciosos do seu papel nos
processos de decisão.
Para Vasconcelos (2001) “O envolvimento do cidadão nas formas de participação
tradicional é marcado por decorrer em fases tardias do processo de decisão e é
frequentemente considerada insuficiente pelos envolvidos. É geralmente concretizado
através de uma exposição, folheto de divulgação ou mesmo de audiências públicas, e
90
Citado por Vasconcelos, 2001:3
Citado por Vasconcelos, 2001:1
91
67
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
tem uma função essencialmente informativa, não deixando praticamente espaço para
um debate efectivo. As audiências públicas, o formato mais usado nos nossos
processos
de
participação
pública,
são
ambíguas
quanto
ao
contributo
e
essencialmente expositivas. A informação complexa, é dificilmente apreendida pelos
participantes no pouco tempo disponível e o debate é frequentemente considerado
insuficiente. Se bem que não representem um problema quando há consenso
relativamente generalizado, podem gerar situações de conflito, distanciamento do
cidadão e dificuldades de implementação quando o problema em questão for complexo
(Vasconcelos, 2001:2).
Apesar das vivências da sociedade portuguesa em matéria de participação pública
demonstrarem uma evolução favorável, ainda muito há a fazer neste campo. E se é
verdade que a participação está mais deliberativa, também o é que, em questões de
processos de decisão, como é o caso do POOC, esta é muitas vezes meramente
centrada nos interesses de cada um dos intervenientes, sem se ter em conta os
benefícios comuns.
A explicação deste atraso ao nível da participação pública, comparativamente com
outros países da União Europeia, prende-se com diversos factores, nomeadamente a
inércia do cidadão, a fraca tradição em termos de participação, talvez fruto do regime
político do passado recente, dum desinvestimento ao nível governativo; enfim, diversos
factores o justificam, mas nenhum deles se prende com questões legislativas.
Com efeito, a questão da não participação pública não se centra ao nível da legislação
existente ou ausência de legislação, “ (…) mas antes na adequabilidade dos processos
institucionalmente definidos de participação e co-responsabilização dos agentes
envolvidos directa e indirectamente nesses processos. Aliás, a actual situação sustenta
um elevado grau de desresponsabilização da sociedade civil na definição e
implementação das estratégias de planeamento e ordenamento preconizadas, quando
a legitimação dos Planos só poderá ser obtida através de um envolvimento informado,
activo e alargado de todos os interesses, quer se trate de um simples Plano de
Urbanização ou de um Plano Estratégico para a indústria de uma certa região” (Batista
2000).
68
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
1.7.1 O ASSOCIATIVISMO EM PORTUGAL
As alterações verificadas na sociedade, consequência de uma maior industrialização e
urbanização aliadas à adesão de Portugal à Comunidade Europeia, que veio exigir a
criação de legislação em matéria de ambiente e associativismo ambiental, contribuíram
para que a partir desta etapa se registasse uma mudança sem paralelo no movimento
ambientalista em Portugal. “É no ano de 1985 que se inicia a viragem decisiva no
movimento ambientalista em Portugal em resultado de um vasto conjunto de factores.
Desde logo, pelo efeito cumulativo das transformações verificadas na sociedade
portuguesa, que vinham simultaneamente criando uma nova sociedade urbanizada e
de consumo geradora de impactes sobre o ambiente, e condições para a emergência
de novos grupos portadores deste tipo de valores, não só enquanto actores mas
também enquanto públicos da acção associativa e política. (…) A interacção destas
evoluções com o acréscimo da informação pública sobre problemas ambientais
conduziu à actualização das orientações para a formulação política do problema
ambiental, conduzindo à criação de estruturas governamentais ligadas ao ambiente.
(…) Também o Ano Europeu do Ambiente celebrado, em 1987, cuja campanha se
prolongou durante 1988, teve uma função importante; por um lado, pela sensibilização
da opinião pública por outro porque permitiu o acesso de algumas associações a meios
financeiros que lhe proporcionaram uma consolidação até aí muito difícil” (Carvalho,
2003: 274)92.
Assim, para além da criação dos instrumentos políticos citados anteriormente, a
legislação portuguesa, com o intuito de tornar os cidadãos mais participativos, criou
através da Lei 10/87 de 4 de Abril, as Associações de Defesa do Ambiente. Segundo o
artigo 2º, são associações de defesa do ambiente com representatividade genérica: a)
As de âmbito nacional; b) As de âmbito regional que para tal sejam equiparadas pelo
Instituto Nacional do ambiente.
92
A lei de Bases do Ambiente e a lei das ADA, bem como a criação do então INAMB, em 1987, ao
prestarem apoio às associações, são consideradas como marcos importantes no movimento associativo.
69
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
A 18 de Julho de 1998 a Lei nº 35/98 revoga a Lei 10/87 de 4 de Abril e define o
estatuto das organizações não governamentais de ambiente93. Entre os diversos
direitos que são consignados às ONGA, destacam-se o direito de acesso à informação
sobre todos os documentos ambientalmente relevantes: “As ONGA gozam, nos termos
da lei, do direito de consulta e informação junto dos órgãos da Administração Pública
sobre documentos ou decisões administrativas com incidência no ambiente”; e o direito
de participação (Artigo 6) “As ONGA têm o direito de participar na definição da política e
das grandes linhas de orientação legislativa em matéria de ambiente”.
A actual lei define como ONGA as associações que “visem, exclusivamente, a defesa e
valorização do ambiente ou do património natural e construído, bem como a
conservação da Natureza, podendo ser consideradas equiparadas a ONGA outras
associações, nomeadamente socioprofissionais, culturais e científicas que não
prossigam fins partidários, sindicais ou lucrativos para si e para os seus associados, e
tenham como área de intervenção principal o ambiente, o património natural e
construído ou a conservação da natureza”94.
Note-se que o movimento ambientalista em Portugal só atinge contornos definidos a
partir de 197495. Até então, exceptuando a Liga para a Protecção da Natureza (LPN),
fundada em 1948, no mesmo ano em que foi criada a União Internacional para a
Conservação da Natureza (UICN), o movimento associativo em Portugal era
inexistente, influenciado sobremaneira pelo regime político vigente, repressor de
qualquer associativismo ainda que relativamente tolerante para com o cooperativo.
Com efeito, é a partir da década de 80 que se assiste à difusão das associações de
ambiente em Portugal. No período de 1985-1988 foram criadas 23 associações, duas
delas, desempenham, actualmente, um papel preponderante a nível nacional; o
93
As Associações de Defesa do Ambiente (ADA) passam a ser designadas por Organizações Não
Governamentais de Ambiente (ONGA)
94
Lei 35/98 de 18 de Julho: Artigos 5º: Acesso á informação; 6º: Direito de Participação; 13º: Mecenato
Ambiental; 14º: Apoios: Direito de Antena. Às organizações equiparadas a ONGA não é concedido o
direito de representação (citado por Carvalho, 2003: 259)
95
Em 1948 foi fundada a Sociedade Portuguesa de Espeleologia; em 1953 o Centro de Actividades
Subaquáticas; em 1957 o Instituto Zoófilo Quinta Carbone; 1963 Os Montanheiros – Sociedade de
Exploração Espeleológica. Embora hoje desenvolvam também actividades na área do ambiente, à época
surgiram com interesse específico (Adaptado de Carvalho, 2003: 265).
70
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
GEOTA fundado em 1985 (embora com actividade informal desde 1981) e a Quercus
em 1986 (iniciando o seu processo de formação em 1984) [Adaptado de Carvalho,
2003:275] (Fig. 9).
Fonte: Carvalho, 2003:275
Figura 9 - Registo das ONGA por ano e acumuladas
A criação da Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente
(CPADA) em 1991 foi um marco importante na consolidação do movimento associativo
em Portugal. De lamentar que, por circunstâncias várias, a Quercus e a LPN não
integrem esta confederação. “Em 1993 a CPADA congregava já cerca de meia centena
de associações, e em 1999 eram cerca de uma centena de ONGA confederadas, de
âmbitos nacional, regional e local” (Carvalho, 2003:280). O GEOTA é, do conjunto das
três ONGA com maior expressão a nível Nacional, a associação que integrou a CPADA
desde a sua fundação.
70
61
60
50
40
35
30
23
20
10
0
ONGA
Equiparada
Semâmbito
Fonte: IA (2007)
Figura 10 – Estatuto das ONGA em 2006 (valores absolutos)
71
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Presentemente, em termos do Estatuto existem 119 associações de ambiente
registadas. Assim, são classificadas como ONGA 61 (51%), Equiparadas a ONGA 35
(29%) e Sem Âmbito 23 (19%) (Fig. 10).
Comparando estes valores com os existentes em 1999 (Fig. 2), cujo total de ONGA
eram 147, constata-se que em menos de uma década - embora possa ter surgido
novas associações - houve uma diminuição de 28 ONGA. Numa época em que a
informação está mais acessível, que a pressão sobre o ambiente, a todos os níveis, é
mais intensa, que a educação ambiental já amadureceu e que o apelo à participação
pública é intensificado, o decréscimo do número de ONGA, reflectindo a forma como os
portugueses se revêem nas questões ambientais, é um fenómeno inquietante.
Assim, se em 1999 Portugal contava com 16% de ONGA de Âmbito Nacional, 18%
Regional, 31% Local e 35% Não Atribuído, em 2006 registaram-se algumas alterações.
Apenas 9% têm atribuição de Âmbito Nacional, 15% Regional, 27% Local e Sem
Âmbito 19% (Fig. 11).
Sem âmbito
19%
Nacional
9%
Regional
15%
Equiparada
30%
Local
27%
Fonte: IA, 2006
Figura 11 – Âmbito da actuação da ONGA, 2006 (%)
Não deixa de ser interessante constatar que 49% das associações é considerada
Equiparada e Sem Âmbito, o que permite deduzir que o movimento associativo deixou
de se especializar no tema ambiente, mostrando maior abrangência de temas. Tal pode
ser reflexo de questões organizacionais, por aproveitamento de sinergias ou porque,
efectivamente o ambiente não se pode dissociar dos restantes problemas vigentes na
sociedade contemporânea.
72
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
70%
Ambiental
Defesa Património
ONGD
Tipologia Mistas
22%
4%
4%
Fonte: inquérito realizado às ONG (2007)
Figura 12 – Tipologia das ONG inquiridas
Embora nos inquéritos realizados às ONG96, 70% dos inquiridos afirmar que a sua
associação tem uma tipologia ambiental, é de registar que 22% afirma pertencer a uma
tipologia mista. Da mesma forma, os projectos desenvolvidos são de natureza diversa;
sendo que a opção Educação Ambiental é assinalada por 81% das ONG,
independentemente do seu âmbito de actuação (Fig.12).
1.7.2 O EXEMPLO DOS PLANOS DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA
Tendo em conta que este trabalho tem como objectivo analisar a participação pública
nos POOC, como instrumentos de gestão do litoral, ficarão de fora todos os outros
exemplos de envolvimento dos cidadãos nos processos de decisão.
Já foram analisados, no item anterior desta dissertação, os Planos de Ordenamento da
Orla Costeira ao nível da legislação. Neste ponto será dado enfoque à forma como os
cidadãos se manifestaram e se envolveram activamente no decurso da respectiva
consulta pública de cada Plano.
O facto da aprovação dos planos distar, nalguns casos, 6 anos entre si, é por si só um
indicador da forma como entidades responsáveis, sociedade civil e cidadãos em
particular, olham para as questões do ordenamento do litoral e para os processos de
decisão; diversos entraves, independentemente do âmbito (políticos, económicos ou
outro qualquer), condicionaram a elaboração de todos os POOC em tempo previamente
estipulado. De referir que o POOC Vilamoura -Vila Real de Stº António, talvez o mais
polémico de todos – e não estivesse ele localizado no Algarve, onde o impacte
96
Os inquéritos foram dirigidos a diferentes Organizações Não Governamentais (Ambiente, Defesa
Património e Desenvolvimento).
73
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
económico do turismo na região tem um enorme peso e numa área protegida com
todos os condicionantes que lhe estão associados - foi apenas aprovado em 2005.
Actualmente todos os POOC estão aprovados, independentemente de maior ou menor
polémica em torno da sua elaboração (Quadro XI).
Quadro XI – Planos Ordenamento da Orla Costeira
POOC
Caminha/Espinho
Áreas Protegidas abrangidas
Parque Natural do Litoral Norte (1)
Situação Actual do Plano
Aprovado e Publicado
R.C.M. n.º 25/1999 de 7 de Abril
Ovar/Marinha
grande
Alcobaça/Mafra
Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto
(2)
INAG
Sintra /Sado
Parque Natural de Sintra/Cascais (3)
Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da
Costa da Caparica (4)
Parque Natural da Arrábida (5)
Aprovado e Publicado
R.C.M. n.º 142/2000 de 20 de Outubro
Aprovado e Publicado
R.C.M. n.º 11/2002 de 17 de Janeiro
Aprovado e Publicado
R.C.M. n.º 86/2003 de 25 de Junho
Aprovado e Publicado
R.C.M. n.º 123/1998
INAG
Aprovado e Publicado
R.C.M. nº 136/99 de 2 de Outubro
Aprovado e Publicado
R.C.M. n.º 152/1998 de 30 de
Dezembro
Aprovado e Publicado
R.C.M. n.º 33/1999 de27 de Março
Aprovado e Publicado
R.C.M. n.º 103/ 2005 de 27 de Junho
INAG
Cidadela/S. Julião
da Telha
Sado/Sines
Sines/Burgau
Reserva Natural das Lagoas de
Santo André e da Sancha (6)
Parque Natural do Sudoeste Alentejano e
Costa Vicentina (7)
Burgau/Vilamoura
Vilamoura/V. Real
de St.º. António
Fonte: ICNB
Parque Natural da Ria Formosa (8)
Entidade
INAG
INAG
ICNB
ICNB
INAG
ICNB
O elevado número de instituições com responsabilidades directas em termos de
jurisdição na gestão costeira é, à priori, um obstáculo, não apenas para o acto de
legislar como de intervir e, indirectamente, até o de exercer uma cidadania activa
(Quadro XII).
Quadro XII- Resumo das principais instituições com responsabilidade na gestão da zona costeira.
Actuação de Âmbito Nacional
Actuação de Âmbito Regional e
Municipal
Actuação de Âmbito Regional
(c/ Autonomia)
INAG – Instituto da Água
ICN – Instituto da Conservação da Natureza
IPTM – Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos
IGP – Inspecção-Geral de Pescas
IPIMAR – Instituto de Investigação das Pescas e do Mar
DGRF – Direcção-Geral dos Recursos Florestais
DGT – Direcção-Geral de Turismo
DGPA – Direcção-Geral de Pescas e Aquicultura
INETI – Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação
DGAM – Direcção-Geral da Autoridade Marítima
IH – Instituto Hidrográfico
AP – Administrações Portuárias
CCDR – Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional
ARS – Administração Regional de Saúde
Capitanias
Autarquias
Governo Regional dos Açores – Secretaria Regional do Ambiente e do Mar
Governo Regional da Madeira – Secretaria Regional do Ambiente e
Recursos Naturais
Fonte: Relatório Nacional Preliminar da Execução sobre Gestão Integrada da Zona Costeira (2002:16)
74
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Apesar da grande maioria destas instituições pertencer, ao Ministério do Ambiente, do
Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, existe um conjunto de
outros organismos com tutelas diversas que face às suas competências em políticas
sectoriais tem interferência directa sobre a zona costeira97.
Como se observou na figura 598, a preparação dos POOC é acompanhada por uma
Comissão Técnica de Acompanhamento que envolve diversas entidades ficando a sua
elaboração a cargo, muitas vezes de entidades independentes aos organismos que têm
responsabilidade sobre o respectivo Plano. A título de exemplo, cite-se que o Plano de
Ordenamento da Orla Costeira Sintra -Sado foi elaborado pelo Consórcio PLURAL99.
Para cada Plano a respectiva entidade (INAG ou ICNB) disponibiliza os elementos para
consulta na Internet, no respectivo Sítio, estando ainda disponíveis nas autarquias dos
respectivos concelhos e CCDR, entre outras entidades, de acordo com o disposto na
lei. Toda a informação relativa ao POOC é ainda entregue à Comissão Técnica de
Acompanhamento (CTA) e respectivas entidades convidadas desta Comissão.
Relativamente às modalidades de publicitação esta é feita, de uma forma geral, por
Anúncio da discussão pública em Diário da República, é afixada em Edital e publicada
em aviso em jornais de âmbito nacional, regional e local. No que concerne à forma de
elucidação dos interessados, é geralmente utilizado o modelo tradicional de
participação, isto é, são organizadas sessões públicas de esclarecimento pelas
entidades responsáveis.
No âmbito desta dissertação e, como forma de colmatar algumas falhas na informação
contidas nos Relatório de Apreciação do Inquérito Público, foram efectuadas duas
entrevistas às técnicas do INAG e do ICNB responsáveis pelos POOC100.(Anexo 2).
