Programas de Segurança Alimentar e Nutricional na cidade de Toronto: Brasil e
Canadá compartilhando experiências
Luciene Burlandy
O Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN)
coordenado pelo CPDA/ UFRRJ, Departamento de Nutrição Social da Universidade
Federal Fluminense e IBASE tem como objetivos analisar, pesquisar e monitorar os
diversos aspectos da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN); apoiar a interação entre as
atividades de pesquisa e de intervenção; registrar e difundir os resultados dos trabalhos
realizados sobre o tema; alem de contribuir para o atendimento da crescente demanda de
atividades
de
formação
em
SAN
(para
maiores
informações
consultar
www.ufrrj.br/cpda/ceresan).
Como parte de suas atividades, o CERESAN vem desenvolvendo um projeto em
conjunto com o Centre for Studies in Food Security (www.ryerson.ca/foodsecurity) da
Universidade Ryerson – Toronto - Canadá, financiado pela Agência Canadense para o
Desenvolvimento Internacional (Canadian International Development Agency – CIDA)
com objetivo de fortalecer a formação em SAN no Canadá, Brasil e Angola. Um dos subprojetos consiste num certificado de pós-gradução em SAN via Internet que inclui cursos
sobre conceitos em SAN, Política Publicas, SAN e Gênero e Métodos de planejamento e
avaliação em SAN, ministrados para países de língua portuguesa (para maiores informações
www.redcapa.org.br). Além disto, o projeto desenvolve oficinas sobre Políticas Públicas
Locais e Programas de Segurança Alimentar em três municípios do país, Araçuaí, Fortaleza
e Juazeiro.
Como parte deste intercambio, o projeto vem investindo no conhecimento das
experiências de programas de SAN já realizadas nos três paises (Canadá, Brasil e Angola) e
este artigo tem como objetivo relatar de forma sintética o funcionamento de algumas ações
que vêm sendo desenvolvidas na cidade de Toronto, destacando elementos para este
processo de aprendizado compartilhado entre os três paises.
Uma das experiências que se destaca no contexto da realidade Canadense é a do
FoodShare, uma organização não governamental que tem como principal objetivo
aproximar produtores locais e consumidores da cidade de Toronto, intermediando a
comercialização de seus produtos para as famílias residentes na cidade.
Para tal, o FoodShare entrega uma cesta de alimentos (frutas, verduras e legumes
frescos) comprados dos produtores locais, em diferentes bairros da cidade. São distribuídas
cestas compostas por produtos orgânicos e outras com produtos não orgânicos, de acordo
com a preferência e capacidade de compra das famílias. As cestas são compradas e os
produtos apresentam um preço menor do que o de mercado seja porque o serviço inclui
trabalho voluntário, seja porque o FoodShare busca fontes de recursos, especialmente
privados, para manter o serviço. As cestas estão sendo diferenciadas de acordo com
necessidades especificas dos grupos de consumidores, como idosos, diabéticos, hipertensos,
e incluem sugestões de formas de preparo saudável dos alimentos. A preocupação central é
com a oferta de produtos oriundos dos produtores locais, mas, como parte das atividades do
FoodShare, são desenvolvidas oficinas culinárias comunitárias e a instituição possui
também um serviço de alimentação que produz refeições prontas tanto para os voluntários
e funcionários, quanto para eventuais solicitantes.
A experiência é pautada no objetivo de aproximação entre produção e consumo, que é
fundamental sob a ótica da SAN, considerando que contribui para o fortalecimento de
produtores de pequeno e médio porte (que em geral tem dificuldades em escoar seus
produtos), envolvendo alimentos frescos, como frutas, legumes e verduras, contribuindo
para estimular seu consumo através de preços reduzidos, melhor qualidade e condições de
conservação, (considerando inclusive a redução da distância física e dos problemas
referentes ao transporte dos alimentos por longas distâncias). Além disto, as atividades
voltadas para orientação sobre formas de preparo saudáveis, seja através das receitas que
são distribuídas junto com as cestas, seja nas oficinas culinárias realizadas, complementam
de modo interessante as ações da instituição, considerando a demanda por informações
neste campo, qual seja, de como operacionalizar cotidianamente uma alimentação saudável.
