UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA VALÉRIA DA SILVA FARIA RESULTADOS ALCANÇADOS E DESCRITOS POR SUJEITOS COM DEPENDÊNCIA QUÍMICA EM COCAÍNA QUE ESTÃO OU ESTIVERAM EM PROCESSO PSICOTERÁPICO Palhoça 2009 1 VALÉRIA DA SILVA FARIA RESULTADOS ALCANÇADOS E DESCRITOS POR SUJEITOS COM DEPENDÊNCIA QUÍMICA EM COCAÍNA QUE ESTÃO OU ESTIVERAM EM PROCESSO PSICOTERÁPICO Pesquisa apresentada na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, como requisito parcial para obtenção do título de Psicólogo. Orientador (a): Profª. Maria do Rosário Stotz, Dra. Palhoça 2009 2 Dedico este trabalho ao meu marido Aldo e a meus filhos Eduardo e Gustavo pela compreensão, incentivo e amor. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço em especial aos meus pais Jonas e Marisa pelo exemplo e amor. Ao meus irmãos Evandro pelos momentos de descontração e Rafael pelo exemplo de perseverança. A família Faria, representada aqui pelas minhas queridas tias Ana, Jandira e Maria de Lourdes. A família Silva, representada aqui pela minha adorada tia Moema. A família Martins pelo carinho dispensado. As minhas grandes amigas Helena Maria, Maria Emília, em especial, a Kátia Regina pela disponibilidade em me ouvir e ajudar. A CODESC que acreditou em minha capacidade e investiu em minha formação acadêmica. Aos meus queridos amigos de trabalho Bogoni, Tavares, Patrícia e Alaor, pelo apoio. Ao meu analista Oscar pela escuta que aliviou muitas vezes minhas dores e me fez seguir em frente. As minhas colegas de faculdade pela convivência diária e gratificante, em especial, a Sílvia de Arruda Cunha pelos vários momentos de reflexão. Ao projeto de extensão Time da Mente pela oportunidade. E a todos que me auxiliaram direta e indiretamente, na minha formação acadêmica, em especial, a minha orientadora Maria do Rosário Stotz, por compartilhar seus conhecimentos com tanta dedicação. 4 RESUMO Esta pesquisa apresenta como tema central a dependência química de cocaína e a psicoterapia em pacientes atendidos nos vários níveis de atenção à saúde. Tem como população de pesquisa 5 (cinco) usuários que recebem ou receberam tratamento para dependência química no PSM do município de São José, no CAPS AD, em Florianópolis e Intituto São José, localizado também no município de São José, todos no Estado de Santa Catarina. O objetivo geral desta pesquisa é identificar os resultados alcançados e descritos por sujeitos dependentes químicos em cocaína que estão ou estiveram em processo psicoterápico. Os objetivos específicos são: verificar quais os serviços, nos diferentes níveis de atenção à saúde que prestam atendimento a sujeitos com dependência química em cocaína; verificar quais são as expectativas que os dependentes em cocaína têm em relação ao tratamento psicoterápico; identificar se os dependentes em cocaína foram ou estão sendo submetidos a outra forma de tratamento; coletar dados junto a sujeitos com dependência química em cocaína quais foram os resultados alcançados a partir do processo psicoterápico. No marco teórico foram abordados os temas relacionados à definição de droga e suas formas de classificação, informações e características gerais sobre a cocaína, ação cerebral da mesma, sintomas gerais decorrentes do uso e abuso da cocaína, transtornos mentais e de comportamento devido ao uso de substâncias, especificamente da cocaína, sintomas físicos e psicológicos anteriores ou decorrentes do uso de drogas, aspectos sociais e culturais envolvidos na dependência química, o papel da família nesse processo e sua possível inclusão no tratamento, bem como alguns tipos de tratamentos para dependentes que fazem uso abusivo de drogas. Quanto à metodologia empregada, trata-se de uma pesquisa exploratória, bem como de campo, de natureza qualitativa. O delineamento revela-se um estudo de multi casos, e a coleta de dados foi efetuada por meio de uma entrevista semi estruturada com usuários dos referidos serviços, sendo a coleta dos dados realizada através de análise de conteúdo. Os principais resultados alcançados através do processo psicoterápico são percebidos e descritos pelos sujeitos com relação a melhora na qualidade de vida, nas relações interpessoais e na aquisição de diferentes habilidades e comportamentos, que têm permitido evitar o consumo e prevenir recaídas. Palavras-chave: Dependência química. Tratamento. Psicoterapia. Resultados alcançados. 5 LISTA DE SIGLAS AA - Alcoólicos Anônimos AVC - Acidentes Vasculares Cerebrais BVS-PSI - Biblioteca Virtual em Saúde CAPS - Centro de Atenção Psicosocial CAPS AD - Centro de Atenção Psicosocial Álcool e Drogas CID - Classificação Internacional de Doenças CRPSC – Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina DSM - Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais ESF - Estratégia de Saúde da Família NA - Narcóticos Anônimos OBID - Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas OMS - Organização Mundial da Saúde PR – Prevenção de Recaídas PSM - Programa de Saúde Mental SNC - Sistema Nervoso Central SRTs - Serviços Residenciais Terapêuticos TCC – Terapia Cognitivo Comportamental UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina UNODC -Nações Unidas contra Drogas e Crimes UPHG - Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 7 1.1 TEMA.............................................................................................................. 9 1.2 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA............................................................. 9 1.3 OBJETIVOS.................................................................................................... 17 1.3.1 Objetivo geral............................................................................................ 17 1.3.2 Objetivos específicos................................................................................ 17 2 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................ 18 2.1 TRATAMENTOS............................................................................................. 29 3 DELINEAMENTO DA PESQUISA.................................................................... 36 3.1 MÉTODO........................................................................................................ 36 3.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA............................................................. 36 3.3 POPULAÇÃO E AMOSTRA........................................................................... 38 3.4 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS................................................. 39 3.5 PROCEDIMENTO DE TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS................. 40 4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS............................................ 41 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 72 REFERÊNCIA....................................................................................................... 75 APÊNDICE A – Entrevista.................................................................................. 78 7 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho de pesquisa é resultado da articulação entre as disciplinas Trabalho de Conclusão de Curso I e II, Núcleo Orientado em Psicologia da Saúde I, II e III, e Estágio Específico em Psicologia da Saúde I e II, desenvolvido no Programa de Saúde Mental (PSM) no Município de São José/SC. O Programa está vinculado à Secretaria da Saúde do Município, tendo como principal objetivo prestar assistência integral em saúde mental aos portadores de transtornos mentais, alcoolistas, usuários de drogas lícitas e ilícitas, segundo os critérios definidos pelo Ministério da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. (PORTELA, 2004). O uso indevido de drogas constitui-se um problema de ordem internacional, preocupando nações do mundo inteiro. É um tema amplo e complexo que ameaça também a sociedade brasileira, afetando seus valores políticos, econômicos, sociais e culturais. O Relatório Mundial de Drogas (2007), realizado pelo UNODC (Nações Unidas contra Drogas e Crimes) em diversos países, incluindo o Brasil, aponta que cerca de 200 milhões de pessoas, ou seja, 5% (4,8%) da população mundial, entre 15 e 64 anos, usa drogas a cada ano. Mais da metade consome pelo menos uma vez por mês, sendo que aproximadamente 25 milhões de pessoas são dependentes químicos. Na América do Sul a cocaína é considerada a droga que mais causa problemas e que mais leva os dependentes à busca de tratamento. No Brasil há registros do aumento do uso de cocaína, portanto o assunto deve ser tratado como uma questão de saúde pública, com vistas mais à prevenção e oferecendo serviços de atendimento a quem busca tratamento. (UNODOC, 2007). Diante disso, no que tange à dependência química e danos à saúde, surgem demandas de atendimento também no PSM por parte de usuários de drogas, fato que despertou interesse da pesquisadora em aprofundar estudos e efetuar este trabalho. Cabe ressaltar, que o PSM tem como característica oferecer um atendimento de atenção básica, pois está vinculado à Estratégia de Saúde da Família (ESF), com o objetivo de fornecer suporte aos profissionais em relação ao atendimento a pacientes portadores de algum transtorno mental e seus familiares. Esse programa foi implantado em julho de 2004, é realizado na Unidade Básica de Saúde do Bairro Bela Vista III e, atualmente, conta com uma equipe com duas enfermeiras e dois médicos psiquiatras. (STOTZ; CAMPOS, 2006). 8 O PSM oferece atendimento ambulatorial de segunda à sexta-feira, através de consultas de enfermagem e, na seqüência, consulta psiquiátrica. Os retornos são agendados conforme a necessidade dos usuários que são encaminhados pelo médico do ESF dos bairros do município, por meio de um formulário onde consta o diagnóstico e o plano de atendimento realizado no programa. Atualmente estão cadastrados 1280 pacientes com diagnósticos de diversos transtornos mentais, que foram ou estão sendo atendidos pelo Programa. Cabe ressaltar que a incorporação do cuidado à saúde mental básica torna possível o atendimento de uma parcela da demanda dos pacientes com transtornos mentais. (STOTZ; CAMPOS, 2006). A inclusão da psicologia no referido programa se deu em agosto de 2006, por meio de parceria com a Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), através do curso de Psicologia e Projeto de Extensão Time da Mente, formado por professores e alunos, vivenciando assim a articulação entre a teoria e a prática a partir da demanda identificada na comunidade. (STOTZ; CAMPOS, 2006). O Projeto de Extensão tem como objetivo promover e/ou resgatar a saúde mental dos sujeitos atendidos pelo PSM do município de São José. Inicialmente foi realizado um diagnóstico institucional com a finalidade de mapear as características da população atendida pelo Programa. De acordo com levantamento de dados efetuado pelos alunos integrantes do Time da Mente, dentre os 795 prontuários pesquisados à época, notou-se que 72,45% dos pacientes eram mulheres e 27,55% eram homens. Assim sendo, 15,64% da população masculina apresenta transtornos devido ao uso de álcool, e 6,75%, devido ao uso de outras substâncias psicoativas; já na população feminina 2,52% apresentam transtornos devido ao uso de outras substâncias psicoativas. Estes índices demonstram a importância de se pesquisar os resultados terapêuticos que são alcançados junto aos pacientes dependentes químicos que estão ou foram submetidos a processo psicoterápico, bem como, subsidiar o desenvolvimento de estratégias de tratamento adequadas e eficientes às necessidades da sociedade. De acordo com Brasil (2005), o uso e abuso de substâncias psicoativas não é um problema de determinadas localidades ou classes sociais. Pelo menos 10% da população dos grandes centros urbanos de todo mundo apresentam algum tipo de envolvimento com drogas, o que acarreta agravos sociais e psicológicos decorrentes do consumo. 9 Cabe ressaltar que órgãos ligados à saúde pública têm desenvolvido mecanismos de prevenção e tratamento por meio de políticas públicas específicas de atenção às pessoas que fazem uso de álcool e drogas. O Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas reconhece a necessidade de uma compreensão integral e dinâmica do problema, bem como a promoção dos direitos e abordagem de redução de danos. (BRASIL, 2005). Diante desse contexto, surgiu interesse em pesquisar de que forma a psicologia tem contribuído na intervenção junto a pacientes com dependência química, especificamente de usuários de cocaína, destacando os resultados alcançados segundo discurso dos mesmos durante/após o processo psicoterápico, sendo este considerado um dos temas relevantes na promoção da saúde. Para tanto, este trabalho de pesquisa está estruturado a partir dos seguintes tópicos: tema, problemática e justificativa; objetivos geral e específicos; referencial teórico; delineamento da pesquisa; apresentação e discussão dos dados, considerações finais; referências; anexos e apêndices. 1.1 TEMA: Dependência em cocaína e psicoterapia. 1.2 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA Essa pesquisa justifica-se pelo fato das drogas serem um problema que vem atingindo, indistintamente, homens e mulheres de todas as classes sociais e econômicas, independente de idade, do nível de instrução e da profissionalização, causando prejuízos físicos e uma série de problemas emocionais. O presente trabalho tem como propósito estudar os resultados que podem ser atingidos por meio do processo psicoterápico com pacientes dependentes de cocaína. No entanto, antes de entrar propriamente na questão, serão apresentados alguns pontos relevantes para contextualização do problema de pesquisa. A atual política de assistência à saúde no Brasil, a partir da Reforma Psiquiátrica (2001), propõe modificar como é vista e tratada a doença mental, 10 sugerindo a ruptura com o modelo biomédico, buscando aumentar a rede de apoio aos pacientes psiquiátricos, tratando seu sofrimento e inserindo-o na sociedade. A Reforma Psiquiátrica foi um movimento de caráter democrático e social que visou a extinção progressiva dos manicômios, tentando assim, desmistificar a loucura e socializá-la culturalmente. Contemporaneamente, há o abandono da visão reducionista da saúde como ausência de doença e passa-se a considerar outros fatores sociais, familiares e culturais que afetam a vida das pessoas. Essa nova concepção dá um novo olhar à psiquiatria, ao campo da saúde mental, criando novos modelos de atendimento e serviços oferecidos aos usuários, e aos familiares (AMARANTE, 2003). De acordo com o Ministério da Saúde, a política nacional de saúde mental tem como objetivo: [...] diminuir os leitos psiquiátricos, qualificar, expandir e fortalecer a rede extra-hospitalar – Centros de Atenção Psicosocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais (UPHG) – incluir as ações da saúde mental na atenção básica, implementar uma política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, implantar o programa “De Volta Para Casa”, manter um programa permanente de formação de recursos humanos para reforma psiquiátrica, promover direitos de usuários e familiares incentivando a participação no cuidado, garantir o tratamento digno e de qualidade ao louco infrator (superando o modelo de assistência centrado no Manicômio Judiciário) e avaliar continuadamente todos os hospitais psiquiátricos por meio de um Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares – PNASH/Psiquiatria (BRASIL, 2007 a). As propostas de serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos configuram-se como principal estratégia para a atenção psicosocial que tem por objetivo a diminuição das internações, a fim de proporcionar a reabilitação social dos indivíduos, através do exercício de seus direitos civis, para fortalecer a rede de apoio social e familiar, com o propósito de potencializar sua emancipação e autonomia. Segundo Brasil (2005), para intermediar e potencializar este processo, a política nacional de saúde mental incluiu a implementação de uma atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas, já que a saúde pública brasileira não vinha se ocupando devidamente desse tema. Por um longo período, o Estado esteve relativamente omisso em relação a essas questões, deixando-as a encargo das instituições de justiça, segurança pública, pedagogia, benemerência e associações religiosas, o que possibilitou a disseminação no país de serviços alternativos, baseados em práticas médicas psiquiátricas ou religiosas, tendo como foco de tratamento a abstinência. Os trabalhos dessas instituições são importantes, mas não 11 invalidam a participação mais contundente do Estado por meio de políticas públicas claras e específicas com relação à prevenção e tratamento deste complexo problema. (BRASIL, 2005). O Estado deve ser um agente ativo neste processo, adotando novas formas de intermediação, bem como desenvolver uma cultura mais responsável com a participação de toda a sociedade, pois os impactos causados pelo uso indevido de drogas lícitas e ilícitas, podem ser percebidos nos gastos crescentes com tratamentos médicos e hospitalares, no aumento de morte prematura de usuários, nos índices de acidentes de trânsito, de acidentes de trabalho e da violência urbana, incluindo a perda da produtividade dos trabalhadores. (Brasil, 2008). O Ministério da Saúde do Brasil ressalta que a cultura existente no país em relação ao uso do álcool e outras drogas vem sendo associada à criminalidade e práticas antisociais, colaborando com “tratamentos” que excluem os usuários do convívio social. As implicações sociais, psicológicas, econômicas e políticas ligadas ao tema devem ser consideradas de forma global, através de uma política de alcance nacional no âmbito da saúde pública. Sendo assim, a partir da constatação sobre a dimensão epidemiológica do consumo prejudicial e da complexidade em relação à dependência das principais drogas no contexto brasileiro, o Ministério da Saúde