A PAISAGEM DA ILHA GRACIOSA. NECESSIDADE DE INTERVIR APÓS A SUA DISTINÇÃO COMO RESERVA DA BIOSFERA? Paulo ESPÍNOLA1 1 Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território, Email: [email protected] PALAVRAS-CHAVE Ilha Graciosa, Paisagem, Reserva da Biosfera. RESUMO As duas ilhas de menor expressão territorial dos Açores alcançaram no mesmo ano – 2007 – o título de Reservas da Biosfera, galardão referente ao programa “O Homem e a Biosfera” da UNESCO. O objecto territorial deste artigo é precisamente uma dessas ilhas, a Graciosa. Se por um lado esta foi uma forma de premiar a sua óptima interacção Homem-Natureza que se verificou até então, depois dessa data como se terá processado essa relação? Estão a ser tomadas medidas para elevar a qualidade ambiental? A melhoria ambiental poderá comprometer o crescimento económico da ilha, afectando deste modo o nível de vida dos seus habitantes? Nesta comunicação procuramos responder a estas questões. Além disso, efectuaremos ainda uma análise de pormenor em relação a dois tipos de intervenção na paisagem graciosense, numa perspectiva em que se pretende conciliar o ambiente biofísico com alguns dos aspectos socioeconómicos deste território insular. KEYWORDS Graciosa Island, Landscape, Biosphere Reserve. ABSTRACT GRACIOSA ISLAND'S LANDSCAPE. IS THERE THE NEED TO INTERVENE AFTER ITS DISTINCTION AS BIOSPHERE RESERVE? The two smallest islands of the Azores have received at the same year the title of Biosphere Reserve, from the UNESCO’s Man and the Biosphere Programme. The territorial object of this article is precisely one of those islands, Graciosa Island. On the one hand this was a way to reward its good interaction between Man and Nature until that year. But afterwards how was that relationship carried out? Are measures being taken in order to elevate the environmental quality? Does a better environment compromise the island’s economic growth and affect its inhabitants’ standard of living? This dissertation will try to answer these questions. Furthermore a detailed analysis will be done concerning two types of intervention at the landscape in Graciosa island, under a perspective in which it is intended to juggle the biophysical environment with some of the social and economical aspects of Graciosa Island. 1. INTRODUÇÃO Das 9 ilhas do arquipélago dos Açores, a Graciosa é a segunda com menor superfície, tendo sido contabilizados apenas 4393 habitantes nos Censos da População de 2011. De certo modo, esta ilha viu a sua responsabilidade em termos paisagísticos aumentada em 2007, na medida em que recebeu o título de Reserva da Biosfera da UNESCO. Embora este galardão não tenha trazido benefícios materiais directos, na realidade poderá ser utilizado para promover a imagem deste território insular no exterior, na procura de novos investidores ou outro tipo de visitantes, como por exemplo turistas, uma vez que “O clima ameno e a existência de diferentes paisagens atractivas proporcionam à ilha Graciosa um elevado potencial para um turismo multifuncional” (Marques et al., 2008). Com efeito, a paisagem assume-se como um factor fundamental para desenvolver este território insular. Em 2001, Gaspar fala-nos de um “retorno da paisagem à Geografia”, este é um dos principais motivos para termos realizado esta comunicação, na esperança de continuar a reforçar a ligação entre a Geografia e a paisagem. Pois, para nós, a observação das paisagens revela-se fundamental para desenvolver qualquer tipo de trabalho dos geógrafos. O grande objectivo deste artigo não é tanto aprofundar o conceito de “Reserva da Biosfera”, mas sim reflectir sobre as principais decisões que vão no futuro afectar de forma directa ou indirecta a paisagem graciosense. Para tal, a observação directa foi o principal método de estudo utilizado, embora também tenhamos efectuado pesquisa bibliográfica e entrevista a um agente local. Este artigo está organizado em torno de 3 capítulos principais: o primeiro pretende efectuar um breve enquadramento dos principais conceitos utilizados neste estudo; o segundo aborda os principais eco-projectos previstos para ilha; e o terceiro analisa dois tipos de intervenção que poderão (ou não) vir a acontecer na paisagem graciosense. 