Da análise das entrevistas realça-se a caracterização do tipo de participação pública
que é mais uma consulta pública que um exemplo de participação propriamente dita
mas que as discussões públicas têm vindo a ser cada vez mais participadas. Os
97
(Adaptado de Relatório Nacional Preliminar da Execução da Recomendação 2002/413/CE, de 30 de
Maio, sobre Gestão Integrada da Zona Costeira, 2002:16)
98
Página 61 deste documento
99
http://www.biodesign.pt (visitado a 20 de Outubro 2007)
100
As entrevistas foram realizadas a 21 de Março e 24 de Abril de 2007, respectivamente ICNB e INAG.
75
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
cidadãos continuam, de uma forma geral, mais interessados em defender o «seu
quintal» que acertadamente, pensar no ordenamento como um todo Tal é mais visível
em POOC em que a ocupação do litoral é mais intensa, como ocorreu com o mais
recente plano Vilamoura/Vila Real Santo António e com o iniciante Caminha - Espinho.
Em ambas as entrevistas há um realçar da evolução da participação pública nos
processos de decisão” Ainda assim tem havido uma evolução positiva na medida em
que as pessoas, que participam durante a fase de discussão pública, tem apresentado
um maior conhecimento das propostas e tem apresentado sugestões concretas para
permitir a sua adequada ponderação no âmbito das opções do plano, e em
determinadas situações tem fundamentado alterações às opções iniciais colocadas a
discussão. Prevalece uma visão individual e é evidente a falta de consciência colectiva
para consolidar o que se pretende que possa ser um processo de participação pública
com o envolvimento de diferentes sectores de actividade durante as várias fases de
elaboração do plano” (Henriques, INAG).
Para além das entrevistas efectuadas forma consultados relatórios de apreciação do
inquérito público a cada um dos POOC. Desta consulta tentou-se, primeiramente,
encontrar pontos comuns a todos os Planos (Quadro XIII).
Quadro XIII – Possíveis Pontos comuns aos POOC
Categoria dos Participantes
Natureza das participações
Tipo de alterações efectuadas
após as participações
Distribuição espacial das
participações
Abaixo assinados
Associações
Autarquias locais
Concessionários
Particulares (Individuais, Colectivos)
Comentários propondo alterações que reforçam os aspectos de protecção
Comentários propondo reforço das áreas edificadas
Comentários específicos aos Planos de Praia
Comentários de natureza jurídica
Comentários de concordância com os POOC
Comentários à organização do Inquérito Público
Comentários diversos
Comentários específicos às UOPG (unidades operativas de planos de gestão)
S/ comentários
Comentários de natureza jurídica
Comentários específicos aos Planos de Praia
Comentários propondo alterações que reforçam os aspectos de protecção
Comentários propondo reforço das áreas edificadas
S/ alterações
Respectivos concelhos
Todavia, verificou-se que nem sempre havia equiparação nos parâmetros estudados o
que dificultou uma exacta comparação. Na justificação desta não coesão pode estar o
76
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
facto dos planos serem feitos por entidades diferentes e/ou por distarem muito
temporalmente.
Os respectivos relatórios, disponíveis para qualquer pessoa que os solicite, permitem
comprovar não só a existência da forma tradicional de participação pública como o tipo
de intervenção solicitada. A título de exemplo analisa-se o relatório de apreciação do
Inquérito Público do POOC Caminha-Espinho, realizado em 1999. No que respeita à
participação, o inquérito teve a seguinte distribuição: (Fig. 13)
Pa rticu la res e
e m pre s a s
8 1,9 %
C ap itan ia s
0 ,3 %
"C o nce s s io n á rio s "
d e Pra ia
1 1 ,6 %
Ju n ta s d e Fre g u e s ia
4 ,1%
As s o cia çõ e s e ON G
2 ,1 %
Fonte: INAG (1999)
Figura 13 – Distribuição dos participantes
Segundo o Relatório de Apreciação do Inquérito Público101, a metodologia utilizada foi a
seguinte: Construção de uma “ficha-resumo” de cada participação, onde a informação
era agrupada de acordo com os comentários recebidos (Propondo alterações
reforçando os aspectos de protecção; propondo alterações reforçando a expressão das
áreas edificadas; específicos aos Planos de Praia; de natureza jurídica; em
concordância com as propostas dos POOC; à organização do inquérito público; sem
comentários).
A figura 14 mostra as alterações efectuadas após a análise das fichas de alteração;
estas modificações prendem-se com os apoios de praia (11%). Tal vem confirmar a
opinião geral que são os indivíduos com interesses directos nos POOC quem mais se
manifesta.
101
FBO Consultores, cedido em formato impresso pelo INAG
77
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
S/ alterações
87,5%
Regulam ento
0,3%
m ais edificação
0,9%
m ais protecção
0,3%
Planos de Praia
11,0%
Fonte: INAG (1999)
Figura 14 – Alterações realizadas
A figura 15 apresenta a participação por Município compreendido no POOC CaminhaEspinho. A esmagadora maioria das participações (63%) foram do concelho de Póvoa
do Varzim. O tipo de proposta apresentada prendeu-se com a criação de mais áreas de
utilização livre e recreativa.
Póvoa do varzim
63,0%
Vila do Conde
19,2%
Geral
0,3%
Esposende
5,5%
Viana do Castelo
2,5%
Caminha
3,3%
Matosinhos
2,0%
Vila Nova de Gaia
3,8%
Espinho
0,3%
Fonte: INAG (1999)
Figura 15 – Participação por Município
Este é apenas um exemplo dos dados obtidos através dos relatórios de apreciação do
inquérito público. Embora cada processo seja único, o resultado não difere de forma
substancial. O que corrobora a ideia de que a participação pública nos processos de
decisão, nomeadamente do POOC está muito vocacionada para os interesses que se
prendem com os apoios de praia.
78
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
1.8 PARTICIPAÇÃO SOCIAL
1.8.1 O INCENTIVO DAS ONG À PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
Após nos termos debruçado sobre o movimento associativista e sobre o envolvimento
dos cidadãos nos processos de decisão, nomeadamente os POOC, importa
compreender de que forma as Organizações Não Governamentais incentivam a
participação pública.
Neste contexto foram elaborados, no âmbito deste trabalho, 89 inquéritos a diferentes
ONG (Ambiente, Desenvolvimento e Defesa de Património). Como premissa, o
questionário só se dirigia a ONG que desenvolvessem trabalhos no âmbito do litoral e
estava dividido em três partes, uma identificativa da ONG e das suas características,
outra direccionada para os projectos/acções desenvolvidas no âmbito do litoral e uma
terceira dedicada à participação pública (Anexo 3).
Nas duas primeiras partes, o inquérito tinha os seguintes objectivos:
•
Identificar as características da ONG (é uma organização não governamental de
Ambiente, de património, de desenvolvimento, outro…);
•
Indicar o interesse manifestado na área do ambiente, caso a ONG tenha outra
tipologia;
•
Identificar a área de intervenção geográfica do trabalho desenvolvido pela OMG;
•
Especificar a tipologia dos trabalhos desenvolvidos no litoral;
•
Assinalar as acções que desenvolve no âmbito dos projectos (organiza acções,
palestras, reuniões, ou outras…?);
•
Apresentar uma estimativa das pessoas envolvidas e a sua faixa etária;
•
Conhecer se existem ou não parceiros na dinamização das actividades e que
tipo de parceiros (Autarquias, empresas, outras associações, escolas,
universidades…?).
Dos 89 de inquéritos enviados recebemos apenas 39 respostas; 12 das quais
informando que não desenvolviam trabalhos neste âmbito. A pesquisa dos contactos foi
desenvolvida via internet mas muitos dos endereços não se encontravam actualizados;
sobretudo o e-mail, por isso a devolução de inquéritos foi considerável. Apesar do
universo estatístico ser muito reduzido, o que implica um fraco grau de
representatividade, segue-se a análise das 27 respostas válidas.
79
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
A figura 16 mostra o universo das ONG respondentes. Assim, 18 são ONGA, 1 é
ONGD, 1 de Defesa do Património. Das seis associações que responderam ter uma
tipologia mista, 5 são ONGA e Defesa do Património e 1 ONGA e ONGD.
Figura 16 – Tipologia das ONG inquiridas
Relativamente ao ano de formação da ONG, verifica-se que 27% foram formadas em
1987 ou em data anterior (como já foi referido anteriormente, 1987 corresponde ao
período em que foi publicada a legislação sobre Associações de Defesa de Ambiente).
66% formaram-se entre 1988 e 2002. No período mais recente, entre 2003 e 2007
apenas se formaram duas ONG (7%). Mesmo com a percentagem de erro intrínseca a
um reduzido universo estatístico, pode-se afirmar que existe uma clara diminuição na
formação de novas ONG (Fig. 17).
Ano de formação
da ONG
7%
27%
22%
2003-2007
1998-2002
1993-1997
1988-1992
≤1987
22%
22%
Figura 17 – Ano de Formação da ONG
As respostas recebidas apontam para uma clara predominância de ONG de carácter
Nacional (47%), seguidas das de carácter Local e Regional. Duas delas (10%) têm uma
abrangência internacional (Fig. 18).
80
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
5%
Âmbito da ONG
10%
Internacional
28%
nacional
regional
local
outra
47%
10%
Figura 18 – Âmbito da ONG
No que respeita ao âmbito de actuação, independentemente do estatuto, a lei define
que “As associações de âmbito nacional deverão ter pelo menos 2000 associados, as
de âmbito regional pelo menos 400 associados e as de âmbito local pelo menos 100
associados” (Carvalho, 2003:260). Contudo, 30% dos inquiridos afirma que a sua
associação tem um número inferior a 200 associados, muito próximo do indicado para
as ONG de carácter local. Tendo em conta que 47% afirmou ter um âmbito nacional é
de estranhar que apenas 19% apresente mais de 2000 associados, condição
indispensável, segundo a lei, para que tal âmbito lhe seja atribuído (Fig. 19).
19%
30%
No de sócios
< 200
200-400
401-1999
≥2000
36%
15%
Figura 19 – Número de associados das ONG inquiridas
Dos inquiridos que responderam ter entre 401-1999 associados (36%) também existem
associações carácter local, para além do regional, o que quer dizer que não é apenas o
número de associados que as leva a candidatar-se a um âmbito mais abrangente. A
título de exemplo realça-se a Associação A Rocha, de âmbito local, com 490
associados.
A figura 20 reflecte a localização das ONG por NUT II. Apesar de alguma
heterogeneidade na dispersão, é a NUT Lisboa que apresenta uma maior concentração
de ONG (45%), seguida da região Centro (26%). Não existe qualquer resposta de ONG
81
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
localizadas no arquipélago da Madeira. As ONG localizadas no Alentejo, Algarve e
Açores são de âmbito local. Existindo apenas três ONG localizadas na NUT Norte, o
seu âmbito é nacional, regional e local, duas são de ambiente e uma apresenta uma
tipologia mista – ambiente e defesa do património.
7%
7%
0%
Localização
11%
Norte
26%
4%
Centro
Lisboa
Alentejo
Algarve
Açores
Madeira
45%
Figura 20 – Localização das ONG por NUT II
No que concerne à tipologia dos projectos desenvolvidos na área do litoral, 76% das
ONG desenvolve projectos relacionados com o ambiente e com a educação ambiental,
independentemente do âmbito. A referência a Outros é diversa e varia entre o
desenvolvimento de projectos na área do desporto, educação para a paz, investigação
científica e educação cívica (Fig. 21).
7%
10%
7%
Tipologia dos Projectos
cultural
património
Ambiente/EA
outros
76%
Figura 21 – Tipologia dos projectos
A percentagem de projectos desenvolvidos dentro da temática da Educação Ambiental
mostra a importância que este tipo de formação ainda desempenha na actualidade; o
que acaba por se reflectir nos princípios das associações, em especial as ONGA,
implicando um investimento a este nível, nomeadamente com o desenvolvimento de
actividades que promovem práticas de Educação e cidadania Ambiental.
82
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
São disto exemplo projectos como o Coastwatch Europe; Eco-escolas; repórteres do
ambiente; e muitos outros, que embora desenvolvidos a nível regional, têm uma
incidência sobre ecossistemas ou temáticas específicas, desempenhando um papel
preponderante ao nível do desenvolvimento sustentável (e.g. plantação de vegetação
autóctones em dunas; limpeza das praias; sensibilização para a preservação de
diversas espécies ameaçadas, etc.).
Em termos de acções desenvolvidas as ONG variam entre Formação (38%);
Seminários/Encontros/Colóquios (35%) e Outros (27%), nesta categoria estão
abrangidas actividades variadas: exposições, percursos pedestres, notas de imprensa,
etc. (Fig.22).
27%
Tipologia das actividades
38%
Formação
Semin/Enc./colóquios
outras
35%
Figura 22 – Acções desenvolvidas no âmbito dos projectos
Do total das associações inquiridas, 67% afirma recorrer a parceiros para a
dinamização das actividades. O leque de entidades a que as associações recorrem
para dinamizar as acções é diverso, contudo, regista-se uma certa preponderância para
os estabelecimentos de ensino (31%). Embora o ensino básico e secundário
desempenhe um papel predominante, o uso de parcerias com estabelecimentos de
ensino ao nível superior é igualmente significativo no universo estatístico considerado.
19%
1%
Parcerias
autarquias locais
19%
outras ONG
15%
31%
15%
Empresas/outros agentes
economicos
Estab. Ens ino
(basico/sec/superior)
outras
n responde
Figura 23 – Tipologia das entidades parceiras na dinamização das acções
83
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Por questões óbvias que se prendem com factores económicos é cada vez maior o
número de parcerias desenvolvidas com as autarquias e empresários/outros agentes
económicos (respectivamente 19% e 15%). Contrariamente ao que seria de supor
apenas 10 associações recorre a outras ONG como parceiras na dinamização das
actividades. No item outras estão incluídas parcerias muito díspares (comércio Justo,
projectos diversos – Crew Hassam; Cores do Globo, etc. – esc(u)oteiros, entre outros)
[Fig.23].
A faixa etária dos participantes, embora com alguma variedade, reflecte uma tendência
para o envolvimento de um público jovem e adulto – 60% estima que o público-alvo tem
entre 16-45 anos. Apenas 18% desenvolve actividades direccionadas para um público
com menos de 15 anos. As acções que envolvem a faixa etária >45 anos estão,
especialmente, relacionada com turismo sustentável, percursos pedestres e defesa
património (Fig.24).
30%
Faixa etária
< 15
16-30
31-45
30%
21%
>45
n responde
1%
18%
Figura 24 – Faixa etária dos participantes
Na parte dedicada à participação pública o questionário teve como objectivos:
Compreender
se
existe
preocupação
em
desenvolver
acções
com
vista
a
formar/informar a população, em caso de situações pontuais que interfiram com o
ordenamento (por exemplo: construção de marinas, esporões, campos de golfe ou
outros projectos); saber a estimativa de participantes nas acções e a sua faixa etária;
Analisar a participação pública (como se comportam os cidadãos face a problemas que
lhe dizem respeito e que ocorrem na faixa do litoral onde residem, passam férias (?) ou
desenvolvem a sua actividade económica? Se são reactivos, pró-activos, passivos
conflituosos?); e Compreender o comportamento da participação pública nos últimos
anos. Os cidadãos são, ou não, mais activos, participativos, empenhados?
84
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
15%
Sessões de
esclarecimento
41%
corrente ano
1-3 anos
mais de 3 anos atrás
44%
Figura 25 - Organização das Sessões de esclarecimento
À pergunta “Em caso de projectos/acções que vão interferir com o litoral na área de
influência da ONG, organiza sessões de esclarecimento para a população?
responderam 52%. Destes 41% organizou as sessões de esclarecimento há mais de 3
anos, 44% 1-3 anos e 15% no corrente ano (Fig.25).
As associações estimam que o público-alvo nas sessões de esclarecimento seja
predominantemente adulto, 60% entre 16-45 e 23% com mais de 45 anos. Apenas 17%
tem menos de 15 anos (Fig. 26).
23%
17%
Faixa etária
<15
16-30
31-45
31%
>45
29%
Figura 26 – Faixa etária dos participantes nas sessões de esclarecimento
74% das ONG inquiridas considera haver, nos últimos anos, um maior envolvimento
dos cidadãos nas questões ambientais relacionadas com o litoral. Destas, 61%
classificam os cidadãos como mais participativos (os cidadãos expressam a sua
opinião, dão sugestões, levantam questões); 15% consideram a participação pública
passiva (os cidadãos ouvem os oradores mas não interferem nem manifestam opinião).
85
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Em igual percentagem (8%) os inquiridos consideram a participação controversa (os
cidadãos levantam polémica sobre o tema que é bastante discutido e debatido) e
conflituosa (Os cidadãos levantam problemas de uma forma irritável, gera-se alguma
desordem). Na hipótese outra – com 8% – foi assinalada a seguinte classificação “Um
misto do que é referido, dependendo da temática, com predominância da opção
passiva” (Fig. 27).