institui, no âmbito do SUS, o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas (2002) e define “estratégias específicas para a construção de uma rede de assistência aos usuários de álcool e outras drogas, com ênfase na reabilitação e reinserção social.” (BRASIL, 2005). O Programa Nacional de Atenção Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas (2002), propõe uma política focada em: [...] organizar as ações de promoção, prevenção, proteção à saúde e educação das pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas e estabelece uma rede estratégica de serviços extra-hospitalares para esta clientela, articulada à rede de atenção psicosocial e fundada na abordagem de redução de danos. (BRASIL, 2005, p 5). Neste contexto insere-se o Centro de Atenção Psicosocial (CAPS AD) que é um dos dispositivos estratégicos baseados nos princípios da Reforma Psiquiátrica e SUS, que tem como objetivo atender as necessidades de cada paciente de forma integrada ao meio cultural e à comunidade em que estão inseridos, utilizando a lógica ampliada de redução de danos. A proposta é 12 desenvolvida nos estados e municípios, por meio do Programa de Atenção Integral recebendo incentivos para resgatar a rede de apoio social, bem como, disponibilizar leitos em hospitais gerais para situações de urgência e emergência, além de outras práticas de atenção comunitária como internação domiciliar e inserção comunitária de serviços, de acordo com a população alvo do serviço. (BRASIL, 2005). Com a implantação destas ações, o indivíduo que faz uso prejudicial de álcool e outras drogas, poderá obter uma atenção direcionada para cada problema em específico. A abordagem de redução de danos aplica-se aos indivíduos que, não podendo, ou não querendo se abster, adotam práticas de risco ligadas ao uso de drogas. Conforme Brasil (2005, p.5), esse é um dos (...) eixos norteadores das ações no campo da saúde pública tendo como objetivo reduzir os danos causados pelo abuso de drogas lícitas ou ilícitas, resgatando o usuário em seu papel de auto-regulador, sem a exigência imediata e automática da abstinência, e incentivando-o à mobilização social. Esse aspecto preventivo em que se baseia a redução de danos é definido por Brasil (2004) como um processo de planejamento, implantação e implementação de múltiplas estratégias voltadas para a redução de fatores de risco específicos e fortalecimento dos fatores de proteção. Tem como objetivo impedir uma escalada do uso da substância psicoativa, minimizando as conseqüências globais do uso de álcool e drogas, sem a exigência da abstinência como a única meta viável e possível aos usuários do serviço. Os elementos em que se baseiam as estratégias de prevenção, contemplam o fornecimento de informações sobre o tema em questão, alternativas de lazer e atividades livres de drogas, com a possibilidade de identificação de problemas pessoais e o acesso ao suporte para tais problemas. É fundamental ainda, intervenções no sentido de fortalecer os vínculos afetivos, o estreitamento dos laços sociais e a melhora da autoestima. (BRASIL, 2004). O CAPS AD oferece atendimento diário aos pacientes que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, fato que permite intervenções precoces e planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua, entre as quais atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação e outros), atendimento em grupos ou oficinas terapêuticas e visitas domiciliares. Proporciona inclusive condições para repouso, bem como para a desintoxicação ambulatorial de pacientes que demandam desse tipo de cuidado e 13 que não necessitam de atenção clínica hospitalar, minimizando assim o estigma associado ao tratamento. (BRASIL, 2004). Essa estratégia pragmática permite que os usuários dos serviços de saúde sejam reconhecidos na sua singularidade, acolhidos pelos profissionais, sem julgamento, conforme a necessidade específica de cada situação e de cada sujeito, com o objetivo de oferecer-lhes o que é preciso e possível para estimular a participação e engajamento efetivo na transformação da realidade apresentada em defesa da vida. (BRASIL, 2005). O consumo de substâncias psicoativas tem sido cada vez mais uma característica comum da maioria das civilizações. De acordo com a OMS (2004), o número de usuários no mundo no período de 2000 a 2001, foi de 14,1 milhões ao ano. Segundo Gitlow (2008), nas classes privilegiadas o problema tem se tornado freqüente, pois os sujeitos bem sucedidos social e profissionalmente, consomem drogas com freqüência devido à disponibilidade financeira e facilidade de adquirir as substâncias. No entanto, são os menos favorecidos que estão mais expostos à violência decorrente da mesma. A dificuldade de recuperação é potencializada pela sensação de invulnerabilidade proporcionada pela ingestão da droga que, associada ao relacionamento psicológico da cocaína, por exemplo, com diversão e trabalho, leva à negação do problema. (GITLOW, 2008). A utilização de substâncias psicoativas nos diferentes segmentos da sociedade, bem como as discussões que esse tema representa nas pautas de políticas públicas de saúde e nos meios científicos, justificam-se pelas conseqüências que o uso destas acarreta às pessoas. O consumo das drogas pode ocasionar sofrimento aos usuários, proporcionar diminuição da qualidade de vida, prejudicar as relações com amigos, família, formação educacional e profissional, bem como, causar problemas psicológicos ao indivíduo, fazendo com que o mesmo não tenha mais o controle sobre suas ações. (COUTINHO; ARAÚJO; GONTIÈS, 2005). Entretanto, o uso da droga também pode ser o resultado da tentativa do usuário de lidar com as questões de vida acima citadas, buscando encontrar soluções alternativas dos problemas existentes por meio do consumo de cocaína. Para que o individuo possa se recuperar, o papel do psicólogo é fundamental, viabilizando que o usuário possa receber um tratamento direcionado e adequado para o problema específico. Frente a estes aspectos, o psicólogo tem como intervir junto ao paciente, possibilitando a compreensão de sua motivação para 14 o uso da substância e abstinência. Depois de compreendido, auxiliá-lo a desenvolver habilidades para enfrentar as situações-problema que ocorrem na vida, sem que seja necessária a utilização da droga. É importante que o tratamento seja executado em conjunto com outros profissionais da área da saúde, pois o consumo de drogas envolve aspectos psicológicos, sanitários, educativos, políticos, culturais e sociais. Com isso é necessária uma integração de ações preventivas de controle e de tratamento, de forma que possam atuar no pólo, da demanda com um trabalho de prevenção sócio-educativa, desenvolvida por uma equipe multidisciplinar. (COUTINHO; ARAÚJO; GONTIÈS, 2005). O presente trabalho visa colocar em prática os conhecimentos adquiridos pela pesquisadora na academia, bem como estudar a realidade de indivíduos com dependência química que necessitam de ajuda por parte de profissionais, da sociedade e da própria família. A relevância social do trabalho se dá principalmente por pesquisar os discursos de sujeitos que necessitam de tratamento diferenciado, atendidos nos vários níveis de atenção, que buscam uma reintegração ao convívio social. Diversas pesquisas já foram desenvolvidas sobre o tema em questão, mas não foi possível identificar nenhum estudo que revelasse os resultados alcançados e descritos pelos pacientes com relação ao tratamento psicoterápico. Destaca-se a seguir breves considerações sobre os artigos disponíveis no Scielo, Bireme, Psicologia on-line e na Biblioteca Virtual em Saúde (bvs-psi). No artigo “Avaliando a motivação para mudança em dependentes de cocaína”, os autores Orsi; Oliveira (2006) apresentam um estudo que se fundamenta em uma pesquisa realizada junto a pacientes internados devido a problemas relacionados à dependência de cocaína. Teve como objetivo identificar o grau de motivação para a mudança em relação à questão da droga. Foi possível averiguar que o fato dos pacientes buscarem tratamento não necessariamente quer dizer que eles estejam motivados para alterar a situação. O trabalho ressalta a importância de estratégias terapêuticas que conscientizem os dependentes do problema, por meio de intervenções que os auxiliem a encontrar as suas próprias razões para evocar a mudança e que estejam convictos delas. O artigo ainda salienta a importância de uma avaliação individual aprofundada de cada paciente, com destaque para as intervenções individuais focadas na motivação para mudança do indivíduo, levando em consideração possíveis sintomas psiquiátricos e a gravidade da dependência. 15 O artigo “Comunidades terapêuticas como forma de tratamento para a dependência de substâncias psicoativas”, apresenta como a dependência pode ser tratada sob diversas formas nas comunidades terapêuticas, em pacientes que buscam essas instituições e como eles lidam com o tratamento para a dependência de substâncias psicoativas. (SABINO; CAZENAVE, 2008). O artigo intitulado “Modelos de análise do uso de drogas e de intervenção terapêutica: algumas considerações”, apresenta as propostas das últimas décadas para usuários, focados em medidas educativas que poderão contribuir para a ressocialização dos dependentes. (REZENDE, 2008). A análise desses trabalhos científicos representou mais uma fonte de motivação para realização deste estudo, pois não foram encontradas pesquisas realizadas sobre resultados psicoterapêuticos alcançados e descritos por dependentes em cocaína. A maior parte das abordagens psicoterápicas da dependência acredita na abstinência da substância como um pré-requisito para o sucesso do tratamento, desconsiderando, em alguns casos, a recaída como parte importante do processo terapêutico. Mas é fundamental não encarar o uso de substância como um fenômeno sem meios-termos. Estudos revelam um alto índice de recaídas nos indivíduos, mesmo após tratamentos, e por isso a recaída deve ser concebida sob vários aspectos. Quando se adota um enfoque mais pessimista, a recaída é considerada como um fracasso do tratamento ou retorno ao estado de doença. Por outro lado, essa pode ser vista como um deslize que faz parte do processo de recuperação. A origem do termo recaída vem da palavra em latim relabi que quer dizer “deslizar, cair para trás”, como nem todo lapso ocasiona numa recaída, existe a possibilidade de se extrair benefícios desse evento, através de uma perspectiva mais otimista e desafiadora na evolução do tratamento. (MARLATT E GORDON, 1993). Na compreensão de Gabbard (1998), a psicoterapia com abusadores de drogas baseada na abordagem psicodinâmica trata o problema da dependência química sem enfocar na abstinência e nem se ater à possibilidade de recaída. Trata das psicopatologias associadas, por meio de técnica psicoterapêutica dos distúrbios subjacentes, como ansiedade, depressão, transtornos de personalidade, problemas de autoestima ou deficiências do ego. Para o autor, tratar a abstinência isoladamente, não leva a mudanças em outras áreas da vida. Os dependentes travam uma luta contra a vontade de usar a droga e com o luto por sua perda, por 16 isso, deve ficar claro que a utilização da substância é uma resposta adaptativa a seus problemas frente à vida. A intervenção do terapeuta deve identificar os problemas subjacentes de modulação de afeto, de regulação de autoestima e de relações interpessoais para que o paciente encontre soluções alternativas para os mesmos. Retomando ainda a temática da recaída que para Marlatt e Donovan (2009), a recaída deve ser tratada por meio de técnicas para prevenir ou administrar sua ocorrência. Nesse caso, busca-se identificar situações de risco em que o indivíduo é vulnerável à recaída, estimulando a utilização de estratégias de manutenção e enfrentamento cognitivos e comportamentais de prevenção. No entendimento dos autores, a recaída é considerada comum no processo de tratamento de problemas psicológicos. A maioria dos indivíduos que tenta mudar qualquer tipo de comportamento, seja com que objetivo for, estarão sujeitos a lapsos que frequentemente conduzem a recaída. Desse modo, surgem questionamentos sobre a maneira através da qual a psicologia tem contribuído nas abordagens feitas frente à dependência química. Espera-se que essa pesquisa possa fornecer dados sobre os resultados alcançados pelo trabalho psicoterápico segundo a percepção dos pacientes, bem como, gerar discussão sobre conceitos que podem ser utilizados nas práticas futuras de intervenção psicológica junto aos usuários de drogas e seus familiares, que necessitam de atendimento nos vários níveis de atenção à saúde. A pesquisa poderá ainda fornecer informações para que se possa efetuar uma avaliação e planejamento de tratamento pertinente aos pacientes com dependência química em cocaína que demandam intervenção psicológica. Dessa forma, cooperar com a sociedade, com o meio acadêmico e científico, que poderá conhecer os serviços desenvolvidos nos vários níveis de atenção que prestam atendimento psicoterápico a pacientes que fazem uso de cocaína, desenvolver estudos e servir como fonte de pesquisa ou mesmo de publicações acerca do uso de substâncias psicoativas. A relevância acadêmica se justifica por apresentar um estudo focado sob a perspectiva dos pacientes, com isso contribuir para aplicação da psicologia em campo prático, bem como, para o crescimento pessoal e profissional da acadêmica. Com a realização do estágio, a pesquisadora pôde aplicar na prática os conhecimentos adquiridos durante o curso, bem como contribuir com novas 17 experiências, na troca de informações com o paciente e suas relações com o problema proposto. Diante do exposto, apresenta-se o seguinte problema de pesquisa: Quais os resultados alcançados e descritos por sujeitos com dependência química em cocaína que estão ou estiveram em processo psicoterápico? 1.3 OBJETIVOS 1.3.1 Objetivo geral Identificar os resultados alcançados e descritos por sujeitos dependentes químicos em cocaína que estão ou estiveram em processo psicoterápico. 1.3.2 Objetivos específicos a) Verificar quais os serviços, nos diferentes níveis de atenção à saúde que prestam atendimento a sujeitos com dependência química em cocaína. b) Verificar quais são as expectativas que os dependentes em cocaína têm em relação ao tratamento psicoterápico; c) Identificar se os dependentes em cocaína estão ou estiveram submetidos à outra forma de tratamento. d) Coletar dados junto a sujeitos com dependência química em cocaína, acerca dos resultados alcançados a partir do processo psicoterápico. 18 2 REFERENCIAL TEÓRICO Este capítulo pretende explanar sobre os pressupostos teóricos que serviram de argumentação para responder ao problema de pesquisa. Serão abordados temas relacionados à definição de droga; classificações; cocaína; ação cerebral; sintomas gerais; transtornos; sintomas psicológicos; aspectos sociais; família e tratamentos. A Organização Mundial da Saúde – OMS (1981), há muito tempo ocupase da questão das drogas, definindo-as como qualquer substância que, não sendo produzida pelo organismo, tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu funcionamento (OBID, 2003). Uma droga não pode ser considerada por si só boa ou má. Essa dualidade é contemplada nas substâncias que são utilizadas com a finalidade de produzirem efeitos benéficos, como os medicamentos, e outras que são utilizadas de forma inadequada provocando malefícios à saúde, como os venenos ou tóxicos. Cabe destacar que uma mesma substância pode funcionar como um medicamento em algumas situações, e como tóxico em outras, mas a questão principal no que diz respeito às drogas é o tipo de relação que cada indivíduo pode estabelecer com ela. (OBID, 2003). A relação do indivíduo com cada substância passa pela motivação para usá-la, podendo estar associada a pressões culturais e ambientais, somadas aos efeitos positivos de prazer e necessidade de alívio de sensações desagradáveis inerentes à condição humana. Mesmo com possível aparecimento das conseqüências negativas, existe uma sensação de necessidade de uso da droga na forma de compulsão ou fissura, que mantém o uso. Dependendo do contexto, pode ser inofensiva ou apresentar poucos riscos, mas também é capaz de assumir padrões de utilização disfuncionais, como prejuízos biológicos, psicológicos e sociais. Face a isto, justifica-se a divulgação por diversas instituições ligadas à Saúde Pública de informações a respeito dos danos que a droga acarreta, afetando direta ou indiretamente a qualidade de vida do ser humano. (BRASIL, 2008). A presente pesquisa trata especificamente de cocaína, que é uma droga psicoativa. Segundo a OMS (1981 apud AZEVEDO, 2008, p. 25) as substâncias psicoativas são aquelas 19 [...] que ao entrarem em contato com o organismo, sob diversas vias de administração, atuam no sistema nervoso central produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, portanto, passíveis de auto-administração. Essas substâncias alteram o funcionamento cerebral, causando modificações no psiquismo, de onde advém outro termo similarmente utilizado ao de drogas psicotrópicas. (BRASIL, 2008). Braun (2007) alerta para o potencial de abuso das substâncias com ações psicotrópicas e sua ação reforçadora, ou seja, usada uma ou mais vezes, aumenta a probabilidade do sujeito usá-la novamente, bem como a dificuldade de abandoná-la, apesar dos eventuais danos causados. Na linguagem leiga fala-se em vício, e tecnicamente, denominam-se transtornos de abuso e dependência. Graeff (1989) as define como um conjunto de medicamentos psicoterapêuticos e de drogas psicoestimulantes e alucinogênicas, que atuam principalmente alterando comportamento e as funções mentais. As drogas psicotrópicas atuam seletivamente em certos mecanismos nervosos e não em outros, possibilitando uma dissecção farmacológica do SNC. Cabe ressaltar que, nem toda a substância tem a capacidade de causar dependência, pois as alterações do estado mental não dependem somente do tipo de droga ingerida, mas das condições físicas e emocionais da pessoa e do contexto sócio-cultural, ambiental em que o uso se dá, bem como, das expectativas que o usuário tem com relação à substância. (OBID, 2003). Em relação as patologias associadas à droga, destaca-se que o Manual de Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais-IV (DSM-IV), conforme Kaplan (1997), deixou de utilizar a terminologia substância psicoativa, anteriormente utilizada, passando a usar somente substância e transtornos relacionados a substâncias, no que diz respeito às drogas. O termo limitava-se às substâncias que tinham como principal efeito uma atividade de ação cerebral, como acontece com a cocaína, e desconsiderava substâncias químicas com a mesma propriedade, como os solventes orgânicos, que podem ser ingeridos por acidente ou propositalmente. Além disso, cabe salientar que não era possível separar também a utilização de substâncias empregadas de forma distinta de sua finalidade original, como a morfina e outras que não se destinam ao consumo humano como, por exemplo, cola de avião. 