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Seminário de Direito Internacional
O DIREITO DAS GENTES ROMANO E A GÊNESE DO
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Elaborado em 12.2008
Carlos Artur Gallo
Advogado, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Centro
Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), Bacharelando em Ciências
Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
Especializando em Direito Internacional Público e Privado e Direito da
Integração, também pela UFRGS.
“Este artigo é o resultado parcial de uma pesquisa à
qual estou dedicando-me atualmente, sendo que o
mesmo foi selecionado para apresentação oral e
publicado integralmente nos anais (em formato digital)
do IV Congresso Sul-Americano de Filosofia do Direito /
VII Colóquio Sul-Americano de Realismo Jurídico,
promovido pelo Instituto Brasileiro de Filosofia do
Direito e pelo Instituto Jacques Maritain do Rio Grande
do Sul, realizado em Porto Alegre entre os dias 6 e 7 de
novembro de 2008”.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO – 1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O
DIREITO ROMANO – 2. A CIDADANIA NO IMPÉRIO ROMANO: CIVES
ROMANI, LATINI E PEREGRINI – 3. CONCEITO E FUNÇÃO DO IUS
GENTIUM, NATURALE E CIVILE – 4. O DIREITO PRETORIANO, O
PRETOR PEREGRINO E A GÊNESE DO DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO – CONCLUSÃO – BIBLIOGRAFIA.
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INTRODUÇÃO
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Assim como todas as ciências, a Ciência Jurídica (e as
instituições que por ela são abrangidas) também resulta de um
contínuo processo histórico. Compreender como se forma e se
estrutura o pensamento jurídico, bem como, o modo como são
transformadas e como surgem as suas instituições a partir do
desenvolvimento das civilizações é tão necessário quanto qualquer
outro estudo.
A presente exposição tem por finalidade, ainda que resultante
da realização de estudos introdutórios, traçar um paralelo e analisar
as possíveis conexões existentes entre o ius gentium romano, a
criação e o exercício da pretoria peregrina (no século III a.C.) e o
surgimento do Direito Internacional Privado.
Para atingir seus objetivos, tratar-se-á de, num primeiro
momento, realizar-se um esboço histórico do desenvolvimento do
Direito
Romano
para,
após,
serem
analisadas
as
temáticas
necessárias à solução do problema central deste trabalho.
1.CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO ROMANO
Os romanos, dado o seu caráter eminentemente prático, foram
os responsáveis pela criação da ciência jurídica. Embora tenham
buscado nas doutrinas filosóficas gregas algumas das suas principais
teses, no entanto, essas serviram como auxiliares à criação da
solução prática para os problemas jurídicos a serem resolvidos pelo
Direito que estava sendo construído [01].
Tradicionalmente, é possível dividir o desenvolvimento do
pensamento jurídico produzido no Direito Romano em três fases
históricas distintas [02]. Cada uma dessas fases (etapas), por sua vez,
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é marcada por certas particularidades (fatos históricos) que foram as
responsáveis pelo próprio desenvolvimento e aperfeiçoamento da
ciência jurídica romana que estava surgindo.
A primeira das etapas referidas é aquela que costuma ser
denominada pelos estudiosos de Pré-Clássica ou do Direito Antigo.
Ela vai das origens de Roma (aproximadamente em 753 a.C.) à
criação da chamada Lex Aebutia (que foi uma lei criada em torno do
século II a.C e trouxe menos formalidade e mais liberdade de
eqüidade na interpretação das leis, por parte dos julgadores); sendo
correspondente ao período do desenvolvimento da Monarquia (de 753
a 509 a.C.) e grande parte da República Romana (de 509 a 27 a.C.).
A
segunda
etapa,
conhecida
como
Clássica,
inicia-se
aproximadamente no século II a.C. e desenvolve-se até o fim do
reinado de Diocleciano, em 305 d.C. Durante os quinhentos anos de
sua duração, grandes mudanças foram implementadas no cenário
político romano, tendo sido a mesma desenvolvida durante uma parte
do período da República (do século II a.C. até o ano 27 a.C.), do
Principado (27 a.C. a 285 d.C.) e do Dominato (que fora iniciado com
o reinado de Diocleciano, em 285 d.C.).