8%
8%
Classificação da participação
participativa
8%
passiva
controversa
15%
61%
conflituosa
outra
Figura 27 – Classificação da participação pública.
Não obstante o reduzido número de respostas à questão em que se solicitava
“Especifique de que forma considera haver um maior envolvimento dos cidadãos nas
questões ambientais”, algumas ONG opinam que as camadas mais jovens estão mais
atentas. Outras afirmam que em termos de ordenamento do litoral existe uma maior
participação dos cidadãos por se sentirem directamente afectados. No entanto, há
também a opinião, por parte de algumas ONG, que existe uma maior passividade dos
cidadãos. O universo estatístico, já por si reduzido, aliado ao fraco número de
respostas à questão, não permite tirar conclusões válidas.
1.8.2 DOIS EXEMPLOS PRÁTICOS DE DINAMIZAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
O GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente), constituiu-se
legalmente em 1986 mas desenvolve actividades desde 1981. É uma associação
aberta à participação de todos os interessados e conta actualmente com associados
residentes em todo o País e no estrangeiro. Cerca de 75% dos associados têm menos
de 30 anos, o que evidencia uma clara uma predominância de jovens, muitos com
formação universitária. Actualmente o GEOTA mantém protocolos de cooperação com
diversas associações; tem ajudado a criar e desenvolver várias associações locais;
participou na comissão instaladora da Confederação Portuguesa das Associações de
86
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Defesa do Ambiente, estando ainda inserido num conjunto de redes internacionais,
onde intervém regularmente no sentido de contribuir para a resolução de problemas
globais. “Destaque-se a participação no European Environmental Bureau (EEB), na
European Union for Coastal Conservation (EUCC), no Med FÓRUM – Rede
Mediterrânea para a Ecologia e o Desenvolvimento Sustentável, no Conselho Ibérico
para a Conservação da Natureza (CIDN), nos European Partners for the Environment
(EPE) e no Seas at Risk (SAR), assim como as relações de trabalho pontuais com o
World Wildlife Fund (WWF) e com o Stichting Natuur en Milieu”102.
Os seus princípios de actuação são simples e claros, desenvolvendo acções em
diversas áreas: conservação, educação ambiental, sensibilização, ordenamento do
território, energia, solos, transportes e mobilidade, alterações climáticas, património,
resíduos, meio marinho, entre outras; tendo sempre patente o Desenvolvimento
Sustentável.
Com efeito, estando sempre atento aos problemas procura informar, formar e
desenvolver acções que conduzam à participação pública. Neste âmbito serão aqui
focados dois exemplos que o GEOTA desenvolveu recentemente com vista à
informação e envolvimento dos cidadãos num claro exercício de cidadania e
participação pública: erosão costeira em S. João da Caparica e construção da IP2 –
Variante de Estremoz (Anexo 4).
Enquanto no caso de S. João da Caparica estava em causa o investimento por parte do
INAG nesta praia como forma de travar o avanço do mar; no exemplo da Variante de
Estremoz a inexistência de estudos alternativos e comparativos de impactes da
proposta de construção da referida variante, tanto em termos financeiros como
ambientais, o comprometimento da enorme reserva de água pelo actual traçado, a
destruição de vários hectares de montado, de vinhas emblemáticas e de uma mancha
de oliveiras centenárias em São Brissos, estiveram na base da organização da sessão
pública de esclarecimento à população.
Assim, no que respeita a S. João da Caparica, quando o GEOTA decidiu organizar a
sessão pública de esclarecimento sobre Erosão Costeira e Ordenamento do Território
102
www.geota.pt
87
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
na Costa da Caparica há muito que o tema se debatia pela opinião pública, sobretudo
dinamizado pela comunicação social, numa calorosa preocupação e discussão entre
erros de ordenamento, a montante (geograficamente e temporalmente), as alterações
climáticas e a inoperância das entidades responsáveis. Os comentários veiculados
pelos meios de comunicação eram diversos, divergentes e na maior parte dos casos
com um carácter reduzido de informação útil para a população em geral.
O GEOTA para além de ambicionar informar a população e proporcionar um momento
de debate e de participação pública, o que faz parte das suas funções, pretendia que
fossem conhecidas as razões que motivaram um mega investimento no reforço das
praias de S. João da Caparica. A sessão pública juntou mais de 180 pessoas que, após
receberem informação/formação dos diferentes intervenientes, colocaram questões que
permitiram um caloroso debate sobre o tema.
À data da sessão de esclarecimento (26 de Janeiro de 2007) o GEOTA questionava se
a reconversão urbanística de 123 hectares, incluindo a construção de unidades
hoteleiras e campo de golfe poderia estar na base da justificação de uma obra de
“engenharia pesada” com custos estimados pelo INAG na ordem dos 15 milhões de
euros. Esta obra, a iniciar-se ainda em 2007, destinava-se, alegadamente, a promover
a estabilização da linha de costa actual em S. João da Caparica através do reforço dos
esporões e do enchimento artificial das praias com areias dragadas em off-shore.
Apesar de representantes das autarquias estarem presentes na sessão de
esclarecimento esta opção não foi discutida publicamente. Ao invés foram os eventuais
danos produzidos em apoios de praia e parques de campismo que forneceram as
justificações de investimentos tão avultados.
Mas, como afirmou Francisco Andrade, professor de Gestão e Ordenamento Costeiros
na FCUL e especialista em modelos de valorização do litoral, “a realização das ditas
obras de «engenharia pesada» não pode ter justificação cabal apenas com base na
defesa de apoios de praia e parques de campismo, como se pretende fazer crer. Um
simples estudo de custo-benefício mostraria facilmente que sai muito mais barato ao
erário público indemnizar os eventuais afectados do que realizar as projectadas obras
88
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
de protecção costeira, mesmo sem contar com os custos de manutenção que teriam de
se realizar indefinidamente” (Andrade, 2007).
O GEOTA não estava e continua a não estar contra qualquer tipo de projectos de
reconversão urbanística que se proponha para aquela parcela do território, mas exige
que sejam colocados publicamente com a máxima transparência e sujeitos aos
mecanismos de avaliação de impacte ambiental previstos na lei.
Exigia-se, igualmente, que as obras que se preconizam com o objectivo de promover a
estabilização da linha de costa actual em S. João da Caparica através do reforço dos
esporões e do enchimento artificial das praias com areias dragadas em off-shore
fossem também sujeitas a procedimento de avaliação de impacte ambiental.
Não obstante considerar que devem ser salvaguardados os direitos dos residentes e
utentes das praias de S. João da Caparica, o GEOTA chamou à atenção para o facto
de outros trechos da costa portuguesa se encontrarem sob tanta ou mais pressão que a
Caparica, sem contudo mobilizarem investimentos de monta.
Na sua postura enquanto ONGA, o GEOTA reafirmou, e continuará a fazê-lo, que a
generalidade do que é feito em Portugal apenas pretende debelar os sintomas sem
nunca ir à raiz dos problemas e que sem se conhecer as causas, não podem ser
combatidas as consequências.
A erosão costeira é o produto de fenómenos naturais potenciados pela acção humana:
aumento da frequência das tempestades em resultado das alterações climáticas
globais, alterações na dinâmica litoral e fluvial (incluindo extracção de areias), retenção
dos sedimentos nas barragens, construção em áreas sensíveis e acesso desordenado
às praias são algumas das causas que concorrem para o aumento do número e da
intensidade dos eventos erosivos no litoral e que precisam de ser atacadas de forma
consequente aos mais diversos níveis, tendo por base uma política coerente de
ordenamento do território.
Muito embora se registasse uma falta de consenso sobre as soluções para a resolução
do problema, a sessão pública funcionou como um bom exemplo de participação em
questões que dizem directamente respeito aos cidadãos (Figuras 27-29).
89
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
Figura 28 - A observação antes do debate
Figura 29 - A Sessão de abertura e a Sessão técnica
Figura 30 - O Público e a participação
Outro exemplo, de sensibilização e dinamização de participação do público, que o
GEOTA tem vindo a desenvolver de uma forma muito positiva prende-se com o caso de
estudo da Variante a Estremoz.
90
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
O projecto “IP2-Variante a Estremoz e reformulação do Nó com a EN4” foi
recentemente objecto de Declaração de Impacte Ambiental103 desfavorável por parte do
Ministério do Ambiente, o que obrigará o proponente Estradas de Portugal, E.P. a
reformular todo o projecto, nomeadamente com a apresentação de corredores
alternativos, para que possa ser seleccionado aquele que apresente menores impactes
ambientais. Este facto, em si, não constituiria ocorrência excepcional pois, embora não
seja a regra, existe uma percentagem, ainda que bastante pequena, de projectos que
não obtém declaração de impacte ambiental favorável104). O que é relevante é a
Declaração de Impacte Ambiental, ter sido fundamentada no teor do Parecer Final da
Comissão de Avaliação (CA), destacando como um dos aspectos cruciais da decisão “a
Consulta Pública que foi muito participada, apresentando uma fundamentação objectiva
para os impactes negativos no uso do solo e da sócio economia”. De referir que o
procedimento de avaliação de impacte ambiental relativo a este projecto tem
antecedentes com mais de uma década: começou por ser instruído em Novembro de
1995 tendo-se concluído, já na altura, pela reformulação do Estudo de Impacte
Ambiental (EIA). Em Janeiro de 1997, e após apresentação de relatório complementar
ao EIA, a CA insiste na necessidade de estudar alternativas ao traçado, o que, no
entanto, não demoveu o proponente de persistir numa solução única” (adaptado de
Costa, 2007)105.
A contestação a este era reduzida, até porque havia uma clara ausência de
esclarecimento público sobre o tema. Foi o envolvimento do GEOTA neste processo
que veio servir como motor de arranque no processo de participação pública.
“O primeiro momento crucial de viragem do processo ocorre quando os contestatários
decidem unir esforços e apresentar petições em conjunto, pondo em causa o traçado
no seu todo. É a altura dos abaixo-assinados, que culmina com a contratação do
advogado José Sá Fernandes, que consubstancia em documento único de participação
103 A Declaração de Impacte Ambiental é a peça que culmina todo o procedimento de avaliação de
impacte ambiental de projectos susceptíveis de produzir impactes ambientais, regulado pelo Decreto-Lei
n.º 69/2000 de 3 de Maio, com a redacção que lhe é dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de
Novembro.
104
A Declaração de Impacte Ambiental pode ser favorável, desfavorável, ou favorável condicionada (à
aplicação de um conjunto de medidas mitigadoras dos impactes).
105
Boletim Geotàlupa, Novembro 2007
91
Capítulo 2 – Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal
na Consulta Pública, as contribuições de todos os queixosos. O segundo momento
decisivo do processo sucede com o empenhamento activo das ONGA, designadamente
do GEOTA. É o momento da passagem de uma fase recuada em torno da discussão do
processo em si, para a fase de organização, generalização e debate público das
questões mais abrangentes. Por aconselhamento do GEOTA os contestatários decidem
formar uma associação local, a S. Brissos – Cidadãos pelo Ambiente e
Desenvolvimento de Estremoz que organiza o primeiro debate público não tutelado pelo
poder (local ou outro) em décadas nessa cidade. Nesse debate público a discussão
muito participada do projecto da Variante, mas também da sua implicação nas opções
de desenvolvimento do concelho e da região surpreende os próprios organizadores e
terá tido influência no desfecho do processo de avaliação do impacte ambiental, ao
ocorrer num momento em que as Estradas de Portugal, E.P. poderiam ainda inverter a
situação a seu favor, ao beneficiarem em exclusivo de um período de Audiência Prévia
para contestação do parecer não vinculativo da CA” (Costa, 2007, documento interno
do GEOTA).
O desfecho foi favorável para os cidadãos envolvidos, quer pela não construção do
traçado, quer pela experiência e exemplo de sucesso de participação pública e
cidadania.
Apesar de se relatarem apenas dois exemplos de sucesso do estímulo à participação
pública por parte da ONGA, o GEOTA tem vindo a desenvolver acções semelhantes
para apoiar os cidadãos, com o intuito de resolverem problemas de interesse social ao
nível de processos de decisão.
92
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
CASO DE ESTUDO: O PROJECTO COASTWATCH
1.9 O COASTWATCH NA EUROPA
O Projecto Coastwatch é um projecto europeu lançado em 1988106 na Irlanda, por Karin
Dubsky107; em 1989 foi implementado em Portugal através do GEOTA Tinha como
principais objectivos sensibilizar para a educação ambiental e alertar os participantes
(especialmente o público escolar) para a importância de monitorizar os ecossistemas
do litoral como forma de os defender e preservar.
Dadas as suas características e a época em que surgiu – com a educação e a
cidadania ambiental em expansão – a adesão ao projecto em diferentes países
europeus com linha de costa foi elevada nos primeiros anos do seu aparecimento,
chegando a formar uma rede de 23 países.
No entanto, uma das grandes falhas do Coastwatch, enquanto projecto internacional,
foi a inexistência de uma verdadeira rede internacional, com uma Base de Dados
comum. A ausência de feed back entre os países participantes e a fraca coordenação
internacional, não só inibiu a formação de um fio condutor comum à implementação do
projecto como dificultou uma análise correcta da situação do projecto, em cada país
participante.
Infelizmente e não obstante alguns contactos por e-mail e uma reunião presencial com
a coordenadora internacional, não foi obtida qualquer resposta às perguntas solicitadas
e que seriam de todo imprescindíveis para uma boa análise da conjuntura actual do
projecto (e.g. quantos países actualmente compõem a rede Coastwatch, em que datas
os países foram aderindo e abandonando o projecto, como é feita a dinamização, quais
os resultados obtidos, como se divulgam, intervenção das autoridades competentes a
partir da divulgação dos resultados, etc.).
Por aquilo que foi possível saber através de contactos informais, alguns países foram
abandonando o projecto, outros participaram apenas no início; a existência de
106
www.coastwatch.org
Karin Dubsky é Eng.ª Civil e docente no Trinity College em Dublin
107
93
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
contactos e/ou webpáginas inactivas ou ainda a ausência de resposta a e-mail
enviados a solicitar informações, mostra que em muitos dos países inicialmente
envolvidos o projecto já não está a ser desenvolvido; pelo que não é possível transmitir
com rigor, a situação actual estado do Coastwatch ao nível europeu.
Dos contactos encetados apenas foi possível obter resposta oficial da coordenação
espanhola, a qual afirma que o projecto ficou inactivo após o incidente com o Prestige,
sem contudo, apontar data para reactivação do mesmo. O forte impacte que o incidente
do Prestige, em 2002, teve na costa da Galiza, com elevados níveis de poluição, foi um
factor determinante para pôr termo ao Coastwatch Espanha, que já se apresentava em
decadência.
No caso de Itália108, foi efectuado um contacto não oficial que informa que o projecto
também se encontra inactivo temporariamente. Alguns países como é o caso da
Noruega109, Alemanha110, Holanda111 e Portugal, criaram uma dinâmica própria para o
projecto e é este dinamismo que tem permitido a sua manutenção contínua. Apesar de
ligeiras alterações, o que estes países têm em comum, é o facto utilizarem o projecto
Coastwatch como ferramenta de apoio às escolas.
Por diversos motivos, conjunturais ou não, foram surgindo, sobretudo na União
Europeia, um número crescente de programas vocacionados para a sensibilização do
público com vista à protecção do litoral e/ou do oceanos. Tal, induziu à adesão de
muitos países a estes novos projectos. Alguns integraram o Coastwatch, outros
dedicaram-se em exclusivo ao projecto que foram surgindo. A título de exemplo: o “De
Noordzee112, dinamizado pela Holanda, inclui as actividades de monitorização do
Coastwatch; e o “Global Garbage” desenvolvido a nível mundial, embora com sede na
Alemanha.
Perante este cenário a abordagem ao Coastwatch na Europa fica aquém do que seria
esperado e, por se tratar de um projecto internacional, do que seria essencial conhecer.
108
http://ww2.unime.it/scienze-terra/cwn.htm
http://miljolare.no/kyst
110
http://213.239.198.103/coastwatch
111
http://www.coastwatch.nl
112
http://www.noordzee.nl/
109
94
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
1.10 COASTWATCH EM PORTUGAL
Quando o Projecto Coastwatch foi apresentado ao GEOTA, numa reunião internacional,
trabalhar a (e para a) educação ambiental, era o desafio e as associações de ambiente,
um pouco por todo o país, independentemente do seu carácter (local, regional ou
nacional) desenvolviam projectos vocacionados para esta temática. Neste sentido, o
GEOTA aceitou coordenar o projecto a nível nacional e dinamizou-o ao ritmo que o
voluntariado e o associativismo permitiam.
Apesar de, durante quase uma década, os coordenadores nacionais que passaram
pelo projecto funcionarem em regime de voluntariado ou a desenvolver estágios de
formação profissional, o Coastwatch foi ganhando terreno e enraizando-se nos hábitos
dos participantes.
