Por Uma Outra Globalização
"Produção do Grupo de Estudos Redes, Cidadania e Cidade Educadora, 2000"
Coordenação Érika Juffernbruch
Limites à Globalização Perversa
Introdução

Alguns sinais que mostram a existência de processos
paralelos à globalização nos levam a pensar que
vivemos uma fase de transição para um novo
período.
 o sistema ideológico que sustenta a globalização
parece não resistir aos fatos.
 a promessa de que as técnicas contemporâneas
pudessem melhorar a existência de todos cai por
terra e o que se observa é a expansão acelerada
do reino da escassez, atingindo as classes médias
e criando mais pobres.
A Variável Ascendente

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
A Globalização (ou pós-modernidade) é um processo
demarcado da história, um período.
Existem variáveis que ganham vigor, que o autor
chama de ascendentes, e outras que perdem, as
descendentes. As ascendentes apontam tendências.
As variáveis ascendentes atuais são sistêmicas, o que
leva a crer sejam um prenúncio de uma grande
mudança, para um novo período histórico.

Fatos característicos das mudanças em curso:
- Crescente desencanto com a técnica;
- A gradativa substituição do senso comum pelo bom senso,
sendo o senso comum a racionalidade sugerida pelas técnicas e
pelas políticas que determinam seu uso;
- Crescimento da parcela à margem das técnicas, por causa do
aumento da pobreza;
- Técnicas não-hegemônicas sobrevivem e são criadas, criando
pólos resistentes à opressão absoluta das técnicas hegemônicas.
Os limites da racionalidade
dominante

A racionalidade totalitária é acompanhada pela perda
da razão.
- O deboche das carências de uma parcela da
sociedade que cresce a cada dia é um sinal desse
processo.
- O descaso gera o crescimento do desinteresse pelas
normas, leis e costumes, e a conseqüente
proliferação dos ilegais, irregulares e informais.
- Tem-se, a partir daí, um caldo de cultura que
mistura práticas e teorias novas e herdadas.
- É nesse ambiente, excluído da realidade dominante,
que as pessoas passam a ter consciência de sua
situação, e abandonam o conformismo para ficar
O imaginário da velocidade
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
A idéia de que a velocidade é um dado
irreversível na produção da história encontrase amplamente difundida; mas grande parte
da população produz, circula e vive sem que
ela esteja tão arraigada em sua vida.
É a força do imaginário, como já vimos, que
faz com que a velocidade acessível à minoria
represente uma totalidade.
Velocidade: técnica e poder

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
Assim configurada, a velocidade é
duplamente política.
De um lado, tem-se a escolha relacionada ao
poder dos agentes; de outro, a justificação
dessa escolha.
Mas a técnica poderia ser usada de forma
diferente a partir de escolhas sociais
diferentes.
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
A técnica só pode ser vista como
determinante quando não associada à
presença humana, que obrigatoriamente vai
relativizá-la.
As populações pobres e excluídas combinam
várias formas de capitalismo, freando e
relativizando a velocidade.
As duas realidades são interdependentes e
intercorrentes.
Do relógio despótico às
temporalidades divergentes
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
A interdependência globalizada de lugares
e a planetarização dos aspectos técnicos
parecem se impor, servindo até como
parâmetros de eficácia para lugares e
sistemas técnicos diferentes.
As crises atuais decorrem da utilização que se
faz da velocidade, usada privilegiadamente
por alguns atores.
O movimento é desprovido de objetivo moral
e encontra justificativa em si mesmo – Ex:
mercado financeiro.
Just-in-time versus o cotidiano
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Just-in-time: vocação para
uma racionalidade única, que
comanda todas as outras,
desejosa de
homogeneização.
Racionalidade desprovida de
razão, que leva à alienação.
Competitividade em escala
planetária
Homogeneização
empobrecedora e limitada.
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
Cotidiano: a razão de viver
seria tida como
irracionalidade face à
racionalidade do just-in-time.
O que se dá são outras
formas de ser racional.
Várias temporalidades
coexistem e permitem
considerar a existência de
cada um e de todos.
Heterogeneidade criadora.
Um emaranhado de técnicas: o
reino do artifício e da escassez

