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A ESCUTA CLINICA EM DIFERENTES ESPAÇOS: MORRO DA MANGUEIRA, CENTRO MEDICO E
PROJETO VIDA
A Escuta clínica e seus efeitos
Márcia Fraga Sampaio1
O presente trabalho se propõe a pensar a demanda peculiar de uma escuta
analítica que se dá a partir de uma oferta de atendimento psicológico.
O Projeto Vida oferece atendimento por uma equipe multidisciplinar a
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pacientes
doenças crônicas
que sua
maioria encontra-se situados na
terceira idade. Trata-se de um trabalho inserido em empresa de saúde complementar,
portanto uma instituição com fins lucrativos.
A equipe é composta por médicos geriatra, cardiologista, nutricionista,
enfermeira, fisioterapeuta e psicólogo. Os pacientes são convidados a integrar o projeto
e são realizadas algumas formalidades e rituais de inserção do paciente. O processo
contempla uma consulta inicial com todos os profissionais e assim a entrevista com o
psicólogo é agendada.
Ao chegar para a entrevista com o psicólogo o paciente é recebido por um
psicanalista, tal fato faz uma diferença nesta despretensiosa entrevista.
A abordagem inicial é de uma anamnese simples para colher informações
pessoais. Bastante incomum uma entrevista em psicanálise iniciar por uma anamnese,
entretanto tal instrumento de uma formalidade administrativa se mostrou de forma
surpreendente, um via que abre para o idoso um espaço em que é permitido contar
histórias sobre si mesmo. Perguntas simples como data de nascimento ou naturalidade
abrem a possibilidade para que questões primitivas venham à tona e se desdobrem em
questões atualizadas em seus sintomas e diagnósticos médicos. Peculiaridades sobre
1 Psicanalista participante da Escola Letra Freudiana e Pós-Graduada em Teoria e Clínica Psicanalítica pela Universidade Gama
Filho
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origem, nascimento, família parental, primeira infância são evocadas fazendo emergir
associações de forma espontânea, dando voz e ouvidos a registros arcaicos do sujeito.
Não há uma recomendação médica ou encaminhamento para o tratamento
psicológico, há uma lista de medicamentos e um diagnóstico de doença crônica que
nomeia o sofrimento físico com diferentes significantes tais como artrose, osteoporose,
diabetes, hipertensão, fibromialgia...
Envelhecimento e adoecimento estão atrelados por um diagnóstico de uma ou
mais dessas doenças crônicas, sem expectativas de cura e apontada pelos próprios
pacientes como “doenças de velho!”
A partir de perguntas objetivas e simples, a regra fundamental da associação
livre é evocada dando espaço a associações inconscientes. A oferta de uma escuta abre a
possibilidade para que em meio a uma multiplicidade de histórias únicas produzam-se
demandas peculiares e muito particulares a um trabalho a ser construído. Dando-se
neste momento aquilo que Lacan em A Direção da Cura cita: “Consegui em suma,
aquilo que se gostaria, no campo do comércio comum de poder realizar com a mesma
facilidade: com a oferta, criei a demanda.” (pág 623)
Observa-se a busca pela escuta de questões delicadas que somente em um
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espaço ético ousariam tocar sem tantas reservas. Por se tratar de uma instituição de
saúde a primeira demanda a surgir é de alívio imediato de seu sofrimento físico, uma
justificativa para sua dor física, uma palavra que lhe traga de volta o ânimo que se foi
com o diagnostico de depressão.
Alguns reagem de forma negativa ao agendamento da primeira da entrevista
com psicólogo, alegando não precisar, não desejar falar com estranhos sobre si mesmo,
ou ainda reconhecendo que está velho, mas não está maluco. Comparecem a primeira
entrevista e faltam as seguintes, jamais retornando.
Muitos ficam curiosos e ávidos pela experiência para eles inusitada para tal
entrevista com o psicólogo: “Doutora, a senhora tem a honra de ser a primeira psicóloga
que me dá consulta na minha vida, olha que eu tenho 84 anos!” (I.H., 84 anos) E
arremata ao final que se sentiu bem e deseja voltar, pois ali sabe que as paredes não têm
ouvidos e como resposta ouve que será uma honra recebê-la outras vezes.
Surpresos com o acolhimento de sua fala, não são incomuns exclamações como
“Estou tomando muito seu tempo?... Mas eu posso mesmo ficar falando dessas coisas
aqui”
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O trabalho começa a ser construído, longe de configurar a direção da cura
analítica, mas com alguma transferência instaurada, com um endereçamento aquele que
oferece uma escuta e acolhimento de suas histórias e suas queixas. Ao contar suas
histórias, uma história de vida vai se delineando como uma colcha de retalhos feita à
mão. Interrogações vão sendo construídas sobre suas dores, desconstruções são
elaboradas, dificuldades em seguir seus tratamentos, seguir restrições da dieta alimentar
e se deparar com o confronto diante do espelho de uma vaidade recoberta pelo
envelhecimento.
Casais entrevistados separadamente contam cada um com seu olhar, pendengas
conjugais e embates sexuais atravessados por cirurgia de próstata, menopausa e
histerectomia. Mágoas acumuladas ao longo de anos de convivência e erros cometidos
na educação dos filhos se somam a preocupações a respeito dos netos.
Questões vão se desenrolando ao longo das “consultas”, como eles mesmos
nomeiam: “Tenho uma consulta com a senhora”. Cada um ao seu jeito estabelece sua
freqüência, alguns comparecem mensalmente para dar notícias, quinzenalmente ou
semanalmente.
A escuta é oferecida e o trabalho se desenrola produzindo demandas, sob
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transferência possibilitando efeitos ao sujeito.
Inconsciente, morte e sexualidade ganham uma escuta singular dentro de um
universo eminentemente médico. Aquele a quem se endereça a fala, seja ele o psicólogo
ou psicanalista, marcará uma diferença no trabalho e seus efeitos desde que ele sustente
uma escuta do sujeito compreendido pela psicanálise. Seguindo o caminho apontado por
Lacan tomando “o caminho de ouvir e não de auscultar”. (Direção da Cura, pág 622)
Segundo Lacan, em A direção da Cura: “Com a oferta, criei a demanda”.
(Lacan, 1958). O analista “é aquele a quem se fala” e aquele que sustenta a demanda
para que, ao não respondê-la, faça que dela deslizem significantes. Com a oferta de uma
escuta criou-se uma demanda de trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LACAN J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
DEBERT, G. A Reinvenção da Velhice. São Paulo: Edusp, 1999
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ROUDINESCO, E. Por que a Psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999
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marcia fraga sampaio