20 Em contrapartida, na Classificação Internacional de Doenças, CID-10 (1993), o termo psicoativa persiste. As substâncias listadas pela CID-10 (1993), no que se refere aos Transtornos Mentais e de Comportamento Decorrentes do Uso de Substâncias Psicoativas incluem álcool, opióides (morfina, heroína, codeína, diversas substâncias sintéticas), canabinóides (maconha), sedativos ou hipnóticos (barbitúricos, benzodiazepínicos), cocaína, outros estimulantes (incluindo a cafeína), alucinógenos, tabaco, solventes voláteis, uso de múltiplas drogas e de outras substâncias psicoativas. Já o DSM –IV (2003), descreve as substâncias agrupadas em onze classes: álcool; anfetamina ou simpaticomiméticos de ação similar; cafeína; canabinóides; cocaína; alucinógenos; inalantes; nicotina; opióides; fenciclidina (PCP) ou arilciclohexilaminas de ação similar; e sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos. As classes seguintes compartilham aspectos similares: o álcool compartilha características dos sedativos, hipnóticos e ansiolíticos, e a cocaína compartilha características das anfetaminas ou simpaticomiméticos de ação similar. Inclui também Dependência de Múltiplas Substâncias e Transtornos Relacionados a Outras Substâncias ou Substâncias Desconhecidas (incluindo a maior parte dos transtornos relacionados a medicamentos ou toxinas). O DSM-IV (2003) esclarece que os Transtornos Relacionados a Substâncias contemplam desde o consumo de drogas de abuso, incluindo o álcool, até os efeitos colaterais de um medicamento e exposição a toxinas, sendo que são basicamente semelhantes às mencionadas acima pela CID-10. Os Transtornos Relacionados a Substâncias são subdivididos em dois grupos: Transtorno por Uso de Substância (dependência e abuso) e Transtornos Induzidos por Substâncias (intoxicação, abstinência, delirium induzido, demência persistente induzida, transtorno amnestésico persistente induzido, transtorno de humor induzido, transtorno de ansiedade induzido, disfunção sexual induzida, transtorno do sono induzido). (DSM-IV, 2003). 21 Quadro comparativo DSM-IV e CID-10: DSM-IV Transtornos relacionados à substância: Uso de Substância Transtorno Induzido Dependência CID-10 Transtornos mentais e de comportamentos decorrentes do uso da substância psicoativa: Abuso Síndrome de dependência Uso Nocivo Intoxicação Abstinência Intoxicação Aguda Síndrome de Abstinência Delirium Demência T. Amnéstico T. Psicótico Síndrome de Abstinência e Delirium Síndrome Amnésica Transtorno Psicótico e Transtorno Psicótico Residual T. de Humor T. de Ansiedade Disf. Sexual T. do Sono Além dos subsídios apresentados para a condução das diretrizes diagnósticas, é fundamental a identificação da substância psicoativa usada ou abusada pelo paciente, a freqüência com que é utilizada, outras drogas e álcool que podem ou não estar associados, bem como, transtornos mentais concomitantes. Essas informações podem ser fornecidas pelo paciente, através de exames de sangue e urina, por meio de sinais clínicos ou até relatos de parentes ou amigos. (CID-10, 1993). Existem várias formas de classificação no que tange às drogas. Do ponto de vista legal, elas podem ser consideradas ilícitas quando são proibidas por lei e as lícitas quando podem ser livremente obtidas, enquanto que algumas são submetidas a possíveis restrições, como as prescrições médicas. (BRASIL, 2008). As drogas ainda podem ser classificadas também pelas suas ações sobre o sistema nervoso central (SNC) e são apresentadas por Gitlow (2008), como depressoras, estimulantes e perturbadoras, conforme as modificações observáveis na atividade mental. Dessa forma, como afirma Brasil (2008), a cocaína, foco deste trabalho, é considerada uma droga ilícita, denominada de psicoativa, com características 22 estimulantes, pois acelera o funcionamento do cérebro causando danos e atuando sobre o neurotransmissor de serotonina além da noradrenalina e da dopamina. Gitlow (2008) salienta que estudos em humanos com relação aos danos causados pelo uso contínuo de doses altas de estimulante não estão claros, mas sugerem algum tipo de dano aos neurônios. Observa-se ainda que, em alguns casos, mesmo após recuperação, persistem danos à cognição, incluindo sintomas psiquiátricos. (GITLOW, 2008). A cocaína é uma substância extraída de uma planta exclusiva da América do Sul: a Erythroxylon Coca. Normalmente chega ao consumidor sob a forma de um pó cristalino branco, podendo ser aspirado por via nasal ou dissolvido em água para uso endovenoso, ou ainda sob a forma de uma pasta-base pouco solúvel em água, mas que se torna volátil quando aquecida e pode ser fumada. O crack, como é conhecida esta base, ocasiona maior intoxicação do que a utilização do pó. (GITLOW, 2008). O uso de álcool é associado na maior parte dos casos, potencializando e prolongando seus efeitos, já as combinações de maconha com cocaína também são populares, pois elevam os efeitos eufóricos. A CID-10 (1993) e o DSM-IV (2003) utilizam denominações semelhantes às anteriormente apresentadas neste trabalho com relação aos transtornos relacionados a substâncias, para do mesmo modo descrever cada uma das substâncias a partir de suas especificidades. No quadro abaixo estão os aspectos destacados pela CID-10 especificamente sobre os “transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de cocaína” e em seguida o quadro dos “transtornos mentais relacionados à cocaína” para o DSM–IV: F14 - Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso da cocaína F14.0 - Intoxicação aguda F14.1 - Uso nocivo para a saúde F14.2 - Síndrome de dependência F14.3 - Síndrome [estado] de abstinência F14.4 - Síndrome de abstinência com delirium F14.5 - Transtorno psicótico F14.6 - Síndrome amnésica F14.7 - Transtorno psicótico residual 23 F14.8 - Outros transtornos mentais ou comportamentais F14.9 - Transtorno mental ou comportamental não especificado Fonte: CID10 (1993). Transtornos Relacionados à Cocaína Transtornos por uso de Cocaína Dependência de Cocaína Abuso de Cocaína Intoxicação com Cocaína Abstinência de Cocaína Delirium por Intoxicação com Cocaína Transtorno Psicótico Induzido por Cocaína, com delírios Transtornos Induzidos por Cocaína Transtorno Psicótico Induzido por Cocaína, com alucinações Transtorno de Humor Induzido por Cocaína Transtorno de Ansiedade Induzido por Cocaína Transtorno Sexual Induzido por Cocaína Transtorno do Sono Induzido por Cocaína Transtorno Relacionado à Cocaína sem outras especificações Fonte: DSM – IV – TR (2003). Quadro comparativo entre CID-10 e DSM - IV CID-10 Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso da cocaína: Intoxicação aguda Uso nocivo para a saúde Síndrome de dependência Síndrome (estado) de abstinência Síndrome de abstinência com delirium Transtorno psicótico Síndrome amnésica DSM-IV Transtornos relacionados à cocaína: Transtorno por uso de cocaína Transtornos Induzidos por cocaína Intoxicação com cocaína Abuso de cocaína Dependência de cocaína Abstinência de cocaína Abstinência de cocaína Delirium Transtorno psicótico 24 Transtorno psicótico residual ou de instalação tardia Transtorno psicótico Outros transtornos Transtorno de humor Transtorno de ansiedade Disfunção sexual Transtorno de sono Transtorno mental ou comportamental não especificado Fonte: CID (1993); DSM (2003). No que se refere aos transtornos mentais e comportamentais relacionados ao uso de cocaína, a CID-10 (1993) explica a “intoxicação aguda” devido ao uso de cocaína como um estado conseqüente ao uso da substância psicoativa, contemplando alterações de consciência, cognição, percepção, afeto, comportamento ou demais funções e respostas fisiológicas. Estas perturbações têm relação com os efeitos da droga consumida, desaparecendo com tempo, salvo quando surgir lesões orgânicas e outras complicações como traumatismo, aspiração de vômito, delirium, convulsões e outras possíveis complicações médicas, dependendo da substância consumida e seu modo de administração. Da mesma forma, o DSM-IV (2003), comenta que a “intoxicação com cocaína” freqüentemente começa com a sensação de “barato”, incluindo uma ou mais alterações psicológicas e comportamentais acima mencionadas, geralmente associadas com comprometimento ocupacional e social importante. A extensão das alterações descritas pela CID-10 (1993), está em concordância com o DSM-IV (2003) quando afirma que depende das características individuais do usuário, da dose consumida, não sendo decorrentes de condição médica geral e nem explicados por outro transtorno mental. A CID-10 (1993) apresenta como “uso nocivo para a saúde” um modo de consumo prejudicial da cocaína, com a possibilidade de complicações físicas ou psíquicas. Já o DSM-IV (2003) denomina de “abuso de cocaína” e esclarece que neste aspecto a intensidade e freqüência da utilização da cocaína são menores do que na dependência. Mesmo assim, os usuários costumam negligenciar responsabilidades e compromissos familiares, sociais e de trabalho, tendo com freqüência conflitos interpessoais e dificuldades legais que podem acontecer em decorrência de porte ou uso da droga. 25 A “síndrome de dependência” de cocaína é fundamentada pela CID-10 (1993), como um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se manifestam após o uso repetido, associado ao desejo de consumir a substância com dificuldade de controle. Mesmo com conseqüências nefastas, a droga é prioridade em detrimento de outras atividades e obrigações. Há um aumento de tolerância e algumas vezes sintomas de abstinência física. Além dos mesmos fenômenos colocados acima, o DSM-IV (2003) ressalta que os efeitos euforizantes produzidos pela cocaína são potentes, com uma curta duração, levando os indivíduos à dependência, caracterizada quando o sujeito sente dificuldade de resistir a substância sempre que disponível. Na “dependência de cocaína” como é intitulado pelo DSM-IV (2003), os sujeitos podem gastar quantias altas de dinheiro, podendo envolver-se em furtos, prostituição ou até mesmo ao tráfico com objetivo de custear a dependência. Com freqüência, intercalam o uso para descansar ou obter mais dinheiro, negligenciando algumas vezes emprego ou cuidados com filhos. As complicações psicológicas e físicas já mencionadas pela CID-10, são descritas pelo DSM-IV (2003) como: ideação paranóide, comportamento agressivo, ansiedade, depressão e perda de peso. A tolerância pode ocorrer com uso continuado, não importando a via de administração, bem como, sintomas de abstinência e sinais de dependência fisiológica da droga, já mencionadas acima. (DSM-IV, 2003). Sob o ponto de vista da CID-10 (1993) a “síndrome de abstinência” da cocaína é um conjunto de sintomas que o DSM-IV (2003), em concordância conceitua como “abstinência de cocaína" que se desenvolvem a partir da cessão ou redução do uso pesado ou prolongado. Os sintomas são observados por meio de humor disfórico, com algumas alterações fisiológicas, causando sofrimento e prejuízo funcional, social e ocupacional ou em outras áreas. Tendência de aumentar a possibilidade de recaída e o desejo pela droga. Cabe ressaltar que uma grande maioria de dependentes de cocaína, em algum momento durante o uso, teve sinais de dependência fisiológica da droga, assim como, sintomas depressivos e ideação suicida. Quando este estado é acrescido de delirium ou fatores orgânicos como convulsões, a CID-10 (1993) define como “síndrome de abstinência com delirium”. Conforme explanados pelo DSM-IV (2003) “outros transtornos induzidos por cocaína” são sintomas em excesso sem caracterizar intoxicação ou abstinência como delirium, transtorno psicótico, transtorno de humor, transtorno de ansiedade, disfunção sexual, transtorno de sono. Já a CID-10 (1993) denomina, distintamente, 26 de “transtorno psicótico”, “síndrome amnésica”, “transtorno psicótico residual ou de instalação tardia” e “outros transtornos mentais ou comportamentais”, relacionados ao uso de cocaína, explicando-os de acordo com DSM-IV (2003), mas mantendo os sintomas específicos correspondentes. A ação da cocaína no cérebro quando consumida provoca em muitos de seus usuários sensações de agitação psicomotora, rapidez na fala e elevação do humor, acompanhados de insônia severa e falta de apetite. Alguns pacientes relatam que os efeitos decorrentes do uso de cocaína fazem com que tenham a sensação de maior energia, mesmo quando realizam esforços excessivos, o que pode ser prejudicial. (GITLOW, 2008). Outras alterações relacionadas às conseqüências do consumo associadas a doses tóxicas são capazes de serem observadas nos pacientes e são salientadas por Kaplan (1997) como irritabilidade, agressividade, concentração comprometida e comportamento compulsivo. Podem ocorrer dificuldades médicas importantes para aqueles que fazem uso de cocaína, da mesma forma que transtornos psiquiátricos podem aparecer mais cedo e serem potencializados com a utilização da droga. Como afirma Gitlow (2008), os usuários podem apresentar intoxicações correndo um risco significativo de danos ao septo nasal, infecções pulmonares, doenças sexualmente transmissíveis, infarto do miocárdio, morte repentina, falhas de condução ventricular, arritmias e convulsões generalizadas, associadas à via de administração. Brasil (2008) acrescenta que acidentes vasculares cerebrais (AVC) também tem acontecido com freqüência em sujeitos relativamente jovens que fazem uso de cocaína. Cabe ressaltar que as complicações médicas podem não só estar ligadas ao uso ou abuso do estimulante, mas também às impurezas intencionalmente acrescentadas ao produto. (GITLOW, 2008). Freqüentemente os dependentes de cocaína e de outros estimulantes associam algumas questões ligadas ao estilo de vida, como festas e outras reuniões sociais, bem como, a melhora da atividade sexual, como desencadeantes para estimular o uso da droga. Especificamente a relação entre sexo e cocaína torna-se mais forte à medida que o uso aumenta, deixando os usuários desinibidos e vulneráveis na escolha indiscriminada dos parceiros, correndo risco de adquirir doenças sexualmente transmissíveis. Face a isto, a atividade sexual leva o dependente ao desejo de cocaína e ao maior risco de recaída, portanto, durante o 27 processo de recuperação algumas mudanças no estilo de vida devem ser repensadas. (GITLOW, 2008). A partir do ponto de vista de Gabbard (1998), frente a uma visão psicodinâmica, há possibilidade do usuário de drogas ilícitas ter tido experiências adversas na infância e problemas no relacionamento com os pais, considerados fatores preditivos significativos do abuso de drogas. A esse respeito Debled e Stotz (2009) afirma que a passagem da infância para a vida adulta é uma fase repleta de perdas importantes, onde é necessária a elaboração do luto. A criança perde o corpo infantil para que se construa um corpo adulto, perde o amor incondicional dos pais por um novo relacionamento entre iguais, além da expectativa do desconhecido que está por vir. Na busca de sua identidade, tem urgência em separar-se dos pais aproximando-se dos amigos como apoio nessa transição, contemplando uma etapa de descobertas e desenvolvimento, ao mesmo tempo, de sofrimento e desestabilizações. Essas vivências são fundamentais na vida do sujeito, mas é necessário que ele esteja “instrumentalizado” para encará-las, pois algumas dessas experiências podem ser frustrantes. Os jovens adultos demandam por liberdade e querem ao mesmo tempo alguém que lhes prive. Envoltos num turbilhão de emoções acabam por configurar, ou não, em crises generalizadas. Os pais, por não saberem como lidar com elas podem abandonar seus filhos, que para restaurar a atenção perdida, geralmente, respondem com rebeldia e transgressões, de onde advém a hipótese do abuso de drogas como uma tentativa de fazer existir a lei. Portanto, o acompanhamento dos pais é essencial em todas as etapas da vida dos filhos, para que eles experimentem a vida com limites, que possam ouvir e ser ouvidos, mas principalmente, que construam a sua história, assumindo a responsabilidade pelos seus desejos. (DEBLED E STOTZ, 2009). De acordo com Kalina e Kovadloff (1980) o uso de substâncias pode ser uma prática de fuga ao sofrimento e frustração, o difícil é compreender que o uso seja para aplacar uma dor causando outra. Percebe-se que a dor mais intolerável é a dor da imprevisibilidade da vida, assim como a impossibilidade de manter tudo sobre controle, como se o usuário tivesse resistência em aceitar a própria condição humana. Na opinião do autor supracitado, as origens da dependência química estão ligadas à fase oral do desenvolvimento infantil, mesmo no que diz respeito a substâncias inaladas como a cocaína. Outro aspecto a ser considerado é a 28 impulsividade, ou seja, a incapacidade para suportar qualquer demora para atingir o objeto almejado. Portanto, é fundamental que os usuários aprendam a dizer não, que reconheçam as leis, os limites e suas consequências. Cabe ressaltar que a droga produz uma inflação inútil do narcisismo e impede