A terceira e última fase, à qual denomina-se de Pós-Clássica ou
Romano-Helênica, vai do ano de 305 d.C. à morte de Justiniano (em
565 d.C.). Esse período do desenvolvimento do Direito Romano
abrange o processo de decadência do Império Romano do Ocidente
(sendo que o Império seria dividido em 337 d.C.) e uma parte da
Idade Média (que perduraria por mais de mil anos, de 476 até 1453
d.C.). Foi nessa época que houve um processo de diminuição / perda
da criatividade dos juristas romanos, tendo sido a essência do Direito
reduzida à simples aplicação da lei.
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2.A CIDADANIA NO IMPÉRIO ROMANO: CIVES ROMANI,
LATINI E PEREGRINI
Antes de se analisar quais as divisões do Direito Romano, bem
como, a conexão entre o ius gentium e o Direito Internacional
Privado, é preciso saber quem eram as pessoas atingidas e / ou
tuteladas pela legislação criada em Roma.
Foi durante o período republicano que se redigiu e passou a ter
vigência a seguinte sistematização das classes de pessoas que
viviam, transitavam nos e pelos limites do Império Romano [03]:
a)Cives Romani: eram todos os indivíduos residentes na cidade
de Roma e reconhecidos como cidadãos, divididos em cives optimo
iure (que eram possuidores dos mais amplos direitos como, por
exemplo: votar e ser votado, exercer funções políticas e praticar atos
do comércio) e cive (que possuíam algumas limitações de acordo com
as suas origens familiares, não podendo casar com qualquer pessoa e
exercer determinadas atividades políticas e do comércio).
b)Latini: eram todos aqueles que residiam em territórios
adjacentes à Cidade-Estado de Roma. Estes se dividiam em prisci
(antigos moradores do Latium, sendo possuidores de amplos direitos
na esfera pública e privada, como o comércio com os cives, mas não
podiam exercer funções públicas) e coloniarii (que viviam nas
colônias e possuíam os mesmos direitos dos prisci).
c)Peregrini: que são todos indivíduos (inclusive os estrangeiros
[04]
) que residem regularmente nos territórios pacificados por Roma
(excluídos os cives e latini), sendo a alguns deles reconhecidos alguns
direitos como: à prática de atos de comércio, a casarem com os cives
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e latini (pelas regras e rituais do ius connubium) e, até mesmo, a
serem incluídos como beneficiários em testamentos.
Tal classificação admitia como cidadãos romanos somente os
cives romani, no entanto, ao longo do período imperial ela foi
perdendo sua rigidez e, através da Constitutio Antoniana (também
conhecida como Edito de Caracala, por ter sido editada pelo
Imperador Caracala) de 212 d.C., a cidadania romana foi estendida a
todos
aqueles
que
eram
residentes
nos
domínios
de
Roma,
excetuando-se os chamados de deditícios (que eram os habitantes de
cidades que foram rendidas por Roma, mas que com ela não selaram
tratados de aliança).
É interessante atentar sobre tal fato, pois, a extensão da
cidadania a todos aqueles que vivessem nos domínios do Império
Romano é um reflexo evidente da própria busca pela universalidade,
que foi uma das características mais marcantes da civilização
romana.
Há que ser esclarecido, no entanto, que foi somente mais tarde,
já durante o governo de Justiniano (imperador do Império Romano do
Oriente que viveu de 482 a 565 d.C. e foi responsável pela
sistematização e organização do famoso Corpus Iuris Civilis), que
foram definitivamente eliminados da legislação as classificações e
menções aos peregrini e latini.
Tal esvaziamento (e, ao mesmo tempo, ampliação) do conceito
de cidadão (que transformou a figura do cidadão em súdito) foi um
dos fatores que contribui para o aceleramento da deterioração de
todos valores da civitas romana e da decadência da parte ocidental
do Império [05].
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3.CONCEITO E FUNÇÃO DE IUS GENTIUM, NATURALE E
CIVILE
Abordar a temática da cidadania romana, falando-se sobre as
pessoas que viveram nos limites do Império Romano remete,
conseqüentemente, à análise de três categorias (conceitos) de
direitos desenvolvidas nos primórdios da formação do pensamento
jurídico.
Essas categorias ou conceitos aos quais se faz referência são: o
ius gentium, o ius naturale e o ius civile. Compreender a distinção
para o Direito Romano é essencial para prosseguir-se com o presente
estudo.