2. A PAISAGEM ENQUANTO RESERVA DA BIOSFERA – BREVE NOTA Claval (2008) define paisagem como “Landscape is made of what is visible. It coincides with the interface between the atmosphere, on the one side, and the lithosphere and the hydrosphere, on the other. It is the main component of the biosphere”. A partir desta noção verificamos que a paisagem é tudo o que o Homem observa. É frequente fazer a distinção entre paisagens naturais e paisagens culturais, dado que o Homem é um ser vivo com capacidade para mudar o que é natural. Deste modo, será que existem ainda paisagens puramente naturais, sem que se verifique de forma directa ou indirecta a intervenção humana? Talvez sim, mais estas são certamente muito raras. Talvez por isso, a UNESCO tenha criado o programa “Homem e a Biosfera”, no sentido de distinguir as relações mais sustentáveis entre estas duas componentes. Leimgruber refere as três funções principais das reservas de biosfera definidas pela UNESCO na conferência de Sevilha em 1995: a conservação da biodiversidade; o desenvolvimento sustentado da Natureza e dos habitantes de uma reserva de biosfera; e a logística, ou seja a investigação, a monitorização, a educação e a informação sobre o ambiente. Refere ainda que “trata-se de zonas onde se podem conjugar os interesses divergentes do Ser Humano e as necessidades específicas do ecossistema.” Segundo pesquisa efectuada na página web da UNESCO, Portugal possui 4 reservas da biosfera exclusivamente nacionais: Paúl do Boquilobo (1981), Corvo e Graciosa (2007) e Flores (2009). Para além destas, o território português detém actualmente uma quinta reserva com o mesmo estatuto, mas com carácter transfronteiriço, partilhando-a por isso com Espanha. Trata-se da região Gerês – Xures (2009). Deste modo, nota-se que recentemente despertou um maior interesse do nosso país por este tipo de reconhecimento internacional, tendo as autoridades portuguesas sido premiadas pelo esforço realizado. 3. OS PRINCIPAIS PROJECTOS ECO - PAISAGÍSTICOS PARA A ILHA GRACIOSA Neste ponto apenas será feita referência a dois projectos que no curto prazo deverão ser implementados na Graciosa. Estamo-nos a referir a duas transformações com grande impacto na ilha em termos ambientais, já que estão relacionadas com questões muito importantes, como o seu abastecimento energético e o modo de tratamento dos resíduos sólidos urbanos. Por um lado, a ilha Graciosa aguarda ainda durante o ano de 2011 a entrada em funcionamento de um centro de compostagem, no qual apenas serão transformados resíduos orgânicos, cuja principal finalidade será a sua posterior utilização como fertilizantes agrícolas, mediante informações recolhidas junto de um membro dos Serviços do Ambiente da Graciosa. Ainda segundo a mesma fonte, tivemos conhecimento que nenhum outro tipo de resíduos sólidos urbanos permanecerá na ilha, pelo que serão canalizados (através da via marítima) para outros espaços regionais ou mesmo nacionais, conforme o tratamento exigido. Assim, com abertura deste novo serviço será encerrado o único aterro sanitário ainda em funcionamento na ilha, que se situa junto à pista do aeródromo (que será abordado com maior pormenor no próximo capítulo). Por conseguinte, prevê-se uma ilha completamente livre de resíduos sólidos urbanos. Este será o primeiro passo para aumentar a sua qualidade ambiental, mas para que isso seja de facto uma realidade é necessário desenvolver uma eficaz política de educação ambiental para uma população extremamente envelhecida, de modo a garantir qualidade na selecção de resíduos. Por outro lado, no dia 2 de Maio de 2011 a página Web da Euronews-Portugal noticiou relativamente à Graciosa que “em 2012, a ilha deve ser alimentada, em 80 por cento, pelo vento e por plataformas solares e apenas em 20 por cento, por combustível fóssil. Estes 20 por cento serão substituídos, mais tarde, pela biomassa”. Este anúncio foi o culminar de um processo iniciado em meados de 2009, época em que foi estabelecido um princípio de acordo entre a Younicos e o Governo Regional dos Açores, no qual a empresa alemã se comprometeu desenvolver um sistema de produção de electricidade exclusivamente baseado em energias renováveis, que possibilitasse a auto-suficiência energética de uma ilha açoriana de pequena dimensão, tendo a Graciosa sido indicada pelas autoridades regionais. Com o objectivo de diminuir os riscos inerentes ao aprovisionamento energético, o projecto prevê a instalação de pequenas baterias de origem japonesa. Segundo a mesma fonte, estes acumuladores de energia assumem-se na actualidade como os mais potentes e fiáveis. Deste modo, estamos perante uma autêntica revolução insular verde, tendo a Euronews-Portugal referido que a Graciosa “pode vir a ser a primeira região insular do mundo, livre de CO₂”. Não obstante de se tratar de uma óptima noticia, alguns aspectos devemos salvaguardar. Em primeiro lugar torna-se óbvio que a ilha para se tornar completamente livre da emissão de CO₂ será fundamental a total reconversão da sua frota de transportes terrestres, por exemplo, para veículos eléctricos, o que não se afigura viável a curto prazo. Por outro lado, será que a Graciosa terá condições para sustentar uma energia da biomassa? Uma vez que se trata de uma ilha que até necessita de ser reflorestada! Por fim, será que a sua paisagem obterá proveitos com as energias eólica e solar? Pois aumentará de forma exponencial a quantidade de painéis solares e de aerogeradores (estes em zonas de maior altitude e junto ao litoral). A paisagem graciosense será assim mais atractiva? 