que seja percebido o processo de autodestruição, reativando a crença do paciente em sua invulnerabilidade e imortabilidade. Existe também a idéia de que a utilização de drogas pode servir como “automedicação” associada a sintomas psiquiátricos surgidos anteriormente e/ou que são desenvolvidos com a dependência química, como transtorno de personalidade antisocial, transtorno de ansiedade, depressão, transtorno de déficit de atenção, geralmente, precedendo o início do abuso de cocaína, transtornos afetivos e abuso de álcool concomitante ao abuso de cocaína. OBID (2003, p. 2) sustenta que [...] a alta prevalência de transtornos psiquiátricos concomitantes e a distinção diagnóstica entre os sintomas do uso da substância e outros transtornos devem receber particular atenção e tratamento específico para comorbidades deve ser providenciado. Gabbard (1998) acrescenta que os efeitos proporcionados pelo uso da droga podem levar à dependência, pois são considerados como uma tentativa de compensar os déficits do funcionamento do ego, ou seja, obtém novamente a sensação de poder, de desamparo e controles afetivos, diminuindo o prejuízo narcisista. Nesse sentido, os sujeitos com personalidade antisocial aparecem com freqüência nas pesquisas de investigadores citadas por Gabbard (1998), como um transtorno característico entre os abusadores de drogas, principalmente da cocaína. Diferente dos abusadores de substâncias que não apresentam transtorno de personalidade antisocial, os que possuem esse diagnóstico costumam ser mais depressivos, impulsivos, isolados e normalmente estão insatisfeitos com suas próprias vidas, por isso necessitam de uma abordagem individualizada quando procuram tratamento. (GABBARD, 1998). Na visão de Gabbard (1998), sujeitos que não tem recursos próprios de enfrentamento, abusam de substâncias como mecanismos defensivos e adaptativos, o que potencializa defesas do ego e revertem estados regressivos que atuam contra afetos como raiva, vergonha e depressão. Além disso, os dependentes crônicos são 29 considerados, algumas vezes pelos estudiosos da psicodinâmica como hedonistas, com tendência à autodestruição, pois apresentam dificuldade no julgamento sobre os perigos decorrentes do abuso. Na concepção de Gabbard (1998), os dependentes de drogas são inábeis para tolerar e regular a aproximação interpessoal, bem como, são incapazes de manter a autoestima, adequar seus afetos e controlar seus impulsos associados à intimidade, dificultando assim suas relações objetais. Ainda no que diz respeito a automedicação, é sustentada por Khantzian (1985 apud GABBARD, 1998), como forma do dependente químico obter alívio de estados dolorosos que são evitados, determinando a escolha de substâncias específicas para obtenção de efeitos farmacológicos e psicológicos, conforme a demanda de cada sujeito. No caso da cocaína, Gabbard (1998) coloca que o uso alivia o sofrimento decorrente da depressão, hiperatividade e hipomania, aparentemente diminuindo a sensação de raiva do usuário. Sentimentos como desvalia, culpa, autocrítica e vergonha estão presentes e são combatidos pelos dependentes. Sendo que a depressão é comandada pelo superego, por meio de uma consciência extremamente crítica e rígida que os efeitos da droga aplacam. (GABBARD, 1998). Após os subsídios relatados sobre aspectos relacionados à cocaína, serão descritas a seguir algumas formas de tratamentos para dependentes químicos. 2.1 TRATAMENTOS Tratamento é a forma pela qual os indivíduos procuram obter ajuda frente a algum tipo de doença ou problema com causa específica. No que diz respeito a dependência química de cocaína, os tratamentos são os mais variados, na sua maioria são de natureza psicosocial, combinando sessões de psicoterapia individual e de grupo, participação em reuniões de 12 passos, prevenção de recaída, educação familiar e apoio social durante algumas semanas. (GITLOW, 2008). O autor supra citado apresenta este modelo de tratamento e afirma que o mesmo tem contribuído para a redução do uso de estimulantes e que a inclusão da família no tratamento tem diminuído o índice de recaída. A esse respeito, autores como 30 Gabbard, Gitlow e Kaplan, concordam que a indicação de psicoterapia como parte do tratamento contribui substancialmente para a recuperação dos dependentes químicos. Gabbard (1998) salienta que os transtornos relacionados ao abuso de substâncias apresentam um dos complexos problemas para os clínicos, pois com freqüência os pacientes abandonam o tratamento e/ou acabam recaindo. Ainda no que se refere ao tratamento, Kaplan (1997) reafirma que os usuários de cocaína não costumam procurar tratamento voluntariamente, pois a experiência do uso costuma ser positiva, enquanto os efeitos negativos são pouco observados e podem ser relacionados com outras questões como problemas no trabalho e família. Destacase que, quando os usuários aceitam ser submetidos a terapia individual, a mesma deve ser focada nos aspectos que levaram o usuário a consumir a substância, bem como os aspectos positivos percebidos, com ênfase na possibilidade de encontrar satisfação por outras vias. Entretanto, devem ser incluídos no programa terapêutico enfoques sociais, psicológicos e biológicos, por meio de intervenções que envolvam o paciente em diversos tipos de atendimentos como individual, de grupo e com familiares. De acordo com Gabbard (1998), alguns dependentes apresentam pouca capacidade de reconhecer e identificar seus sentimentos internos, dificultando algumas vezes o trabalho durante a sessão terapêutica. Portanto, a intervenção deve se dar no sentido de identificar quais as experiências desagradáveis que antecederam ao uso e que inicialmente levaram o sujeito a consumir drogas, na tentativa de conduzí-lo à contemplação e tolerância dos afetos, descrevendo seus estados internos, para que as ações que o levam à dependência sejam substituídas. Face a isto, a psicoterapia individual, na concepção do autor supracitado, tem maior probabilidade de sucesso no contexto de um programa abrangente. Ainda assim, algumas pesquisas mencionadas pelo autor supracitado sugerem que a psicoterapia contribui substancialmente para a recuperação dos pacientes que aderem ao tratamento. Quando se trata de psicoterapia de orientação psicodinâmica, o autor coloca que os dependentes químicos apresentam considerável melhora nos sintomas psiquiátricos, retornando e mantendo com sucesso aspectos relacionados ao trabalho. Knapp (2004) aponta o avanço positivo da abordagem cognitivocomportamental no que diz respeito ao tratamento para dependentes químicos, com 31 a possibilidade de ser aplicada como psicoterapia individual, de grupo, terapia familiar, bem como em hospitais, escolas e comunidades terapêuticas. Cabe ressaltar que também pode ser utilizada como tratamento complementar associada a outros métodos terapêuticos. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) apresenta um tratamento estruturado que segue linhas previamente traçadas pelo terapeuta, com foco principal nos pensamentos como origem das emoções e base do comportamento disfuncional. O modelo cognitivo de dependência química e recaída, descrito por (Aaron Beck apud Marlatt e Gordon, 1993), é utilizado como recurso de manutenção da abstinência de substâncias psicoativas. Permite compreender e contribuir para que sejam definidas as áreas de intervenções terapêuticas. Marlatt e Donovan (2009) apresentam como fundamentos dessa abordagem, suposições de que grande parte do comportamento humano é aprendido, e que esses mesmos processos de aprendizagem que criam os comportamentos problemáticos, podem ser utilizados para modificá-los. Além disso, os pensamentos e sentimentos também podem ser alterados através da aplicação dos princípios de aprendizagem. Portanto, é imperativo o engajamento genuíno em novos comportamentos. Fatores contextuais e ambientais também são levados em conta pelos autores como determinantes para essa mudança. Aspectos relacionados à Prevenção de Recaídas (PR) salientam a importância de que cada paciente seja considerado único, avaliado em seu contexto particular. Para tanto, o tratamento inicia-se com a coleta, integração e síntese dos dados sobre o paciente, que permitirá efetuar hipóteses com relação à origem das crenças disfuncionais e possíveis sintomas. A partir do “perfil cognitivo” do paciente, se realizará o planejamento do tratamento, contemplando a formulação cognitiva que poderá ser alterada ao longo do processo terapêutico. As intervenções propriamente ditas são baseadas em sete fases do modelo cognitivo que podem ser aplicadas em grupo ou individualmente. (MARLATT E DONOVAN, 2009) As expectativas pessoais do sujeito com relação ao tratamento devem ser consideradas e dizem respeito aos resultados previstos e desejáveis. Autores como Marlat e Gordon (1993) consideram que a probabilidade de recaída é aumentada se o paciente mantém expectativas positivas quanto a esses efeitos, pois a pessoa antecipa o positivo e ignora o negativo já vivido. Cabe ressaltar a importância de 32 trabalhar as expectativas pessoais do sujeito, incluindo questões subjacentes ao uso da substância no processo de alterações de hábitos. (MARLAT E GORDON,1993) Na visão de Rigotto e Gomes (2002), o grande desafio da recuperação de dependentes é criar estratégias ou alternativas que possam substituir a rotina centrada na droga por novos hábitos, para evitar dessa forma os retornos aos comportamentos destrutivos anteriormente vividos. Entretanto, observa-se que o número de evasões e recaídas provindas dos tratamentos ou recuperação de pacientes às instituições de tratamento é alto, devido à ineficiência dos próprios programas ou mesmo pela falta de estímulo dos pacientes e apoio de familiares. A psicoterapia de grupo é outra modalidade de tratamento nos programas de recuperação dos dependentes, pois os mesmos sentem-se bem falando de seus problemas com outras pessoas que estão no mesmo contexto. Conforme afirma Gabbard (1998), a negação é um dos mecanismos de defesa que estão presentes com relação aos dependentes de substâncias, portanto, um grupo de semelhantes facilita a confrontação e aceitação do problema, que costuma ser trabalhado pelo grupo. Em alguns casos, presencia-se a resistência na participação dos trabalhos em grupos, pois os mesmos relutam em colocar fatos importantes, com receio de que o sigilo seja quebrado, preferindo outras formas de tratamento. Assim também, as terapias de grupo de família são tidas como fundamentais na estratégia de tratamento, pois os familiares costumam apresentar dados importantes para o esclarecimento do diagnóstico e planejamento terapêutico. Demandas de discussão acerca do quanto o comportamento passado do usuário prejudicou a família, são comuns, por isso é fundamental permitir a verbalização de sentimentos com relação a essa conduta, bem como envolver os membros para mudanças efetivas que ajudem o usuário de cocaína a se manter abstêmio. (KAPLAN, 1997). Foi desenvolvido pelos dependentes químicos uma organização de ajudamútua semelhante aos Alcoólicos Anônimos (AA), denominada de Narcóticos Anônimos (NA). Nas terapias grupais como os NA, Kaplan (1997) comenta que os usuários compartilham experiências passadas, bem como métodos efetivos no processo de abstinência rumo à recuperação. Já para Gabbard (1998), o NA não obteve tanto sucesso, pois os usuários de múltiplas drogas, no entendimento do autor, necessitam de abordagens diferenciadas. 33 Em se tratando de Comunidades Terapêuticas, criadas à luz da Resolução 101, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária no ano de 2002, que estabelece um regulamento técnico disciplinando “as exigências mínimas para os serviços de atenção à pessoas com transtornos decorrentes do uso e abuso de substâncias psicoativas“. De acordo com Schneider (2004), a Comunidade Terapêutica é uma modalidade de tratamento para os dependentes químicos que graças à sua flexibilidade tem sido adotada em países com diferentes formas de governo, de culturas diversas, de vários graus de desenvolvimento e de religiões diferentes. Essas comunidades oferecem serviços de atenção às pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas, em regime de residência ou outros vínculos de um ou dois turnos. Geralmente, são baseados segundo modelo psicosocial, com unidades que tem por função a oferta de um ambiente protegido, técnica e eticamente orientados, que forneça suporte e tratamento aos usuários abusivos e/ou dependentes de substâncias psicoativas, durante período estabelecido de acordo com programa terapêutico adaptado às necessidades de cada caso. É um lugar cujo principal instrumento terapêutico é a convivência entre os pares. Oferece uma rede de ajuda no processo de recuperação das pessoas, resgatando a cidadania, buscando encontrar novas possibilidades de reabilitação física e psicológica e de reinserção social. Os serviços podem ser realizados em locais urbanos ou rurais. Essas comunidades não podem executar o tratamento involuntário, sendo assim, o paciente e sua família são os responsáveis pelo fato de procurar o estabelecimento para fazer a internação. Assim, a participação da família e de todas as pessoas envolvidas deve ajudar o paciente no processo de tratamento. Existem outras abordagens empregadas, e uma delas é o modelo moral amplamente utilizado com os abusadores de drogas que consideram que os indivíduos responsáveis pelo desenvolvimento de sua dependência e solução do problema, costumam trazer aspectos do prazer proporcionado pela droga, sem considerar os sentimentos dos sujeitos. As raízes deste modelo são religiosas, funcionam como um sinal de desaprovação moral, ou seja, a força de vontade depende do sujeito e está próxima à noção de pecado. Neste caso, a eliminação da conduta de usar drogas, depende do esforço do próprio usuário. Esta abordagem é utilizada normalmente devido à associação entre crime e abuso de drogas. (GABBARD, 1998). De acordo com Marlatt e Gordon, (1993), a principal limitação do 34 modelo citado acima, é que considerando o problema como falha de caráter, as pessoas são levadas a sentirem-se culpadas quando não alcançam sucesso no tratamento. O modelo oposto ao modelo moral é o modelo médico. Geralmente, é utilizado em hospitais para internação de dependentes químicos, nestes casos nem a doença nem o tratamento são de responsabilidade da pessoa, as mesmas são consideradas vítimas do problema e incapazes perante a solução do mesmo. O autor ressalta como vantagem desse modelo a pessoa solicitar ajuda externa e aceitá-la, sem sentir-se culpada. (MARLATT E GORDON, 1993). Ainda no que tange ao tratamento, com relação ao processo de desintoxicação, o mesmo pode ser realizado por meio de tratamento ambulatorial, internação domiciliar e hospitalar. No tratamento ambulatorial e na internação domiciliar, sempre que necessário, podem ser utilizados medicamentos para o alívio de possíveis sintomas. Em alguns casos a hospitalização torna-se necessária no processo de abstinência, com a intenção de retirar o paciente de contextos sociais onde freqüentemente consegue a droga. (BRASIL, 2008). Braun (2007) afirma que as internações para desintoxicação, mesmo prolongadas, não impedem as recaídas. A fim de evitá-las, normalmente, utiliza-se a combinação de psicoterapia e medicações que, indiscutivelmente, diminuem as recaídas, mas não as impedem. As medicações podem ser usadas, mas de acordo com Gitlow (2008), embora tenha havido estudos individuais, as intervenções farmacológicas não são consideradas uma técnica de tratamento confiável por alguns autores. Está sendo estudada e desenvolvida uma nova abordagem com a utilização de uma vacina, que tem como objetivo evitar que o usuário experimente mudanças no estado mental em decorrência da cocaína e não venha a fazer uso novamente. O autor elucida que a “[...] vacina TA-CD estimula a produção de anticorpos específicos da cocaína, os quais se ligam a ela e evitam que atravesse a barreira hematoencefálica, reduzindo, assim, os efeitos euforizantes”. (GITLOW, 2008, p. 189). Kaplan (1997) assinala que as estratégias farmacológicas podem ser utilizadas para diminuir a vontade do usuário em consumir a droga, destacando que as duas classes de drogas mais utilizadas são os agonistas dopaminérgicos e algumas drogas tríciclicas. A carbamazepina foi descoberta como abordagem farmacológica no processo de desintoxicação auxiliando também na voracidade em 35 consumir a cocaína, exceto em pacientes com transtornos de personalidade antisocial preexistentes. A dependência ainda pode ser tratada indiretamente com uma abordagem de tratamento enfocando a psicopatologia associada, como ansiedade, depressão, transtorno de personalidade, problemas de autoestima ou deficiências do ego. Constando-as como pré-requisito para a abstinência da substância de abuso, por meio de técnica psicoterapêutica dos transtornos subjacentes. No que se refere ao tratamento de pacientes com transtorno de personalidade antisocial, percebe-se melhora quando a depressão também era um sintoma. (GABBARD, 1998). Os meios de tratamento e sua eficácia costumam ser polêmicos, pois não há uma unanimidade no que diz respeito ao manejo com dependentes químicos. Cabe destacar que não existem tratamentos eficientes e definitivos se os clínicos não levarem em conta fatores subjetivos por meio de uma avaliação precisa, para que seja prescrito um planejamento individual. (BRASIL, 2008). Os tratamentos costumam aumentar a freqüência de resultados positivos frente à situação do uso abusivo de drogas. Os indivíduos que se tratam têm maior chance de ficarem abstinentes ou diminuírem o uso e as possibilidades de recaída. De um modo geral, os pacientes são atendidos por uma equipe multidisciplinar, destaca-se nessa pesquisa o trabalho do psicólogo e a psicoterapia que, de acordo com Braun (2007), são fundamentais em qualquer abordagem com pacientes com problemas com drogas. Em uma primeira etapa, tratam-se a intoxicação e a síndrome de abstinência, e a médio e longo prazo, o tratamento consiste em prevenir as recaídas, que pode ou não envolver internações, medicações, mas geralmente tem um importante envolvimento da psicoterapia. É fundamental que o paciente conscientize-se do problema, passando pela aceitação até o completo reconhecimento do mesmo, para que venha a ter satisfação por outras vias, adquirindo hábitos mais saudáveis, livres de drogas. Desse modo, cabe ressaltar a importância do fortalecimento dos vínculos afetivos e ampliação das relações sociais do paciente, tanto quanto possível, para que auxiliem o indivíduo a manter-se ativo na sociedade. 