Porém, é com a assinatura do protocolo entre os Ministérios com tutelas na Educação e
no Ambiente, em 1996, – protocolo que se mantém até à actualidade – que o projecto
ganha novo fôlego. O GEOTA passa a dispor de um professor requisitado a tempo
inteiro, cuja relação de proximidade com as escolas, permite uma maior dinamização e
envolvimento dos docentes e alunos, num claro benefício para o Coastwatch.
1.10.1
OBJECTIVOS
O projecto Coastwatch, como outros de Educação Ambiental, tem um vasto leque de
objectivos que poderão ser atingidos a diferentes níveis, de acordo com a exploração e
dinamização das diferentes entidades/participantes.
Sabendo que a maioria das entidades envolvidas no projecto são escolas dos
diferentes níveis de ensino, os seus objectivos vão de encontro aos programas das
diversas áreas curriculares e aos princípios orientadores das áreas não curriculares.
Por outro lado, os agrupamentos de escuteiros, associações, ONGA ou outras
entidades, encontram no Coastwatch uma forma de pôr em prática muitos dos
ensinamentos que fazem parte da sua filosofia. O projecto serve, ainda, de base a
jornalistas, investigadores, entidades públicas e outros interessados que necessitem de
dados actualizados sobre o litoral português, quer seja para informação, pesquisa, ou
outra componente.
95
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
E porque se monitorizam diversos parâmetros, a informação ao público em geral,
através da divulgação dos resultados de cada campanha Coastwatch é, para além de
um objectivo, uma tentativa de envolver os cidadãos nos problemas da sociedade.
Constata-se assim que o Coastwatch – por ter um grande investimento ao nível da
formação de hábitos de cidadania e sustentabilidade – envolve um elevado número de
participantes e entidades, motivando-os para a participação pública, essencialmente
nas questões relacionadas com a biodiversidade, no seu conjunto, e em particular com
os ecossistemas do litoral, já de si frágeis e com forte impacte da actividade antrópica.
“Todos os que se preocupam com a perda da biodiversidade sabem que este problema
só pode ser resolvido se houver mudanças no comportamento dos cidadãos. Para
alterar comportamentos pode-se recorrer a instrumentos compulsórios e/ou voluntários.
Enquanto que os primeiros requerem um investimento, por vezes proibitivo, em
fiscalização para assegurar a sua implementação, os últimos apresentam vantagens
substanciais pois têm um maior potencial para contribuírem para um grau mais elevado
de co-responsabilização dos participantes, elemento essencial para atingir a tão
preconizada sustentabilidade” (Vasconcelos, 2001:1).
Por outro lado, um projecto que envolve cerca de 5000 participantes todos os anos, dá
um enorme contributo para a actividade de monitorização, que frequentemente sente a
falta de capital humano. Como refere Vasconcelos (2000) “Numa altura em que existem
recursos limitados, não sendo possível colocar fiscais por todo lado, e em que
frequentemente os problemas necessitam do envolvimento de mais do que uma
organização para serem resolvidos, este novo formato de estruturação do processo de
gestão oferece uma alternativa para educar, motivar e envolver entidades e utilizadores
da área protegida, consciencializando-os e co-responsabilizando-os” (Vasconcelos,
2000:2).
A nível da Educação Ambiental em Portugal, esta terá que ser uma aposta. Já em
1992, quando esta temática dava os primeiros passos, se afirmava que optar pela
educação era o único caminho a seguir. “A única coisa capaz de garantir o futuro a
médio e longo prazo são os hábitos e não as leis, continuar a descurar a formação é o
mesmo que castrar o futuro. (…) Formar é o único processo de garantir que os
96
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
cidadãos participem em decisões cruciais e não fiquem indiferentes quando se lhes fala
no efeito de estufa ou na importância da biodiversidade…” (Schmidt, 1992).
Evidenciam-se em seguida os objectivos do Coastwatch e com estes, as
potencialidades e possibilidades que o projecto oferece:
•
Melhorar o conhecimento da situação ambiental do litoral português e,
sobretudo, sensibilizar as escolas, outras instituições e população em geral para
os problemas resultantes dos impactes da actividade humana na faixa litoral
(dentro deste quadro a sensibilização dos mais jovens relativamente a esta
problemática é fundamental, sendo este facto o pilar principal do projecto);
•
Recolher dados, a partir do preenchimento de um questionário relativos a vários
aspectos ambientais do litoral português; armazenar e analisar os dados obtidos
de uma forma facilmente utilizável na gestão costeira e na protecção do litoral;
•
Sensibilizar e informar o público, de forma a tornarem-se activamente envolvidos
na protecção do litoral; sensibilizar para o Desenvolvimento Sustentável,
educando para a participação pública;
•
Contribuir para o inter-associativismo e para a criação de sinergias entre
instituições ligadas ao ambiente e à gestão costeira;
•
Envolver os jovens, em idade escolar, em actividades de ar livre e sensibilização
ambiental, de complemento curricular e de alternativa ocupacional;
•
Desenvolver o espírito crítico e científico através de técnicas de observação e
trabalho de campo.
A lista de objectivos fica em aberto, tendo em conta as hipóteses que podem ser
exploradas a partir deste projecto. De salientar que, em cada campanha, a partir de
2003/04 passou a ser introduzido um subtítulo; desta forma abrem-se as possibilidades
de trabalhar outros aspectos, quer ao nível do ordenamento e Gestão Costeira quer do
Desenvolvimento Sustentável (Quadro XIV).
Quadro XIV – Títulos das campanhas Coastwatch
Ano lectivo
Anterior a 2003/04
2003/04
2004/05
2005/06
2006/07
2007/08
Título das Campanhas
“O Papel das Populações na Protecção do Litoral”
“De Olho no Litoral”
“As Potencialidades do Litoral”
“O Papel das Populações na Protecção do Litoral”
“O Papel das Populações na Protecção do Litoral”
“Coastwatch e as Comunidades Ribeirinhas”
O facto do projecto se preocupar em desenvolver actividades com vista ao
desenvolvimento de atitudes pró-activas vai de encontro aos princípios da convenção
de Aarhus, tal como se pode ler no1º Relatório Nacional sobre a Convenção de Aarhus
97
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
coordenado pelo então Instituto do Ambiente, “Medidas tomadas para promover a
educação e a sensibilização do público em matéria de ambiente: No contexto da
educação formal, desde o final da década de 70, têm vindo a ser integrados nos
programas escolares conteúdos e temáticas ambientais. A partir dos anos 80,
estabelece-se a possibilidade de envolvimento formal das escolas em metodologias de
projecto nas quais predominam as temáticas ambientais, numa perspectiva de estudo e
intervenção ao nível local. Complementando o processo de educação formal, é
promovida a edição de materiais pedagógicos, de apoio e informação para alunos e
professores, da responsabilidade de editoras, produzidos por ONG e também por
entidades governamentais.
Com efeito há que assinalar o esforço desenvolvido por parte dos organismos do então
MAOT na produção de recursos informativos e educativos, que permitiram a divulgação
de informação ambiental através de edições e publicações, dirigidas a públicos alvo
específicos e em suportes diversificados. Em 1996, os Ministérios com as tutelas da
Educação e do Ambiente celebraram um protocolo que permitiu o desenvolvimento de
projectos de educação ambiental sob a coordenação de professores a tempo inteiro,
consubstanciados em parcerias envolvendo o poder local, ONG e outras instituições de
âmbito local e regional.
“É de salientar o contributo desta iniciativa para o reforço da cidadania ambiental dos
profissionais envolvidos, quer dos professores coordenadores, quer dos professores
das escolas beneficiárias dos projectos. No âmbito deste protocolo e de outros,
celebrados entre diversas entidades, foi ainda possível implementar projectos,
concursos, campanhas e outras iniciativas que contribuíram significativamente para a
sensibilização ambiental dos jovens” (IA, 2005).
Pelo atrás exposto é fácil concluir que o projecto Coastwatch oferece um vasto leque de
excelentes potencialidades, como projecto de educação e cidadania ambiental.
1.10.2
Metodologia
A metodologia do projecto é simples. O levantamento da informação obtém-se a partir
do preenchimento de um questionário in loco, por todo o litoral, até à entrada dos
estuários. Como base de trabalho é utilizado um mapa à escala 1/25.000,
98
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
correspondente a um bloco de 5km; este é dividido em 10 unidades de 500m. A área
total para análise está delimitada no mapa (fig. 31).
Figura 31 - Mapa de campo (exemplo)
A observação incide sobre a Zona Intertidal (Zona entre as linhas normais de maré
cheia e de maré vazia); a Zona Supratidal (Zona entre a linha normal de maré cheia e a
linha máxima atingida nas marés vivas e Zona Interior Contígua (faixa de 500m de
99
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
largura paralela à linha de costa contada para o interior a partir da linha máxima
atingida pela água do mar no período das marés vivas ou desde o bordo da falésia).
A divisão dos blocos está organizada segundo as NUT III (Nomenclatura de Unidades
Territorial para fins estatísticos), estipuladas pelo INE, sendo que esta segmentação em
blocos foi definida de Este para Oeste, na costa meridional e de Sul para Norte na
costa Atlântica (Quadro XV).
Quadro XV - Excerto da Divisão dos Blocos por NUT (exemplo)
NUT
16B
16B
16B
16B
16B
16B
16B
16B
16B
16B
16B
16B
16B
Bloco
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
Nome do Mapa
Águas de Medeiros/Vale de Paredes
Vale Furado
Praia Norte
Nazaré
Praia do Salgado
S. Martinho do Porto
Salir do Porto
Quebrada da Arrinhada a Pedra da Escada
Pedra da Escada a Ponta das Boiças
Barraca do Varino (Lagoa de Óbidos)
Ponta das Canas
Praia Bom Sucesso a Vale Bem Feito
Penedo da Gaivota a Pedras Muitas
O preenchimento do questionário prevê, de entre diversos parâmetros, a caracterização
das descargas líquidas no mar ao longo da unidade. Para este fim são distribuídos Kits
para teste de nitratos que incluem as fitas de análise e uma tabela de leitura (Fig. 32).
Figura 32 – Kit de Nitratos
A monitorização é feita em período de baixa-mar para uma correcta recolha de
informação na Zona Intertidal. A visualização da tabela de marés pode ser feita em
100
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
http://www.hidrografico.pt, bastando seleccionar o dia e o local onde se pretende fazer
a saída de campo (Fig. 33).
Figura 33 – Previsão de marés (Fonte: Instituto hidrográfico)
Esta metodologia desenvolve-se por todo o litoral com a colaboração dos
Coordenadores Regionais (representantes de ONGA, autarquias - que a partir de 2003
passaram a demonstrar um interesse em incluir o projecto na sua agenda de
actividades de Educação Ambiental - associações diversas, escolas, universidades,
entre outras entidades e participantes em geral).
A Coordenação Nacional reúne em Setembro de cada ano, com os Coordenadores
Regionais para preparar cada campanha. Distribui-se o material, calendariza-se
actividades e discutem-se aspectos de logística e pedagógicos do projecto, com o
intuito de envolver o maior número de participantes possível, aumentar a taxa de
cobertura, mas acima de tudo garantir que o Coastwatch funciona como uma prática de
educação e Desenvolvimento Sustentável.
O GEOTA desenvolve ainda actividades de formação em escolas e outras entidades
como meio de preparar os participantes para a monitorização da área pretendida. Aos
participantes é entregue um guia de campo, como instrumento de auxílio.
Por assentar no trabalho desenvolvido pelas escolas, o projecto é dinamizado por ano
lectivo, de acordo com o calendário escolar. Assim, o lançamento de cada campanha é
101
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
feito em Setembro, a monitorização é efectuada de 1 de Outubro a 31 de Dezembro, o
tratamento estatístico e a elaboração do relatório desenvolvido durante o 2º período
lectivo e a apresentação dos dados, no Seminário Anual, ocorre no início do 3º período,
para que docentes e alunos possam desenvolver e apresentar trabalhos resultantes da
sua monitorização ou outros sobre o litoral.
Para concorrer ao projecto, basta contactar o GEOTA ou qualquer um dos
coordenadores
regionais,
inscrever-se,
utilizando
as
fichas
próprias
(escola
participante, grupos de participantes ou participantes individuais) e solicitar o material
necessário para a campanha: mapa da respectiva área, questionários, guia de campo e
fitas de nitrato. O portal www.geota.pt/coastwatch disponibiliza os questionários, as
fichas de inscrição, os relatórios e outras informações relacionadas com o projecto
(Anexo 5).
Após a implementação da campanha no terreno, os elementos retirados dos
questionários são introduzidos numa base de dados alfanumérica e submetidos a
tratamento estatístico (Quadro XVI).
Quadro XVI - Excerto da Base de dados Coastwatch
A7: até 3 designações
A8.1:
Acesso
A8.2:
Proibido?
4
Primeira
opção
Segunda
opção
Terceira
opção
1 & 2 -> 1
A7.1
A7.2
A7.3
A8
B1: Até 5 utilizações
Primeira
opção
Segunda
opção
Terceira
opção
Quarta
opção
Quinta
opção
B1.1
B1.2
B1.3
B1.4
B1.5
2
2
3
12
6
2
3
7
9
12
6
2
3
7
9
12
6
2
3
7
9
12
3
2
4
5
9
12
4
7
2
2
3
4
7
4
2
2
4
7
13
4
2
2
3
4
7
2
3
11
Conscientes da importância que assume a identificação dos diferentes parâmetros na
qualidade ambiental da costa portuguesa, os dados são posteriormente divulgados, em
Seminário, a todos os participantes e interessados nas temáticas focadas pelo projecto
ao longo de cada campanha (Anexo 6).
102
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Pretende-se também, através desta acção, divulgar os trabalhos realizados pelas
escolas e coordenadores regionais, principais intervenientes no processo. O relatório
anual é posteriormente enviado aos coordenadores regionais, escolas participantes,
divulgado pela comunicação social, ficando ainda disponível on-line113.
Sendo o projecto vocacionado essencialmente para professores os Seminários, a partir
da campanha 2004/05, passaram a ser acreditados com 0,6 créditos. Mediante a
participação em todas as actividades programadas para os 3 dias do evento e posterior
entrega de relatório, os docentes podem candidatar-se à respectiva acreditação
reconhecida pelo Centro de Formação Professor Orlando Ribeiro.
A figura 34 mostra a evolução do número de escolas envolvidas no Coastwatch, a partir
da campanha 1999/2000 (a ausência de dados fiáveis nos anos transactos impede uma
clara leitura desde o seu inicio).
2006-07
2005-06
2004-05
2003-04
2001/02
2000/01
1999/00
0
20
40
60
80
100
120
Figura 34 – Evolução de número de escolas participantes no projecto (1999-2007)
É notório o aumento do número de escolas envolvidas no projecto; consequentemente
as escolas, enquanto entidades, e os alunos, enquanto público-alvo do projecto,
passam a deter o maior peso no total dos participantes tendo estabilizado nos últimos
anos em torno dos 70% do total (fig. 35).
113
www.geota.pt
103
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
2 0 0 6 -0 7
2 0 0 5 -0 6
2 0 0 4 -0 5
2 0 0 3 /0 4
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
T o ta l d e p a r ti c i p a n te s
T o ta l d e a l u n o s
Total de Alunos
Total de participantes
Percentagem de alunos em relação ao total de participantes
2003/04
3391
4534
74,8
2004-05
2898
4222
68,6
2005-06
3050
4324
70,5
2006-07
3467
4774
72,6
Figura 35 – Número total de alunos em relação ao total de participantes no projecto (2003-2007)
Na generalidade, um aumento do total de participantes corresponde a um aumento do
número de alunos envolvidos no projecto. Tal prova a importância da escola enquanto
fio condutor dos projectos de educação ambiental e também a necessidade de manter
um professor requisitado com exclusividade para gerir o Coastwatch.
Após a campanha de 2003/04, com a requisição da actual coordenadora, passou a ser
pedido aos coordenadores regionais e participantes em geral que especificassem na
ficha de inscrição a entidade a que pertencem (ONG, grupos, outros associações, etc.).
No caso dos professores, foi igualmente solicitado que indicassem a disciplina
leccionada, independentemente de se tratar de Áreas Curriculares ou Não Curriculares
(Formação Cívica, Área de Projecto e Estudo Acompanhado).
Embora muitas fichas dêem entrada no GEOTA incompletas – o que dificulta o rigor na
análise estatística – este procedimento permite compreender melhor a evolução e
comportamento dos participantes no projecto que, por ter quase 20 anos de existência,
necessita de reformulação.
Assim, pode observar-se, através da figura 36, o número de entidades envolvidas no
Coastwatch a partir da campanha 2003/04, independentemente serem ou não
coordenadores regionais. Apesar de algumas oscilações, a campanha transacta
reflecte um aumento em todos os parâmetros. De realçar o papel crescente dos
104
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
agrupamentos dos escu(o)teiros. No total dos participantes, estes encontram-se em
segundo lugar, seguidos dos alunos.