Inicialmente, é importante ter-se em mente que, em sua lição,
Ursicino Alvarez Suárez
[06]
menciona que a tricotomia referida
somente veio a ser formulada durante o período pós-clássico do
Direito Romano. Logo, alguns aspectos históricos de tal diferenciação
conceitual seguem dotados de certa obscuridade, visto que nem
todos documentos do período foram preservados até os nossos dias.
O que se sabe é que na época clássica do desenvolvimento do
Direito Romano, ao que tudo indica, não havia uma distinção clara a
respeito do conceito de ius gentium e do ius naturale, provavelmente
tendo sido Cícero (que viveu no século I a.C.) o responsável pela
divisão tripartite do Direito (em civil, das gentes e natural),
agregando conhecimentos filosóficos a serviço do Direito, conforme
Abelardo
Saraiva
da
Cunha
Lobo
[07]
(estudioso
e
professor
catedrático da disciplina de Direito Romano na Faculdade de Direito
da Universidade do Rio de Janeiro na década de 1920).
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No Corpus Iuris Civilis de Justiniano percebe-se a diferença de
entendimento acerca da divisão bi ou tripartite do Direito. No Digesto,
o jurisconsulto Ulpiano, provavelmente interpretando Cícero, utiliza a
divisão tripla; ao passo que Gaio, por sua vez, divide-o tão somente
em ius gentium (que engloba o ius naturale, e também é fundado na
ratio naturalis) e ius civile.
Conforme explica Alexandre Correia
[08]
em sua dissertação
escrita nos idos de 1930 quando concorria à vaga de professor da
disciplina de Direito Romano na Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo (USP):
O estudo atento das fontes revela nos jurisconsultos
romanos dupla concepção, quanto ao modo de dividir o
direito
privado.
Uns
–
Trifonino,
Florentino,
Hermogeniano e sobretudo Ulpiano – dividem-no em
ius naturale, gentium e civile. Outros, com Gaio,
englobam o ius naturale no ius gentium e adotam uma
divisão bipartida.
Ainda que, tendo sido retomadas as discussões sobre o Direito
Natural pelos escolásticos medievais e, o seu conteúdo identificado
com o do Direito das Gentes por serem ambos calcados na razão
natural dos seres humanos, há que se ressaltar que no Direito
Romano houve sim, distinção das duas concepções.
Sendo
assim,
partindo-se
dos
ensinamentos
dos
autores
referidos, é possível ser estabelecido que, para o Direito Romano:
a)Ius naturale (Direito Natural): foi referido pelo jurista Ulpiano
(no Digesto) como um direito comum ao homem e a todos os animais
[09]
. Não escrito. É um conceito universalista. Trata-se de uma
concepção mais vinculada à análise teórica e filosófica (a respeito
disso, é interessante referir que, segundo apontam Michel Villey [10] e
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José Carlos Moreira Alves [11], esse é um conceito derivado da filosofia
estóica).
b)Ius gentium (Direito das Gentes): inicialmente, foi constituído
como categoria intermediária entre o Direito estrangeiro e o romano,
tendo
sido
baseado
na
conciliação
entre
os
princípios
da
territorialidade e da personalidade. É um direito inspirado na razão
natural, positivo e vigente, mas com caráter menos formalista do que
ius civile. Diz-se ser composto, também, por uma parte do Direito
Civil comum a todos, para solucionar os conflitos envolvendo
romanos e estrangeiros, mas aplicado primordialmente a estes
últimos. É em virtude de ser classificado como decorrente do uso da
razão natural, que se diz que se trata de um Direito comum a todos
os povos (a todas as gentes).
c)Ius civile (Direito Civil): ao contrário do Direito das Gentes, é
composto por aquelas regras de direito que são aplicáveis somente
ao
povo
romano.
É
composto
por
regras
que
podem
estar
respaldadas pelo ius naturale e, até mesmo, coincidir com o ius
gentium, porém, contém instituições e fontes próprias.
Para finalizar essa breve conceituação cumpre fazer referência a
uma situação que se encontra mencionada por muitos estudiosos de
Direito Romano (e, inclusive, no Corpus Iuris Civilis), situação essa
que serviria para justificar cabalmente a vigência da distinção
tricotômica ora apresentada. O exemplo referido consiste no fato de
que, entre os povos antigos, a escravidão era aceita e praticada de
acordo com o ius gentium, mas, reprovada pelo ius naturale [12].