4. FORMAS DE INTERVIR NA PAISAGEM – DOIS CASOS CONCRETOS No presente capítulo somente vamos abordar dois tipos de intervenção na paisagem da ilha que no nosso entender, a serem concretizados deverão ser aperfeiçoados no sentido de procurar minimizar os impactos negativos que despertam aos olhos de quem vai passando pela Graciosa. Comecemos pela primeira situação, precisamente com a chegada à Graciosa, por via aérea. As infra-estruturas aeroportuárias estão localizadas na zona Norte da ilha. Quando o avião executa o seu processo de aterragem, por exemplo, no sentido ENE-WSW, o visitante apercebe-se que do lado oposto, mesmo antes do final da pista de aviação, na sua margem direita, há uma área onde é possível observar terra remexida misturada com uma série de resíduos – trata-se do aterro sanitário da Graciosa (Figura 1). Construído nos anos (19) 90, desde sempre despertou as mais severas críticas, não em relação à sua utilidade, mas em virtude da sua localização. Figura 1. Aspecto da “lixeira” a partir da pista de aviação. Foto: cedida por Márcio Teves. Figura 2. Enquadramento do Aterro Sanitário da Graciosa (Nota: o aterro está delimitado a vermelho). Fonte: Google Earth, adaptado. De facto não se compreende a decisão tomada no sentido de instalar este equipamento junto à pista do aeródromo da ilha, pois os inconvenientes são vários. Em primeiro lugar, põe em risco a segurança dos passageiros aéreos: os depósitos de lixo são, indiscutivelmente, um foco de atracção de aves, por isso há sempre o risco de colidirem com a aeronave, originando consequências graves quando atingem as turbinas de alguns aviões (felizmente nunca se registou qualquer tipo de incidente a este nível!). Em segundo lugar, provocou uma espécie de desalinhamento paisagístico, apresentando-se desenquadrado em relação à restante paisagem envolvente (Figura 2). Por fim, aquela zona transmite uma má imagem da ilha, em momentos tão marcantes como são o da hora de chegada e de partida, contribuindo assim para uma péssima recordação para quem a visita. Contudo, tal como já foi referido no capítulo precedente, esta infraestrutura está prestes a ser encerrada, pelos motivos apontados anteriormente. Portanto este problema já tem um final marcado, mas poderá surgir uma outra dificuldade relacionada com a fase seguinte, ou seja, depois do seu encerramento. Na verdade, não basta que a solução passe somente por uma alteração funcional da área, sem que se verifique uma transformação morfológica. Obviamente, que uma das principais medidas que deveriam ser de imediato tomadas poderia passar pela remoção das várias toneladas de resíduos que estão enterrados naquela área, todavia sabemos que é um objectivo complicado, de difícil concretização, dado que exige elevados encargos financeiros e outros problemas de ordem logística (Como se faria o transporte desses detritos e para onde?). Em seguida, o problema que se coloca é saber o que fazer com as infraestruturas de apoio, uma vez que ficam sem utilidade. Uma das hipóteses passaria pela simples demolição das mesmas. Outra possibilidade seria revesti-las com a pedra típica da ilha, numa tentativa de imitar as infra-estruturas de apoio à actividade vinícola, caso a opção pela reconversão da restante área fosse no sentido de reconstruir os tradicionais muros de pedra dos “currais” de vinha graciosense, ligando assim esta zona ao restante espaço com estas características. Por outro lado, a área não coberta pelas infra-estruturas de apoio poderia ser reconvertida num parque de merendas (para tal, introduzindo-se algumas árvores, relva, mesas e cadeiras de merendas e um mini-parque infantil). Na eventualidade de ser esta a decisão adoptada, as infra-estruturas existentes seriam transformadas em equipamentos de apoio a este tipo de parque (casas de banho, assador, forno de lenha, bar de apoio, etc.). Em relação ao segundo exemplo – o possível aumento do areal da praia da Graciosa -, convém referir que não existe ainda qualquer tipo de projecto oficial em relação a este tipo de intervenção, porém sabe-se que é uma das expectativas da população local. Consta entre alguns graciosenses que o areal da praia da Graciosa vai aumentar e para que isso aconteça será necessário retirar as “grandes pedras” que estão junto à muralha protectora da vila da Praia. Segundo esses indivíduos, também deverá ser construído um pontão (quebramar), com o objectivo de desempenhar a mesma função