http://www.pgletras.uerj.br/palimpsesto/home.htm Entrevista com Adriana Lunardi http://www.adrianalunardi.com.br Escritora e roteirista, a catarinense Adriana Lunardi recebeu os prêmios Funproarte e Troféu Açorianos já no seu livro de estreia, a coletânea de contos As Meninas da Torre Helsinque (1996). Véspera (2002), seu primeiro romance, foi indicado ao prêmio Jabuti e traduzido para o francês, espanhol e croata. Em 2012, ela foi convidada para ministrar uma oficina de criação literária na UERJ. Ao fim de suas atividades nesta universidade, em agosto deste ano, Adriana Lunardi concedeu-nos uma pequena entrevista, em que fala de gêneros literários, autoria, escrita pós-modernista e de seus romances. Palimpsesto: O tema da nossa edição é “Arquivo e Vida Literária”, em que propomos que sites literários, blogs, entrevistas, diários e cartas podem ser objetos da história e da crítica literária. Uma questão que ainda perdura nos estudos literários é a carta de Pero Vaz de Caminha como um importante documento, não só histórico, mas também literário. Você acredita que estes gêneros (blogs, cartas, diários, etc.) têm importância literária? Adriana Lunardi: Ao escrever um romance, a forma representará sempre um desafio superior, pois é no modo de narrar que estará o segredo do livro. Uma escolha errada de narrador ou de tempo pode pôr uma boa ideia na lona. Fora isso, toda arte é produto da imaginação. Já a escrita dita biográfica se apóia na razão, nos limites da consciência. Faz contratos com a ética, promete uma ação de boa fé e não cair na fantasia. É preciso crer que aquilo que se lê nas cartas e nos diários seja uma experiência de vida, não uma elaboração artística. E o leitor estabelece essa diferença de origem, mas também amplia a compreensão da obra a | Nº 16 | Ano 12 | 2013 | Entrevista (1) p. 2 partir dos relatos pessoais do artista. Você cita a carta de Caminha. Cito outro exemplo: a carta de Franz Kafka ao pai. Inicialmente manuscrita (e entregue), ela nunca foi lida pelo destinatário. No espólio a ele confiado, Max Brod encontrou uma versão datilografada da tal carta. Teria o autor de Metamorfose mudado de ideia? Na dúvida, Max Brod a publicará junto a outras narrativas e lhe dará um nome, Carta ao pai. Hoje, a crítica a considera um elemento iluminador tantos dos temas quanto das obsessões literárias de Kafka. Palimpsesto: Como você vê estes gêneros textuais (textos jornalísticos, diários, cartas, etc.) sendo apropriados pela literatura? Haveria uma divisão, de fato, entre estes gêneros e o gênero, dito, literário? Adriana Lunardi: Essa é a arte do romance: apropriar-se de todos os discursos para reinventar-se e sobreviver. Emular uma narrativa íntima é subverter a expectativa do leitor a um ponto que deixe de ter importância tratar-se de um material fictício ou não. A convenção é avisar, claro, quanto ao gênero a que a obra se inscreve. Mas o jogo fica mais interessante quando a dúvida é plantada. De minha parte, continuo a estabelecer uma diferença nítida entre a obra dita canônica e a vida do autor. Concordo que existam pontos de diálogo, considero-os interessantes, por vezes inspiradores. Porém, confio mais na imaginação que nos documentos. Se tivesse de escolher entre os diários de Virginia Woolf e seus romances, ficaria com os romances. Embora sejam fundamentais as reflexões sobre o ofício literário feitas por Nabokov, Henry James ou Mario Vargas Llosa, não as trocaria pelos seus romances. Sou da velha escola, nesse sentido, e acho a ficção sempre mais confiável. Palimpsesto: Na internet, há programas que possibilitam a escrita coletiva de histórias: um escritor (ou grupo de escritores) começa uma narrativa e outros vão adicionando, | Nº 16 | Ano 12 | 2013 | Entrevista (1) p. 3 suprimindo e modificando livremente a obra. Esta é produzida coletivamente e assinada coletivamente. Como você entende esta atividade literária em relação à autoria e ao próprio fazer literário? Adriana Lunardi: Autoria compartilhada não quer dizer perda de autoria. O espírito colaborativo pode ser equacionado com prazer, creio. É assim que se faz num roteiro de filme ou numa série de TV. A ideia, nesse caso, é que as escolhas sejam feitas em nome do que é melhor para a história na visão de muitos, não de um só. Mas é claro que um autor vai querer um voo solo de vez em quando. Todo mundo que escreve quer arcar sozinho com a dor e a alegria de escrever um livro. Palimpsesto: A escrita pós-modernista é caracterizada, em grande parte, pela intertextualidade. O pastiche, a paródia, o uso de gêneros textuais diversos, da polifonia, de personagens literários conhecidos e a reescrita do chamado cânone literário são alguns dos recursos utilizados por estes escritores para criar suas histórias. Você diria que isto é uma característica, de fato, das narrativas contemporâneas ou a intertextualidade, de um modo ou de outro, sempre esteve presente na literatura? Adriana Lunardi: O teatro grego recontando os mitos. O império romano reaproveitando as narrativas gregas e dando uma função pragmática aos deuses. A Bíblia e suas interpolações. Shakespeare a partir de Plutarco. E por aí chegamos ao escancaramento do artifício no modernismo de T.S. Elliot e James Joyce. Palimpsesto: Em seu livro Vésperas (2002), você lança mão de escritoras como Clarice Lispector, Virgínia Woolf e Sylvia Plath para compor seus contos, e o título do seu último romance A Vendedora de Fósforo (2011) é uma alusão ao conto do Hans Christian Andersen. Este | Nº 16 | Ano 12 | 2013 | Entrevista (1) p. 4 apoio na intertextualidade é um recurso frequente ou suas histórias nem sempre são diálogos com outros textos? Adriana Lunardi: Há livros e autores que me são mais familiares do que tios e parentes ditos próximos. Assim, não consigo separar com clareza a experiência literária passada das memórias do vivido. Não há hierarquia entre elas, confesso. Em Vésperas ficou claro o sentimento que eu tinha, como leitora, por aquelas autoras que transformei em personagens. Já A vendedora de fósforos recria em certa medida a minha biblioteca de infância e o sentimento, à época, de ser uma daquelas personagens das histórias de Andersen. Dito assim, só posso pensar que a intertextualidade não é uma busca externa para mim, mas uma viagem para dentro, onde no meio de tudo está uma biblioteca. entrevistador: Luciano Cabral Mestrando em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ)