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Os vocábulos de uma língua constituem um conjunto ordenado, e o que concorre para
essa ordenação é o fato de apresentarem semelhanças de forma, de sentido e de
função, como vimos na introdução. Daí poderem ser agrupados ou classificados
levando em conta três critérios: o formal ou mórfico, o semântico e o funcional. O
critério formal ou mórfico baseia-se nas características da estrutura do vocábulo; o
semântico baseia-se no seu modo de significação (extralingüístico e intralingüístico), e o
funcional baseia-se na função ou papel que ele desempenha na oração. A aplicação
desses critérios nos conduzirá às classes de vocábulos, ou seja, aos conjuntos "das
unidades que têm as mesmas possibilidades de aparecer num dado
enunciado" (Dubois, 1973, p.108).
Para reforçar a opção por esses critérios, convém lembrar que a língua é um sistema de
elementos e de relações; esse sistema, formado de subsistemas, se organiza nos
níveis fonológico, morfo-sintático e semântico.
Segundo Mattoso Câmara, o critério semântico não deve ser observado isoladamente,
como acontece comumente na Gramática Tradicional. Para ele, o critério semântico e o
critério mórfico se associam de forma muito estreita, pois o vocábulo é uma unidade de
forma e de sentido. "O sentido não é qualquer coisa de independente, ou, mais
particularmente, não é apenas um conceito; conjuga-se a uma forma. O termo ´sentido´
só pode ser entendido com o auxílio do conceito de ´forma´." (Mattoso Câmara, 1970).
De acordo com o critério morfo-semântico, os vocábulos do português se agrupam em
nomes, verbos, pronomes, advérbios e conectivos, constituindo-se as três primeiras
classes, de vocábulos variáveis, e as duas últimas, de vocábulos invariáveis. A
diferença entre essas classes está no modo de significação e nas categorias
gramaticais que cada uma delas expressa, ou seja, na sua flexão.
o nome, por nomear os seres, expressa as categorias de gênero e número;
o pronome faz uma referência ao nome dentro de um contexto e por isso
expressa também as categorias de gênero e número, além de possuir formas
diferentes para pessoas e funções sintáticas;
o verbo, que expressa um processo, se distingue das outras classes do grupo
porque apresenta variação de modo, tempo (aspecto) e pessoa (número);
o advérbio especifica a significação de um processo verbal e é invariável;
os conectores estabelecem relações de sentido entre os elementos da frase e
são invariáveis.
Por outro lado, os critérios mórfico e funcional estão também intimamente relacionados,
pois a forma depende da função que o vocábulo desempenha na frase, das relações de
regência e concordância que se estabelecem.
Do ponto de vista funcional, as classes de vocábulos podem ser diferenciadas de
acordo com características sintáticas. O nome substantivo funciona como núcleo do
sintagma nominal, acompanhado por determinantes e modificadores. O verbo funciona
como núcleo do sintagma verbal, acompanhado por complementos e modificadores.
Retomando o conceito de função como um princípio da organização da oração,
devemos entender que "determinar a função de um constituinte é formular sua relação
com os demais constituintes da unidade de que ambos fazem parte" (Perini, 1995).
Para Perini (1995), "classificar as palavras implica elaborar uma classificação sobre
critérios formais (sem excluir da descrição a classificação semântica, mas separando-se
nitidamente dela)". Afirma que "é necessário classificar as palavras quanto a seus
traços formais, isto é, quanto ao seu comportamento sintático e morfológico; e também
é necessário classificá-las quanto a seus traços de significado". Segundo ele, é preciso
estar atento à coerência que deve haver dentro de cada classe, isto é, a definição que
se dá dessa classe deve se adequar ao conjunto de vocábulos nela incluído; deve
haver também uma relativa homogeneidade entre os componentes da classe quanto ao
comportamento gramatical.
Assim, a tradicional definição da classe dos verbos sob o ponto de vista basicamente
semântico ("palavra que exprime uma ação") é inadequada, já que vocábulos de outras
classes também podem conter esse traço de sentido. Por exemplo, corrida e construção
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são nomes que contêm a idéia de processo.
Por isso, o critério morfológico e o funcional, juntos, permitem uma definição mais
coerente desta classe de vocábulos:
a)verbos são vocábulos que variam em tempo (+aspecto), modo e pessoa (+ número);
b)somente os verbos podem desempenhar a função de núcleo do predicado.
Embora esses conjuntos de vocábulos possam ser estabelecidos com base em
semelhanças de comportamento gramatical, a função que eles desempenham é
fundamental para determinar suas características semânticas e morfológicas. Por isso,
a separação entre as classes não é estanque. O verbo, por exemplo, pode funcionar
como nome ao ocupar o núcleo do sintagma nominal, antecedido por um determinante
( artigo ou pronome). Esse processo de nominalização é muito produtivo na língua,
sendo, inclusive, a origem da formação de inúmeros vocábulos.
