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RESUMO DE SEGURANÇA DE ÁFRICA
U M A P U B L I C A Ç Ã O D O C E N T R O D E E S T U D O S E S T R AT É G I C O S D E Á F R I C A
Factores Perniciosos Responsáveis por
Conflitos Étnico-Religiosos na Nigéria
POR CHRIS KWAJA
◆◆ O ordenamento jurídico da Nigéria concede aos dirigentes locais autoridade para ampliar ou negar direitos fundamentais aos cidadãos nas suas jurisdições, o que incentiva a politização das etnias e a escalada
da violência intercomunitária.
◆◆ As respostas ineficazes do Estado aos conflitos étnicos recorrentes têm sublinhado a falta de vontade
política de conter a violência.
◆◆ Apesar de actualmente se situarem no centro da Nigéria, os factores sistémicos que desencadeiam conflitos de identidade têm condições de propagar-se a outras áreas do país e para os resolver serão necessárias
reformas institucionais profundas.
DESTAQUES
Em casos extremos, as comunidades rivais poderão considerar que a sua segurança, e mesmo a sua sobrevivência, só
pode ser garantida através do controlo do poder estatal. O conflito, nesses casos, torna-se praticamente inevitável.
—“As causas de conflito e a promoção da paz duradoura e do desenvolvimento sustentável em África”,
Relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas, 1998.
Os conflitos comunitários registados ao longo de
linhas de fractura étnicas e religiosas na cidade de
Jos, no centro da Nigéria, e seus arredores, já ceifaram
milhares de vidas, deslocaram centenas de milhares
de pessoas e provocaram um clima de instabilidade
em toda a região circundante.
Ao longo da última década foram-se registando
episódios de grande violência, mas nos últimos anos
os ataques tornaram-se mais frequentes, generalizados
e mortíferos. Mais de 200 pessoas morreram e quase
100 desapareceram em ataques quase diários no mês
de Janeiro de 2011. Muitas das vítimas foram mortas
ou capturadas por bandos armados de jovens muçulmanos ou cristãos, a partir de postos de controlo improvisados à beira das estradas e em paragens de táxis
e autocarros, sendo os seus corpos depois descobertos
em valas comuns nessas áreas.1
Diversos ataques de grande escala verificados em
2010 empregaram tácticas novas e cada vez mais letais. Nos quatro dias de combates ocorridos em Janeiro,
1
foram mortas cerca de 500 pessoas e deslocadas cerca
de 18 mil, muitas delas para estados vizinhos. As organizações locais recolheram mais de 150 mensagens de
texto divulgadas antes dos surtos de violência, revelando um esforço concertado para alimentar tensões. Em
Março, um ataque isolado vitimou 300 a 500 pessoas.
Em Agosto, cinco homens foram detidos quando tentavam fazer entrar ilegalmente no estado de Plateau,
do qual Jos é a capital, lança-foguetes, granadas, AK-47
e grandes quantidades de dinheiro. No dia de Natal,
em Jos, dois carros armadilhados fizeram cerca de 80
mortos e mais de 100 feridos. Assinalando uma perigosa escalada deste conflito, o violento grupo islâmico
Boko Haram reivindicou a autoria das explosões. Anteriormente, este grupo tinha agido apenas no Norte
da Nigéria.
O conflito em Jos é frequentemente caracterizado como inter-religioso ou interétnico, opondo
designadamente os grupos dominados por cristãos de
Anaguta, Afizere e Berom, aos predominantemente
islâmicos Hausa e Fulani. No entanto, como geralmente acontece nos conflitos identitários em África,
têm origem em estereótipos socialmente construídos
que são manipulados para provocar e dirigir a violência em Jos.2 Encobrem factores institucionais mais
profundos, inerentes à legislação nigeriana, que são
abusivamente utilizados e explorados para negar aos
cidadãos o acesso aos recursos, aos direitos fundamentais e à participação no processo político. Tais factores, se não forem eliminados, poderão desencadear
episódios de violência em todo o país.
