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António Lancetti — Uma coisa é usar menos cocaína e outra coisa é
substituir cocaína por maconha, que são drogas diferentes, quase que
antípodas.
DOMICIANO SIQUEIRA — É diferente, mas isso representa um
avanço. A maconha, por exemplo, querendo ou não, se tornou uma
droga praticamente aceita na sociedade, legal ou ilegal, aceita ou não
aceita, pela sociedade em geral ela é aceita. As pessoas que usavam
cocaína, mesmo considerando que a maconha e a cocaína são diferentes em termos de efeitos farmacológicos, elas pertencem a grupos
diferentes, a opção por maconha em vez de cocaína, re-significa toda
uma postura de vida, a pessoa vai dar outro encaminhamento para si
e para as coisas que faz, a partir do momento em que deixa de usar
cocaína. Não importa muito o fato de ter mudado de uma droga para
outra, mas o fato de ela ter pensado, parado para pensar em fazer
trocas, porque normalmente se acredita que a pessoa que está no
embalo de um uso de drogas não pensa em mais nada, que ela só
pensa naquilo, naquilo, naquilo.
Acredito que uma pessoa que pára, a ponto de pensar e de possibilitar uma mudança de droga, é porque ela pensou muito, ela fez
um esforço muito grande. É esse o esforço que se considera, quando
a gente propõe, por exemplo, resgate de cidadania, resgate de autoestima, qualidade de vida, tudo isso passa por esse ponto fundamental que é o "parar para pensar". Não tem nada que a gente possa fazer
por alguém, não só no caso dos usuários de drogas. Não acredito que
se possa fazer nada por ninguém no mundo que seja mais importante do que ajudar essa pessoa a "parar para pensar". É por isso que,
como você falou antes em relação aos tratamentos, é que eu vejo que
eles não funcionam. Eu não estou criticando simplesmente trata64
mentos que são muito importantes, mas eles não funcionam, porque eles terminam propondo aquilo que as pessoas conseguem através do uso de drogas, ou seja, é como fazer uma viagem de nove
meses em geral: nove meses de paz, nove meses de tranquilidade,
nove meses de contato com um poder superior, onde se para para
pensar. Na hora de voltar à realidade, vendo que a vida não é esse mar
de rosas mesmo, que a vida é angustiante, tem que se lutar e que a
sociedade vive com drogas, as pessoas terminam recaindo, porque
elas não aprenderam a conviver consigo mesmas, não aprenderam a
conviver numa sociedade que é real; elas aprendem, ou tentam aprender, a viver e vivem nove meses em alfa, em estado de graça, por isso
rezam tanto, para poder atingir esse nível, que é ideal, mas não é real,
a droga possibilita isso.
Talvez socialmente, ou em termos de legalidade, uma pessoa
que depende de um terço é aceita, mas não é aceita uma pessoa que
fuma baseado. E eu não estou dizendo com isso que fumar baseado
é melhor do que rezar um terço, depende do uso que cada pessoa faz.
A gente não considera tanto as individualidades, eu penso que, no
nosso grupo, de quinze redutores, por exemplo, nós podemos considerar 60 ou 70% como ex-usuários de drogas.
Em relação a essas pessoas, como ex-usuárias de drogas, não
significa que elas deixaram de usar ou usaram de forma diferenciada
algum tipo de droga ou algum tipo de oração, importa que elas pararam para pensar e que hoje elas não dependem mais daquilo que
dependeram um dia.
António Lancetti — Mas o que estou entendendo é que existe uma
contradição entre as estratégias baseadas na abstinência e as estratégias
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DOMICIANO SIQUEIRA —É diferente, mas isso representa um