As várias técnicas se apresentam num
emaranhado aparentemente impossível de se
desfazer
Do artifício à escassez
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
O emaranhado de técnicas em que vivemos é
fundamentado na ciência e obedece aos
imperativos do mercado.
Sua intencionalidade leva à hegemonia de
uma produção “racional” de coisas e
necessidades.
“O homem, cada homem, é afinal definido pela
soma dos possíveis que lhe cabem, mas
também pela soma dos seus impossíveis.”

Ao mesmo tempo em que criam
desigualdades, a velocidade, as técnicas e a
potência geram necessidades, já que não há
satisfação para todos.


Não é que a produção necessária seja
globalmente impossível, mas sua distribuição é
desigual.
A sensação da escassez transforma-se em
consciência de que falta a mim, mas não ao
outro mais bem colocado socialmente.
Da escassez ao entendimento



A experiência da escassez é a ponte entre o
cotidiano vivido e o mundo
A escassez não satisfeita acaba a se
diferenciar de todas as outras e, assim,
reforçar a individualidade e a alteridade.
A cidade é palco privilegiado para essa
revelação, pois potencializa os contatos, o
que exibe a multiplicidade da escassez
contemporânea.
Papel dos pobres na produção do
presente e do futuro
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São eles quem melhor entendem a sociabilidade urbana, já que
dependem desse entendimento para lutar pela sobrevivência.
Política dos de baixo: construída pelos excluídos a partir de sua
visão do mundo.
 Baseada no cotidiano vivido por pobres e não-pobres;
 alimentada pela necessidade de continuar vivendo.
As duas formas se confundem e a ideologia do consumo
também se infiltra na vida dos pobres, gerando desejos que
eles não podem suprir.
A ausência de um movimento organizado e de idéias claras não
significa que a consciência e a insatisfação não existam.
A metamorfose das classes
médias


Acostumada a ver seus problemas solucionados pelos
políticos, a classe média percebe que não partilha
mais o poder e, em vez de desejar mais participação,
se afasta.
A expansão da consciência não é uma decorrência
direta da experiência de escassez. Se dá em níveis:
 preocupação de defender situações individuais
ameaçadas; consumo como motor de luta; novas
manifestações de individualismo.
 após reflexão mais profunda, o processo social fica
mais claro e tais reclamações alcançam um nível
superior.
 o consumidor pode assumir o papel de cidadão e
Um dado novo na política


O passo seguinte para as classes médias é a
união com os pobres. Juntos, podem
contribuir para reformar os partidos.
Materialmente mais despojadas, as classes
médias forçam os partidos a completarem a
implantação da democracia que seja eleitoral,
mas também econômica, política e social.
A Transição em Marcha


A gestação do novo acontece de forma quase
imperceptível para quem a vive, já que
começa a se impor quando o velho ainda é
quantitativamente dominante.
No nosso século, o sistema de técnicas é
comandado pelas técnicas da informação,
que atuam como elo entre as demais e
asseguram sua presença planetária.
Cultura popular, período popular

Um exemplo do que foi dito é a cultura.
 um esquema arbitrário mostraria um esforço
mundial de homogeneização, com a cultura de
massa impondo-se sobre a popular.


essa conquista não é completa, porque encontra
resistência da cultura preexistente.
o resultado são formas sincréticas – cultura
popular domesticada associando um fundo
genuíno a formas exóticas que incluem novas
técnicas


mas há também a revanche, quando a
cultura popular se difunde usando
instrumentos da cultura de massa
a cultura de massa não é deformada como
um todo pelos “de baixo”, mas é adequada
em cada lugar que chega
As condições empíricas da mutação