As respostas do governo ao conflito são amplamente consideradas como ineficazes. Foram criadas
pelo menos 16 comissões públicas para examinar o
conflito e identificar soluções, e muitos outros estudos foram realizados por grupos independentes, mas
existe pouca vontade política de agir com base nos
elementos recolhidos. Nem as recomendações têm
sido cumpridas, nem os organizadores e autores dos
ataques condenados. As autoridades federais e estatais
têm reagido de forma descoordenada e apesar do empenhamento cada vez maior de grupos da sociedade
Chris Kwaja é professor e investigador no Centro de Gestão
de Conflitos da Universidade de Jos, na Nigéria.
2
civil, nalguns casos tal envolvimento tem produzido
um efeito polarizador.
CAUSAS SUBJACENTES
Situada no extremo norte do chamado “middle
belt”, no centro da Nigéria, onde o norte do país,
predominantemente muçulmano, se mistura com o
sul predominantemente cristão (consultar fig. 1), Jos
é uma cidade relativamente recente. Foi fundada em
1915 como centro de transporte destinado à indústria mineira, dada a sua proximidade dos depósitos
de estanho e columbita. Dotada de um clima temperado, de um solo muito fértil e de abundantes recursos hídricos, extensas pastagens e oportunidades
económicas, atraiu migrantes de todo o país e conta
presentemente quase um milhão de habitantes. A
cidade continua a ser um dos principais centros abastecedores e de comércio nacional de gado, e alberga o
Instituto Nacional de Investigação Veterinária. Antes
de ser destruído durante os conflitos comunitários de
2002, o mercado central de Jos era um dos maiores da
África Ocidental, em virtude da sua proximidade de
um entroncamento ferroviário de intenso movimento
entre o Norte e o Sul da Nigéria. A diversidade populacional da cidade correspondia ao lema do estado
de Plateau: “Local de paz e turismo”. As suas escolas
eram na maioria mistas e a sua actividade comercial
decorria à margem de convicções religiosas ou considerações étnicas.3
A situação começou a mudar no início da década de 90, na sequência de um ajustamento na distribuição de certificados de cidadania indígena. Na
Nigéria, indígenas são os habitantes “originais” de uma
área do governo local ou membros dos grupos étnicos
cujos antepassados eram oriundos dessa área. Todos
os outros são considerados “colonos,” ou migrantes.
Inicialmente, a distinção tinha por objectivo aliviar
os receios de grupos minoritários, que temiam que os
seus costumes tradicionais e estruturas de autoridade
fossem prejudicados e destruídos pela expansão de
grupos étnicos e religiosos de maior dimensão. No
entanto, a classificação foi na prática muitas vezes
usada para identificar quem “pertence” a uma determinada localidade, o que por sua vez determina quais
os cidadãos que podem participar na vida política,
ser proprietários de terrenos, obter um emprego ou
M A PA D A D I V E R S I D A D E D A N I G É R I A
Source: Ulrich Lamm. Modified by author.
Fonte: Ulrich Lamm. Modificado pelo autor.
frequentar a escola.4 Desta forma, o certificado de cidadania indígena é hoje um documento fundamental
no dia-a-dia de muitos nigerianos.
Tais distinções estão consagradas na legislação
nacional. A Constituição da Nigéria, adoptada em
1999, e a Comissão do Carácter Nacional, um organismo oficial estabelecido para assegurar a justiça na
distribuição de recursos e do poder político no país,
reconhece a validade dos certificados de cidadania
indígena. Estes organismos também reconhecem a
autoridade dos funcionários locais para emitir certificados aos constituintes que os dirigentes consideram
qualificados, uma prática iniciada na década de 60.
Tal autoridade confere muito maior importância e
competitividade às eleições distritais e locais. Os governantes eleitos, por seu lado, retiram desta prática
um forte incentivo para usar os certificados como fer-
ramenta de consolidação das maiorias étnicas locais.
Com efeito, muitos destes governantes são acusados
de alimentar as tensões, ao apoiar activistas violentos e perpetuar a distribuição selectiva de certificados indígenas, incluindo o Governador do estado de
Plateau, Jonah Jang, cujas campanhas políticas terão
difamado os muçulmanos e alguns grupos étnicos cristãos.5 Isto agravou as grandes desigualdades existentes
entre os diversos grupos, a animosidade intercomunitária e a fragmentação social.