No sentido referido, a escravidão estaria de acordo com o
direito das gentes porque baseada na prática dos povos antigos que,
ao vencerem uma batalha sobre determinado povo, tornavam os
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vencidos seus escravos. A adoção dessa prática, porém, seria
contrária a um dos postulados basilares do direito natural: a
igualdade dos seres humanos.
4.O DIREITO PRETORIANO, O PRETOR PEREGRINO E A
GÊNESE DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O Direito Pretoriano desenvolve-se a partir do momento em que
se introduz a interpretatio no Direito Romano; e, é em decorrência da
inserção da interpretação que é criada a função judiciária do Pretor
Peregrino (Praetor Peregrinus), por volta de 241 ou 242 a.C [13].
A respeito do surgimento desta figura, Abelardo Saraiva da
Cunha Lobo [14] ensinava que:
devido à dilatação dos seus domínios e ao desenvolvimento
prodigioso da Cidade, as conquistas e as belezas de Roma atraíam
para o seu centro de maior importância – a Cidade das Sete Colinas –
povos diversos, que traziam costumes jurídicos e crenças religiosas,
às vezes racionais e eqüitativas. As relações estabelecidas por esses
estrangeiros, entre si, ou com cidadãos romanos, determinaram no
espírito do Pretor, que tinha de resolver questões a que elas davam
lugar, a necessidade de comparar o ius civile com esses costumes e
como que extrair da comparação princípios jurídicos aplicáveis às
várias hipóteses. Ferem-se, por tal forma, uma luta constante e
reações entre o ius strictum e a aequitas, sugerindo a criação do
Pretor Peregrino [...].
Como se depreende da lição referida, a pretura peregrina foi,
portanto, resultante de uma necessidade da prática forense romana
surgida em virtude da crescente circulação de indivíduos de diversas
origens (estrangeiros) pelos domínios do Império Romano (que se
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deu principalmente com a expansão do Império pelo Mediterrâneo,
através das Guerras Púnicas
[15]
); e, sua função precípua era
solucionar os conflitos entre romanos e estrangeiros ou, somente,
entre estrangeiros.
Na execução das suas tarefas o Pretor Peregrino atuava criando
e estabelecendo a aplicação de regras de ius gentium, através dos
seus Editos, para suprir lacunas e excluir aquelas regras de ius civile
não aplicáveis à solução do conflito em análise.
Note-se que a função do Pretor Peregrino não deve ser
confundida com a do Pretor Urbano (Praetor Urbanus), pois, ao
contrário daquele, esse último era o responsável pelo julgamento,
pela resolução dos conflitos envolvendo os cidadãos (cives) e o seu
campo de atuação estava adstrito aos limites da cidade de Roma.
Uma vez diante dos fatos até agora apresentados perguntará,
então, o leitor atento: o que isso tudo tem a ver com o Direito
Internacional Privado [16]?
Esse ramo do Direito Internacional pode, ainda que de forma
sintética e breve, ser conceituado como o conjunto de regras
destinadas a solucionar os conflitos de leis no espaço envolvendo
relações entre privados de diferentes proveniências e, por isso,
conectadas a mais de um ordenamento jurídico [17].
Na nova realidade que se configurou, dado o caráter prático dos
romanos e a sua busca pela universalização dos seus valores e de
suas instituições, ao Pretor dos peregrinos (estrangeiros) cabia
extrair das leis positivas o ius gentium e aplicá-lo aos casos concretos
que se lhe fossem apresentados. Como já foi dito anteriormente, o
direito das gentes era baseado na razão natural e, ainda, obtido a
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partir da conciliação dos princípios da territorialidade e personalidade
das leis [18].
Para alguns estudiosos, como Irineu Strenger [19], uma vez que
nessa época foram editadas normas que estabeleciam quais as regras
aplicáveis às relações privadas, envolvendo pessoas de diferentes
proveniência,
esta
seria
a
primeira
manifestação
do
Direito
Internacional Privado na história da civilização ocidental.
De acordo com o referido autor, esse ramo do Direito vai sendo
desenvolvido à medida que os estrangeiros começam a serem vistos
de forma positiva pelas sociedades. É exatamente a partir do
momento em que as relações entre os integrantes de povos distintos
deixa de ser pautada pela hostilidade que são lançadas as bases
necessárias ao surgimento dessa vertente jusprivatista internacional.