36 3 DELINEAMENTO DA PESQUISA 3.1 MÉTODO Para o desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso, foram utilizados técnicas e métodos que forneceram subsídios para a elaboração deste estudo. Nas diversas áreas, a pesquisa é fundamental para desenvolver novas metodologias, proporcionar novos serviços e qualidade de vida para as pessoas. Na área da saúde, isso se faz necessário, pois como aponta Minayo (2000, p. 15) “a saúde enquanto questão humana e existencial é uma problemática compartilhada indistintamente por todos os segmentos sociais”. De acordo com Gil (1999, p. 31), “[...] método significa caminho para se chegar a um fim, dessa forma método científico pode ser entendido como o caminho para se chegar à verdade da ciência”. Para tanto, a metodologia foi utilizada para delimitar o processo da pesquisa, como apresentado na seqüência. 3.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA Para desenvolver o presente trabalho foram utilizados métodos e técnicas que auxiliaram no desenvolvimento do estudo e da transcrição dos dados levantados. Este estudo é caracterizado como uma pesquisa de natureza qualitativa, freqüentemente utilizada nas ciências sociais, pois costuma ter como objeto de estudo situações complexas, respondendo a questões muito particulares. Este tipo de pesquisa utiliza-se de elementos que não podem ser quantificados, ou seja, trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2000). 37 Segundo Richardson (1999, p. 90), a pesquisa qualitativa “pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados situacionais apresentada pelos entrevistados, em lugar da produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos”. No que diz respeito ao delineamento desta pesquisa, trata-se de estudos de multicasos, que de acordo com Triviños (1987), possibilita que o pesquisador possa estudar dois ou mais sujeitos de organizações diferentes, sendo considerado relevante entre os tipos de pesquisa qualitativa. Gil (2002, p. 139) considera que “é uma modalidade amplamente usada nas ciências biomédicas e sociais por ser um estudo profundo e exaustivo de um ou mais objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento”. Desse modo, o estudo de múltiplos casos permite aprimorar o conhecimento acerca de um universo a que pertencem, proporcionando evidências inseridas em diferentes contextos concorrendo para elaboração de uma pesquisa de melhor qualidade. (GIL, 2002). Destaca-se que o delineamento utilizado neste trabalho foi a pesquisa de campo, pois é mais vantajoso quando se trata deste tipo de processo, uma vez que “os levantamentos procuram ser representativos de um universo definido e fornecer resultados caracterizados pela precisão estatística” (GIL, 1999, p. 43). Dessa forma, o estudo de campo é mais delimitado, pois estuda um único grupo, ou comunidade em termos de sua estrutura. Ressalta-se também, quanto à caracterização deste estudo, que se trata de uma pesquisa exploratória, sendo denominada por Gil (1999, 72) como aquela que “tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”. Sendo que este tipo de pesquisa teve como objetivo proporcionar uma visão geral acerca de um determinado assunto. No caso deste trabalho, de acordo com seus objetivos específicos, buscou-se identificar quais os resultados alcançados e descritos por sujeitos com dependência química em cocaína, que estão ou estiveram em processo psicoterápico nos vários níveis de atenção à saúde. Para tanto, este estudo exploratório teve como característica ser mais flexível, possibilitando a consideração de variados aspectos ligados ao fenômeno estudado, envolvendo também entrevistas semi estruturadas, o que permitiu contato direto com o fenômeno 38 estudado e com sujeitos que experenciaram, de alguma forma, o problema pesquisado. 3.3 POPULAÇÃO E AMOSTRA Este estudo teve como população-alvo, sujeitos com dependência química em cocaína, que estão ou estiveram em processo psicoterápico nos vários níveis de atenção, sem tempo determinado. Como não foi possível entrevistar pacientes em todos os níveis de atenção devido à indisponibilidade de tempo e identificação dos mesmos, optou-se por uma amostra de cinco adultos, maiores de dezoito anos, que estão ou estiveram em psicoterapia na atenção básica, PSM, CAPS AD e Instituto São José. Foram escolhidos dois sujeitos de cada serviço, um que se encontra em tratamento psicoterápico e outro que não, mas que já esteve em processo psicoterápico. No PSM só foi possível entrevistar um paciente pois no momento da pesquisa não havia dependente químico em cocaína que estivesse em tratamento psicoterápico. Esta escolha foi feita em conjunto com as funcionárias dos órgãos onde foram destacados os pacientes em recuperação. De acordo com Richardson (1999, p. 35), “os elementos que formam a amostra relacionam-se de acordo com certas características estabelecidas no plano e nas hipóteses formuladas pelo pesquisador”. Segundo Soriano (2004, p. 205), a amostra pode ser definida “como uma parte da população que teoricamente possui características semelhantes que se deseja estudar na população total”. Isto significa que os resultados obtidos do estudo da amostra podem ser estimados para o universo ou para a população da qual a amostra foi selecionada, dentro dos parâmetros de precisão estimados. A amostragem utilizada foi a aleatória simples, dentro do grupo que se desejou pesquisar. Segundo Gil (1999, p. 101), a amostragem aleatória simples “consiste em atribuir a cada elemento da população um número para depois selecionar alguns desses elementos de forma casual”. A pesquisadora entrou em contato com um profissional de cada instituição e solicitou que ele indicasse os sujeitos a serem entrevistados. A escolha foi aleatória com relação aos indivíduos 39 cadastrados dentro do programa desenvolvido por cada local anteriormente mencionado. 3.4 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS A coleta de dados é a fase de pesquisa onde se coleta os dados e informações das mais diversas fontes disponíveis no meio científico. Para Santos (2002, p. 79), “coletar dados é juntar as informações necessárias ao desenvolvimento dos raciocínios previstos nos objetivos”. Na presente pesquisa a coleta de dados foi feita por meio de entrevista (APÊNDICE A), realizada junto ao público pesquisado. O outro método de coleta de dados utilizado foi a entrevista que, de acordo com Minayo (2000), é o procedimento mais usual no trabalho de campo. É uma técnica importante, que permite o desenvolvimento de uma estreita relação entre as pessoas. É por meio dela que se coleta dados a partir do relato dos sujeitos, com propósito definido. Para a presente pesquisa, foi utilizada a entrevista semi-estruturada, que é aquela onde algumas perguntas são pré-formuladas servindo como guia para uma conversa aberta entre o pesquisador e o entrevistado. (RICHARDSON, 1999). Antes da aplicação das entrevistas, a pesquisadora entrou em contato com as Secretarias Municipais da Saúde da Grande Florianópolis para verificar quais os serviços, nos diferentes níveis de atenção à saúde, que prestam atendimento a sujeitos com dependência química em cocaína. Foram escolhidos os municípios de São José, por ser campo de estágio do curso de psicologia da Unisul, bem como, Florianópolis, por ter outros campos de atendimento, como por exemplo, o CAPS AD, na atenção secundária, não existente em municípios próximos. Inicialmente, este trabalho foi encaminhado ao Comitê de Ética da Unisul, para aprovação, bem como aos demais órgãos envolvidos. O tema da ética na pesquisa remete a questão da responsabilidade na profissão e na pesquisa, no que diz respeito ao psicólogo. O artigo 16 do Código de Ética, aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia em 27.08.2005, foi dedicado à realização de estudos, pesquisas e atividades voltadas à produção de conhecimento e desenvolvimento de 40 tecnologias, estabelecendo padrões esperados pelo profissional da psicologia. Cabe ressaltar que, quando se trata de pesquisas com humanos, deve-se preservá-los de quaisquer atividades que envolvam prejuízos aos mesmos, garantindo-lhes o anonimato, a confiabilidade dos dados, a honestidade, acesso ao resultado sempre que desejarem, bem como, à liberdade individual, em participar ou não, do estudo em questão. (CRPSC, 2008). 3.5 PROCEDIMENTO DE TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS Após a realização das entrevistas junto à amostra selecionada, os dados foram interpretados e analisados para que fossem feitas as categorias de análise. De acordo com Minayo (2000), as categorias são utilizadas para se estabelecer classificações, agrupando elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito que contempla tudo isso. Para que esta etapa do trabalho pudesse ser executada, foi necessário que as demais fossem desenvolvidas dentro dos procedimentos estabelecidos e de acordo com as teorias científicas. Dessa forma, como finalidade do processo de análise de dados, deve-se estabelecer a compreensão dos dados coletados, a confirmação ou não dos pressupostos da pesquisa, ou ainda as respostas buscadas para que se possa promover a ampliação de conhecimento sobre o assunto estudado, articulando-o ao contexto sócio-cultural onde está inserido, analisando a teoria com a prática. (MINAYO, 2000). Diante desse contexto, a presente análise dos dados foi desenvolvida pela análise de conteúdo, realizada através da classificação das informações colhidas nas entrevistas, classificando as mais relevantes em detrimento da pesquisa, bem como a validade e coerência das mesmas, já que a pesquisa foi realizada com um público específico e com categorias à posteriori. Assim, os dados obtidos por meio da entrevista foram tabulados, avaliados, analisados e posteriormente comentados pela autora em consonância com a teoria levantada nas fontes estudadas na presente pesquisa, bem como com as experiências vivenciadas durante o período de estágio. 41 4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS Inicialmente, destaca-se que a escolha dos sujeitos aconteceu de acordo com a técnica de amostragem descrita no capítulo anterior. Foram entrevistados cinco sujeitos, que estão ou estiveram em processo psicoterápico, sendo que no PSM, entrevistou-se somente um usuário, pois no momento não havia nenhum sujeito dependente químico em cocaína que estivesse em tratamento, dois no CAPS AD, e dois no Instituto São José. Observa-se que antes da entrevista propriamente dita, foram feitas as devidas apresentações sobre a pesquisa para confirmar a possibilidade dos pacientes participarem do estudo. No início de cada entrevista, após o aceite de cada componente da amostra, foram lidos os termos de consentimento pela pesquisadora, para tornar cada entrevistado ciente dos aspectos que envolvem a participação na pesquisa, com a possibilidade de desistência, caso não sentissem à vontade em responder as questões, bem como o sigilo das informações, a utilização destas informações para fins científicos, e a necessidade de serem gravadas para posterior análise. Após estes esclarecimentos, foi solicitado a cada entrevistado que assinasse este termo, caso não houvesse nenhuma objeção. Seguindo, foi lido o termo de consentimento para foto, vídeos e gravação, solicitou-se a assinatura deste termo e iniciou-se a entrevista semi estruturada, guiada por um roteiro previamente elaborado. As entrevistas foram realizadas nos meses de abril e maio, conforme a disponibilidade de cada paciente e instituições envolvidas. Para efeitos didáticos e para compreensão do leitor, os resultados estão apresentados em forma de quadros demonstrados a seguir, subdivididos em categorias de acordo com as questões do instrumento utilizado, bem como em subcategorias. Desta forma, apresenta-se inicialmente as identificações dos sujeitos por meio da instituição que estão vinculados e também se estão ou estiveram em processo psicoterápico. Seguindo, discute-se sobre o motivo que levou o paciente a buscar o tratamento, o tempo de tratamento, expectativas com relação ao mesmo, tipo de tratamento recebido na instituição, resultados alcançados nesse tratamento, realização de tratamentos anteriores, bem como resultados alcançados nos outros tratamentos. Passa-se a seguir para uma discussão na qual se aborda quais os resultados alcançados e descritos por sujeitos com dependência química em 42 cocaína que estão ou estiveram em processo psicoterápico nos vários níveis de atenção. Com intuito de aprofundar os dados sobre os tratamentos realizados pelos dependentes em cocaína, julgou-se importante investigar as informações dos mesmos, referentes ao motivo pelo qual decidiram procurar as instituições em questão. Percebe-se com os dados descritos no quadro das categorias, que vários foram os motivos que levaram os dependentes químicos entrevistados a procura de tratamento. 43 Categoria: Procura por tratamento SUJEITO 1 – CAPS AD SUB (Não está em processo CATEGORIA psicoterápico) Vontade “Na verdade eu não conhecia própria nada, eu vim para ver. Eu fiz uso contínuo de cocaína, tava sufocado... eu tenho problema de álcool também.” “Aí tu se vê mais pressionado, né cara. Tú não tem condições de ter uma família daí tu usas mais, no caso, entendesse.” “(...) eu não queria ficar. Eu vim sozinho.” SUJEITO 2 - PSM (Não está em processo psicoterápico) SUJEITO 3 - ISJ SUJEITO 4 – CAPS AD (Está em processo (Está em processo psicoterápico) psicoterápico) “Antes eu ia me internar para “(...) eu decidi procurar, foi tapar uma situação criada com quando eu já tinha perdido a família, trabalho, financeira e tudo.” agora não, agora eu venho por mim. SUJEITO 5 - ISJ (Não está em processo psicoterápico) FREQUÊNCIA 3 Perdas “Eu acho que a tensão né cara. O cara perde, vai perdendo as coisas.” “(...) eu decidi procurar, foi “O acúmulo desses prejuízos quando eu já tinha perdido me levou a uma depressão tudo.” terrível.” 3 Sintomas físicos e alteração de saúde “Só que tava fazendo mal para mim.” ‘” eu tava vindo de uma semana sem comer, sem dormir, só vomitando, começando a vomitar sangue já e fui numa consulta no médico aonde eu já tinha feito várias tentativas de tratamentos, tentativas né.” “(...) saúde (...)” “Mas eu já estava tendo prejuízos como: esquecimentos, talvez por lesões no cérebro que tenha causado, fígado, muitos enjôos e vômitos’ 3 “Desconfiança de colegas de serviço que me levou a uma depressão terrível. O acúmulo desses prejuízos me levou a uma depressão terrível.” 3 Transtornos psiquiátricos “ (...) eu tava meio deprimida (...) Ele me tratou como depressão.” “Não tú não tem depressão, tú tens transtorno bipolar. Tú és bipolar.” “A possibilidade do dependente químico passar a ser paciente psiquiátrico me apavorava, porque ficou bem claro para mim que em eu continuando a usar essa lesão no cérebro ia piorando, ia não, vai piorando mesmo.” 44 Pressão familiar “Naquela ocasião a busca pelo tratamento foi por questões financeiras e familiares.” ‘(...) família. Tava me trazendo uma série de problemas que me fez estar aqui hoje.” “Eu consegui colocar minha mãe no hospital, tamanha tristeza que eu causei a ela e hoje eu acho que é mais um incentivo para eu interromper definitivamente o uso é minha família, é minha mãe.” 2 Pressão do trabalho “E depois começa a minha preocupação com o T., todo mundo já está sabendo. Eu fico pensando que por mais que o tribunal de contas tenha sido muito bom comigo mesmo, as pessoas cansam.” “Também por uma pressão externa, do meu serviço, por exemplo.” “Foi descoberto que eu fazia uso da cocaína e eu como exerço a profissão..., não seria possível continuar exercendo a profissão que combate o uso da cocaína e eu estar utilizando a cocaína. “Prejuízo também no serviço, não consigo render, produzir.” 2 “Naquela época , a procura foi para amenizar a péssima situação financeira que tinha se criado.” ‘Aí eu tive problema financeiro, o meu dinheiro já não estava dando, sabe. Tinha que pagar para Ana porque ela não tinha emprego, daí eu resolvi me internar no final de 96.’ “(...) como ela assume a minha dívida então eu digo que vou me internar.” Eu tenho contato com a droga a 3 anos e de um ano para cá foi que eu mergulhei de cabeça no uso. Fazia uso diário e daí vieram as complicações financeiras (...) 