A definição de cidadania indígena é extremamente arbitrária. Um membro da etnia Hausa, Igbo,
ou Yoruba, por exemplo, grupos que tendem a não ser
originários de Jos, pode ser legalmente considerado
um colono e pode ser-lhe negado o certificado mesmo
que a sua família viva em Jos há várias gerações. Caso
estas pessoas regressassem a áreas dominadas pelos
3
seus grupos étnicos, as autoridades locais poderiam, da
mesma forma, negar-lhes o certificado devido ao facto
de terem nascido em Jos e aí terem ligações. Os filhos
de famílias inter-raciais e inter-religiosas confrontamse com semelhante duplicidade de critérios.
Durante muitos anos esta situação não deu lugar
a problemas. De um modo geral, os residentes do
estado de Plateau não tinham qualquer dificuldade
em obter certificados nem enfrentavam grandes obstáculos. No entanto, nos finais da década de 80, a
quebra das receitas governamentais, o aumento das
pressões económicas e o aumento constante da migração para uma das regiões de mais rápido crescimento
“as dimensões étnicas ou
religiosas do conflito foram
posteriormente interpretadas
como o principal factor
desencadeador da violência,
quando, de facto, o ostracismo, a
desigualdade e outros receios são
as suas principais causas”
da Nigéria, levou algumas autoridades locais a rever
os regulamentos dos certificados indígenas. Em 1990,
várias jurisdições locais em Plateau, incluindo Jos,
começaram a restringir a distribuição de certificados
indígenas.6 De acordo com a lei nigeriana, tais alterações eram perfeitamente legais, mas na prática
negavam, de forma desproporcionada, a elegibilidade
para a classificação de indígena a muitos muçulmanos
e grupos étnicos do norte da Nigéria. Por sua vez,
estes grupos fizeram pressão para receberem assistência das autoridades nacionais. Em 1991, o General
Ibrahim Babangida, o dirigente militar da Nigéria
(nascido no Norte), anunciou que Jos seria dividida
em três Áreas Governamentais Locais (AGL), o que
muitos entenderam como um esforço mal disfarçado
de manipular a região a favor dos seus aliados locais,
que passariam depois a controlar a distribuição de certificados. Alguns grupos, especialmente de cristãos,
recearam que a decisão fosse destinada a excluí-los
dos cargos políticos.
À medida que se avolumavam as incertezas
sobre o acesso aos certificados indígenas, deteri4
oravam-se as relações comunitárias. Ainda assim,
a violência não irrompeu de imediato. O dirigente
militar que sucedeu a Babangida, o General Sani
Abacha, dissolveu todas as estruturas democráticas
e, em 1994, nomeou governadores militares que,
por sua vez, nomearam autoridades governamentais
locais. As nomeações de Abacha provocaram protestos locais e manifestações em Jos. Os receios e
as tensões atingiram um ponto de ruptura, levando
ao primeiro conflito comunitário violento que provocou várias mortes. Desde então, as eleições locais
e as nomeações políticas têm sido encaradas como
concursos do tipo “o vencedor leva tudo”.
As dimensões étnicas ou religiosas do conflito
foram posteriormente interpretadas como o principal factor desencadeador de violência quando, na realidade, o ostracismo, a desigualdade e outros medos
são as suas principais causas. Tirando proveito dessas
condições, muitos rivais políticos instrumentalizaram
a diversidade étnica e religiosa de Jos, para manipular
e mobilizar apoios. Cada surto de violência agrava
as suspeitas e dificulta a reconciliação comunitária,
aprofundando o ciclo e agravando ainda mais as divisões. Os chefes da Associação Cristã da Nigéria e do
Conselho Nacional Supremo da Nigéria para os Assuntos Islâmicos emitiram uma declaração conjunta
em 2010 acusando os políticos nacionais em Jos de
explorarem as tensões comunitárias a seu favor.7 Um
estudo encomendado pelo Gabinete do Presidente
em 2003 também concluiu que, embora a diversidade
étnica desempenhe um papel no conflito, “as origens
e os motivos do antagonismo residem em problemas
sistémicos mais profundos, no âmago dos quais está a
relação entre o poder político e o acesso aos recursos
e oportunidades económicas.”8
Os receios provocados pela questão da cidadania indígena surgiram noutros locais da Nigéria. Reflectindo a preocupação generalizada perante o potencial alastramento destas disputas, vinte cidadãos
nigerianos apresentaram em Março de 2011 uma
demanda judicial conjunta contra o governo federal
e 16 governos locais e estatais, contra a discriminação com base na cidadania indígena.9 Os queixosos
argumentaram que lhes estavam a ser negados direitos
fundamentais protegidos pela Constituição Nigeriana
e pela Carta Africana dos Direitos Humanos e dos
CONFLITOS COMUNITÁRIOS DE GRANDE ESCALA EM JOS E SEUS ARREDORES
Ano
Causa próxima
Extensão da violência
Nomeações de autoridades locais
provocam protestos e manifestações.
