Conceitos básicos: adaptação
Prof. Me. Sabine Mendes
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Para Doc Comparato ([1949], 1995)...
• Adaptar equivale a “transubstanciar, ou seja,
transformar a substância”, um processo de recriação” (p. 330)
• Graus de adaptação:
 adaptação propriamente dita – fidelidade;
 baseado em... – reconhecível, mas alterável;
 inspirado em... – obra como ponto de partida, mantendo o
tempo em que a ação tem lugar;
 recriação – apropriação do plot original;
 adaptação livre – nova visão sobre a história, que
mantém-se íntegra.
Para Syd Field ([1979], 2001)...
• “O material original é uma fonte. O que você faz com ele
para moldá-lo num roteiro é por sua conta. Você pode ter
que acrescentar personagens, cenas, incidentes e eventos.
Não copie simplesmente um romance para um roteiro:
faça-o visual, uma história contada em imagens” (p. 176)
• “[...] fica a questão: Como fazer a melhor adaptação?
Resposta: NÃO sendo fiéis ao original. Um livro é um livro,
uma peça é uma peça, um artigo é um artigo, um roteiro é
um roteiro. Uma adaptação é sempre um roteiro original.
São formas diferentes. Simplesmente como maçãs e
laranjas” (p. 185)
Para ALVES, ANCHIETA e FRASÃO
(2013)
• A adaptação como tradução.
• Adaptação local vs. global.
• Não há implicação de fidelidade, mas formas
diferentes de apropriação de trechos da obrabase (a partir da reprodução completa focada
em itens específicos ou da livre inserção,
redução e reinvenção baseada nesses itens).
Sobre a fidelidade...
http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/noticias/9-autores-que-odeiam-aversao-dos-seus-livros-para-o-cinema#1
• O Iluminado de Stanley Kubrick (1980)
baseado em Stephen King (1977).
• King disse não gostar de Jack Nicholson como
Jack Torrance, porque Nicholson já
interpretava um louco mesmo antes do
protagonista se tornar um.
• King coproduziu e escreveu uma versão para
TV (1997), que foi transmitida pela rede ABC,
mas que não chegou aos pés do sucesso do
filme de Kubrick.
Sobre a fidelidade...
http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/noticias/9-autores-que-odeiam-aversao-dos-seus-livros-para-o-cinema#1
• Forrest Gump (1994) baseado no livro de
Winston Groom.
• Groom disse que a adaptação poliu o
personagem, retirando as partes mais
profanas do livro para deixá-lo mais aceitável
aos olhos do público.
• Em 1995, Groom escreveu a continuação do
livro Gump & Co. A primeira frase desta
segunda obra é: “Nunca deixe alguém fazer
um filme sobre a sua história”.
Na voz de Marçal Aquino...
http://guia.folha.uol.com.br/cinema/1119506-escritor-ensina-a-produzir-umroteiro-adaptado-em-7-dicas.shtml
• Tranformar um livro em cinema é “um reino muito
pantanoso, um lugar onde os erros estão à espreita”.
1. Ler o livro 200 vezes – captar a essência;
2. Anotar o que interessa à adaptação;
3. Escrever com o diretor;
4. Desenvolver um argumento;
5. Escaleta – macro estrutura (cena a cena)
6. Descrever cenas e diálogos, definindo personagens a
partir de informações do livro;
7. Escrever quantas versões da história (tratamentos) forem
necessárias.
O caso Harry Potter
•
•
•
•
O que funciona?
O que não funciona?
O que interessa?
Essência?
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
(Livro – página 59)
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
Episódio da série CENA ABERTA
baseado na novela de Clarice Lispector
roteiro de Jorge Furtado e Guel Arraes
versão de 13/08/2003
produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
para TV Globo
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
CENA 1 - CASA DA CARTOMANTE
Sala da casa da cartomante. Câmera sempre
em ponto de vista de Macabéa, que nunca
aparece. A Cartomante é representada pela
Regina. Câmera segue a Cartomante pela casa
até sua mesa de trabalho.
Créditos.