2 Questões financeiras 45 A vontade própria é uma subcategoria que foi mencionada na entrevista pelos sujeitos 1, 3 e 4, como motivação que levaram os pacientes a procurar por tratamento, como fica demonstrado no discurso a seguir: “Antes eu ia me internar para tapar uma situação criada com a família, trabalho, financeira e agora não, agora eu venho por mim.” Percebe-se que os três pacientes não negam o problema com relação à dependência química de cocaína e passam por uma aceitação parcial do transtorno. Os sujeitos 1 e 4 não conheciam os serviços procurados, mas de certa forma sugerem motivação para enfrentar o problema, bem como tratá-lo. Três entrevistados mencionaram que através do envolvimento com a cocaína, os mesmos passaram a sentir os prejuízos causados. Cabe retomar nesta subcategoria que, além de sofrimento ocasionado pelas perdas, os sujeitos 1, 4 e 5 em concordância com a fundamentação teórica, perceberam a diminuição da qualidade de vida, os danos causados nas relações com amigos, família, formação educacional e profissional, assim como conseqüências psicológicas e uma certa falta de controle sobre suas ações. Sintomas físicos e alterações da saúde surgem na fala de três entrevistados como motivos para procura de tratamento. De uma maneira em geral, esses prejuízos tem relação com os efeitos da droga consumida, que no caso da cocaína altera o sono e restringe a alimentação, debilitando assim o organismo do usuário. Além disso, a má qualidade do produto consumido pode também levar a complicações médicas importantes como já foi mencionado na teoria apresentada. O sujeito 4 demonstra através de suas colocações que chegou no CAPS AD numa situação física difícil, e num “ato de desespero”, buscou tratar-se como mostra a colocação a seguir: “E eu tava vindo de uma semana sem comer, sem dormir, só vomitando, começando a vomitar sangue já e fui numa consulta no médico aonde eu já tinha feito várias tentativas de tratamentos, tentativas né?” O uso ou abuso da substância e possivelmente combinações com álcool, podem levar a prejuízos físicos que tendem a desaparecer com o tempo, cessada a utilização, como fica demonstrado no caso desse paciente, bem como dos outros dois entrevistados em questão. Constata-se a presença de transtornos psiquiátricos associados aos motivos que levaram três entrevistados a busca por tratamentos, surgidos anteriormente e ou que foram desenvolvidos com a dependência química. O sujeito 3 identifica alucinações auditivas após quinze anos de utilização crônica e mesmo 46 depois de ter cessado o uso “as vozes continuaram”. Além da possibilidade de Psicose Tóxica, é possível que tenha ocasionado um início de lesão orgânica que, com a ajuda de medicamentos, foi possível de certa forma superá-la. Não fica claro nas colocações dos outros dois entrevistados se os problemas psiquiátricos foram causa ou conseqüência do uso da cocaína, pois o sujeito 2 fazia utilização de cocaína anteriormente à depressão citada e continuou fazendo de maneira sistemática por mais algum tempo. Esse caso demonstra a possibilidade de fuga do sofrimento e frustração, inerentes à condição humana, pois a depressão foi em decorrência da morte prematura do filho da entrevistada em concordância com o que foi descrito na página 29. Já o sujeito 5 coloca que os mesmos sintomas psiquiátricos foram causados pelo “acúmulo dos prejuízos” conseqüentes do uso da cocaína, corroborando com a idéia de que a utilização de substâncias pode servir como auto medicação de sintomas psiquiátricos, pois o uso pode aliviar por alguns momentos o sofrimento decorrente da depressão. Outra hipótese sustentada por Gabbard (1998), é que os sujeitos não tendo recursos próprios de enfrentamento, abusam de substâncias como mecanismos defensivos e adaptativos, o que potencializa as defesas do ego e revertem estados regressivos que atuam contra os afetos como a depressão aqui em destaque. Dois sujeitos (3 e 5) referem-se que a busca por ajuda foi em decorrência de pressão familiar e por pressão do trabalho. Esses dados estão coerentes com o que foi descrito na fundamentação teórica a respeito de que os usuários de cocaína não costumam procurar tratamento por iniciativa própria, pois os problemas normalmente aparecem vinculados a questões como dificuldades no trabalho e com relação à família. Alguns pacientes podem utilizar o tratamento como forma de amenizar situações problemas e não necessariamente com objetivo de recuperar-se. É possível que os dados apresentados sejam responsáveis por levar os usuários a abandonarem o tratamento e/ou acabarem recaindo, pois a motivação dos sujeitos não passa por questões subjetivas e sim por exigências da realidade externa. Apenas um entrevistado destaca a questão financeira como um dos motivos que o levou algumas vezes à internação e consequente tratamento. Novamente a pressão externa aparece como aspecto a ser considerado. De acordo com o que foi descrito na página 25, como os “dependentes de cocaína” não tem controle sobre o impulso em consumir a substância, normalmente são levados a gastar quantias altas de dinheiro. A droga passa a ser prioridade na vida do sujeito 47 em detrimento de algumas obrigações e outras atividades que antes eram prazerosas. Em concordância com a teoria, o sujeito 3 mencionou ter-se envolvido em furto como forma de obter mais dinheiro que custeasse sua dependência, cada vez que o entrevistado via-se envolvido com problemas financeiros recorria às internações como uma possível forma de amenizar os conflitos criados. Percebe-se que não existe um único motivo que levou cada sujeito entrevistado a procurar por tratamento. Cabe destacar que ocorre um reconhecimento de que o uso das drogas está se constituindo num problema, e que os sujeitos demonstram precisar de auxílio para resolvê-lo. Algo que antes lhes dava prazer passou a gerar sofrimento. Sofrimento este, que ameaça o próprio corpo, por meio das consequências geradas pelo uso da substância, a mente e o relacionamento com a família, trabalho e questões financeiras. Apesar das semelhanças, percebe-se que os motivos alegados estão ligados mais às motivações internas descritas por cada entrevistado, do que às dificuldades sociais e econômicas também mencionadas. Além do motivo que levou os entrevistados à procura por tratamento, é importante saber por quanto tempo os dependentes químicos de cocaína são usuários do serviço, pois tal informação pode revelar dados importantes sobre estes aspectos e serão descritos a seguir. 48 Categoria: Tempo de tratamento SUJEITO 1 – CAPS AD SUB (Não está em processo CATEGORIA psicoterápico) 15 anos 5 anos 7 meses 5 meses 20 dias SUJEITO 2 - PSM (Não está em processo psicoterápico) SUJEITO 3 - ISJ (Está em processo psicoterápico) “Meu primeiro tratamento foi em 94, faz 1 ano, quer dizer 15 anos.” “É minha 14ª, 15ª internação.” “E aí estou a 1 ano aqui, mas fico 4 meses saio, recaio.” SUJEITO 4 – CAPS AD (Está em processo psicoterápico) SUJEITO 5 - ISJ (Não está em processo psicoterápico) FREQUÊNCIA 1 “Estou no PSM desde novembro 2004, por causa da morte prematura do meu filho que morreu de um ataque do coração fulminante, durante a noite enquanto dormia.” 1 “Desde setembro eu estou aqui, não faz um ano ainda, entendesse.” 1 “Estou aqui desde o dia 17.12.08, aonde eu me internei definitivo, venho 5 dias por semana né. E entro as 8 hs e depois a gente faz os trabalhos aqui, que a gente se dispõe, não é nada obrigatório.” 1 “Eu estou no final do meu período de internação, são 30 dias, eu já estou a 20 dias.” 1 49 Não há semelhança entre o tempo de tratamento dos pacientes entrevistados. O sujeito 3 está há quinze anos em tratamento, mas parece não ter entrado em recuperação, pois entre idas e vindas ao Instituto São José, essa é sua décima quinta internação, entre constantes recaídas. O outro paciente do hospital, o sujeito 5, menciona estar no final do período de trinta dias de internação. Com relação aos usuários do CAPS AD, um está em tratamento há cinco meses (sujeito 4), e o outro (sujeito 1), é usuário do serviço há sete meses, mas não se encontra em tratamento no momento. Por fim, observa-se que o sujeito 2 está há cinco anos vinculado ao PSM do Posto Bela Vista no município de São José, sendo que atualmente também não se encontra em tratamento. A qualidade das respostas da amostra entrevistada não parece estar ligada ao tempo de tratamento dos sujeitos. Este dado é importante para reforçar a idéia de que cada sujeito apresenta características particulares a partir de uma história individual. No referencial teórico apresentado pela pesquisadora foi possível constatar que não existe tratamento único com tempo previamente determinado e indicado para todos os tipos de pacientes. Apesar de algumas semelhanças, cada pessoa tem sua história de vida e motivo pelo qual usa ou abusa de drogas. Desse modo é importante que cada paciente seja avaliado individualmente e que a partir daí seja feito um planejamento terapêutico pertinente à demanda identificada. Considerou-se importante identificar quais as expectativas pessoais da amostra pesquisada no que diz respeito aos tratamentos oferecidos nos serviços onde os mesmos estão inseridos, pois pode auxiliar na verificação de aspectos relacionados aos objetivos desta pesquisa. 50 Categoria: Expectativas tratamento SUJEITO 1 – CAPS AD SUB (Não está em processo CATEGORIA psicoterápico) Mudança de “Não adianta eu parar, os hábitos caras contam muito o tempo. Ah eu to a 1 mês sem usar. Não é o tempo, mas o que tu ta fazendo para não voltar mais, nessa rotina, essa coisa, entendesse. É mudar hábito, defeito de caráter pô, é isso aí que os caras(...) “Então é reformulação de vida entendesse. Esse é o segredo.” Nenhuma “Para falar a verdade eu não conhecia, não esperava nada. Eu vim para ver o que que era, eu precisava ser acolhido e aqui eles acolheram o cara totalmente. Mas é isso. Mas eu não imaginava que eles iam acolher bem também, mas o cara vai conhecendo as pessoas.” Parar de usar SUJEITO 2 - PSM (Não está em processo psicoterápico) SUJEITO 3 - ISJ (Está em processo psicoterápico) SUJEITO 4 – CAPS AD (Está em processo psicoterápico) “Quando eu vim, eu achei que seria mais uma daquelas tentativas, que ia tentar para me manter e me ver livre na hora.” “E depois é que eu comecei... quando eu cheguei eu não tinha perspectiva nenhuma de futuro, eu já vim desacreditado, nem a minha família não acreditava, nem a minha mulher, nem meus filhos (...). E nesses 5 meses a qual eu estou aqui, mudou muito a minha vida, deu uma revira volta de 360 graus, brincando.” “A minha expectativa, eu... é muito difícil eu sair daqui por vários meses muito firme. “Aliás, eu estou muito firme na decisão de parar. Tem uma coisa que se fala que é,o sincero desejo de parar de usar e isso eu nunca tive. Eu fui passar a SUJEITO 5 - ISJ FREQUÊNCIA (Não está em processo psicoterápico) “Eu estou ciente de que 2 tenho que mudar meus hábitos, evitar pessoas, lugares. “ 2 1 51 ter esse desejo agora, nesse último ano.” “Daí pela primeira vez eu não queria mais usar, eu não agüentava mais.” “A minha expectativa é parar de usar, agora diferente é a maneira como eu encaro o tratamento. (...) eu vou ter que ficar lá todo tempo necessário, eu vou ficar até que as coisas engrenem.” Recursos de enfrentamento Cura “Eu estou ciente de que a dependência não tem cura, mas eu to absorvendo o máximo possível de ferramentas e de informações aqui dentro para quando eu chegar lá fora eu saiba me controlar quando eu tiver fissuras, quando eu tiver desejos. (...) Então a minha expectativa é que eu sei que lá fora o desejo vai permanecer, só que aqui dentro eu estou conseguindo armas, artifícios para que eu possa lidar com isso lá fora.” “(...) eu é que vou ter que saber como lidar com isso lá fora. Isso que é importante.” “Eu esperava a cura, eu queria ter paz, queria ter paz de espírito, eu queria poder sair da minha a casa a noite, sentar num barzinho e tomar uma cerveja sem pensar em cocaína.” 1 1 52 De uma maneira geral as expectativas apareceram nas entrevistas de forma divergentes. Observou-se que dois entrevistados (1 e 5) mencionaram a importância e a preocupação em substituir a rotina anteriormente centrada nas drogas por novos hábitos, para atingir resultados satisfatórios com o tratamento. Largar a droga parece significar perder a companhia de alguns amigos, abandonar momentos de lazer que eram preenchidos com o uso de cocaína e ficar sem fazer nada. Nesse sentido, os entrevistados consideram a necessidade de resgatar o que antes lhes dava prazer, além de buscar satisfação por outras vias, reorganizando e preenchendo gradativamente sua vida social, amizades e atividades. Percebe-se também a ausência de expectativas demonstrada na fala de dois sujeitos (1 e 4), ambos usuários do CAPS AD, pois um deles desconhecia o serviço e o outro não via “perspectiva de futuro”, como fica demonstrado na colocação a seguir: “Quando eu vim, eu achei que seria mais uma daquelas tentativas, que ia tentar para me manter e me ver livre na hora. (...) E depois é que eu comecei... quando eu cheguei eu não tinha perspectiva nenhuma de futuro, eu já vim desacreditado, nem a minha família não acreditava, nem a minha mulher, nem meus filhos (...). E nesses cinco meses a qual eu estou aqui, mudou muito a minha vida, deu uma reviravolta de 360 graus, brincando.” O sujeito 3 considera fundamental ter o “sincero desejo de parar de usar” cocaína, que parece ter modificado a maneira como ele tem “encarado” o tratamento. O sujeito 5 demonstra ter ciência de que a dependência não tem cura, então procura instrumentalizar-se para adquirir recursos de enfrentamento para a vida depois da alta hospitalar, como coloca a seguir: “Eu estou ciente de que a dependência não tem cura, mas eu tô absorvendo o máximo possível de ferramentas e de informações aqui dentro para quando eu chegar lá fora eu saiba me controlar quando eu tiver fissuras, quando eu tiver desejos. (...) Então a minha expectativa é que eu sei que lá fora o desejo vai permanecer, só que aqui dentro eu estou conseguindo armas, artifícios para que eu possa lidar com isso lá fora.” Essa fala aparece em concordância com a fundamentação teórica quando salienta a importância de auxiliar os pacientes a desenvolver habilidades para enfrentar as situações-problema que acontecem na vida, sem que seja necessária a utilização de drogas. A paciente que fez seu tratamento no PSM colocou que quando deu início à psicoterapia tinha expectativa de “cura”. Fica representado através de sua 53 colocação que seu desejo era manter a rotina “sem pensar na cocaína”, contrapondo com a teoria no que diz respeito à importância de criar novos hábitos. Esses dados mostram que as expectativas pessoais apresentadas dizem respeito aos resultados previstos e desejáveis dos sujeitos com relação ao tratamento. Como já foi descrito na teoria, autores como Marlat e Gordon (1993), consideram a probabilidade de que expectativas positivas possam aumentar o índice de recaídas, pois a pessoa pode antecipar o positivo e ignorar o negativo já vivido. Os entrevistados em questão não sugerem expectativas altas no que diz respeito ao tratamento e tão pouco parece que tenham deixado de lado os aspectos negativos do uso. Percebem-se questões subjacentes ao uso como a constatação de não ter recursos próprios de enfrentamento e a consciência da importância em adquirí-los, ou até mesmo a ausência de expectativas como principais fatores que surgiram a partir da fala dos sujeitos. Cabe ressaltar que não foram encontradas outras bibliografias a respeito de expectativas que os sujeitos possam ter com referência ao tratamento. Considera-se que as expectativas dos entrevistados parecem estar mais ligadas a amenizar os agravos sociais consequentes do “abuso de cocaína”, do que propriamente para tratar da “dependência da substância”. Com intuito de auxiliar a identificação dos resultados alcançados e descritos pelos sujeitos com dependência química em cocaína, se faz necessário investigar quais os tipos de tratamentos recebidos pelos usuários nos serviços em questão. 54 Categoria: Tratamento recebido nesse serviço SUJEITO 1 – CAPS AD SUJEITO 2 - PSM SUJEITO 3 - ISJ SUJEITO 4 – CAPS AD SUB (Não está em processo (Não está em processo (Está em processo (Está em processo CATEGORIA psicoterápico) psicoterápico) psicoterápico) psicoterápico) Psiquiatra “Tenho consulta com o “Quando eu comecei o “Eu tenho a minha psiquiatra “Aqui eu também vou ao psiquiatra (...) “ tratamento aqui era o doutor que me atende 3 vezes por psiquiatra (...)” G, psiquiatra, (...)” semana, com tratamento medicamentoso (...)” Medicamentoso (...) e tomo remédio também. “(...) e ele me deu fluoxetina “Hoje eu só tomo clonazepan e rivotril para dormir. Ele me e fluoxetina. É clorpromazina” tratou como depressão.” “Aí ela acrescentou o carbolítio e um outro chamado bupropiona (...)” Psicólogo (grupo apoio, psicoterapia individual) Terapia de família Oficina terapêutica “É mais de grupo. Cada um fala da experiência que teve na sua vida, as vezes eu fico quieto, as vezes eu falo.” “E com a conversa com o psicólogo eu comecei a ver que só dependeria de mim.” “Terminava, eu saia daqui na quinta de manhã eu não via a hora de chegar na próxima quinta para ter a conversa com a pessoa. Como diz a minha mãe: Esse psicólogo para ti é uma pia, onde tú vai lá e despeja o que tens vontade.” SUJEITO 5 - ISJ FREQUÊNCIA (Não está em processo psicoterápico) “Quando a gente chega, a 5 gente passa por uma avaliação com psiquiatra, (...)” pela psicóloga. “Um estabilizador de humor e (...) tomo remédio, tomo um remédio para dormir. Não sertralina e neozine, é topiramato, não é lítio não amitripitilina né.” sei qual é a substância química o nome é trileptal.” “Tomo Seroquel, e o Rivotril que é um ansiolítico para baixar a ansiedade. Nossa tem sido muito eficiente mesmo. Eu tinha tomado só por conta própria, lexotan, que é também um ansiolítico, para baixar.” 5 “(...) e psicoterapia com uma certa limitação porque são muitos pacientes mas sempre dá para conversar um pouco mais.” “(...) pela psicóloga (D) (...)” “E quando eles acharem que está pronto para participar do grupo é integrado a ele, que é o grupo de apoio.” “Voltando ao grupo: é coordenado pela psicóloga e ou pela assistente social, onde é levado um tema para ser discutido e as pessoas que querem falar falam, não é obrigado a falar.” 5 “Aonde no meu tratamento psicoterápico com a psicóloga e o psiquiatra, nas nossas reuniões de grupo, como individual, ela abriu o meu modo de ver a vida.” “A psicóloga é na quarta feira a tarde, é individual e na quinta é o grupo fechado, são cinco pessoas,com a Dra A e Dra L.” “A gente trata de assuntos relativos a família, assuntos pessoais que no grupo de apoio a gente não pode debater.” E tenho uma terapeuta de família, vem minha mãe todas as... (...) 1 “Faço também o grupo de apoio, oficina.” 1 55 Seminários Assistente social 1 “(...) e tem o R que é consultor de dependência química e temos os nossos próprios grupos, tem os seminários, cada dia um médico apresenta um seminário.” “(...) e pela assistente social (K). 