das “grandes pedras”. Na realidade, aumentar a extensão da praia à custa da remoção das “grandes pedras”, colocaria as habitações da rua marginal da vila da Praia numa posição de risco face a situações em que se verifique a conjugação de uma forte ondulação com maré-alta, que ocorre, principalmente, durante o período invernal. Ao erguer-se um pontão afastado da costa resolveria, à partida, o problema de segurança daquelas habitações. Mas, será que a construção desta nova infra-estrutura litoral não levantaria outro tipo de constrangimento? Ora, se na verdade for construído um pontão, este somente pode Figura 3. Localização provável do pontão na vila da Praia. (Nota: o pontão está assinalado a vermelho) ser implementado a Sul da zona portuária (porto Fonte: Google Earth, adaptado. comercial e de pesca). Uma possível localização desse futuro quebra-mar está representada na figura 3. Indiscutivelmente que o aumento de areal na praia seria uma medida positiva, dado que possibilitaria o acréscimo do número de turistas balneares durante a época estival. Convém salientar que a praia sofreu uma diminuição muito significativa ao nível da frequência de banhistas, após a súbita redução do areal da praia (que ocorreu durante os primeiros anos do século XXI). Porém, um outro problema poderá surgir desde logo – o da “alimentação” do depósito arenoso. Não é necessário um estudo ambiental aprofundado para que os graciosenses concluam que são de facto as correntes marinhas de sentido S-N que abastecem o areal da praia, contribuindo ao longo dos anos para a consolidação do mesmo. Os sinais são evidentes: desde a construção do porto comercial (1983), a acumulação de sedimentos apenas se efectuou ao longo do seu flanco Sul, encontrando-se, desde sempre, o lado oposto desprovido daquele tipo de materiais. Assim, a construção de uma barreira de protecção a Sul da zona balnear, poderá pôr em causa o abastecimento natural da praia. Desta forma, e com o passar do tempo, poderíamos verificar duas consequências facilmente previsíveis: o desaparecimento do areal tradicional, situado a Norte do novo pontão, e o surgimento de uma área de acumulação de areia a Sul daquela infra-estrutura, uma vez que o quebra-mar impediria que a corrente transportasse os sedimentos para Norte. Convém recordar ainda que o processo de formação de uma praia é geralmente moroso, podendo demorar milhares de anos. Além disso, a ilha Graciosa não possui ribeiras superficiais permanentes, que como se sabe, constituem um importante agente de desgaste e transporte de materiais até ao mar. Por conseguinte, o depósito de materiais sedimentares na praia da Graciosa depende, quase em exclusivo, da acção do mar, pelo que a reconstituição dos depósitos arenosos é muito mais lenta. Na realidade, aumentar o areal da ilha seria muito proveitoso para a sua economia. Todavia, a eventual construção de um pontão eliminaria o fornecimento natural da praia, ficando esta numa posição de dependência relativamente à recarga artificial de areia para sobreviver. Serão estas as condições que os graciosenses pretendem? Será que quando falam desta possível medida (encantados!), sabem exactamente o tipo de consequências que dela advém? 5. NOTAS FINAIS Ao longo deste artigo foi possível verificar que o futuro da ilha Graciosa está intrinsecamente associado à sua paisagem, sendo esta condição fundamental para o seu desenvolvimento. Vimos que num futuro muito próximo advinha-se a execução de projectos que visam retratar a qualidade ambiental da ilha. Sem descurar o mérito dos mesmos, julgamos conveniente reflectir sobre o modo como serão implementados, de modo a minimizar os impactos na paisagem insular. Através dos dois tipos de intervenção referidos na comunicação, pretendemos alertar para o facto de que para modificar uma qualquer paisagem, deve-se, em primeiro lugar, planear de forma responsável o futuro uso desse espaço, de modo a conciliar os interesses dos diversos sectores envolvidos (nomeadamente a população local, o ambiente e a economia, entre outros). BIBLIOGRAFIA Claval P (2008) The Idea of Landscape. PECSRL, 23rd Session, Lisboa e Óbidos. Gaspar J (2001) O retorno da paisagem à Geografia. Apontamentos místicos. Finisterra, 72: 83-89. Marques A, Carqueijeiro E, Cardigos F (2008) Candidatura da ilha Graciosa – Programa “o Homem e a Biosfera” da UNESCO. FONTES Euronews-Portugal – Ilha Graciosa livre de CO₂ [Acedido em 4 de Maio de 2011] http://pt.euronews.net/2011/05/02/ilha-da-graciosa-livre-de-co2 Http://www.unesco.org/new/en/natural-sciences/environment/ecological-sciences/biospherereserves/ [Acedido em 10 de Maio de 2011] INE (2011) XV Recenseamento Geral da População – Resultados preliminares. Lisboa. Serviços do Ambiente da Graciosa