Quatro mortos. São destruídos vários
mercados municipais, uma escola
muçulmana e locais de culto.
A nomeação de um administrador
local da assistência social provoca
manifestações que duram semanas.
As tensões aumentam e resultam em
violência.
Morrem 1.000 a 3.000 pessoas. A
violência propaga-se pelo estado
de Plateau. Registam-se ataques
de grupos de jovens em bairros
muçulmanos e cristãos, em mesquitas
e igrejas e na Universidade de Jos.
Repetem-se ataques esporádicos
até 2002-2003, causando a morte de
centenas de pessoas e a destruição
de 72 aldeias.
2004
Realizam-se eleições nacionais mas
são adiadas no estado de Plateau.
São nomeadas autoridades locais, o
que provoca disputas.
Entre Fevereiro e Maio morrem
mais de 1.000 pessoas em ataques
contra aldeias muçulmanas e
cristãs. São deslocadas 250.000
pessoas. O governo federal demite
o governador do estado e nomeia
um substituto temporário.
2008
As eleições para o governo local – as
primeiras em Jos desde 2002 – são
marcadas e adiadas três vezes.
Surgem conflitos relacionados com as
pessoas nomeadas pelos partidos e
os resultados eleitorais.
Entre Novembro e Dezembro morrem
cerca de 800 pessoas em ataques de
bandos armados e motins.
1994
2001
2010
Uma disputa em torno da
reconstrução de uma casa destruída
nos conflitos ocorridos em 2008
provoca incidentes violentos em
Janeiro, e conduz a represálias em
Março que se prolongam durante todo
o ano.
Janeiro: Cerca de 500 pessoas são
mortas no espaço de quatro dias. São
destruídas várias aldeias e casas.
Março: Morrem 500 pessoas num
ataque durante a noite.
Dezembro: Morrem quase 80 pessoas
em consequência da explosão de
dois carros armadilhados.
Morrem várias centenas de pessoas
numa sequência de ataques.
Povos, pela Aliança Internacional sobre os Direitos
Sociais e Culturais e pela Declaração Universal dos
Direitos do Homem. Todos residem há muito tempo
nas jurisdições contra as quais apresentaram as demandas, alguns há várias gerações.
A cidadania indígena também despoletou conflitos comunitários mortíferos no estado de Kaduna,
no norte da Nigéria, e no estado do Delta do Sul,
rico em petróleo. Tal como em Plateau, estes conflitos
foram descritos como inter-religiosos ou interétnicos, apesar de as consequências materiais da perda
da cidadania indígena serem a verdadeira causa da
violência. No entanto, o conflito em Jos é mais violento, sendo provavelmente resultado da importância
que os rivais políticos deram à questão da cidadania
indígena, com o objectivo de mobilizar apoio nestas
jurisdições divididas ao meio. De acordo com os cadernos eleitorais em 2011, os grupos étnicos dominados por cristãos contavam 200 mil pessoas, enquanto
os grupos muçulmanos atingiam quase 150 mil dos
429.179 eleitores registados no LGA Norte de Jos , o
distrito central da área metropolitana de Jos.
AS LACUNAS DA GOVERNAÇÃO
EXACERBAM AS TENSÕES
Para travar os ataques e a proteger a população
de Jos, a já extensa guarda nacional tem vindo a ser
regularmente reforçada por destacamentos militares.