1 56 De acordo com os dados coletados, os cinco entrevistados mencionaram receber uma combinação de atendimentos psiquiátrico, medicamentoso e psicológico. Foi possível identificar no discurso dos pacientes que em todos os locais o tratamento inicia-se com a consulta ao psiquiatra diretamente associada aos medicamentos que os mesmos fazem uso. Os usuários do CAPS AD e do Instituto São José, participaram paralelamente na chegada à instituição de um grupo de apoio, e demonstram sentir-se bem falando de seus problemas com outras pessoas que estão no mesmo contexto e/ou até mesmo ouvindo-os, pois a confrontação com o problema e aceitação do mesmo costuma ser trabalhada. A indicação de psicoterapia surge como parte do tratamento que, em concordância com o referencial teórico, parece ter contribuído substancialmente para a redução do uso do estimulante e possível recuperação dos entrevistados. Na atenção básica, assim como nos demais locais após a consulta psiquiátrica, os pacientes que concordam são encaminhados para psicoterapia de grupo e/ou individual que são tidas por toda a amostra como fundamental estratégia de tratamento. Cabe destacar que a combinação entre psicoterapia e o uso de medicamentos é considerado pelos autores como vantajoso para as pessoas com dependência química em cocaína, pois além de reduzir a vontade do usuário em consumir a droga, pode amenizar os sintomas decorrentes das possíveis psicopatologias associadas, enfocando no processo psicoterápico os aspectos subjacentes ao uso. A terapia com a presença de familiares foi mencionada somente pelo sujeito 3, como uma modalidade de tratamento essencial, pois os familiares costumam apresentar dados importantes para o esclarecimento de algumas questões que podem orientar o diagnóstico e planejamento terapêutico. O entrevistado salienta que na terapia as intervenções da psicóloga são no sentido de trabalhar as dificuldades de sua família em demonstrar afetos, ao mesmo tempo em que permite a verbalização de sentimentos que ambos tem em relação a conduta do usuário de drogas, entre outras coisas. Observa-se que o sujeito 4 menciona os trabalhos efetuados em oficinas terapêuticas no CAPS AD, e o sujeito 3 coloca participações em seminários durante as internações no Instituto São José, onde se discute, principalmente, aspectos ligados ao consumo de drogas, como parte integrante do tratamento. As informações sobre o tema em questão é uma das faces contempladas nas estratégias de prevenção para dependentes químicos. A assistência social do 57 hospital é citada pelo sujeito 1, pois a mesma parece ter uma participação atuante. Costuma receber os possíveis internos, algumas vezes conduz em parceria com a psicóloga da instituição os grupos de apoio e/ou psicoterápicos, além de colaborar no planejamento de recuperação dos pacientes pós-alta. Esses dados demonstram que os tratamentos utilizados nas instituições envolvidas nesta pesquisa são de natureza psicosocial, pois combinam atendimento médico, sessões de psicoterapia individual e grupo, inclusão da família, bem como apoio social. Mesmo os pacientes que já estiveram ou ainda não entraram em tratamento psicoterápico propriamente dito, seja ele de grupo ou individual, concordam com a teoria referenciada no que tange a indicação de psicoterapia como contribuição substancial para aumentar a frequência de resultados positivos. Sujeitos que se tratam parecem ter maior chance de ficarem abstinentes ou diminuírem o uso e as recaídas, como fica demonstrado a partir da fala dos entrevistados. Após esta discussão, parece importante sintetizar as informações colhidas com relação aos resultados alcançados com esses tratamentos mencionados pelos entrevistados, com a finalidade de elucidar o objetivo geral desta pesquisa. 58 Categoria: Resultados alcançados com esse tratamento SUJEITO 1 – CAPS AD SUJEITO 2 - PSM SUB (Não está em processo (Não está em processo CATEGORIA psicoterápico) psicoterápico) Mudança de “Estou resgatando valores.” “Eu acho que já superei.” postura Planejamento de vida “Eu vou assumir a responsabilidade dele, eu vou cuidar dele. Já falei para mim mesmo, agora eu tenho que melhorar o meu lado para eu poder pegar ele.” “(...) tem que batalhar, comprar uma casa para mim (...)” Consciência do “Cada um tem que fazer a problema sua parte, agora eu tenho que fazer a minha.” “Tens o teu horário, vai lá abre tua loja, fecha e não tem que dar satisfação a ninguém. Conversa com uma pessoa com outra, fala que ta procurando um ponto comercial, até já achei, vou passar lá daqui a pouco. Tinha ali na Estácio de Sá um projeto de seleção, porque eu sempre gostei de escrever, eu tenho a cabeça muito boa para escrever histórias no caso né? Eu vejo um acidente eu faço uma redação. Eu sou boa em redação. Daí eu fui lá. Levei o meu diploma de ensino médio e fiz a redação e tirei terceiro lugar e ganhei a bolsa.” SUJEITO 3 - ISJ SUJEITO 4 – CAPS AD (Está em processo (Está em processo psicoterápico) psicoterápico) Agora a grande diferença “Hoje eu trabalho ao mesmo mesmo é a minha postura em tempo a recuperação e a relação ao tratamento. vida.” “ (...) me faz pensar bastante, no meu dia a dia. Porque hoje eu comecei a descobrir que eu posso planejar coisas para daqui a duas semanas. Antes eu não podia fazer isso. E hoje quando você planeja antes, você se apavora.” “(...) porque na época em que eu usava, eu nunca admiti que eu era doente, nunca admiti.” “Eu acho, a meu ver, que no tratamento da dependência, sabe, ele não é só ir lá e reprimir. Teria que ter um tratamento com o usuário, SUJEITO 5 - ISJ (Não está em processo psicoterápico) FREQUÊNCIA 4 ‘Pretendo frequentar lá fora grupo de NA, que de 15 em 15 dias eles estão aqui e pretendo se possível, uma psicoterapia individual.” “Então estou me preparando para voltar para atividade física, voltar para minha igreja que eu adorava ir... tenho que preencher esse vazio com alguma coisa. Eu queria voltar a ter prazer com que eu tinha, atividade física, amizades, igreja. Quero voltar a sentir prazer com essas coisas, quero voltar a ser alegre, brincalhão, porque nos últimos 3 anos eu tava meio para baixo.” “Afinal é a minha readaptação no mundo lá fora, sem a cocaína. (...) viver lá fora sem ela. Preencher esse buraco que ela vai deixar.” “Eu vejo que a minha mente abriu bastante. Agora eu tenho a real noção da vida que eu estava levando, eu não tinha antes.” 4 3 59 para ele se conscientizar do dano que ele tá causando. (...) eu não tava destruindo só a mim, tava destruindo todos ao meu redor.” “(...) a gente sempre acha que são os outros que estão doentes, que a gente nunca tá.” Alteração no padrão de consumo Resgate da família Melhora dos sintomas psiquiátricos “Até porque de vez em “(...) parei de usar, (...)” quando eu ainda uso. Não por causa disso. Eu não estou mais naquele ritmo, entendesse. De alucinar.” “Hoje quando eu uso eu já não me culpo mais. Um dia eu cheguei ruim e fui lá para cima. Mas tá de leve.” “Basta dizer que nos últimos 13 anos eu cherei cocaína todos os dias do meio dia as 5 horas da manhã,com exceção dos curtos períodos que eu estive internado. No último ano eu cheirei cocaína 10 vezes entende.” “Eu mudei meu perfil de consumidor, eu fiquei deslumbrado começou a sobrar dinheiro e eu comecei a comprar, comprar,comprar.” 3 “Eu to resgatando as coisas “A minha família, meu pai na verdade, mais a família no minha mãe, eles confiam caso.” mais em mim.” “É tá melhor. Agora eu to começando a aceitar eles do jeito que eles são.” “O meu filho eu vou ver final de semana, vou ficar com ele.” “ (...) eu ganhei meus filhos de volta, hoje eles moram comigo, a minha ex mulher (...)” “Meus pais são separados, ele mora em Concórdia, de onde sou natural e minha mãe mora comigo. A mudança com relação a eles foi ótima.” “Hoje eu gosto de ficar com ela. Eu digo que eu perdi uma mulher lá atrás, mas eu to ganhando uma nova pessoa, que eu estou aprendendo a reconhecer.” Primeiro com relação as “A minha impaciência, a minhas doenças psiquiátricas minha ansiedade, foi melhorou muito. estabilizada.” “Aqui eu fui perceber com ajuda da minha psiquiatra e a 3 2 60 terapia de família a minha variação de humor. Daí eu começo a trabalhar, já não oscilo tanto quanto eu oscilava a um ano a trás.” “No começo eu tinha perdido a mão, não sabia como fazer isso, quando eu falava, eu era muito agressivo para falar com as outras pessoas. Fui indo, fui indo hoje eu consigo falar com uma certa serenidade, me fazendo entender.” Saúde física Melhora da auto estima “Daquele jeito que eu ficava cagado e mijado eu não to mais. O cara jogado na rua. Cagado nas calças mesmo, desculpa.” “Prejuízos físicos e eu vejo como tem melhorado.” “O que eu ainda não... que eu acho que eu vou entrar em depressão por causa disso, é os meus dentes. Sempre foi a minha estética, sempre. Tentei conseguir um dentista ali na policlínica... estou fazendo tratamento com um rapaz, um dentista que me disse que se eu puder pagar cinqüenta reais por mês ele vai fazendo aos poucos.” “Depois dessa semana trabalhando com essências, produtos de beleza, essas coisinhas, abriu uma nova coisa na minha cabeça. Eu tenho uma amiga que abriu uma portinha aqui no Bela Vista, uma lojinha de cosméticos.” “E a psicoterapia está me fazendo muito bem, está me fazendo um novo caráter, uma nova personalidade, uma nova hombridade. Hoje eu me cuido mais, passo perfume, hoje eu me visto melhor, estou com a barba sempre feita, o meu sorriso no lábio está aí para todo mundo ver né.” “Então a psicoterapia faz você descobrir os valores que você tem. Porque a gente sabe que tem valores, mas eles estão adormecidos, escondidos.” 2 2 61 Outras vias de prazer “E eu agora to indo pescar, coisa que eu não fazia, to tocando violão, to com vontade de voltar a estudar.” Mudança de hábitos Amizades Trabalho Estudos “(...) e buscar novas formas de prazer.” ““É na mínima coisa, no gosto de um chocolate, de uma bala. É vc sentir o prazer de sentar com uma pessoa e conversar, sem ficar que nem um peru rodando, querendo uma dose, querendo um risco.” 2 “Então o que na psicoterapia eles ensinam para gente, são hábitos, atitudes, companhias, lugares... evitar os antigos (...)” “Então vc vai se controlando, porque automaticamente vai sobrando mais dinheiro, vc vai vendo que pode adquirir, então muitas que antes não tinham valor, passam a ter.” 1 1 “Eu comecei a fazer círculo de amizade (...)” “Resgatei algumas amizades (...)” “(...) estou trabalhando.” 1 “Voltei a estudar, estou concluindo meu curso de fotografia pelo Senac (...) Eu estou fazendo aula de laboratório segunda e quarta e tratamento de imagem na Casa Brasil, tudo por intermédio daqui. A minha psicóloga me acompanhou até a universidade federal, aonde eu estou fazendo aquele mini curso de artesanato de 6 meses (...)” 1 62 Perfil de consumidor “Mas de qualquer forma agora isso equilibrou, então meu perfil de consumidor mudou muito. Não só em relação a cocaína e perfil do consumidor no geral.” 1 Desintoxicação “Eu vejo que com a desintoxicação o meu corpo parou de pedir durante esses 20 dias.” ‘Mas o meu corpo não pede mais a química, apenas o psicológico, que são mudanças né.” Enfrentamento Material “(...) estou conseguindo conviver com esses traumas, com essas dificuldades.” “Eu comecei a acreditar mais em mim, na minha vida (...)” “E além disso, começo a trabalhar com seus medos, começo ser tratado como ser humano, para reaprender na vida a receber não e sim. É uma das coisas... aprender a lidar com isso tudo, de ruim e de bom.” “Material sim, é um resultado, amoroso, como é que eu posso dizer, particular assim.” 1 1 1 63 Nas palavras ditas por quatro sujeitos, observa-se que eles consideram como resultado, a mudança de postura com relação à dependência química e ao tratamento, como fica demonstrado nas colocações a seguir: “Hoje eu trabalho ao mesmo tempo a recuperação e a vida”. Percebe-se que os pacientes vêm tentando buscar outras formas de lidar com o problema das drogas, ao mesmo tempo em que resgatam e/ou criam novas maneiras de viver. O foco principal de suas vidas durante algum tempo vem sendo a cocaína, por isso os entrevistados tentam substituir ações que os levaram à dependência por uma nova postura. A possibilidade de planejar a vida, à curto, médio e longo prazo, também foi mencionada pelos sujeitos 1, 2, 4 e 5, fato que no contato com o uso da drogas nem sempre era possível, pois as alterações psicológicas e comportamentais costumam fazer com que os usuários negligenciem responsabilidades e compromissos sociais, familiares e de trabalho em virtude do uso. Mesmo com as consequências nefastas, a droga é prioridade em detrimento de outras atividades e obrigações, tornando-se difícil qualquer tipo de planejamento. Percebe-se uma expectativa alta com relação a esse resultado e um certo receio de não conseguir cumprí-lo. Verificou-se que três dos cinco entrevistados não estavam convencidos de que grande parte de seus problemas decorria do uso da droga, o que possivelmente contribuiu durante algum tempo para a continuidade do uso. Apesar dos prejuízos, deve ter havido uma dificuldade dos sujeitos relacionarem o seu comportamento de usar drogas com os prejuízos decorrentes dele, até mesmo porque dá algum tipo de satisfação para quem as usa. Braun (2007), coloca que mesmo quando percebem, pode ser doloroso, ou haver uma oscilação na percepção dos usuários, que ora acham que a droga traz prejuízos, ora que os benefícios são maiores. Por isso os entrevistados consideram que ter consciência e aceitação do problema, é de alguma forma, admitir sua responsabilidade sobre a dependência e conseqüente tratamento. No que tange à subcategoria alteração no padrão de consumo, três sujeitos se manifestaram a esse respeito e destacaram que reduziram o uso, pararam de usar e /ou tiveram recaídas durante o processo de tratamento, como mostra a fala a seguir: “Até porque de vez em quando eu ainda uso. Não por causa disso. Eu não estou mais naquele ritmo, entendesse. De alucinar. Hoje quando eu uso eu já não me culpo mais. Um dia eu cheguei ruim e fui lá para cima. Mas tá de 64 leve.” Percebe-se o movimento dos usuários na tentativa de minimizar o uso de cocaína, bem como a constatação por parte deles quanto a diminuição dos danos relacionados à saúde, aspectos sociais e econômicos decorrentes dessa alteração. Além disso, relembrar situações passadas onde foi possível controlar o consumo pode ser útil para valorizar o tratamento e levar a retomada do mesmo. A família também se sente prejudicada quando um de seus membros envolve-se com drogas e de uma maneira em geral acaba por afetar a comunicação, bem como o relacionamento entre eles. Três dos entrevistados salientaram como resultados alcançados o resgate da família através do convívio, da confiança e aceitação das diferenças. É importante que o sujeito possa ter seu papel positivo na família para que ele se adapte aos poucos ao funcionamento social. Os sujeitos 3 e 4 sugeriram melhora dos sintomas psiquiátricos concomitantes à dependência química em cocaína, como fica demonstrado a seguir: “Aqui eu fui perceber com ajuda da minha psiquiatra e a terapia de família a minha variação de humor. Daí eu começo a trabalhar, já não oscilo tanto quanto eu oscilava há um ano atrás. (...) No começo eu tinha perdido a mão, não sabia como fazer isso, quando eu falava, eu era muito agressivo para falar com as outras pessoas. Fui indo, fui indo hoje eu consigo falar com uma certa serenidade, me fazendo entender.” Os sujeitos 1 e 5 referem-se à melhora também da saúde física em decorrência do tratamento. É válido lembrar que essas sub-categorias foram identificadas e explicitadas anteriormente nos motivos que levaram alguns entrevistados à procura por tratamento. Percebeu-se a melhora da autoestima mencionada por dois sujeitos (2 e 4) como resultados alcançados a partir do tratamento, bem como a busca por outras vias de prazer (sujeitos 1 e 4), já relatada anteriormente na sub-categoria novos hábitos. Cabe retomar Gabbard (1998), quando comenta a incapacidade de alguns dependentes em manter a autoestima, que pode acabar por dificultar suas relações objetais. Esse aspecto também pode ser um dos motivos que levam os sujeitos a usarem a cocaína, pois um dos efeitos conhecidos é a sensação de euforia com um aumento das percepções sensoriais e da autoestima. Os usuários sentem-se desinibidos, criativos, com certa dose de agressividade e com a falsa sensação de poder quando consomem o estimulante. O uso crônico acaba por destruir aos poucos autoestima de alguns pacientes, que tentam mantê-la com o uso. A partir do tratamento, esse resgate é possível como fica demonstrado nas colocações a seguir: 65 “E a psicoterapia está me fazendo muito bem, está me fazendo um novo caráter, uma nova personalidade, uma nova hombridade. Hoje eu me cuido mais, passo perfume, hoje eu me visto melhor, estou com a barba sempre feita, o meu sorriso no lábio está aí para todo mundo ver né. (...) “Então a psicoterapia faz você descobrir os valores que você têm. Porque a gente sabe que têm valores, mas eles estão adormecidos, escondidos”. Mudança de hábitos no entendimento do sujeito 4, foi um resultado alcançado já explicitado também na sub-categoria novos hábitos, bem como na sub categoria outras vias de prazer. Assim mesmo, cabe destacar a afirmação do entrevistado: “Então o que na psicoterapia eles ensinam para gente, são hábitos, atitudes, companhias, lugares... evitar os antigos (...) Então você vai se controlando, porque automaticamente vai sobrando mais dinheiro, você vai vendo que pode adquirir, então muitas que antes não tinham valor, passam a ter.” O sujeito 2 apresentou a retomada de amizades antigas e a possibilidade de ampliação de novas relações sociais por meio de trabalho, estudos, lazer, fato que o tem ajudado a manter-se ativo na sociedade. O lado material é mencionado pelo sujeito 1 como conseqüência positiva de sua inserção no CAPS AD. A mudança no perfil de consumidor do sujeito 3 aparece ligada não só ao consumo de