Exemplos:
Viver é muito perigoso.(Guimarães Rosa)
Não desejo outro viver.
O ir e vir das pessoas me incomodava.
O vai e vem dos carros diminuía à medida que a noite avançava.
Essa mobilidade dos vocábulos é um forte argumento para que eles sejam observados
sob diferentes aspectos -- morfológico, funcional e semântico. O problema com os
livros de gramática e os livros didáticos é que, em geral, a definição de cada classe não
leva em conta os mesmos critérios, o que resulta em definições confusas, privilegiando
ora um, ora outro critério. De uma forma geral, a classificação se apóia basicamente no
critério semântico, complementado às vezes pelo morfológico.
Essa posição tem origens históricas. Os antigos gramáticos gregos e latinos já se
preocupavam com o estudo das diferentes classes, estabelecendo, com base em uma
perspectiva morfológica, distinções basadas nas flexões a que cada tipo de vocábulo
se submetia. Por exemplo, o substantivo era diferenciado do verbo por apresentar
flexão de gênero e número, e não de pessoa, tempo e modo.
Seguindo esse modelo, as gramáticas normativas também privilegiam o critério
morfológico, aliando-o, agora, ao critério semântico. Já nos estudos lingüísticos mais
recentes, fica evidente a necessidade de basear a classificação dos vocábulos no
critério funcional.
Em português, distinguem-se, tradicionalmente, dez classes de vocábulos. Vejamos as
definições normalmente encontradas nos compêndios gramaticais. Elas devem ser
analisadas e comparadas com a concepção defendida por Mattoso Câmara e
apresentada no corpo deste estudo.
Substantivo - é o nome de todos os seres (critério semântico) que existem
ou que imaginamos existir.
Adjetivo - é toda e qualquer palavra que, junto de um substantivo, (critério
funcional) indica uma qualidade, estado, defeito ou condição (critério
semântico).
Numeral - é a palavra que dá idéia de número (critério semântico).
Artigo - é a palavra que antecede o substantivo (critério funcional) e indica
o seu gênero e número, (critério morfológico) individualizando-o ou
generalizando-o (critério semântico).
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Pronome - é a palavra que substitui ou acompanha um substantivo
(nome), (critério funcional) em relação às pessoas do discurso (critério
morfo-semântico).
Verbo - é a palavra que pode sofrer as flexões de tempo, pessoa, número
e modo. (critério morfológico) (...) é a palavra que pode ser conjugada;
indica essencialmente um desenvolvimento, um processo (ação, estado
ou fenômeno) (critério semântico).
Advérbio - é a palavra invariável, (critério morfológico) que modifica
essencialmente o verbo (critério funcional), exprimindo uma circunstância
(tempo, modo, lugar etc.)(critério funcional).
Preposição - é a palavra invariável (critério morfológico) que liga duas
outras palavras entre si (critério funcional), estabelecendo entre elas
certas relações (critério semântico).
Conjunção - é a palavra invariável (critério morfológico) que liga orações,
ou, ainda, termos de uma mesma função sintática (critério funcional).
Interjeição - é a palavra invariável (critério morfológico) que exprime
emoção ou sentimento repentino (critério semântico).
ATENÇÃO
Essas definições são incompletas e devem
ser revistas, porque privilegiam, seguindo
a
tradição
gramatical,
quase
que
exclusivamente o critério semântico.
Em um dos compêndios analisados, encontra-se, inclusive, a seguinte afirmação sobre
as interjeições: "As interjeições são, na verdade, frases implícitas, e não palavras
invariáveis. Comprova-o o fato de a interjeição não exercer nenhuma função na
oração." Esse tipo de definição é contraditório porque, apesar de encaminhar a
argumentação com base em um critério funcional ("a interjeição é uma frase
implícita"), conclui o raciocínio com base em um critério morfo-semântico ("palavra
invariável que exprime noção ou sentimento repentino").
Tendo em vista esse problema, vamos procurar trabalhar, nesta unidade, com uma
classificação que tenha uma coerência maior, levando em conta as considerações
anteriormente feitas.
Elizabeth B. R. Oliveira, José Luiz C. Negrini e Nina R. P. Lourenço (1977), na série
"Encontro com a linguagem", publicação destinada ao ensino de língua e literatura no
Ensino Médio, apresentam um estudo muito coerente das classes de vocábulos,
seguindo a linha proposta por Mattoso Câmara. Três critérios, portanto, orientam o
estudo de cada uma das classes: o funcional, o mórfico e o semântico, coerentemente
com o que foi discutido antes. Essa orientação, ao lado da de Perini, é a que
seguiremos na abordagem de cada classe em particular.
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