A cidade de Toronto dispõe também de uma vasta experiência em programas de
Banco de Alimentos. Neste contexto, o Daily Bread é uma central de banco de alimentos
que recebe doações em alimentos e dinheiro de diversas empresas Canadenses e encaminha
os produtos para outros bancos de alimentos da cidade e também para famílias que residem
no bairro. Diferente da experiência brasileira de Bancos de Alimentos, que prioriza o
atendimento a instituições e não à famílias, e que em alguns casos funciona a partir de
iniciativas do governo, no Canadá os Bancos são essencialmente privados e atendem
diretamente famílias e não instituições.
A central de Banco de Alimentos em Toronto não recebe nenhum recurso
governamental e isto é parte da política da instituição para garantir autonomia decisória em
torno da distribuição dos alimentos, sendo, portanto, mantida por uma fundação – a “Daily
Bread Foundation”. Cabe destacar que os doadores institucionais recebem isenção de
impostos pela doação.
A instituição conta com um serviço de apoio social que encaminha as famílias que
procuram o banco de alimentos para outros programas de apoio. A central enfrenta
dificuldades referentes à quantidade de produtos doados que é insuficiente em relação à
demanda (mais de 800,000 pessoas usam bancos de alimentos no Canadá). O Banco
dispõem também de um serviço local que oferece refeições para funcionários e voluntários
e que podem ser consumidas pelas famílias do bairro por custo reduzido.
Dentre as instituições que são abastecidas por esta Central, destaca-se o “STOP”, um
Centro Comunitário de Segurança Alimentar que oferece diferentes tipos de serviço, tais
como: banco de alimentos, cozinha comunitária, local para festas comunitárias, encontros
além de um refeitório que oferece alimentação (café da manha e almoço), uma horta e um
forno comunitário.
A Cozinha comunitária funciona uma vez por semana e serve também para troca de
experiências em torno da culinária, preparo coletivo da alimentação e aprendizado
informal. Existem cinco tipos diferentes de cozinha comunitária de acordo com os grupos
que as compõem, que podem ser de adolescentes, imigrantes de uma determinada
nacionalidade (comunidades africanas, por exemplo), mulheres jovens, dentre outros. Os
recursos para compra dos alimentos provêm de um fundo especifico de doadores.
O Banco de Alimentos destina-se aos residentes do bairro que podem adquirir
alimentos uma vez por mês e recebem uma quantidade suficiente para três dias ao mês,
sendo que 95% são alimentos não perecíveis, pois o Centro dispõe de poucos recursos para
compra de alimentos frescos.
O serviço de alimentação do Banco oferece dois almoços (para 150 pessoas
aproximadamente) e quatro “cafés da manhã” por semana (para 100 pessoas
aproximadamente). O refeitório tem múltiplas funcionalidades, sendo também espaço para
jogos, confraternização, local para assistir TV e conversar, além de lugar para realização de
oficinas comunitárias sobre diferentes temas.
O STOP dispõe de uma nutricionista que atende prioritariamente gestantes uma vez
por semana e orienta a produção e oferta de alimentos no Centro. Alem disto, possui um
serviço de reivindicação política (Advocacy) que atua em torno de demandas específicas
que são trazidas ao centro, sensibilizando a população gestores e políticos.
O centro também administra uma Horta Comunitária, situada num parque público
próximo que atua como espaço educativo para crianças e desenvolvimento atividades
escolares em torno da alimentação, além de local de resgate de atividades de contato com a
terra e plantio. As famílias que cuidam da horta contribuem para a vigilância e
aprimoramento permanente das ações e, como outra frente de atuação neste campo o STOP
planeja inaugurar uma Estufa Comunitária em 2008.
Também próximo ao centro, o Forno Comunitário constitui local para preparo de
refeições comunitárias e para o compartilhar social entre moradores do bairro, sendo
amplamente utilizado em atividades de confraternização realizadas periodicamente.