Mesmo assim, em diversas ocasiões, as agências de
segurança não conseguiram travar as ameaças conhecidas nem reagir aos primeiros sinais de conflito
eminente. Os piores surtos de violência comunitária
5
ocorridos em 1994, 2001, 2004, 2008 e 2010 (consultar tabela) foram geralmente precedidos de vários
dias de tensão latente e mobilização evidente. Antes
dos combates que provocaram milhares de mortes em
2001, “toda a gente sentia a tensão nas ruas da cidade
e o perigo latente muito antes da eclosão dos distúrbios … algo terrível estava para acontecer.”10 Durante
os incidentes de 2010, vários ataques foram iniciados
e concluídos mais ou menos ao mesmo tempo e no
mesmo dia, indiciando que haviam sido antecipadamente planeados.11
“desde que a violência
comunitária irrompeu em
1994, raros foram os agressores
acusados e nenhum julgamento
credível foi prosseguido”
A prevenção e a resposta à violência são igualmente prejudicadas pela deficiente coordenação
intergovernamental e a insuficiência de meios de
partilha de informações. Em Março de 2010, por exemplo, o Governador do estado de Plateau, Jonah
Jang, informou o comandante duma divisão blindada
do exército destacado para Jos sobre um ataque eminente na aldeia Dogo Na Hawa, através de uma mensagem de texto. O governador explicou mais tarde
que tivera de enviar uma mensagem de texto porque
o oficial do exército não atendera as suas chamadas
telefónicas. Num ataque subsequente foram mortas
mais de 300 pessoas.
As falhas existentes nas cadeias de comando
são parte do problema. A polícia e as forças armadas encontram-se centralizadas ao nível federal e todos os pedidos de segurança relacionados têm de ser
encaminhados para a capital do país para ali serem
tratados, o que levanta graves obstáculos a uma resposta atempada e à gestão da segurança interna a
nível estatal e local. Na sequência dos incidentes são
comuns as críticas e a troca de acusações no seio das
forças de segurança e do governo, algumas delas justificadas por relatos de que certos responsáveis pela
violência étnica foram vistos envergando fardas militares ou da polícia.
A ausência de sanções e da designação de culpados é outro factor saliente. Desde que a violên6
cia comunitária irrompeu em 1994, raros foram os
agressores acusados e nenhum julgamento credível
foi levado a cabo. Alguns indivíduos com ligações
a alto nível e políticos envolvidos no fomento
das tensões também se têm mostrado eficazes no
aproveitamento da influência que detêm para proteger os agressores. Sempre que ocorrem novos
incidentes de violência sem que haja detenções e
condenações, diminui a confiança dos cidadãos nas
autoridades de manutenção da ordem pública, nas
instituições judiciais e no governo.
Ao mesmo tempo que no terreno a resposta tem
sido insuficiente, os organismos governamentais a
nível estatal e nacional realizaram vários estudos sobre a violência em Jos, mas sem resultados tangíveis.
Na sequência de um afrontamento ocorrido em 2008,
foi anunciada a criação de cinco comissões de inquérito distintas sem, no entanto, que praticamente
nenhuma das recomendações formuladas tivesse sido
aplicada. Os relatórios dalgumas destas comissões não
chegaram sequer a ser publicados. Reflectindo a crescente indignação e desencanto de muitos nigerianos,
o editorial de um jornal descreveu estas comissões
como um mero “ritual de abertura de inquéritos e
recepção de relatórios que acabam sistematicamente
por ser arquivados.”12 Devido à sua proliferação, tais
comissões perderam a credibilidade e foram politicamente instrumentalizadas. As mais recentes não
conseguiram obter testemunhos das principais fontes
nem contar com membros de grande visibilidade. A
parcialidade dalgumas destas comissões tem vindo a
tornar-se por demais evidente.
Perante esta situação, agrava-se o vazio na governação de Jos. As comunidades locais, crescentemente
atemorizadas e desconfiadas, recorrem cada vez mais
a agentes não oficiais. Os cidadãos dependem quase
inteiramente deste tipo de agentes no que respeita à
sua defesa pessoal, assistência humanitária e reintegração de pessoas deslocadas no rescaldo de conflitos,
o que agrava ainda mais as divisões resultantes dos
conflitos indígenas.
Certas organizações comunitárias parecem interessadas em reforçar esta polarização. Algumas organizações religiosas – tanto cristãs como muçulmanas –
e muitos grupos de jovens como o Movimento Juvenil
Berom, o Movimento Juvenil Anaguta, o Movimento
Juvenil Afizere e a Associação para o Desenvolvimento Jasawa têm desempenhado um papel fundamental
na propagação das ideologias de exclusão e da violência. Na ausência de autoridades estatais credíveis e
responsáveis, tornar-se-á inevitável a influência cada
vez maior desses grupos e da atracção que os mesmos
exercem sobre os cidadãos de Jos.