O u tr a s
A s s o c ia ç õ e s /e n ti d a d e s
A u ta rq u i a s
2 0 0 6 -0 7
2 0 0 5 -0 6
2 0 0 4 -0 5
A g r u p a m e n to s d e
E s c u (o ) te i ro s
2 0 0 3 -0 4
ONG
0
5
10
15
20
25
Figura 36 – Número de entidades envolvidas no projecto 2003-2007
Em suma, poder-se-á dizer que o Projecto Coastwatch defendido, primeiramente, como
um projecto de monitorização, evidenciou, desde a sua implementação, uma grande
vertente educativa direccionada para as questões da educação ambiental no âmbito do
litoral. Isto é, se para alguns o projecto serve unicamente como ferramenta de
caracterização, para muitos potencia a cidadania como meio de formar indivíduos
activos e participativos.
1.11 IMPLEMENTAÇÃO DO PROJECTO
A implementação do projecto Coastwatch é facilitada pelo facto de existir uma
professora requisitada para o coordenar nacionalmente. A sua relação com as escolas
e dedicação exclusiva ao projecto impelem uma maior dinamização de actividades com
vista à cidadania ambiental e desenvolvimento de atitudes pró-activas.
1.11.1
O QUESTIONÁRIO
O questionário Coastwatch referido na metodologia foi elaborado pela coordenadora
internacional em 1988 e traduzido e adaptado pelos coordenadores nacionais de cada
país aderente. Reflectindo as preocupações à época, o questionário assentou
essencialmente na temática dos resíduos.
105
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Portugal aderiu à então CEE em 1986, quando as questões relacionadas com a
temática dos resíduos já eram reguladas a um nível superior nos outros países. Por
motivos diversos a problemática dos resíduos não era, ainda, a principal preocupação
de Portugal; a verdade é que o acelerar do processo de industrialização e a expansão
económica, com consequente aumento de produtividade e do poder de consumo,
ocorrem após a entrada de Portugal na CEE.
Por questões conjunturais e estruturais os resíduos começam a estar na ordem do dia,
seja ela política, social ou económica. As siglas RSU (Resíduos Sólidos Urbanos) e
RRR (Reduzir, Reutilizar, Reciclar) entram assim no vocabulário dos portugueses.
«”RSU? RRR!” Parece linguagem de extraterrestres, mas não há mais terra-a-terra.
Quer apenas dizer que a resposta à pergunta “que fazer dos resíduos sólidos
urbanos?” é a seguinte: “Reduzir, Reutilizar, Reciclar! (…) O lixo tem valor económico,
é já sabido que é um recurso a aproveitar. Pode criar novas indústrias e serviços e
novos mercados; e cria mais empregos estruturais em toda a pirâmide – desde o
emprego não qualificado à mais sofisticada investigação científica” (Schmidt, 1999).
Nesta altura, como agora, os debates sobre a incineração estão na ordem do dia.
As campanhas publicitárias e de sensibilização para a reciclagem entram no dia-a-dia
dos cidadãos. As escolas aderem ao lema dos 3R’s, com grande sucesso. Os alunos,
eles próprios, tornam-se exemplo de sensibilização para a temática da recolha selectiva
e consequente contributo para a reciclagem. Sendo o questionário do Coastwatch muito
vocacionado para a monitorização e contagem de resíduos, este facto foi mais um
ponto a favor da adesão dos participantes ao projecto.
Quer seja porque o tema dos resíduos ainda é muito trabalhado nas escolas, ou porque
o seu impacte visual em áreas de costeiras é chocante, os resíduos têm, até então,
condicionado a estrutura dos questionários Coastwatch.
Só na última campanha, devido ao efeito dos temporais sobre a costa e consequente
erosão, é que se assistiu a uma mudança de paradigma. A temática das mudanças
climáticas globais associada aos riscos de ocupação do litoral, ganhou assim o lugar
antes reservado aos resíduos na lista de prioridades das populações e dos próprios
participantes nas campanhas. Mas terá que se reconhecer que o interesse da
106
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
comunicação social sobre o tema também contribui, em muito, para este novo olhar
sobre o Coastwatch e o litoral.
O questionário prevê a monitorização e abordagem de outras temáticas: ocupação do
solo, descargas líquidas no mar, composição da superfície intertidal e supratidal, fauna
e flora marinha, petroleamento de aves e outras questões relacionadas com petróleo
ou derivados, riscos e ameaças - erosão marinha, pressão turística, extracção de
inertes, etc. (Anexo 7).
A dinamização do Coastwatch, como acontece noutros projectos, pressupõe a
preparação dos participantes antes da saída de campo tendo sempre presente que se
vai fazer um trabalho de monitorização que implica uma caminhada. Assim, é
importante utilizar calçado e roupa confortável, levar água e todo o material necessário
para pôr em prática o projecto, sem esquecer de frisar os perigos eminentes nalguns
troços de costa (falésias, áreas que podem ser de fácil acesso com a maré vazia mas
se tornam inacessíveis à medida que maré enche, zonas mais lodosas como o sapal,
etc.).
As potencialidades do projecto são aproveitadas pelas escolas, que encontram aqui
uma forma de pôr em prática muitos dos conteúdos das diferentes áreas (curriculares e
não curriculares). Da mesma forma os coordenadores regionais aproveitam o projecto
como forma de sensibilizarem os participantes para os problemas existentes no litoral
da sua área de intervenção. Nos últimos anos tem sido crescente o envolvimento das
autarquias no projecto, sobretudo como coordenadores regionais (Fig. 37).
2 0 0 6 /07
2 0 0 5 /06
2 0 0 4 /05
2 0 0 3 /04
a n te rio r a 2 0 03
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Figura 37 – Número de autarquias coordenadoras
107
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Com efeito, o Coastwatch enquadra-se plenamente nos princípios da Agenda Local 21,
das actividades Bandeira Azul, entre outras, daí que faça parte do plano de actividades
das autarquias. Mesmo sem desempenharem cargos de coordenação regional, existe
um conjunto de outras autarquias cuja ligação ao projecto passa, por exemplo, pelo
apoio ao nível de transporte de participantes – nomeadamente alunos – até ao local da
monitorização.
A difusão do projecto tem trazido um outro tipo de público, que embora encontre
objectivos diferentes no projecto, representa, igualmente, uma mais valia; neste grupo
enquadra-se os idosos, sobretudo os da Universidade da Terceira Idade (UTI) e grupos
com necessidades educativas especiais. Neste momento aposta-se na criação de
alguns percursos onde seja possível a monitorização por indivíduos com problemas
motores.
Esta capacidade de ir dando respostas aos novos desafios é uma mais valia do
projecto Coastwatch, que lhe tem permitido manter-se activo e com um interesse
crescente desde 1989.
1.11.2
PRODUÇÃO DE MATERIAIS DE APOIO
Atendendo a que o projecto Coastwatch abrange uma vasta área temática, dentro do
objecto de estudo que é a faixa costeira, ao longo das campanhas a coordenação
nacional recebe vários pedidos de apoio ao projecto.
Assim, para além de actividades de formação, sensibilização, apresentações em Power
Point, entre outras, desenvolvidas nas escolas - em grupos de trabalho dinamizados
pelo GEOTA - ou em seminários, congressos e similares, foi elaborado um sítio de
internet dedicado ao projecto114. Regularmente, na página, são publicados artigos,
sensibilizando para a temática de cada campanha – ou outros temas – Notas de
Imprensa, entre outros.
No sítio do Coastwatch estão, também, disponíveis as fichas de inscrição, notas de
preenchimento, questionário, relatórios de apresentação de dados desde 1995 e outras
informações relacionadas com o projecto e com o litoral.
114
www.geota.pt/coastwatch
108
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Em 2003 foi lançado o Guia “Coastwatch – de olho no litoral”, um guia de campo
essencial para os participantes. Esta publicação é composta por 3 partes: a primeira
aborda algumas características do litoral português; a segunda explica o que é o
projecto focando a Educação e a Cidadania Ambiental; a terceira parte é dedicada a
notas explicativas sobre o preenchimento do questionário.
O guia contém ainda fotos exemplificativas de fauna e flora do litoral, assim como de
alguma tipologia de resíduos. Nos anexos poderão ser consultados os mapas das
Áreas Protegidas, Rede Natura e Sítios Ramsar.
No boletim interno do GEOTA “Geotàlupa” são publicados, bimestralmente, artigos
relativos ao projecto e a cada campanha. A par da publicação do GEOTA, a
coordenadora escreve ainda artigos, relacionados com o projecto, para diversas
revistas e sítios de diferentes entidades, como por exemplo: (Mar da Palha, Junho
2004, APOGEO, Março 2006; Mútua dos Pescadores, Maio 2006; APOGEO, Abril
2007; entre outros).
O facto do projecto ser coordenado regionalmente por diversos organismos, contribui
para que seja referenciado em diferentes meios de comunicação social, seja nacional,
regional ou local.
Uma pesquisa no motor de busca Google, apenas em português, podemos ler a
seguinte informação, quando introduzida a palavra coastwatch “Aproximadamente
20.600 páginas em português sobre coastwatch”115. O número de páginas aumenta
consideravelmente se fizermos uma pesquisa tendo em conta os principais jornais
online. Contudo, esta referência é focalizada nos períodos altos da campanha: Sessão
de Abertura e Seminário de Apresentação de Dados.
1.11.3
O PROJECTO COASTWATCH NO ENSINO FORMAL
A escola, enquanto sistema organizacional, inserida na sociedade procurou adapta-se e
desenvolver a dimensão ambiental para além das actividades curriculares; o projecto
Coastwatch tem sido impulsionado por docentes, que nele descobrem um meio de
trabalhar o tema do Desenvolvimento Sustentável.
115
[http://www.google.pt – visitado em 31 de Julho de 2007].
109
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Na escola, o Coastwatch surge como objecto de estudo de diferentes áreas,
curriculares ou não curriculares. Nele cada disciplina descobre potencialidades cuja
verdadeira exploração permite apreender conhecimentos, exigidos a nível curricular, e
desenvolver um projecto de Educação para a cidadania ambiental.
Na organização da saída de campo, os professores trabalham os conceitos subjacentes
ao projecto, integrados nos conteúdos das suas disciplinas; exploram o questionário,
discutem os objectivos do projecto e envolvem os alunos, de forma a originar um
debate participativo sobre os problemas e potencialidades do ordenamento do território
e do desenvolvimento sustentável – objectivos essenciais do Coastwatch.
Se a saída de campo ocorrer pela primeira vez, os alunos deverão ter um
conhecimento do local a monitorizar através de mapas, fotografia, filmes, etc. assim
como dos objectivos da monitorização e do trabalho final a realizar.
Após a recolha da informação, para que se possa falar numa verdadeira aprendizagem
é essencial que haja um tratamento dos dados recolhidos, questionar o que foi
observado e a divulgação deste trabalho para a comunidade escola e/ou outra. Desta
forma poder-se-á contribuir efectivamente para o Desenvolvimento Sustentável e para a
formação ao nível da participação pública.
Como já foi referido, tal permite a diferentes áreas (curriculares ou não) e diferentes
tipos de público-alvo abordarem o Coastwatch sobre o ângulo mais conveniente
(resíduos, ordenamento, planeamento, erosão costeira, biologia, educação ambiental,
desenvolvimento sustentável, actividade lúdica, ou outra). A transversalidade com as
diferentes disciplinas só depende da capacidade de organização dos actores
envolvidos e/ou das possibilidades que o meio oferece.
Sobre o Papel da Geografia no Projecto Coastwatch, Soares (2006) refere “Uma
análise pormenorizada do questionário, não nos deixa dúvidas sobre a presença
marcante da Geografia em qualquer item. Comecemos pelo A: Informação sobre o
local; código do país, da NUT; nome do mapa; etc. Se quisermos aprofundar outra
temática, falaremos no B: Principal utilização da Zona interior contígua; características
das entradas no mar e por aí adiante. Só mais um exemplo F: Conhece algum risco
efectivo ou ameaça iminente na unidade de monitorização? Há erosão marítima;
110
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
extracção de inertes; descargas de lixo ou entulho; pressão turística ou outra? Em
simultâneo, com todos os conteúdos que a Geografia, ou outra disciplina, possa vir a
encontrar subjacente ao projecto Coastwatch, está sempre bem patente a questão da
cidadania ambiental, da participação pública, da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável, entre outras vertentes – e aqui a Geografia também tem algo a dizer.
Independentemente dos conteúdos científicos, o facto de ser gerida na escola é, por
excelência, um meio transmissor para este fim (Soares, 2006:68).
Apesar das potencialidades que o projecto tem para a disciplina de Geografia, esta não
é a que apresenta um maior envolvimento. Tal como foi referido na metodologia do
projecto, a partir da campanha 2003/04 foram introduzidas alguns parâmetros para fins
estatísticos na ficha de escola participante.
Assim, foi solicitado aos docentes que especificassem o número de alunos por
turma/escola, número de professores e respectiva disciplina. No caso das Áreas Não
Curriculares (Área de Projecto, Estudo Acompanhado, Formação Cívica) e de outros
projectos dinamizados na escola (Clube Ambiente, Clube Ciência, etc.) deveria ser
clarificada a disciplina de base do professor responsável.
Podemos constatar que na campanha 2004/05 o número de professores que não
especificou a disciplina leccionada foi bastante elevado, mas tem vindo a reduzir-se
desde esta altura. Ao longo de todas as campanhas, as disciplinas de Ciências
Naturais, Biologia, Ciências da Terra e da Vida e Biologia/Geologia, devido aos
conteúdos programáticos, sobretudo ao nível do 3º ciclo, são as que mais aderem ao
projecto. De realçar que docentes da área de Física e Química têm aderido de forma
crescente ao Projecto, alguns deles ao nível do secundário, aproveitando a
monitorização para desenvolver análises diversas – para além das previstas no
questionário – às descargas líquidas, trabalhando esta informação posteriormente em
laboratório (Fig. 38).
111
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Outras disciplinas
Não es pecificados
1º Ciclo
Não curriculares
Clube Ambiente/Clube Ciências
CFQ/Quim ica/TLQ
EVT/EV/ET
Línguas
Geografia
CN/CTV/Biol/Biol-Geologia
0
20
40
2006/07
60
2005/06
80
100
120
2004/05
Figura 38 – Número de docentes participantes em função da disciplina leccionada.
Os Clubes Ambiente/Ciências registaram na última campanha um maior envolvimento
no projecto. No grupo de Outras disciplinas estão incluídas a Matemática, a História, a
Educação Física, as Tecnologias de Informação, a Geometria Descritiva e disciplinas
próprias das Escolas Profissionais e dos diferentes Politécnicos, embora algumas delas
com valores residuais. Não obstante o leque de disciplinas seja vasto, muitos dos
professores apenas vão como acompanhantes aquando da saída de campo. Os
resultados da monitorização e a sua divulgação ficam a cargo de um número mais
reduzido de docentes.
1.12 AVALIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NO PROJECTO COASTWATCH
1.12.1
METODOLOGIA
Para caracterizar a participação no Projecto Coastwatch foi elaborado um inquérito a
actuais coordenadores regionais, professores responsáveis pela sua dinamização e
outros responsáveis, quer seja de grupos de escuteiros, ONG ou outras entidades e a
outros que no passado a ele estiveram ligados ao projecto (Anexo 8).
112
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Tendo o projecto 18 anos tornou-se impossível contactar todos os participantes
envolvidos desde então – esta tarefa foi ainda mais difícil ao nível dos professores dada
a sua mobilidade geográfica. Além do mais o facto do Coastwatch funcionar como um
projecto em regime de voluntariado dificultou a resposta ao inquérito, sobretudo no
caso de antigos colaboradores. Diversas respostas, chegadas por e-mail, afirmam que
não poderiam responder ao inquérito na medida em que as pessoas que dinamizaram o
projecto já não se encontravam ligadas à ONG. Por outro lado, alguns professores e
dirigentes de agrupamentos de escu(o)teiros também variam de ano para ano, sendo,
nalguns casos impossível contactá-los.
Importa salientar, que o inquérito não foi aberto a todos os participantes, na medida em
que estes são maioritariamente alunos, não sendo identificados individualmente,
aquando do preenchimento da ficha de participante, mas como pertencentes à escola,
ficando somente registado o nome e contacto do professor responsável e número de
alunos envolvidos, nalguns casos a turma e ano a que pertencem.
Por
outro
lado
pretendia-se
perceber
se
os
responsáveis
pelo
projecto,
independentemente de serem coordenadores regionais ou não, desenvolviam
actividades de educação ambiental para divulgar o projecto; que tipo de acções
dinamizavam; se recorriam a parceiros nesta dinamização e que tipo de parceiros; se
associavam outros projectos/actividades à dinamização/divulgação do Coastwatch; se
incrementavam actividades para a divulgação dos resultados; qual o número de
pessoas envolvidas, em média, nas acções e quais as entidades envolvidas na
divulgação dos resultados da monitorização.