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
CARTOMANTE
O meu guia já tinha me avisado que você vinha me ver,
minha queridinha. Você é Macabéa, não é? É um nome
muito lindo. Entre, meu benzinho. Aceita um cafezinho,
minha florzinha? Não tenha medo de mim, sua coisinha
engraçadinha. Porque quem está ao meu lado está ao
mesmo tempo ao lado de Jesus. Eu sou fã de Jesus. Sou
doidinha por ele. Ele sempre me ajudou. Corte. As cartas,
separe as cartas.
Enquanto fala a Cartomante vai botando as cartas a mesa.
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
CARTOMANTE (vendo as cartas)
Mas, Macabeazinha, que vida horrível a sua! Que
meu amigo Jesus tenha dó de você, filhinha! Mas
que horror! Quanto ao presente, queridinha, está
horrível também. Você vai perder o emprego e já
perdeu o namorado, coitadinha de vocezinha. Senão
puder, não me pague a consulta, que eu tenho
recursos. Macabéa! Tenho grandes notícias para lhe
dar! É coisa muito séria e muito alegre: sua vida vai
mudar completamente!
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
CARTOMANTE (vendo as cartas)
E digo mais: vai mudar a partir do momento em que
você sair da minha casa! Você vai se sentir outra.
Fique sabendo, minha florzinha, que até o seu
namorado vai voltar e propor casamento, ele está
arrependido! E seu chefe vai lhe avisar que pensou
melhor e não vai mais lhe despedir! Você vai
conhecer um estrangeiro. Ele é alourado e tem os
olhos azuis ou verdes.
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
E se não fosse porque você gosta de seu exnamorado, esse gringo ia namorar você. Se não me
engano, e nunca me engano, ele vai lhe dar muito
amor e você, minha enjeitadinha, você vai se vestir
com veludo e cetim e até casaco de pele vai ganhar.
Faz tempo que não boto cartas tão boas. E sou
sempre sincera. Eu sou obrigada por Jesus a lhe
cobrar porque todo o dinheiro que eu recebo das
cartas eu dou para um asilo de crianças. Mas se não
puder não pague, só venha me pagar quando tudo
acontecer. E agora você vai embora para encontrar o
seu maravilhoso destino.
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
CENA 2 - RUA
Macabéa sai na rua, feliz. Vai atravessar a rua, vê um
gringo entrando num carro. Se distrai e é atropelada.
Cena toda feita em câmera subjetiva. O acidente é
visto em plano geral sem que vejamos o rosto da
atriz
que
faz
o
papel.
O caso A Hora da Estrela
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CENA 3 - RUA
Cena típica de depois do acidente, populares carro de polícia
corpo coberto com plástico, vela.
REGINA (pra câmera)
Esta é a cena final de A Hora da Estrela (mostra a capa de um
livro com o título: "A Hora da Estrela" e o nome da autora:
Clarice Lispector), romance escrito por Clarice Lispector. É
também a cena que dá o título a história, já que "A Hora da
Estrela " é a hora da morte da personagem principal, Macabéa.
A câmera acompanha Regina que vai se afastando da cena do
atropelamento de maneira que vamos vendo o set de filmagem
ao fundo com sua parafernália típica de refletores, caminhões,
equipamento (talvez uma chuva artificial).
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
REGINA (lê)
"Ninguém lhe ensinaria um dia a morrer, assim como não se
ensina cachorro a abanar o rabo e nem a pessoa a sentir
fome: nasce-se e fica-se logo sabendo. Morreria um dia como
se antes tivesse estudado de cor a representação do papel de
estrela. Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante
estrela de cinema, é o instante de glória de cada um..."
As luzes do set vão apagando, o equipamento sendo recolhido
(se houver chuva artificial ela vai parando) etc.
REGINA (fechando o livro)
Na história de Clarice, Macabéa morre no fim. Mas como este
fim já passou no início, quem sabe agora a gente vai poder
terminar no meio, que é mais alegre... Em todo caso, é melhor
começar do começo.
O caso A Hora da Estrela
http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/horaestr.txt
CENA 4 - ESTÚDIO
Câmera documenta a movimentação de meninas que vieram
fazer teste de atriz. Regina está por ali.