MITIGAR A CONFLITUALIDADE FUTURA
N O E S TA D O D E P L AT E A U
No cerne da crescente desconfiança e violência
no estado de Plateau encontram-se factores institucionais enraizados. A ser negligenciada, esta situação
contaminará com toda a probabilidade um número
crescente dos 36 estados da Nigéria. Serão necessárias
mudanças de fundo para contrariar os factores que
alimentam a violência.
Eliminar as classificações indígena/colono na
tomada de decisões do governo. A base jurídica na
qual assenta a cidadania indígena, tanto na Constituição nigeriana como na Comissão de Carácter Nacional, deveria ser eliminada. Originalmente concebida
enquanto meio de proteger os costumes, culturas e
estruturas governamentais tradicionais, a noção de
cidadania indígena tem sido deturpada e politizada.
Com efeito, este conceito representa hoje um incentivo institucional para os oportunistas políticos
reforçarem o seu poder com base na exclusão. Em Jos
tem provocado milhares de mortos e uma grave hostilidade intercomunitária. O conceito de cidadania
indígena divide na realidade os nigerianos e prejudica
o modelo democrático de governo a que a Nigéria
aspira. De facto, corrompe a própria noção daquilo
que ser nigeriano significa.
Retirar da legislação nigeriana o conceito
de cidadania indígena vai ser difícil e implicará
provavelmente a introdução de emendas na Constituição do país e noutros códigos legais. Mesmo
reconhecendo que tais classificações possam ter
tido razão de ser no passado, a verdade é que estão
hoje desactualizadas numa sociedade cada vez mais
móvel, moderna e urbana. De igual modo, devem
ser descartadas as cada vez mais comuns soluções de
compromisso. Definir mais claramente o estatuto
de “indígena” ou criar “certificados de residência”
suplementares para os chamados “colonos” não
eliminará o conceito de cidadania dupla que perpetua a dicotomia indígena/colono. É previsível
que os conflitos em Jos se agravem, ou venham a
eclodir noutras cidades e estados nigerianos, se não
for posto termo à cidadania indígena.
Reforçar, coordenar e pacificar as instituições
de segurança. O reforço da capacidade das forças de
segurança para identificar atempadamente os sinais
de conflito e apaziguar tensões intercomunitárias
contribuirá para travar mais eficazmente os surtos de
violência. Isto pressupõe capacidades de recolher informações de forma coerente e susceptível de facultar
às forças de manutenção da ordem pública locais e estatais informações em tempo real. Ao mesmo tempo,
“… agrava-se o vazio
na governação de Jos.
As comunidades locais,
crescentemente atemorizadas e
desconfiadas, recorrem cada vez
mais a agentes não oficiais”
as forças federais devem manter-se presentes no terreno para proteger as minorias. Ao mesmo tempo, a
cadeia de comando e os meios de coordenação entre
os níveis local, estatal e federal devem ser enquadrados numa estrutura claramente definida. Da mesma
forma, para garantir a responsabilização das forças, é
indispensável que existam meios de investigar alegações de envolvimento do sector da segurança em
actos de violência étnica.
Os progressos alcançados no Estado de Lagos
devem inspirar a introdução de reformas inovadoras
em Plateau. Lagos estabeleceu um fundo fiduciário
estatal que funciona como elo de coordenação entre
as autoridades comerciais e estatais para identificar
ameaças à segurança e coordenar respostas com as
autoridades policiais. O fundo também mobiliza
meios e recursos destinados ao policiamento local.
Foram adquiridos helicópteros, veículos e outros equipamentos sofisticados destinados a reforçar as capacidades da polícia em termos de celeridade de resposta e partilha de informações. Outras iniciativas
de policiamento em Lagos integraram com sucesso
alguns grupos de jovens em acções de policiamento
e monitorização comunitária.
7
Fazer da Protecção dos Direitos das Minorias
uma Prioridade. Para por termo às divisões de natureza étnico-religiosa de Plateau e reforçar o apoio
às iniciativas de consolidação da paz, todas as partes
envolvidas devem poder confiar na defesa dos seus
direitos fundamentais e saber que existem meios institucionais destinados à investigação de alegadas violações. Para tal, é necessária a presença de um agente
externo, fiável e independente.