Em sentido contrário, encontra-se a manifestação de Florisbal
de Souza Del’Olmo
[20]
afirmando categoricamente que há um
consenso na doutrina estabelecendo que na Idade Antiga não existia
o Direito Internacional Privado. Mas, ao mesmo tempo em que faz tal
afirmação, o autor explica que interesses econômicos, decorrentes
das atividades militares e comerciais que obrigavam os povos a se
comunicassem deram ensejo ao surgimento de algumas regras,
alguns direitos que tutelavam os estrangeiros.
Nesse mesmo sentido, Jacob Dolinger
[21]
comenta que alguns
doutrinadores, uma vez que afirmavam que o direito das gentes
tratava-se
tão
somente
de
um
conjunto
de
regras
materiais
(uniformizadas e não solucionadoras de conflitos de jurisdição)
aplicadas nas relações envolvendo estrangeiros residentes no Império
Romano, concluem que não seria cabível afirmar que, na Antigüidade
já estava presente o Direito Internacional privado.
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Mas o próprio Dolinger [22], no entanto, irá acrescentar que na
atualidade mesmo as regras de direito uniforme (uniformizadas) são
consideradas como um dos diversos métodos modernos de solução
dos conflitos das relações de direito internacionais privadas. Logo,
nesse sentido, seria descabido negar a hipótese de que no ius
gentium romano – ao solucionarem-se os conflitos envolvendo
estrangeiros criando e aplicando suas normas – estão presentes as
bases para a formação do Direito Internacional Privado.
Sabe-se que a concepção do Direito Internacional Privado
enquanto ciência, dotada de objeto de estudo e método particulares,
trata-se de fato não muito distante e remete os interessados pela
história da disciplina ao século XIX e, especialmente, aos anos que se
seguiram a 1848, quando o alemão Friedrich Carl von Savigny publica
o oitavo volume do seu tratado sobre o Direito Romano [23].
Ainda assim, uma vez que já na Roma Antiga o objeto central
de estudo (as relações privadas com ou entre estrangeiros e
envolvendo direitos a eles aplicáveis) e os princípios basilares (da
nacionalidade e da territorialidade) da vertente privada de Direito
Internacional são claramente perceptíveis, ainda que de forma
embrionária, a conexão do Direito das Gentes romano com a
disciplina parece restar inafastável.
CONCLUSÃO
Através da presente exposição procurou-se analisar as possíveis
conexões entre o ius gentium romano e a gênese do Direito
Internacional Privado.
Inicialmente, antes de adentrar na análise da referida hipótese,
traçou-se um breve panorama abrangendo os principais períodos e os
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fatos mais marcantes da história do pensamento jurídico produzido
pelos romanos.
A seguir, verificou-se que, nos primórdios do Império Romano
do Ocidente, o gozo da maior parte dos direitos existentes era
garantido somente aqueles indivíduos concebidos e aceitos como
cidadãos romanos. Nesse contexto marcado pela hostilidade, por
óbvio,
aos
estrangeiros
praticamente
nada
era
permitido
ou
garantido.
Com o desenvolvimento das relações sociais, políticas e
econômicas
que
se
deram
com
a
expansão
do
Império,
paulatinamente, os estrangeiros foram sendo integrados à Civilização
Romana.
Em virtude do seu universalismo, para manter a coesão tão
desejada, os direitos existentes na Roma Antiga passaram as ser
gradualmente
habitavam
estendidos
nos
limites
às
diversas
territoriais
do
classes
de
Império,
pessoas
que
inclusive,
aos
estrangeiros.
Nessa nova realidade que estava sendo composta, para garantir
aos estrangeiros o acesso à justiça, por volta de 242 a.C. é criada a
função do Pretor Peregrino.
O Pretor Peregrino, para realizar satisfatoriamente as suas
funções e resolver os conflitos envolvendo as relações entre um ou
mais estrangeiros, precisava lidar, conforme foi visto, com três
categorias de direitos: o ius gentium, o ius naturale e o ius civile.