O Centro Comunitário STOP é situado no bairro de Davenport West que é
considerado a quinta comunidade mais pobre de Toronto, formado por imigrantes recém
chegados ao país, aonde algumas residências chegam a abrigar duas famílias, compondo ate
15 pessoas por domicilio. Em geral, são indivíduos que trabalham, mas não recebem o
suficiente para arcar com as despesas de uma alimentação adequada, pois gastam a maior
parte do salário com habitação. A questão habitacional é de forte relevância na cidade, pelo
alto custo da moradia e de sua manutenção, incluindo a necessidade de sistema de
calefação, sendo crescente o valor pago pelo serviço de eletricidade. Estima-se que 10% da
população não possua nenhum local para morar e que um percentual expressivo utilize os
abrigos públicos. Desta forma, os residentes pagam pela casa, mas não conseguem arcar
com os gastos alimentares. Cabe destacar que as famílias que freqüentam o centro
comunitário são, em grande medida, pessoas com nível educacional alto, alguns recebem
assistência ao desemprego ou seguro saúde por parte do governo, que, no entanto, não é
suficiente para bancar todas as despesas da família. Portanto, é possível perceber que para
que a escolaridade tenha impacto sobre as condições de vida das famílias, ela precisa ser
acompanhada de oferta eqüitativa de empregos. Alta escolaridade em situações que não são
de pleno emprego, ou que o acesso ao emprego não é eqüitativo, podem implicar em
situações como esta, onde pessoas com alto nível educacional não dispõem de emprego ou
atuam em trabalhos que não exigem alta escolaridade.
Desta forma, pode-se perceber que mesmo em países considerados economicamente
desenvolvidos, segmentos da população estão submetidos a condições de insegurança
alimentar, causadas pelas dificuldades de acesso a uma alimentação adequada. Segundo o
conceito construído na II Conferencia Nacional de SAN (Brasil 2004) Segurança alimentar
e nutricional (SAN) é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a
alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que
respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente
sustentáveis. Portanto, o comprometimento dos recursos destinados à alimentação adequada
e saudável, pelo alto custo de outros bens essenciais como moradia, pode ser um problema
significativo para a SAN de algumas famílias, como indica o exemplo referido.
Neste sentido, é interessante destacar a complementariedade das ações
desenvolvidas pelo STOP, que incluem não só a facilitação do acesso ao alimento através
do Banco de Alimentos, mas também o apoio em termos de cuidado em nutrição; a
socialização através do refeitório e da sala de convívio; formas saudáveis de preparar o
alimento e compartilhar saberes e culturas através das oficinas culinárias; resgate do
contato com as práticas de plantio através da horta comunitária urbana e apoio político na
reivindicação junto ao poder público por bens e serviços essenciais, incluindo emprego.
Esta conjugação de diferentes formas de apoio é fundamental para o alcance da SAN.
Ainda no campo das ações de SAN, no entorno da cidade de Toronto, experiências de
agroecologia vêm sendo desenvolvidas por fazendas como a Everdale que promove o
plantio orgânico para pequenos agricultores e intermedia a venda para residentes locais,
aproximando também produtores e consumidores e favorecendo formas saudáveis, social e
ambientalmente sustentáveis, de produção e consumo. Situada numa região de grandes
produtores, (que produzem um ou dois tipos de cultura e vendem para fora do estado de
Ontário), a fazenda cultiva mais de 30 variedades de produtos vegetais, além de animais,
que são vendidos para famílias locais filiadas à fazenda e apóia os produtores de pequeno e
médio porte.
Os métodos de controle natural de pragas e adubação incluem o plantio simultâneo de
diversos vegetais e inclusive de plantas que contribuem para oxigenar o solo, além do uso
de um material sintético que cobre determinadas plantações, protegendo-as. Este sistema
contribui simultaneamente para o crescimento das plantas, adubação natural e controle de
pragas.
Finalizando, cabe ressaltar que, algumas das experiências aqui relatadas, que são
desenvolvidas na cidade de Toronto, também se encontram em curso no Brasil, e apontam
para a importância de tratar o tema da SAN de forma ampliada, aproximando a produção e
consumo através de programas que simultaneamente apóiam os produtores de pequeno e
médio porte, facilitam o escoamento de seus produtos, incentivam práticas saudáveis de
produção de alimentos, que contribuem para a biodiversidade e sustentabilidade ambiental,
promovem um consumo adequado e saudável, ampliam o acesso à informação sobre formas
saudáveis de preparo, além de contribuírem para a construção de espaços de socialização
em torno do plantio, preparo e consumo compartilhado de alimentos, como as hortas,
cozinhas, fornos e os refeitórios comunitários. Por estas razões, merecem destaque como
experiências que potencializam o alcance da SAN por impactarem diferentes dimensões e
determinantes deste processo e indicarem formas integradoras de manejo da questão
alimentar e nutricional.
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