“o conceito de cidadania indígena
divide na realidade os nigerianos
e prejudica o modelo democrático
de governo a que a Nigéria aspira”
A Comissão Nacional dos Direitos Humanos
reúne as condições para desempenhar esse papel. Em
Março de 2011, o Presidente Goodluck Jonathan
aprovou as emendas legislativas necessárias ao reforço da comissão anterior. Os poderes, orçamento
e autoridade da nova comissão devem ser agora alargadas em prol do cumprimento de um mandato mais
ambicioso. Seria desejável reproduzir os sucessos obtidos pela Comissão dos Direitos Humanos e Justiça
Administrativa do Gana (CHRAJ), que contribuiu
significativamente para a reconciliação social. A
CHRAJ é totalmente independente dos serviços de
segurança, embora colabore com estes. O acordo estabelecido permite uma maior cooperação por parte
dos cidadãos, agora mais dispostos a denunciar violações e abusos à Comissão dos Direitos Humanos,
na qual confiam. A Comissão dos Direitos Humanos
deve, além disso, ter autoridade para abrir e conduzir
inquéritos, emitir intimações, conovocar líderes estatais e nacionais, formular acusações e dispor de outras
prerrogativas, de forma a ultrapassar obstáculos de
carácter político.
O cumprimento de um mandato tão abrangente
exigirá a nomeação de personalidades com um perfil de integridade e independência inquestionáveis,
capazes de resistir a quaisquer pressões de carácter
político. Para tal, as nomeações deveriam ser sujeitas
à fiscalização de entidades respeitadas da sociedade
civil, como a Ordem dos Advogados Nigeriana. Com
efeito, dada a probabilidade de políticos e indivíduos
8
com ligações políticas virem a ser alvo de investigação, a comissão deverá manter-se deliberadamente
distanciada de considerações partidárias.
Comités de consolidação da paz baseados na
comunidade e apoiados pelo estado. O governo
do Estado de Plateau, em colaboração com os seus
homólogos federais, deveria estabelecer comités de
consolidação da paz interétnicos e inter-religiosos,
baseados na comunidade, para facilitação do diálogo
e implementação de estratégias de pacificação.
O governo do Estado de Plateau deveria seguir
o modelo do estado de Kaduna, em que o governo
envolve proactivamente a população em assembleias
de diálogo, tais como o Comité de Harmonia InterReligiosa, a que o governador preside. O comité foi
concebido para identificar potenciais focos de conflito, assim como para recomendar medidas para os
prevenir ou resolver. Também se dedica a assegurar
o rápido repatriamento, reabilitação e compensação
paliativa das pessoas deslocadas e monitoriza o fluxo
de armas ligeiras.
Um comité deste tipo em Plateau poderia criar
alicerces para uma estabilidade sustentada, enfatizando a reconciliação e promovendo um clima de
inclusão política. Também poderia obter resultados
imediatos disponibilizando um meio para o envolvimento entre o governo e as comunidades e facilitando
intervenções mais atempadas, destinadas a evitar que
incidentes localizados se transformem em conflitos
comunitários de grandes dimensões. A longo prazo,
este tipo de iniciativa pode ajudar a inculcar um sentimento partilhado de identidade nigeriana.
CONCLUSÃO
Em muitos aspectos, a espiral de insegurança em
Jos não passa de um conflito comunitário local. As
suas causas e impactos englobam muitos dos maiores desafios políticos da Nigéria. Os códigos legais
obscuros e discriminatórios alimentam conflitos,
distorcem as dinâmicas políticas e prejudicam o progresso democrático. As lacunas governamentais criam
vazios que levam os cidadãos a procurar soluções de
auto-ajuda como as associações étnicas ou grupos de
vigilância. Uma economia moderna promotora do
empreendedorismo local e atraente para os investi-
dores estrangeiros continuará a ser impossível enquanto a livre circulação de pessoas, bens e ideias for
restringido pela cidadania indígena e a instabilidade
que a mesma acarreta. A resolução dos conflitos em
Jos exige que se olhe para além dos sintomas das divisões étnicas e religiosas da Nigéria e que as atenções
se concentrem nas injustiças institucionais que impedem não apenas a estabilidade do estado de Plateau,
mas o progresso da Nigéria no seu todo.