Uma vez que o ius gentium romano era a ferramenta essencial
utilizada pelos Pretores dos peregrinos (estrangeiros) na solução dos
seus problemas jurídicos, tendo em vista a presença de formas
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embrionárias
das
suas
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principais características, para alguns
doutrinadores e estudiosos é no Direito Romano que se encontram as
bases do Direito Internacional Privado.
BIBLIOGRAFIA
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7.
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Romano. Rio de janeiro: Tipografia de Álvaro Pinto, 1931. p. 7-11.
8.
CORREIA, Alexandre. O conceito de ius naturale, gentium
et civile no direito romano. São Paulo: Odeon, 1934. p. 3.
9.
Conforme passagem do Digesto traduzida por Alexandre
Correia (In: O conceito de ius naturale, gentium et civile no direito
romano. São Paulo: Odeon, 1934. p. 5): "o direito natural é o que a
natureza ensinou a todos os animais. Pois, não é próprio só ao
homem, mas, de todos os animais que vivem na terra, no mar e no
ar. Nele se funda a conjunção dos sexos, a que chamamos
matrimônio: a procriação e a educação dos filhos. E até mesmo as
feras, conforme nos mostra a experiência, são capazes, peritia, de tal
direito".
10.
VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico
moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 67-70.
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12.
CORREIA, Alexandre. O conceito de ius naturale, gentium
et civile no direito romano. São Paulo: Odeon, 1934. p. 19.
13.
MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Vol. 1. 10.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 69-71.
14.
LOBO, Abelardo Saraiva da Cunha. Curso de Direito
Romano. Rio de janeiro: Tipografia de Álvaro Pinto, 1931. p. 9.
15.
Sobre a expansão romana, Marvin Perry (In: Civilização
Ocidental: uma história concisa. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 91) comenta que ela se deu: "em três etapas principais: a
unificação da península itálica, que deu a Roma o potencial humano
que a transformou de cidade-estado em grande potência; o conflito
com Cartago, a partir do qual Roma emergiu como senhora do
Mediterrâneo ocidental; e a sujeição dos Estados helenísticos, que
colocou os romanos em estreito contato com a civilização grega. [...]
Roma assimilou outros povos à sua comunidade política. Assim como
o direito se desenvolvera antes para atender às reivindicações dos
plebeus, assim também ajustou-se às novas situações resultantes da
criação
de
um
império
multinacional.
A
cidade
de
Roma
transformava-se na cidade da humanidade – a cosmópolis sonhada
pelos estóicos".
16.
A respeito da nomenclatura "Direito internacional" é
curioso observar que, durante certo tempo, a denominação desse
ramo do Direito e da disciplina era "Direito das Gentes" (Ius
Gentium), conforme Carlos Roberto Husek (In: Curso de direito
internacional público. 8. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 24).
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17.
DEL’OLMO,
e-learning
Seminário de Direito Internacional
Florisbal de Souza. Direito Internacional
Privado: abordagens fundamentais, legislação, jurisprudência. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 16.
18.
Sobre esses princípios salienta-se que, resguardadas as
devidas proporções e modificações que sofreram ao longo da história,
nada obsta que sejam comparados aos principais (atuais e vigentes)
elementos de conexão do Direito Internacional Privado, que são: a
nacionalidade e o domicílio. A respeito dos princípios da origo (a
"origem", compreendida para fins deste estudo como correlata ao
princípio da personalidade e da nacionalidade) e do domicilium (o
"domicílio",
se
compreendido
como
correlato
ao
princípio
da
territorialidade) no Direito Romano, encontra-se o estudo de Friedrich
Carl von Savigny (In: Sistema do direito romano atual. Tradução de
Ciro Mioranza. Vol. VIII. Ijuí: Unijuí, 2004. p. 58-99).
19.
STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 3. ed.
aum. São Paulo: LTr, 1996. p. 215-225.
20.
DEL’OLMO,
Florisbal
de
Souza.
Direito
Internacional
Privado: abordagens fundamentais, legislação, jurisprudência. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 1-2.
21.
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado (parte
geral). 6. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 123124.
22.
Ibidem. p. 124.
23.
JAYME, Erik. Introdução. In: VON SAVIGNY, Friedrich
Carl. Sistema do direito romano atual. Vol. VIII. Tradução de Ciro
Mioranza. Ijuí: Unijuí, 2004. p. 15.
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O DIREITO DAS GENTES ROMANO E A GNESE DO