cocaína, mas também ao dispêndio em geral. Percebeu-se um pouco de receio deste paciente no que diz respeito ao que fazer com o dinheiro que antes era gasto com a substância e hoje está disponível. Pois já passou por fases de consumidor compulsivo de outros bens e agora se sente mais “equilibrado”. No que tange à sub-categoria desintoxicação, chama atenção o caso desse paciente (sujeito 5), que está internado no Instituto São José por pressões do trabalho. Com o tratamento, parece ter começado a assumir a responsabilidade dos problemas que o cercam, sejam eles relacionados a contextos individuais, familiares, profissionais, de relacionamento social entre outros e sente que seu “corpo já não pede mais a química, apenas o psicológico.” Verificou-se que o sujeito 4 aborda o enfrentamento dos problemas subjacentes ao uso, como conseguir conviver com “traumas, medos”, assim como “reaprender a receber e dizer sim e/ou não” quando necessário, como sinaliza a citação: “(...) estou conseguindo conviver com esses traumas, com essas dificuldades. (..) Eu comecei a acreditar mais em mim, na minha vida (...) E além disso, começo a trabalhar com seus medos, começo ser tratado como ser humano, 66 para reaprender na vida a receber não e sim. É uma das coisas... aprender a lidar com isso tudo, de ruim e de bom.” Na categoria apresentada, evidencia-se a importância do tratamento nos resultados alcançados e descritos pelos entrevistados que estão ou estiveram em tratamento psicoterápico. Quando ocorre a interrupção ou diminuição prolongada do uso, percebe-se a redução da freqüência dos prejuízos ou até mesmo seu desaparecimento, então a colocação dos sujeitos sugere evolução. Melhora percebida pelos dependentes não só por meio da abstinência, mas sim com relação à qualidade de vida e à aquisição de diferentes habilidades e comportamentos que têm permitido evitar o consumo e prevenir recaídas. No entanto, observa-se que em qualquer tratamento para dependência química, podem surgir novas demandas, depois que a queixa principal foi atendida, portanto resolvê-la é sinal de resolutividade, porém, pode não configurar final de tratamento. Como já foi dito anteriormente, é possível que surjam novas questões que exijam continuidade no tratamento, caso o paciente revele disponibilidade para trabalhá-las. Os resultados dessa pesquisa corroboram com a idéia de que o processo psicoterápico é fundamental dentro de um planejamento de tratamento abrangente para cada paciente com dependência química em cocaína, pois na maioria das vezes os benefícios esperados são atingidos pelos sujeitos que desejam uma vida livre das drogas. A próxima categoria a ser apresentada diz respeito a outros tipos de tratamentos que porventura os entrevistados foram submetidos. Os sujeitos 2, 3, 4 afirmaram ter participado, em regime de residência, em comunidades terapêuticas, bem como tiveram passagens pelo NA para tratar da dependência química em cocaína. Dois entrevistados (sujeitos 2 e 4) mencionaram participações em reuniões nos grupos de ajuda mútua AA, pois alguns deles demonstraram ter problemas também com relação ao álcool. Os sujeitos 2 e 5 estão em tratamento pela primeira vez, portanto não foram submetidos a outras formas de tratamento. Um dos pacientes (sujeito 3) diz ter procurado ajuda por meio de religiões, e o sujeito 2, através hospitalização e PSM. Por último, o entrevistado 1 colocou que já havia procurado um médico e tinha recebido tratamento medicamentoso. As informações sobre essas modalidades de tratamento estão descritas nas páginas 32 e 33 do referencial teórico apresentado pela pesquisadora. 67 Categoria: Outro tipo de tratamento SUJEITO 1 – CAPS AD SUB (Não está em processo CATEGORIA psicoterápico) Comunidade terapêutica NA AA Não Religiões Hospitalização PSM SUJEITO 2 - PSM (Não está em processo psicoterápico) “No final de 3 anos fui parar numa comunidade terapêutica lá em Tubarão, (...)” SUJEITO 3 - ISJ (Está em processo psicoterápico) “Foi em comunidade terapêutica, daí depois esse modelos chamados Gerineck.” SUJEITO 4 – CAPS AD (Está em processo psicoterápico) “Eu tive no bom samaritano, que é comunidade terapêutica, aonde a gente encontra de tudo, entende. Fica afastado e para mim eu acho que não foi válido. Porque você se afasta do mundo do qual você vive.” “Eu freqüentava o NA, que é “E daí me envolvi em NA (...)” “(...) NA, (...)” um grupo de auto ajuda que “E eu começo agora minhas nem o AA. É que eu usei licenças, já comecei, ontem já fui a NA.” cocaína 3 anos direto.” “Já tinha feito uma passagem “Eu já fiz tratamentos em AA, em 92 pelos AA (...)” (...)” “Não. Antes não.” SUJEITO 5 - ISJ (Não está em processo psicoterápico) 3 3 2 Nunca. “ (...) Centro Espírita, Centro de Umbanda, eu já tive tomando passe, água benta.” “Eram 17 hs, daí me levaram para Colônia Santana onde fiquei internada 16 dias, daí ali eu sai de lá eu vim direto para o Posto que eles me deram encaminhamento para consultar no posto.” “Eu virei referência, foi 2 grupos que eu participei, 3, no Bem Estar também.” “Foi o primeiro grupo que teve e eu participei junto com eles e ali naquele grupo, me emocionei muito na época,” Aí veio o convite para participar do Bem Estar. Era muito engraçado, a gente sabia que tava se alimentando mal e continuava praticando aquela alimentação. Hoje, no caso... FREQUÊNCIA 2 1 1 1 68 na época eu não queria fazer, eu ia por ir, porque era um grupo onde as pessoas conversavam, contavam problema. Hoje eu cuido da minha alimentação conforme o bem estar queria. Sobre a pirâmide alimentar, hoje eu faço. De novembro para cá eu perdi 13 quilos, me sinto bem, me sinto mais leve. Medicamentoso “Na verdade eu já tinha consultado um médico antes de entrar aqui, ele tinha me receitado fluoxetina e amitriptilina” “Cheguei a tomar rispiridona, eu tinha esse negócio de perseguição, (...)” 1 69 Julgou-se necessário conhecer quais os resultados alcançados pelos dependentes em cocaína com esses outros tratamentos. 70 Categoria: Resultados alcançados nesses outros tratamentos SUJEITO 1 – CAPS AD SUJEITO 2 - PSM SUB (Não está em processo (Não está em processo CATEGORIA psicoterápico) psicoterápico) Sem resultado Formação profissional “Vai para sala de reunião, te identifica, conversa com as pessoas, ouve os problemas das pessoas, então eu comecei a ver com os problemas das pessoas que elas tinham mais problemas do que eu. Eu me perguntava: Porque é que eu vou usar droga? Daí eu conquistei uma confiança dos meus pais que eu tinha perdido, durante a dependência química, daí comecei a estudar, me formei no 2º grau, me formei na 8ª, me formei no 2º. Conquistei emprego no caso né? Fiz o curso de vigilante (...)” SUJEITO 3 - ISJ (Está em processo psicoterápico) “Não desprezando as comunidades e fazendas que tem ajudado muitas pessoas que não tem condições financeiras. Mas falta um acompanhamento medicamentoso, psiquiatra de plantão, falta psicólogo. Geralmente ficam nas mãos, e eu já fui coordenador de um então posso falar.” SUJEITO 4 – CAPS AD SUJEITO 5 - ISJ (Está em processo (Não está em processo psicoterápico) psicoterápico) “O resultado que eu via é que eu parava, mas quando voltava, voltava pior. Porque eu não tinha... as pessoas procuravam combater a minha doença. Eles não me preparavam para mim bater de frente,para mim começar a receber não. Quando eu usava cocaína e álcool, ninguém aceitava um não. Quando você quer, você dá um jeito de conseguir. Então todo tratamento era assim. Se afasta do álcool, porque o álcool, a droga não fazem bem, entende. Eles não tratam teu emocional, porque quando a pessoa a se abster ela começa a ter problemas.” FREQUÊNCIA 2 1 71 Constatou-se que dois sujeitos (3 e 4) não reconhecem resultados conforme consideram a seguir: “O resultado que eu via é que eu parava, mas quando voltava, voltava pior. Porque eu não tinha... as pessoas procuravam combater a minha doença. Eles não me preparavam para mim bater de frente,para mim começar a receber não. Quando eu usava cocaína e álcool, ninguém aceitava um não. Quando você quer, você dá um jeito de conseguir. Então todo tratamento era assim. Se afasta do álcool, porque o álcool, a droga não fazem bem, entende. Eles não tratam teu emocional, porque quando a pessoa a se abster ela começa a ter problemas.” O entrevistado 2 reconhece que o primeiro tratamento psicoterápico de grupo foi fundamental para que pudesse perceber e enfrentar o problema, consequentemente “reconquistou a confiança da família, voltou a estudar e conquistou um novo trabalho”. Destaca-se, por fim, a importância de ter identificado a motivação que levou os entrevistados a procura por tratamento, o tempo de tratamento, as expectativas e os tipos de tratamento recebidos nestas instituições, bem como os resultados alcançados nestes e em outros tratamentos que porventura os sujeitos tenham sido submetidos. Considera-se que o início do uso de substância, assim como a motivação para o tratamento sejam multifatoriais. Existem possíveis causas biológicas, fatores individuais, familiares, sociais e culturais atrelados à dependência de drogas. Diante disso pode-se deduzir que os resultados percebidos e reconhecidos pelos sujeitos entrevistados estão muito mais ligados aos tratamentos onde a psicoterapia é contemplada, dando-lhes condições psicológicas e sociais propícias, que permitam evitar o consumo. Os resultados dessa pesquisa corroboram com a importância de se trabalhar a interação destes fatores da vida de cada indivíduo. Desse modo as intervenções devem ser diferenciadas para cada paciente e devem considerar todos os aspectos envolvidos. 72 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo tem como tema central a dependência em cocaína e psicoterapia disponibilizada nos vários níveis de atenção à saúde através do PSM desenvolvido na atenção básica, CAPS AD e Instituto São José. Destaca-se que esta pesquisa teve como população alvo, sujeitos com dependência química que estão ou estiveram em processo psicoterápico, sem tempo determinado, e que estão vinculados às instituições mencionadas. Para que o problema de pesquisa deste estudo sobre os resultados alcançados e descritos por sujeitos com dependência química em cocaína que estão ou estiveram em processo psicoterápico pudesse ser respondido, foram primeiramente atingidos os objetivos específicos contemplados a seguir. Sobre o objetivo Verificar quais os serviços, nos diferentes níveis de atenção à saúde que prestam atendimento a sujeitos com dependência química em cocaína, assinala-se que a pesquisadora, em contato com as Secretarias da Saúde dos municípios de Florianópolis e São José, pôde constatar que o PSM, o CAPS AD e o Instituto São José prestam serviços públicos e gratuitos a dependentes químicos. As instituições envolvidas nesta pesquisa oferecem tratamentos psicossociais que vão desde o atendimento ambulatorial na atenção básica e secundária até internação hospitalar, dependendo da gravidade do uso e dos recursos disponíveis para encaminhamento. Os tratamentos devem ser indicados conforme os critérios previamente estabelecidos, e muitas vezes se constituem em abordagens complementares para um mesmo indivíduo, de modo que não devem ser vistos como excludentes. O seguinte objetivo específico versava sobre Verificar quais são as expectativas que os dependentes em cocaína entrevistados têm em relação ao tratamento psicoterápico. De acordo com os dados analisados, pode-se afirmar que este objetivo foi alcançado, pois as expectativas dos sujeitos frente ao tratamento puderam ser identificadas. As expectativas mais comuns apresentadas no que diz respeito aos resultados previstos e desejáveis dos sujeitos com relação ao tratamento psicoterápico contemplam, na sua maioria, a necessidade de mudar hábitos antigos, o desejo de parar de usar a droga e a consciência da importância de 73 se adquirir recursos próprios de enfrentamento. Este resultado coincide com os dados existentes na literatura. O objetivo específico Identificar se os dependentes em cocaína estiveram ou estão submetidos a outra forma de tratamento, visou identificar quais seriam essas outras formas de tratamento. Este objetivo foi alcançado, pois se constatou que a maioria dos sujeitos afirmaram ter estado em regime de residência em comunidades terapêuticas, bem como tiveram passagens pelo NA para participar de reuniões de mútua-ajuda na tentativa de tratar sua dependência química em cocaína. No entanto, foi possível detectar ainda que os entrevistados também participaram de reuniões no AA, assim como procuraram se tratar com ajuda religiosa. Outros sujeitos mencionaram hospitalização e tratamento medicamentoso. Percebe-se a importância de uma ação integral aos usuários de drogas que contemplem aspectos biológicos, psicológicos e sociais, face à complexidade do problema. Ainda como objetivo específico o trabalho contempla Coletar dados junto a sujeitos com dependência química em cocaína e quais foram os resultados alcançados a partir do processo psicoterápico. Foi possível alcançar este objetivo, pois se evidencia interrupção e/ou diminuição do uso, assim como a redução da freqüência dos prejuízos. Cabe destacar aqui, que o fato dos pacientes identificarem resultados pode aumentar a motivação para continuidade do tratamento e a adesão ao mesmo pode ser facilitada, pois o paciente consegue visualizar melhora. Os resultados são percebidos pelos sujeitos que, conscientes do problema, percebem sua parcela de responsabilidade no tratamento e passam a reconhecer melhora também através do enriquecimento das relações interpessoais, de aspectos sociais e de trabalho, melhora de sintomas físicos e psiquiátricos, da qualidade de vida e a aquisição de recursos e comportamentos que tem permitido evitar o consumo e prevenir recaídas, corroborando com o referencial teórico. Sobre o objetivo geral desta pesquisa de Verificar quais os resultados alcançados e descritos por sujeitos com dependência química em cocaína que estão ou estiveram em processo psicoterápico, atendidos nos vários níveis de atenção, considera-se que foi alcançado, pois aponta para a resolutividade e a satisfação dos pacientes com relação ao tratamento. Mesmo os entrevistados que no momento não estão, ou já estiveram em tratamento psicoterápico, parecem motivados para a mudança, pelo simples fato de estarem vinculados às instituições. Isto não é 74 garantia de sucesso no tratamento, mas de certa forma demonstra a percepção dos problemas relacionados ao uso de substâncias. O primeiro passo parece ser a busca por tratamento e em seguida alcançar um nível de participação e motivação para mantê-lo à médio e longo prazo, conforme a necessidade de cada caso. O objetivo costuma ser comum baseado na abstinência ou diminuição do uso, qualidade de vida e prevenção de recaídas aqui mencionadas pelos entrevistados. Sobre as facilidades e dificuldades encontradas para o desenvolvimento deste estudo, destaca-se como facilidades o fácil acesso à população a ser pesquisada e a disposição dos profissionais das instituições envolvidas em identificar os sujeitos para compor a amostra da pesquisa, bem como disponibilizar os locais adequados para que as entrevistas fossem realizadas. Cabe ressaltar a disposição dos profissionais durante o processo de coleta de dados em auxiliar, em diferentes aspectos, sempre que solicitados. De modo geral, não houve dificuldades para a realização desta pesquisa, a não ser o fato de não haver pacientes com dependência química em cocaína que estivessem nesse momento em tratamento psicoterápico no PSM, diminuindo então a proposta inicial da pesquisadora em entrevistar 6 pacientes. Embora os objetivos da pesquisa tenham sido atingidos, ainda cabe destacar a limitação do método, no sentido de que não foi possível acompanhar o processo psicoterápico dos entrevistados e sim um momento específico do tratamento. Portanto, não foi possível constatar possíveis intercorrências ao longo do processo de tratamento. Cabe sugerir novas pesquisas no sentido de investigar junto aos pacientes com dependência química em cocaína, através de estudo de casos, para que mais dados sejam coletados a esse respeito, para contribuir com ampliação do conhecimento. Destaca-se também que esta pesquisa promoveu diversas reflexões acerca do tratamento para dependência química, despertando ainda mais o interesse da pesquisadora em aprofundar-se em questões sobre este tema. Por fim, se faz necessário agradecer ao PSM, CAPS AD e Instituto São José e seus respectivos profissionais, que deram condições para esta pesquisa se concretizar, bem como aos pacientes entrevistados, que de forma generosa, aceitaram, com presteza, o convite para participar desta produção sobre a dependência química sem demonstrarem receio em falar sobre o tema. 75 REFERÊNCIAS AMARANTE, Paulo. Archivos de saúde mental e atenção psicosocial. Rio de Janeiro: Editora NAU, 2003. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2003. ANTIDROGAS E NAÇÕES UNIDAS CONTRA DROGAS E CRIME (UNODC). Disponível em: <http://www.antidrogas.com.br/unodc_relatorio2007.php>. Acesso em: 16 out. 2008. AZEVEDO, Renata. Aids e usuários de cocaína: um estudo sobre comportamentos de risco. Tese de Doutorado da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Disponível em: <http://www.prdu.unicamp.br/vivamais/Substancias_Psicoativas.pdf>. 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Relatório final: Caracterização dos Serviços de Atenção à Dependência Química da Região da Grande Florianópolis Florianópolis: UFSC, 2004. 78 APÊNDICE A - Entrevista A presente entrevista destina-se à coleta de dados para elaboração do trabalho de conclusão de curso do Curso de Psicologia. 1. O que o levou a procurar tratamento? 2. Desde quando está em tratamento? 3. Quais as suas expectativas com relação ao tratamento? 4. Qual o tipo de tratamento que recebe nesse serviço? 5. Quais os resultados alcançados com esse tratamento? 6. Você já realizou algum outro tipo de tratamento? 7. Quais os resultados alcançados nesses outros tratamentos?