“Nigeria: Constitutional challenge to indigene-settler di-
vide heard March 14, 2011,” Instituto para os Direitos Humanos
e Desenvolvimento em África, 14 de Março de 2011.
10
Umar Habila Dadem Danfulani e Sati U. Fwatshak, “Brief-
ing: The September 2001 Events in Jos, Nigeria,” African Affairs
101, No. 403 (Abril de 2002), 248.
11
Adam Kigazi, The Jos Crisis: A Recurrent Nigerian Tragedy,
Discussion Paper No. 2 (Abuja: Friedrich Ebert Stiftung Nigeria,
Janeiro de 2011), 27.
12
N O TA S
1
9
“The Presidential Panel Report on Jos Crises,” Daily Trust,
2 de Setembro de 2010.
Shuaibu Mohammed, “Buildings burn, death toll mounts
in central Nigeria,” Reuters, 30 de Janeiro de 2011.
2
Clement Mweyang Aapengnuo, Misinterpreting Ethnic Con-
CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DE ÁFRICA
Director: Embaixador
(reformado)
William M. Bellamy
National Defense University
300 Fifth Avenue, Building 21
Fort McNair
Washington, DC 20319-5066
Telefone: + 1 202 685-7300
Website: www.africacenter.org
flicts in Africa, Sessão Informativa sobre a Segurança em África n.
4 do CEEA (Washington, DC: National Defense University Press,
Abril de 2010).
3
Abubakar Sokoto Mohammed, “The Impact of Conflict on
the Economy: the Case of Plateau State of Nigeria,” Instituto de
Desenvolvimento Ultramarino, 2004.
4
“’They Do Not Own This Place’: Discriminação Governa-
mental contra ‘Não Indígenas’ na Nigéria”, Human Rights Watch,
ESCRITÓRIO REGIONAL
DO CENTRO DE ÁFRICA
EM DAKAR
Vice-Gerente Regional:
Claude Toze
Telefone: 221 33 869 61 60
Email: [email protected]
Abril de 2006.
5
Philip Ostien, “Jonah Jang and the Jasawa: Ethno-Reli-
gious Conflict in Jos, Nigeria,” Muslim Christian Relations in Africa,
Agosto de 2009, 19.
6
Human Rights Watch. Consultar também: Jane Krause,
ESCRITÓRIO REGIONAL
DO CENTRO DE ÁFRICA EM
ADIS ABEBA
Gerente Regional:
Brad Anderson
Telefone: 251 11 517 4000
Email: [email protected]
“Explaining Nigeria’s Christmas Killings,” OpenDemocracy.net,
3 de Janeiro de 2011. “Plateau: Home of Pieces and Terrorism,”
Sahara Reporters, 15 de Julho de 2010.
7
“Jos Bombing: Politicians ‘Fuel Nigeria Unrest’,” BBC, 28
de Dezembro de 2010.
8
RESUMOS DE SEGURANÇA
DE ÁFRICA
Editor: Dr. Joseph Siegle
Telefone: + 1 202 685-6808
Email: [email protected]
Strategic Conflict Assessment: Consolidated and Zonal Reports,
(Abuja, Nigeria: Institute for Peace and Conflict Resolution, Março de 2003), 160.
O Centro de Estudos Estratégicos de África apoia o desenvolvimento
de políticas estratégicas dos EUA que visam a África, oferecendo
programas académicos de alta qualidade e relevantes, fomentando
a consciencialização e o diálogo sobre as prioridades estratégicas
dos EUA e assuntos relacionados com segurança em África, criando
redes de líderes militares e civis africanos, americanos, europeus e
internacionais, assistindo as autoridades dos EUA na formulação de
políticas eficazes para África e articulando as perspectivas africanas a
autoridades dos EUA.
O Resumo de Segurança de África apresenta pesquisa e análise
de especialistas do CEEA e eruditos, com o objectivo de avançar
a compreensão das questões de segurança Africanas. As opiniões,
conclusões e recomendações expressas ou implícitas são dos
contribuintes e não refletem necessariamente a opinião do
Departamento de Defesa dos Estados Unidos ou qualquer outro
órgão do Governo Federal. Para mais informações sobre o CEAA,
visite o Web site http://www.africacenter.org.
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http://www.africacenter.org
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