1.12.2
ANÁLISE DOS INQUÉRITOS AOS PARTICIPANTES NO PROJECTO
COASTWATCH
Como a resposta aos inquéritos também é uma forma de avaliar a participação pública,
salienta-se que apenas se obteve 42% da taxa de resposta, isto é, dos 107 inquéritos
enviados foram obtidas apenas 45 respostas. A análise do resultado permite-nos
constatar que 47% são de coordenadores regionais, 33% de professores responsáveis
e 20% afirmaram ser participantes, não havendo qualquer resposta ao inquérito por
parte dos responsáveis de outras entidades (Fig. 39).
113
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
P a rtic ip a n te
20%
C o o rd e n a d o r
R e g io n a l
47%
P ro fe s s o r
re s p o n s á ve l
33%
Figura 39 – Grau de envolvimento no projecto (%)
Com efeito, estes são os colaboradores mais ligados ao projecto e, na sua maioria,
detêm com a coordenadora nacional uma estreita relação, o que facilita a comunicação.
Na prática, quase todos os actuais coordenadores responderam ao inquérito,
permanecendo, no entanto, uma maior dificuldade em contactar antigos coordenadores
ou professores ligados ao projecto.
O facto de se trabalhar em regime de voluntariado conduz, por vezes, à perda do
contacto – o e-mail, meio por excelência de comunicação em projectos desta índole –
altera frequentemente; daí que muitos dos inquéritos que seguiram via internet tenham
vindo devolvidos sem terem chegado ao destino.
À pergunta Como teve conhecimento do projecto? 33%, respondeu ter sido através de
colegas e amigos, o que prova que relatos de experiências são um óptimo meio de
difusão. A aposta em divulgar o projecto em Seminários/outros eventos, contribui com
24% dos participantes para o Coastwatch. De salientar que o inquérito não solicitava
que fosse especificado se o Seminário tinha sido de Apresentação de Dados do
Coastwatch ou outro. Contudo, a experiência demonstra que os Seminários relativos ao
projecto angariam um número considerável de participantes e coordenadores regionais
para a campanha seguinte.
Incluído na categoria Outros, à qual responderam doze inquiridos (27%), predomina a
indicação de que tomaram conhecimento através do GEOTA, sem ser especificado, se
foi por e-mail, actividades desenvolvidas pela ONGA no âmbito do projecto, ou qualquer
outra forma de divulgação (Fig.40).
114
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Outros
27%
Colegas/amigos
33%
Comunicação
Social/Internet
16%
Seminários/outros
eventos
24%
Figura 40 – Meio de conhecimento do Projecto Coastwatch (%)
Contudo, tendo em conta a experiência, enquanto coordenadora nacional, qualquer
actividade desenvolvida pelo GEOTA, seja ao nível de formação, divulgação em
seminários, congressos, feiras, dinamização de workshops, apresentação do projecto
nas escolas, ou exposição do poster da campanha, traz, regra geral, novos
participantes para o projecto.
> 5anos
4-5 anos
2-3 anos
1 ano
0
5
10
15
20
25
Figura 41 – Número de anos de permanência no projecto
Relativamente ao número de anos de permanência no projecto, 46,6% dos inquiridos
participam há 2-3 anos. Os restantes parâmetros detêm igual número de respostas (8).
Dos 17,8% dos participantes que responderam permanecer no projecto apenas um
ano, a larga maioria ingressou no projecto apenas na presente campanha, nada
indicando que não pretendem continuar (Fig. 41).
Muito embora não haja nenhum inquirido que indique permanecer no projecto desde a
sua implementação em Portugal, alguns estão a ele ligados há mais de uma década. E,
apesar do inquérito não o mostrar, é sabido que existem actualmente docentes
participantes no projecto que já o foram enquanto alunos. Assim, exceptuando os
115
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
inquiridos que participaram apenas um ano – quer se trate da 1ª vez ou apenas um
acto isolado – 89% dos restantes afirmaram ter continuidade no Projecto.
Um dos objectivos da coordenação regional é utilizar o projecto Coastwatch para pôr
em prática a Educação Ambiental e o Desenvolvimento Sustentável, o mesmo
ocorrendo com a maioria dos professores responsáveis pela dinamização do projecto
na escola daí que não seja de estranhar que 60% dos inquiridos responda
afirmativamente à pergunta “ Organiza actividades de educação ambiental para divulgar
o projecto Coastwatch?”.
Ao longo de cada campanha chegam ao GEOTA diversos relatos de trabalhos
desenvolvidos por coordenadores regionais e professores no âmbito da preparação da
campanha. Outros há, que contactam a Coordenação Nacional para apresentar o
projecto e sensibilizar para a temática em questão.
Nos últimos anos têm sido dinamizados grupos de trabalho exclusivamente sobre o
Coastwatch ou sobre o Coastwatch e o Perfil de Praia, em parceria com o Laboratório
Marítimo da Guia destinados a coordenadores regionais, docentes, técnicos de
ambiente, etc. (Figura. 42).
Figura 42 – Workshop Apr(e)ender o Litoral –Prática CW e Prática de Perfil de Praia
A associação da prática do Perfil de Praia com o Coastwatch tem funcionado com uma
experiência positiva e enriquecedora e cada vez um maior número de escolas e
coordenadores regionais solicitam a dinamização do Workshop para, mais tarde, porem
em prática com os alunos (Anexo 9).
116
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Como seria de esperar, os que responderam ser apenas participantes não
desenvolvem qualquer outra actividade, ligada ao projecto, que não seja a
monitorização em si.
Em relação à tipologia das actividades desenvolvidas no âmbito da divulgação do
Coastwatch, apesar de 21 inquiridos afirmar organizar Seminários/Encontros/Colóquios
e dinamizar actividades de Formação/Workshops, o maior número de respostas (14) foi
para o parâmetro Outras (Fig. 43).
out ras
S em inários /enc ont ros /c olóquios
form aç ão/wh op
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Figura 43 - Tipologia das actividades desenvolvidas no âmbito da divulgação do Coastwatch
Incluídas em Outras estão diversas actividades tais como: passeios pedestres, acções
de limpeza, notas de imprensa e artigos para a comunicação social; sendo que o maior
peso das respostas relativas a este parâmetro está relacionado com a divulgação
através dos órgãos de comunicação social.
No início da campanha, cada coordenador regional recorre à imprensa local e regional
e à internet para divulgar o projecto, os blocos disponíveis sob a sua responsabilidade e
as actividades de educação ambiental que desenvolve para dinamizar do projecto. O
resultado obtido através da pergunta ao número de pessoas envolvidas, em média, por
acção foi diverso, sendo que maioritariamente as respostas apontaram para o intervalo
de classe 0-49 participantes (Fig. 44).
117
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
2 0 0 -3 5 0
1 0 0 -1 9 9
5 0 -9 9
0 -4 9
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Figura 44 - Número de pessoas envolvidas por acção
De ressaltar que neste intervalo de classe estão incluídas as respostas dos professores
responsáveis pelo projecto, que, por norma desenvolvem actividades com uma ou duas
turmas.
Alguns destes professores contactam a Coordenação Nacional para que esta apresente
o Projecto nas escolas, simultaneamente sensibilizando para a educação e cidadania
ambiental e preparam-se os alunos e docentes para a prática do Coastwatch. Na
sequência deste trabalho, acontece, por vezes que a Coordenadora Nacional
acompanha as escolas aquando da monitorização.
À pergunta “Recorre a parceiros na dinamização das actividades?”, 52% dos inquiridos
que desenvolve actividades de divulgação do projecto afirma recorrer a parceiros. A
tipologia destes parceiros assenta essencialmente nas Escolas (41%); seguida de
Outras – essencialmente órgãos de comunicação social e exposições (32%).
Trabalhar com o ambiente e em educação ambiental só é possível graças a parcerias.
Tendo em conta, como já foi referido diversas vezes, que o Coastwatch é um projecto
que assenta no voluntariado e com parcos recursos económicos – fruto das sucessivas
alterações de financiamento a projectos desta natureza pelos diferentes órgãos
governamentais – a opção por incrementar parcerias com diversas e distintas
entidades, sejam elas ONG, autarquias ou outros agentes económicos é, muitas vezes
crucial para implementar o projecto ou desenvolver actividades.
Assim, poder-se-á deduzir, á priori, que o facto de apenas 16% dos inquiridos ter
respondido recorrer a autarquias/empresas/outros agentes
económicos, só é
justificado, porque uma boa parte dos coordenadores regionais são as próprias
118
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
autarquias do litoral, que num número cada vez maior tem aderido ao projecto. No que
concerne à participação de outras ONG, como parceiros na dinamização das
actividades de divulgação do projecto Coastwatch fica-se pelos 11% (Fig. 45).
o u tra s
32%
ONG
11%
E s c o la s
41%
Au ta rq u ia s /E m p re s a s /o u t
ro s a g e n te s e c o n ó m ico s
16%
Figura 45 – Tipologia das parcerias na dinamização de actividades
Porque se trabalha em parcerias e em interdisciplinaridade rumo ao desenvolvimento
sustentável, não é de estranhar que 55% dos inquiridos tenha afirmado associar outros
projectos/actividades à dinamização do Coastwatch; mais ainda quando a maior parte
dos parceiros são escolas, onde se incrementa um sem número de projectos, sendo
imprescindível a sua integração.
De entre os projectos a que se associa a divulgação do Coastwatch, destaca-se Outros
projectos/exposições (50%) e as actividades da ABAE (36%), nomeadamente o
projecto Eco-escolas e Jovens Repórteres do Ambiente (Fig. 46).
Outros
projectos/exposições
50%
Bandeira Azul da Europa
(ABAE)
36%
Passeios pedestres
7%
Acções de limpeza
7%
Figura 46 – Tipo de Projectos/Actividades associados à dinamização do Coastwatch (%)
Para além das actividades de divulgação do projecto Coastwatch com vista á sua
implementação e à sensibilização para a cidadania ambiental e o desenvolvimento
sustentável, torna-se essencial organizar actividades de divulgação dos resultados. Tal
espelha o empenhamento dos participantes e fomenta a participação pública. Assim, no
119
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
que concerne à pergunta “Organiza actividades de divulgação dos resultados?”, 53%
responderam afirmativamente.
Quanto à tipologia das actividades, das hipóteses propostas no inquérito apenas 19%
assinalou recorrer a Seminários/Encontros/Colóquios e 4% Formação/Workshops; 77%
dos inquiridos, não encontrando referência à sua opção indicou Outras, descriminando
a comunicação social e as exposições como principal forma de divulgar os resultados
do Coastwatch (Fig. 47).
o u tr a s
77%
F o r m a ç ã o /W s h p
4%
S e m in á r io s /
e n c o n to s /
c o ló q u io s
19%
Figura 47 – Tipo de actividades de divulgação dos resultados (%)
Hoje em dia, a ligação aos órgãos de comunicação social é essencial e um meio
fortemente difusor das actividades desenvolvidas, daí que muitos coordenadores
recorram a estes como forma de, com maior destaque, difundir e divulgar o trabalho
desenvolvido.
N S a b e /N r e s p o n d e
O u tr a s
Po p u la ç ã o e m g e r a l
En c a r r e g a d o s Ed u c a ç ã o
Es c o la s
En tid a d e s G o v e r n a m e n ta is c o m
r e s p o n s a b ilid a d e n a s á r e a s d e
a m b ie n te /o r d e n a m e n to /A u ta r q u ia s
O NG
0
2
4
6
8
10
12
Figura 48 – Entidades Convidadas/Envolvidas na divulgação dos resultados
120
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Relativamente às entidades convidadas/envolvidas na divulgação dos resultados,
predominam as Escolas (11 respostas); Encarregados de Educação e População em
geral (com 7 respostas cada). No parâmetro Outras, destaca-se a Comunicação Social
(Fig. 48)
Muitos dos professores e coordenadores regionais que dinamizaram o projecto durante
o ano, organizam exposições e feiras de actividades através das quais expõem os
trabalhos desenvolvidos no âmbito deste e doutros projectos. Desta forma envolvem a
comunidade escolar, local e encarregados de educação nas actividades desenvolvidas
em prol da cidadania e educação ambiental (Fig. 49).
Figura 49 – Exposição de trabalhos desenvolvidos no âmbito do Coastwatch (CM Funchal)
Contrariamente ao que seria de supor, o papel desempenhado pelas ONG, sejam de
ambiente ou outras é neste inquérito pouco invocado, apenas dois inquiridos referiram
convidar/envolver as ONG na divulgação dos resultados.
1.13 FRAGILIDADES DO PROJECTO COASTWATCH
O Coastwatch tem, inerente, algumas fragilidades próprias de um Projecto que tem 18
anos. Não sofreu, até então, alterações ao nível do questionário base, de forma a
actualizá-lo; é um projecto internacional cujo questionário é praticamente igual para
todos os países, independentemente das suas características geomorfológicas e
climatéricas e é desenvolvido em regime de voluntariado por um vasto leque de
participantes das mais diversas formações e idades. A diversidade de participantes é
uma das mais valias do projecto, porém, não é possível manter um controlo sobre a
fiabilidade dos dados, o que lhe confere alguma margem de erro. É certo que este é um
121
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
projecto de Educação Ambiental e não um projecto científico, mas a margem de erro
persiste e só com muita formação se consegue colmatar.
Aliado a todos estes factores, há a acrescentar o facto do projecto estar essencialmente
vocacionado para as escolas e muito dependente da monitorização efectuada pelos
alunos (mais de metade dos participantes são alunos que por sua vez monitorizam um
elevado número de blocos). As recentes alterações no estatuto da carreira docente, por
ocuparem os docentes com mais horas lectivas, dificultam a sua dedicação a projectos
e a própria saída de campo para monitorização.
Por outro lado o facto da monitorização ter que ser efectuada durante a maré baixa, no
período de Outubro a Dezembro, coincidindo, em Portugal, com a época de maiores
quantitativos de precipitação, dificulta a concretização de alguns dos objectivos, o que
representa uma condicionante na obtenção de melhores resultados. (Fig. 50).
Figura 50 - Precipitação mensal em Portugal Continental em 2006.Comparação com os valores médios
116
Acresce aos elevados quantitativos de precipitação os períodos de alerta pela
Protecção Civil, dificultando, igualmente as saídas de campo para monitorização. 2006,
foi um ano em que associados aos períodos de monitorização se registaram vários dias
de alerta laranja e amarelo em praticamente toda a costa portuguesa (Quadro XVII).
116
(http://www.meteo.pt -visitado a 13 de Agosto 2007)
122
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
20 a 26 de
Outubro
Alerta
Amarelo
Quadro XVII – Distribuição de Alertas emitidos pela Protecção Civil
05 a 07 de
15 a 16 de
22 a 23 de
24 a 25 de 25 a 26 de
Novembro
Novembro
Novembro
Novembro Novembro
Alerta
Alerta
Alerta
Alerta
Alerta
Amarelo
Amarelo
Amarelo
Laranja
Amarelo
Fonte: Protecção Civil
26 a 28 de
Novembro
Alerta
Laranja
117
Um outro aspecto que lhe confere fragilidade prende-se com o tipo de cartografia
utilizado e a divisão dos blocos e das unidades. A linha de costa é cedida,
gratuitamente, ao GEOTA, pelo IgeoE através de um protocolo de parceria. A partir daí
são delimitados, em SIG, os blocos a uma escala de 1/25000. A divisão em unidades é
manual e, como se tem em conta as reentrâncias da linha de costa, nem sempre os
500m são exactos; e, de ano para ano, ou de participante para participante, podem
sofrer pequenas alterações.
Associado à cartografia refere-se, ainda, que a linha de costa nem sempre se encontra
actualizada o que dificulta bastante o trabalho no terreno, sobretudo nos blocos em que
as reentrâncias são mais acentuadas. Esta mesma situação acaba por retirar ao
projecto algum rigor científico.
Aquando da implementação do projecto em Portugal, em 1989 foi tomada a decisão de
considerar todo o tipo de reentrâncias ou saliências da costa na medição dos blocos,
tendo em vista a sua delimitação em trechos com 5 km de extensão. Como se sabe,
nessa época ainda se estava longe da aplicação sistematizada dos Sistemas de
Informação Geográfica tal como hoje a conhecemos. A divisão era efectuada
manualmente sobre os mapas cartográficos de 1/25000, com todas as incorrecções
que isso acarretava. Essa opção não se veio a revelar a mais correcta, na medida em
que tanto o dinamismo da costa, como as intervenções antrópicas geram grandes
alterações na configuração da linha de costa. Um bloco de 5km, delimitado, em linha
média, sem reentrâncias - mesmo sofrendo efeitos da erosão ou construções, como por
exemplo, um pontão ou esporão - não implicará um aumento ou diminuição do número
de unidades. O mesmo não acontece quando se considera o contorno de pontões na
definição das unidades; ou quando, numa determinada unidade a construção de um
novo esporão implica uma nova delimitação. Por estas razões julga-se que a divisão
117
(dados enviados por e-mail a 10 de Abril de 2007).