REGINA
Bem no começo a gente abriu um teste de atriz para
encontrar uma moça com cara de 19 anos, nordestina,
franzina, que pudesse fazer o papel de Macabéa. (Vai
mostrando a quantidade de meninas, dando dados, etc.)
Sebo
de Luiz Fernando Veríssimo
O homem disse o próprio nome e ficou me olhando
atentamente. Como alguém que tivesse atirado uma moeda
num poço e esperasse o "plim" no fundo. Repeti o nome
algumas vezes e finalmente me lembrei. Plim. Mas claro.
- Comprei um livro seu não faz muito.
Ele sorriu, mas apenas com a boca. Perguntou se podia entrar.
Pedi para ele esperar até que eu desengatasse as sete trancas
da porta.
- Você compreende - expliquei -, com essa onda de
assassinatos...
Ele compreendia. Estranhos assassinatos. Todas as vítimas
eram intelectuais. Ou pelo menos tinham livros em casa.
Dezesseis vítimas até então. Se soubesse que seria a décima
sétima eu não teria me apressado tanto com as correntes.
Sebo
de Luiz Fernando Veríssimo
- Você leu meu livro? - ele perguntou.
- Li!
Essa terrível necessidade de não magoar os outros. Principalmente os autores
novos.
- Não leu - disse ele.
- Li. Li!
Essa obscena compulsão de ser amado.
- Leu todo?
- Todo.
Ele ainda me olhava, desconfiado. Elaborei:
- Aliás, peguei e não larguei mais até chegar ao fim.
Ele ficou em silêncio. Elaborei mais:
- Depois li de novo.
Ele nada. Exclamei:
- Uma beleza!
- Onde é que ele está?
Sebo
de Luiz Fernando Veríssimo
Meu Deus, ele queria a prova. Fiz um gesto vago na
direção da estante.
Felizmente, nunca botei um livro fora na minha vida.
Ainda tenho ainda tinha - o meu Livro do bebê. Com a
impressão do meu pé recém-nascido, pobre de mim.
Venero livros.
Tenho pilhas e pilhas de livros. Gosto do cheiro de
livros novos e antigos. Passo dias dentro de livrarias.
Gosto de manusear livros, de sentir a textura do papel
com os dedos, de sentir seu volume na mão. Ocupome tanto de livros e quase não me sobra tempo para a
leitura.
Sebo
de Luiz Fernando Veríssimo
Ele encontrou seu livro. Nós dois suspiramos, aliviados. Como é fácil fazer a
alegria dos outros, pensei. Com uma pequena mentira eu talvez tivesse dado
o empurrão definitivo numa vocação literária que, de outra forma, se
frustraria. Num transbordamento de caridade, declarei:
- Que livro! Puxa!
Mas ele não me ouviu. Apertava o livro entre as mãos. Disse:
- O último. Finalmente.
- O quê?
Ele começou a avançar na minha direção. Contou que a tiragem do livro tinha
sido pequena. Quinhentos exemplares. Sua mãe comprara 30 e morrera antes
de distribuir aos parentes. Ele tinha ficado com 453. Dezessete cópias tinham
acabado num sebo que, através dos anos, vendera todos. Ele seguira a pista
de 16 dos 17 compradores e os estrangulara. Faltava o décimo sétimo.
Sebo
de Luiz Fernando Veríssimo
- Por quê? - gritei. E acrescentei, anacronicamente: - Homem de
Deus?
No livro tinha um cacófato horrível. Ele não podia suportar a idéia de
descobrirem seu cacófato.
- Eu não notei! Eu não notei! - protestei.
Não adiantou. Ninguém que tivesse lido o livro podia continuar vivo.
Ele queria deixar o mundo tão inédito quanto nascera.
- Mas essas coisas não têm import... - comecei a dizer.
Mas ele me pegou e me estrangulou.
Bem feito! Para eu aprender a não ser bem-educado. Meu consolo é
que depois ele descobriria que as páginas do livro não tinham sido
abertas e o remorso envenenaria suas noites.
Enfim. É o que dá freqüentar sebos.
A leitura do adaptador
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Qual é o plot?
O que funcionaria?
O que não funcionaria?
O que interessa?
Essência?
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aula 01 - Sabine Mendes Moura