123
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
dos blocos deve ser feita com base numa linha média, tão rectilínea quanto possível,
mesmo que isso implique perda de detalhe na comparação de dados.
Assim, quando os mapas passaram a ser em formato digital, optou-se, para efeitos de
comparação, manter os mesmos limites, daí que se encontrem algumas divergências
na dimensão dos blocos, não podendo garantir-se que estes tenham 5km exactos.
Acontece que, aquando a divisão, uns participantes dividem o bloco em 10 unidades
(que poderão ter mais ou menos que 500m) e outros optam por dividir em 500m
exactos, o que se poderá traduzir em mais ou menos unidades que as 10
estandardizadas.
Ao nível do questionário em si e dos respectivos parâmetros de monitorização, existem
também algumas fragilidades, que se pensam ter colmatado com as alterações
introduzidas no novo modelo de questionário.
Continua, porém, a permanecer a questão relacionada com as análises às descargas
líquidas no mar. São apenas previstas análises aos nitratos, embora importante - na
medida em que os produtos químicos usados na agricultura acabam por ir parar directa
ou indirectamente ao mar - é deveras insuficiente, porque a descarga pode não ter
nitratos e continuar estar poluída com outros elementos.
Contudo, introduzir outras hipóteses de análise como cloretos, fosfatos, oxigénio
dissolvido, ph; condutividade eléctrica – com a qual podemos obter uma correlação com
concentração de sais presentes nas águas – ou outras Microbiológicas simples como
coliformes fecais, é neste momento, insustentável economicamente para um projecto
que tem vindo a perder apoios financeiros por parte das entidades governamentais.
Entidades que desenvolvem estudos específicos, complementam as análises mas
suportam o seu financiamento e não chegam a enviar os dados para o GEOTA. Alguns
alunos do secundário recolhem amostras de água e posteriormente fazem o seu
tratamento em sala de aula, em técnicas laboratoriais.
Todas estas características, conferem ao Coastwatch fragilidades, algumas delas
poderão ser superadas, outras serão sempre intrínsecas ao projecto.
124
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
1.14 POTENCIALIDADES DO PROJECTO COASTWATCH
O Projecto Coastwatch apresenta diversas potencialidades a diferentes níveis. Ao nível
dos dados, apesar de alguma margem de erro, são fidedignos, objectivos, práticos,
comparáveis, actualizáveis e aplicáveis.
Actualmente existe um manancial considerável de armazenamento de dados, na
medida em que anualmente, entre Outubro e Dezembro, é monitorizada uma parte
substancial do litoral português. É verdade que existem troços cuja monitorização não
ocorre todos os anos, mas no geral a informação disponível é actualizada, o que lhe
confere grande utilidade.
Com efeito os dados podem ser utilizados por diferentes entidades, com distintos
propósitos, sendo que, em comum, todas poderão utilizá-los ao nível da sensibilização.
Para além das escolas – que já a eles recorrem ao nível curricular – podem, ser
aproveitados pelas autarquias para informação, divulgação e resolução de problemas;
pelas ONGA que através destes podem ter um papel mais interventivo junto da
população e fazerem pressão sobre os órgãos competentes; por diversas instituições
que os podem aplicar para outras áreas ou apenas para divulgação.
As universidades, jornalistas, investigadores, entre outros, com frequência, solicitam a
cedência de dados para trabalhos específicos, sobretudo ao nível da erosão costeira. A
título de exemplo, refira-se, que o INE utilizou a recolha de dados, referente a um dos
parâmetros do questionário, para criar um indicador de risco.
Aproveitando a continuidade temporal e área de análise da monitorização, o
Coastwatch oferece a possibilidade de entidades diversas, como por exemplo as
CCDR’s, especificarem determinadas questões, não contempladas no questionário
base, e que poderão a ele ser anexadas. Desta forma poder-se-á fazer o levantamento
de informação aproveitando sinergias.
Não obstante a utilização dos dados monitorizados o Coastwatch, em si, oferece a
possibilidade de se abordar uma vastidão de assuntos relacionados com a temática do
litoral, a sensibilização, o desenvolvimento sustentável, a participação pública, a
dinâmica costeira, o ordenamento do território, entre outros, quer ao nível nacional quer
125
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
regional ou mesmo local. Aliás, tendo em conta que a observação mínima é de 500m,
pode-se até chegar ao ponto de falar da praia, ou outro troço do litoral, utilizado por
qualquer indivíduo, seja por interesse ao nível do lazer, académico, económico ou
outro.
A versatilidade do projecto é comprovada aquando da organização, todos os anos, do
Seminário de Apresentação de Dados. Sendo cada campanha dedicada a um tema
específico, o molde do seminário compreende, para além da apresentação dos
resultados nacionais; apresentações orais de coordenadores regionais; comunicações
de investigadores dentro da temática do litoral a nível geral e específico da área onde é
organizado o evento; Workshops temáticos em sala ou in loco; visitas de estudo de
forma a compreender, questionar e propor soluções, sobre o impacte no ordenamento
do território, essencialmente nas áreas do litoral; um “espaço intercultural” composto
por exposição de posters realizados – no âmbito do Coastwatch – quer pelas escolas,
associações, autarquias, etc., exposições relacionadas com o tema mas desenvolvidas
por outras entidades, ateliers temáticos (pretende-se divulgar artesanato local,
associações de pescadores, entre outros).
A organização do seminário, segundo este formato, tem obtido grande sucesso: os
painéis temáticos são diversos, actuais e de interesse global (por vezes controversos),
o que gera o debate; na prática assiste-se a um bom exercício de cidadania. Desta
forma contribui-se também para se adquirir hábitos de participação pública.
Como refere Andrade (2007) “O Projecto Coastwatch deu-me já a possibilidade de
participar, como observador, na praia; nos seminários de abertura e encerramento,
discutindo possibilidades, estratégias e resultados de trabalho; como orientador de
Workshops, demonstrando a montagem e utilização de métodos adicionais ao
“Inquérito base” do projecto, passíveis de utilização expedita na praia e que nos podem
ensinar um pouco mais sobre o devir das nossas costas. Em todas essas situações,
sempre senti que o Coastwatch é um verdadeiro exercício de cidadania em ambiente,
que integra um público verdadeiramente abrangente (Andrade, 2007:6).
Para além das potencialidades já focadas, o projecto Coastwatch, permite desenvolver
hábitos de voluntariado - ele próprio é um exemplo vivo – de associativismo, de
126
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
interligação e parceria com diferentes entidades. A um nível mais lato, contribui, directa
e/ou indirectamente, para uma melhor gestão integrada das áreas costeiras.
Através do questionário Coastwatch, já alterado, poder-se-á criar um indicador de
percepção de risco para as áreas costeiras. Para além deste indicador, outros poderão
ser propostos. E porque é um projecto em aberto, certamente que outros lhe
encontrarão muitas mais potencialidades.
No futuro a coordenadora nacional pensa desenvolver uma série de materiais
didácticos, com hipóteses de exploração para diferentes áreas curriculares, a par do
que já é feito na Holanda.
1.15 PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DO QUESTIONÁRIO
Em face das fragilidades encontradas ao nível do questionário, procurou-se solucionar
o problema introduzindo algumas alterações de fundo no questionário base. Após a
proposta à coordenação internacional e a respectiva anuência, procedeu-se às
modificações com vista a uma maior abrangência na monitorização e menos
dependente da quase exclusividade à maré baixa. Simultaneamente, corrigiram-se
algumas imprecisões técnicas existentes (Anexo 10).
A primeira alteração foi a simplificação da imagem exemplificativa do campo de análise
do projecto Coastwatch (Fig.51).
A – linha máxima do nível do mar em
épocas de marés-vivas
B – linha de maré-cheia (marca da
última maré)
C – limite mínimo da maré vazia
D – Zona interior contígua (nunca
atingida pela água do mar, excepto
eventualmente durante alguma grande
tempestade)
E – Zona Supratidal (coberta pela água
do mar na época de marés vivas)
F – Zona Intertidal (entre o limite
mínimo e máximo das marés)
G – Zona subtidal (abaixo do limite
máximo da maré vazia
Figura 51 – Corte e planta da área de análise do projecto Coastwatch.
Fonte: CIGA -FCT/UNL
127
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Já atrás foi referido, a tipologia das áreas curriculares que aderem ao projecto
Coastwatch são diversas, por isso é de todo o interesse diversificar o campo de análise,
para que um número cada vez maior de docentes encontrem, para além da
interdisciplinaridade, um objecto de estudo da sua área específica. Para os outros
participantes, poder olhar para o território de uma forma mais abrangente, é certamente
uma mais valia.
A figura 52 mostra-nos uma costa geomorfologicamente distinta. Importa pois, que
quem procede à monitorização observe atentamente estas diferenças para que se
questione nos parâmetros seguintes: fauna, flora, riscos, entre outros.
Figura 52 – Tipos de costa no litoral português
Fonte. http://oficina.cienciaviva.pt
Assim, ao nível da geologia, mais do que alterações ao questionário foram introduzidos
novos parâmetros que têm a ver com a caracterização da costa (rochosa, não rochosa,
128
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
arenosa); com a altura e inclinação das arribas; presença de sedimentos grosseiros na
base da arriba; grau de alteração da rocha; grau de fracturação da rocha.
Tendo em conta que havia uma certa repetição de parâmetros, procurou-se sintetizar e
reagrupar, de forma a simplificar o questionário e simultaneamente torná-lo mais rico
em termos de recolha de dados.
Um dos pontos mais sensíveis do questionário era sem dúvida, a monitorização das
descargas líquidas no mar ao longo da unidade, mesmo ficando longe do ideal,
procurou-se melhorar este item, especificando correctamente a tipologia das drenagens
[Drenagem natural – Linha de água (rio, ribeira, etc.) ou surgência (nascente, fonte,
etc.); Drenagem artificial: entubado; a céu aberto (vala); escorrência (fossas, indústria,
etc.)]; a secção das Linha de água/vala (a céu aberto); o diâmetro do Tubo/conduta e a
largura Surgência/escorrência.
O anterior questionário previa apenas a observação de fauna e flora na zona Intertidal,
o que empobrecia bastante a recolha de dados, como tal foi acrescentado a hipótese
de se monitorizar estes itens também na zona Supratidal. Neste parâmetro, como no
dos resíduos, foi alterado a questão da contagem, para uma maior facilidade e até
fidedignidade, deixa-se de fazer uma contagem absoluta e passando a ser
contabilizados em intervalo de classe.
Futuramente será editado um novo guia do litoral com um maior suporte de imagens
exemplificativas da fauna e flora da costa portuguesa, ao nível dos resíduos foi onde se
procedeu a um maior número de alterações, contudo, no cômputo geral, este item ficou
mais harmonioso.
E, porque criar indicadores de risco, mesmo que sejam indicadores de percepção será
sempre uma mais valia, quer para o Coastwatch em si, quer para outros projectos ou
entidades, públicas ou privadas, que necessitem desenvolver estudos nesta área;
procurou-se introduzir, no novo modelo de questionário, um parâmetro “Percepção de
Riscos”. Através de vários indicadores ambientais, cria-se assim a hipótese de criar um
indicador de risco a partir da percepção que cada indivíduo tem do que observa. Na
generalidade estes são indicadores de Estado, segundo o modelo PER - PressãoEstado-Resposta (Quadro XVIII).
129
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Quadro XVIII – Indicadores percepção de Risco
INDICADORES:
Erosão costeira [sinais de deslizamentos de terrenos, sinais de galgamento
do mar, presença de estruturas de carácter permanente que permitam
evidenciar o grau de erosão ou deposição de sedimentos (p. ex. um sinal de
aviso enterrado ou a descoberto)]
Extracção de inertes (areias, etc.)
Pressão turística excessiva
Perda de qualidade ambiental (descarga de efluentes sem tratamento, areias
poluídas, perda de bandeira azul)
Outros. Quais?
Risco
Desconhecido
Fonte: Questionário Coastwatch
Este parâmetro tem toda a pertinência numa altura em que a erosão costeira, as
alterações climáticas e os impactes da actividade humana, causa e/ou consequência
uns dos outros, estão na ordem do dia.
Segundo o modelo PER (Pressão-Estado-Resposta - Classificação segundo a OCDE)
os Indicadores de Pressão são os que caracterizam as pressões sobre os sistemas
ambientais e podem ser traduzidos por indicadores de emissão de contaminantes,
eficiência tecnológica, intervenção no território e de impacte ambiental; os Indicadores
de Estado reflectem a qualidade do ambiente num dado horizonte espaço/tempo
(indicadores de sensibilidade, risco e qualidade ambiental); e os Indicadores de
Resposta que avaliam as respostas da sociedade às alterações e preocupações
ambientais, bem como a adesão a programas e/ou implementação de medidas em prol
do ambiente (indicadores de adesão social, de sensibilização e de actividades de
grupos sociais importantes) [adaptado de Sistema de Propostas de Indicadores de
Desenvolvimento Sustentável, DGA, 2000] (Fig. 53).
Fonte: IA 2000
Figura 53 - Estrutura conceptual do modelo PER da OCDE
130
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Na proposta para um Sistema de Indicadores de Desenvolvimento Sustentável pode
ler-se “Os indicadores de desenvolvimento sustentável são, presentemente, não
apenas necessários, mas indispensáveis para fundamentar as tomadas de decisão aos
mais diversos níveis e nas mais diversas áreas. Surgem por todo o mundo iniciativas e
projectos com vista à definição de indicadores de desenvolvimento sustentável para um
variado leque de finalidades de gestão, ao nível do desenvolvimento local, regional e
nacional” (DGA, 2000).
Quadro XIX - Indicadores Ambientais
SECTOR
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
AMBIENTE MARINHO E COSTEIRO
NOME
Crescimento populacional em zonas costeiras
Evolução da linha de costa
Área construída
Contaminação de origem difusa
Descargas pontuais de efluentes sem tratamento
Descargas acidentais de hidrocarbonetos
Qualidade da água em zonas balneares
Zonas balneares com bandeira azul
Qualidade do sistema aquático em faixas costeiras,
estuários, lagunas e rias
Investimento e despesa na preservação ambiental e defesa
de zonas costeiras
TIPO
PRESSÃO
ESTADO
PRESSÃO
ESTADO
PRESSÃO
PRESSÃO
ESTADO
ESTADO
ESTADO
RESPOSTA
Fonte: Adaptado de Sistemas de Propostas de Indicadores de desenvolvimento Sustentável, DGA, 2000
A partir da Quadro XIX pode-se observar os indicadores ambientais que directa ou
indirectamente poderão servir de complemento ao projecto Coastwatch, quer através
da monitorização (a criação do item Percepção de risco foi elaborada a partir da análise
deste documento), quer, posteriormente, complementando os dados recolhidos com a
elaboração do relatório anual.
1.16 INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL - O MODELO DPSIR
Os indicadores de desenvolvimento sustentável foram introduzidos com o objectivo de
avaliar o desempenho das economias, em geral, e de determinados sistemas, em
particular, face ao novo conceito de desenvolvimento – o desenvolvimento sustentável,
tal como definido no Capítulo 1. Segundo a Agência Europeia de Ambiente (AEA),
estes indicadores podem ser usados para explicar de uma forma compreensível, mas
simplificada, as condições de sistemas complexos. Cada um dos indicadores “conta
131
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
uma história” que é parte do todo, e só a combinação dos indicadores pode dar uma
visão global da complexidade.
Neste contexto “indicadores” são parâmetros, isto é, grandezas descritas de forma
qualitativa ou quantitativa, ou conjunto de parâmetros, seleccionados para descrever
determinadas condições do sistema ou sistemas em análise. É importante que se
entenda que, com a simplificação da informação sobre fenómenos mais ou menos
complexos ganha-se em clareza e operacionalidade o que se perde em detalhe dos
dados originais.
O objectivo da introdução deste tipo de indicadores no projecto Coastwatch consiste em
facilitar a avaliação do desempenho da gestão do litoral pelos diferentes agentes, face
ao novo conceito de desenvolvimento atrás definido. Neste contexto, o projecto
Coastwatch irá adoptar, como modelo enquadrador dos indicadores utilizados, o
modelo DPSIR.
Como foi referido anteriormente o primeiro modelo conceptual integrador da análise do
desempenho de determinados sistemas em termos de desenvolvimento sustentável foi
proposto pela OCDE em 1993 e adoptou a designação de modelo PER. Mais tarde, em
1999, a AEA apresentou um modelo conceptual evoluído a partir do modelo PER,
designado por DPSIR: D – Driving Forces, aqui traduzido por Forças Actuantes; P –
Pressure, ou Pressão; S – State, ou Estado; I – Impacts, ou Impactes; R – Responses,
ou Respostas. De novo, relativamente ao modelo PER, apresenta a introdução de um
elemento “a montante” (Forças Actuantes) e de um elemento entre o Estado e as
Respostas (Impactes).
O diagrama da figura 54 ilustra o descrito, exemplificando com vários indicadores, ou
grupos de indicadores, possíveis.
132
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
Fonte: Costa 2007
Figura 54 - Modelo DPSIR : Forças Actuantes (Driving forces) - Pressão – Estado – Impactes – Resposta
1.16.1
APLICAÇÃO DO MODELO DPSIR NA ANÁLISE DE INDICADORES DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA GESTÃO DO LITORAL
O modelo DPSIR começa por ser desenvolvido a partir da identificação de indicadores
que caracterizam os diversos elementos que o constituem. Como se pretende aplicar
este modelo na análise dos indicadores de desenvolvimento sustentável na gestão do
litoral, foram identificados para os diversos elementos os seguintes indicadores (Quadro
XX).
Forças actuantes
(Driving forces)
Pressões
Estado
Impactes:
Respostas
Quadro XX – Indicadores de DS na Gestão do Litoral
- Indústria (ex: nº de pontos de descarga de efluentes)
- Áreas urbanas (ex: nº de pontos de descarga de águas residuais)
- Turismo/ lazer (ex: nº de utentes das praias/dia)
- Actividades portuárias (ex: nº embarcações)
- Construção (ex: área construída no interior da faixa de 500 m)
- Nº de descargas de efluentes/ano
- Resíduos sólidos (nº unidades; tipologia consoante perigosidade)
- Nº fontes emissoras poluição atmosférica
- Nº de Apoios de praia
- Ar – qualidade do ar (ex. NOx, SOx, etc.)
- Solo/sedimentos – (ex: parâmetros de contaminação química e bacteriológica)
- Água – (ex: parâmetros de contaminação química e bacteriológica)
- Seres vivos – (ex. Sanidade de comunidades)
- Nº praias c/ água balnear imprópria
- Doenças registadas por efeito de utilização da praia
- Nº peixes mortos
Nº de dias interdição de uso da praia
- Áreas de restrição de uso por efeito de risco de desmoronamento de falésia
- Nº de intervenções de despoluição das águas
- Euros dispendidos na protecção costeira por km de costa
Fonte: Adaptado de Costa, 2007
133
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
O diagrama da figura 55 ilustra o descrito, exemplificando com vários cenários de
resposta consoante os níveis hierárquicos dos elementos em que se pretende actuar.
Como se pode observar, é desejável que as respostas possam ser dirigidas o mais “a
montante” possível, favorecendo a actuação pró-activa, em detrimento da actuação
reactiva que, naturalmente se dirige à correcção dos impactes directamente derivados
dos danos resultantes da efectivação de um determinado “perigo” que pode ter
resultado em “desastre” (Costa, 2007).
FORÇAS
ACTUANTES
PREVENÇÃO
PRÓ-ACTIVA
Factores de
controlo de
perigos e danos
potenciais
(ex: no planeamento:
restrição da ocupação
de áreas de risco de
erosão)
PRESSÕES
MITIGAÇÃO
NÃO-ESTRUTURAL
Perigos e danos
potenciais
(ex: conservação do
ecossistema: proteger
os sistemas dunares)
ESTADO
MITIGAÇÃO
ESTRUTURAL
Risco(?)
dependente da
vulnerabilidade
(ex: obras: reforço de
estruturas de
protecção costeira)
IMPACTES
REACÇÃO
Prevenção/
Vigilância (ante)
Desastre
(um perigo potencial
resultou em dano)
Socorro
Recuperação (post)
RESPOSTAS
Gestão do risco
ACÇÕES
Figura 55 - Aplicação do modelo DPSIR na análise de indicadores de desenvolvimento sustentável na
gestão do litoral 118
134
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
1.17 PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO COASTWATCH
INTERCONTINENTAL
O sucesso do Coastwatch em Portugal, aliado a uma visão de internacionalização da
actividade do GEOTA, acarretou a esperança de levar o projecto para além da Europa.
Tendo em conta as potencialidades que os países de expressão lusófona oferecem
para se trabalhar a Educação e Cidadania Ambiental num contexto do Desenvolvimento
Sustentável e as boas relações mantidas com estes países, à partida a ideia oferecia
grandes hipóteses de êxito.
Assim, foram encetados alguns contactos com ONGA em Cabo Verde, Angola e Brasil,
com o intuito de apresentar o projecto e descobrir parceiros para se implementar o
Coastwatch. Se nos dois primeiros países tem existido alguma dificuldade em obter
respostas que conduzam a um concretizar da implementação do projecto a curto prazo
(embora actualmente se reiniciem os contactos com Angola) no Brasil aspectos
conjunturais facilitaram o trabalho e na próxima campanha (2007/08) irá iniciar-se a
experiência piloto em alguns trechos do litoral de Fortaleza, no Estado do Ceará, de
Salvador, no Estado da Bahia e de Maceió, Estado de Alagoas. De 1 a 15 de Dezembro
de 2007 a Coordenadora Nacional deslocar-se-á a estes Estados para dinamizar o
projecto, preparando os novos parceiros para as próximas campanhas.
1.17.1
COASTWATCH BRASIL
A orla costeira brasileira apresenta, grosso modo, problemas idênticos, em maior ou
menor escala, que qualquer outro país onde exista litoral. A temporalidade e o espaço
podem ser diferentes mas o impacte da actividade humana sobre a costa, causada pela
forte atracção que esta exerce sobre a humanidade seguem percursos similares. “O
turismo é a actividade económica que se tem destacado no cenário internacional por
apresentar os mais altos índices de crescimento nas últimas décadas e o litoral tem
sido um dos principais destinos dos turistas contemporâneos. Os atractivos naturais
(praias de águas límpidas, ambientes naturais preservados, recursos da pesca, beleza
da paisagem, etc.) que propiciam uma grande diversidade de actividades de lazer e
recreação são factores decisivos para esta escolha. Por sua vez, a prática do veraneio
135
Capitulo 3 – Caso de estudo: O Projecto Coastwatch
é um fenómeno mundial que ocasiona em todo o globo o surgimento de áreas de
segunda residência. O litoral brasileiro vive na actualidade, além de um incremento do
turismo e do veraneio doméstico, uma rápida inserção no turismo internacional. Estes
fatos têm ocasionado uma veloz ocupação e adensamento de localidades até então
isoladas e preservadas. Para garantir a sustentação e a vitalidade destas três funções
(económica, ecológica e sócio-cultural) no espaço litorâneo119, de forma simultânea,
tornam-se necessárias acções de planeamento e gestão para a integração das
mesmas, de modo a reduzir conflitos e eliminar antagonismos (Projecto Orla:
Fundamentos para a Gestão Integrada, 2002).
O desordenamento do litoral, as descargas líquidas no mar e os resíduos são alguns
dos grandes problemas do litoral brasileiro. Como é sabido, tais questões são
abordadas no questionário Coastwatch, daí toda a pertinência e o interesse das
diferentes entidades que tomaram conhecimento do projecto. Actualmente são três os
estados já envolvidos: Ceará, Bahia e Alagoas e com entidades diversas,
respectivamente Hidroambiental Águas do Brasil (IHAAB), ONDA VERDE e Secretaria
Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH).
Neste momento procura-se delinear os mapas de campo, reajustando-os aos objectivos
do projecto Coastwatch Brasil. Tendo em conta a extensão do litoral brasileiro os blocos
serão divididos em 5 unidades de 1km cada. Os técnicos responsáveis pelo
Coastwatch no Brasil procedem à respectiva adaptação do questionário, para que este
reflicta a realidade local, oferecendo a oportunidade de uma monitorização com recolha
de dados fiáveis e úteis.
À semelhança do que acontece em Portugal, o Coastwatch Brasil, terá como públicoalvo estudantes dos diferentes níveis de ensino, jovens, técnicos de ambiente,
membros de associações diversas, entre outros. A próxima campanha funcionará,
nestes Estados do Brasil, como experiência piloto, contudo, espera-se que outros
estados venham a aderir. O interesse manifestado é crescente, por isso acreditamos
que a apresentação do projecto nestes três estados trará mais parceiros para o
Coastwatch Brasil.
136
Capitulo 4 – Conclusões
CONCLUSÕES
Ao realizar o balanço desta dissertação, que procurou deliberar acerca da forma como
o caminho da participação pública foi desenvolvido em Portugal, apercebemo-nos que
este nem sempre foi um percurso fácil e que ainda muito há a fazer.
Por questões conjunturais, relacionadas com a situação política do país, Portugal só
tardiamente encetou a promoção da participação activa dos cidadãos nos processos de
decisão. O atraso nesta caminhada ainda hoje se reflecte, muito embora haja sinais
que a sociedade se está a estruturar nesse sentido tornando-se mais preocupada e
empenhada nos processos de decisão que lhe dizem directamente respeito.
Para este despertar muito contribuiu, numa primeira fase, a entrada de Portugal na
União Europeia ao introduzir legislação inovadora sobre esta temática e, inerente a ela,
a obrigatoriedade do nosso país implementar a participação pública, nomeadamente
através de instrumentos que complementassem os processos educativos formais, dos
quais relevam os da educação ambiental.
Assim, ao longo deste trabalho procurou-se analisar o percurso da participação pública
em paralelo com o caminho trilhado pela educação ambiental em Portugal, tendo
sempre como pano de fundo o conceito de Desenvolvimento Sustentável.
No capítulo I – Da Emergência da Educação Ambiental ao Desenvolvimento
Sustentável – procurou-se mostrar como o papel da institucionalização da educação
ambiental foi decisivo para o desenvolvimento da cidadania. Muito embora, este seja
um tema que não se esgota, pode-se afirmar que as novas gerações começam a estar
imbuídas do espírito de cidadania activa. Para tal foi preciso que a sociedade em geral
e cada cidadão em particular se consciencializasse acerca da importância do impacte
do progresso tecnológico sobre o planeta.
A história da tomada de consciência desta realidade é abordada ao longo da
dissertação mas as conclusões ficam em aberto: na verdade, a degradação dos
ecossistemas e a perda de biodiversidade já atingiram proporções tais que deixam
pouca margem para optimismos exagerados.
137
Capitulo 4 – Conclusões
Por outro lado, é possível concluir, pelo trabalho desenvolvido, que o papel do
voluntariado ambiental foi essencial para a chamada de atenção para todos os
problemas que foram surgindo á escala planetária. Não obstante as dificuldades e
falhas subjacentes, é fácil deduzir que os principais acontecimentos, a nível
internacional, das últimas décadas não teriam sido tão marcantes e indispensáveis para
o alerta sobre esta problemática em torno do consumo, do crescimento e do
desenvolvimento sem a contribuição das organizações não governamentais enquanto
elementos de pressão sobre os decisores políticos. Exemplos não faltam, Conferência
da Terra, Cimeira de Joanesburgo, declaração do Milénio, etc.
De entre todos os documentos e relatórios, de todas as cimeiras, conferências e outros
eventos realizados com o intuito de não só alertar mas também de obter um
compromisso para a mudança de comportamentos em relação ao estado do Planeta, o
mais relevante foi o Relatório Brundtland. Vinte anos depois, o recente balanço feito
pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) no relatório Geo-4
reconhece a gravidade da crise global e refere como, em relação a um dos elementos
chave desta crise, as alterações climáticas - uma prioridade mundial que exige vontade
política e liderança – se está a dar uma resposta lamentavelmente inadequada.
No capítulo II – “Instrumentos Políticos e Cidadania Ambiental em Portugal” procurouse fazer uma análise dos instrumentos políticos criados para a concretização do
percurso da Participação Pública no contexto do Desenvolvimento Sustentável.
Verificou-se pois que a criação de uma legislação de suporte ambiental, como o caso
da Lei de Bases do Ambiente foi capital para todo este processo. A entrada de Portugal
na U.E impôs a transposição para o direito português da legislação europeia o que veio
consubstanciar o percurso que tinha sido iniciado em meados da década de oitenta
nomeadamente com a Convenção de Aarhus.
A emergência das associações de defesa do ambiente em Portugal foi influenciada
pelos acontecimentos internacionais e suportada por uma legislação de protecção do
ambiente e estas viriam a ter um papel preponderante na consciencialização ambiental,
quer ao nível da educação ambiental, quer do desenvolvimento sustentável ou da
participação pública, facto que ainda hoje se mantém.
138
Capitulo 4 – Conclusões
As práticas do exercício de cidadania, como nos exemplos apresentados na
dissertação, são um caminho para formar, incentivar e desenvolver hábitos de
participação pública. Contudo, não podemos deixar de reconhecer que são, na sua
maioria, do tipo convencional, de que é exemplo a participação pública nos POOC.
Se queremos formar cidadãos mais activos, então há que investir em métodos, eles
próprios mais interactivos, como por exemplo reuniões de debate com os “actores
chave”. A dissertação apresenta dois casos exemplificativos de participação
colaborativa, em que a componente pro-activa se sobrepõe à reactiva, desenvolvidos
com o apoio do GEOTA: o debate sobre o processo erosivo da Costa da Caparica e a
exigência de um traçado alternativo para o IP2 – Variante de Estremoz, que não seja
lesivo do ambiente e do desenvolvimento sustentável desta região.
No capítulo III – “Caso de Estudo: O Projecto Coastwatch” – procurei para além de
apresentar o projecto e os seus objectivos dar a conhecer a sua implementação em
vários países da Europa e em Portugal, e ainda apresentar os primeiros passos da sua
expansão para países de expressão lusófona.
Assim, no que concerne ao estudo-caso do projecto Coastwatch, conclui-se que os 18
anos de experiência em termos de educação e cidadania ambiental deram alguns frutos
em prol da participação pública. Acredita-se que a reestruturação do projecto e o facto
deste se expandir para outros continentes terá repercussões positivas também no
próprio Coastwatch Nacional, que está a liderar esse processo de expansão.
Para caracterizar a participação dos cidadãos no Projecto Coastwatch foi elaborado um
inquérito a actuais coordenadores regionais, professores responsáveis pela sua
dinamização e outros responsáveis, quer seja de grupos de escuteiros, ONG ou outras
entidades e a outros que no passado estiveram a ele ligados.
Deste inquérito realça-se, o facto de 46,6% participar à 2-3 anos e 17,8% há mais de 5
anos. Muito embora não haja nenhum inquirido que indique permanecer no projecto
desde a sua implementação em Portugal, alguns estão a ele ligados há mais de uma
década. E, apesar do inquérito não o mostrar, é sabido que existem actualmente
docentes participantes no projecto que já o foram enquanto alunos. Assim,
139
Capitulo 4 – Conclusões
exceptuando os inquiridos que participaram apenas um ano – quer se trate da 1ª vez ou
apenas um acto isolado – 89% dos restantes afirmaram ter continuidade no Projecto.
As entidades responsáveis pela dinamização do projecto, a nível regional, recorrem a
actividades de divulgação do projecto e mais tarde de dinamização dos resultados. As
maiorias das parcerias são desenvolvidas com escolas e autarquias locais. Quanto á
metodologia de dinamização e divulgação, a escolha recai sobre a comunicação social
como forma de, com maior destaque, difundir e divulgar o trabalho desenvolvido e
sobre actividades que envolvam a comunidade local e encarregados de educação
(exposições, e feiras de actividades, sessões de debate, etc.).
É consensual, no universo dos inquiridos, a ideia de permanência no projecto como
forma de dar continuidade aos trabalhos encetados em cada campanha Coastwatch.
Entretanto a coordenação portuguesa continuará a encetar esforços para que o
projecto ganhe outro ânimo a nível europeu, criando-se uma verdadeira rede
internacional. O facto do projecto ser coordenado por uma ONGA é um sinal promissor
de que o Coastwatch continuará a desenvolver esforços para envolver o maior número
possível de cidadãos, tornando-os mais activos.
A experiência, a continuidade e o olhar dos mais jovens sobre o ambiente em geral e o
litoral em particular, são um sinal promissor que as novas gerações estão aí para dar
continuidade ao projecto. A minha experiência, enquanto coordenadora, indica-me que
vale a pena investir e ter esperança; a comprová-lo estão as evidências: outrora jovens
participantes, hoje professores, responsáveis por associações ou outras entidades,
entram em contacto com o GEOTA para dinamizarem eles próprios o Coastwatch com
as novas gerações. E, este é o sinal que permite acreditar na continuidade do projecto.
Vale sempre a pena investir, mais tarde ou mais cedo recolher-se-ão os frutos.
“Diz-me, e eu esquecerei; ensina-me e eu lembrar-me-ei; envolve-me, e eu aprenderei”.
140
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ANEXOS
Anexo 1 - Fichas de Participação Pública - IPAMB
Anexo 2 – Entrevistas
Anexo 3 – Inquéritos às ONG
Anexo 4 - Programa Costa Caparica
Anexo 5 - Fichas de participante na Campanha
Anexo 6 -Programas dos Seminários Coastwatch
Anexo 7 - Questionário Coastwatch
Anexo 8 – Inquérito aos participantes no Coastwatch
Anexo 9 – Perfil de Praia
Anexo 10 – Novo Questionário Coastwatch
146
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