A mistura de povos, raças, religiões e gostos
deve contribuir para a reemergência das
massas. Essa “contaminação” é positiva.
“Da divisão do trabalho por cima cria-se uma
solidariedade gerada de fora e dependente
de vetores verticais e de relações
pragmáticas freqüentemente longínquas. Na
divisão do trabalho por baixo, o que se
produz é solidariedade criada de dentro e
dependente de vetores horizontais
cimentados no território das culturas locais.”
A precedência do homem e o período
popular

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
Uma outra globalização precisa de uma
mudança radical das condições atuais, onde o
homem, e não o dinheiro, seja o centro de
todas as ações.
O novo modelo seria capaz de garantir a
satisfação da necessidade para o maior
número de pessoas.
Abolida a competitividade como padrão de
relacionamento, a vontade de ser potência
não guiaria o comportamento dos estados,
que se norteariam pelas necessidades de
suas populações.
A Centralidade da periferia


A idéia da irreversibilidade da globalização atual está
relacionada à de que a história é sempre feita pelos países
centrais.
Limites à cooperação
Europa, EUA e Japão impõem a globalização aos demais países,
enquanto disputam poder internamente.


Mantém o domínio já obtido sobre as nações ao mesmo tempo em
que brigam por ampliar sua área de influência.
Essa competição é também o limite da cooperação entre esses
países, chamada de Tríade.

Enquanto as empresas e estados utilizam
máximas massacrantes da globalização nos
países periféricos, mantêm posturas internas
diferentes.


A cidadania ainda é forte nesses países e torna-se
impossível descuidar do interesse das populações.
Na relação global, os estados periféricos
entram como parceiros mais fracos.


A cooperação da Tríade representa o interesse das
grandes potências.
Organismos internacionais como FMI, Banco
Mundial e BID atuam como intérpretes desses
O desafio ao Sul


“Os países subdesenvolvidos, parceiros cada
vez mais fragilizados nesse jogo tão desigual,
mais cedo ou mais tarde compreenderão que
nessa situação a cooperação lhes aumenta a
dependência”.
Essa consciência não chegará ao mesmo
tempo a todos os países e seus resultados
podem variar.


Já são numerosas as manifestações de
desconforto com as conseqüências do atual
sistema.
Os grandes negócios são de interesse
de um número cada vez menor de
pessoas.



Existem formas crescentes de desordem social.
 No Brasil, por exemplo, não se sabe até quando será
possível manter o modelo econômico atual e a calma das
populações excluídas, crescentemente insatisfeitas.
Os países centrais buscarão adaptar suas regras às novas
realidades. A manutenção da hegemonia levará a maiores
sacrifícios, incentivando ainda mais a busca das nações
periféricas por outras soluções.
“Uma coisa parece certa: as mudanças a serem introduzidas,
no sentido de alcançarmos uma outra globalização, não virão
do centro do sistema, como em outras fases de ruptura na
marcha do capitalismo. As mudanças sairão dos países
subdesenvolvidos.”
A Nação ativa, a nação
passiva

A necessidade de rever conceitos chega à idéia de país.
Ocaso do projeto nacional?

O reconhecimento da estrutura do país é dificultado na
globalização, assim como a visualização do projeto nacional.



Talvez por isso os projetos das grandes empresas acabem guiando
a evolução dos países.
Destino nacional e projeto nacional costumam perder para
preocupações menores, pragmáticas, imediatistas.
“A idéia de história, sentido, destino é amesquinhada em nome
da obtenção de metas estatísticas, cuja única preocupação é o
conformismo frente às determinações do processo atual de
globalização”.
Alienação da nação ativa /
Conscientização e riqueza da nação
passiva
Nação ativa:

aceita, prega e conduz
uma modernização com
base no dinheiro.
 modelo conduzido pelas
burguesias internacionais
nacionais associadas.

pra ter eficácia local, seu
discurso ganha sotaque
doméstico, estimulando
um pensamento nacional
produzido por mentes
cativas.

sorrateira, veloz,
externamente articulada.
Nação passiva:



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
maioria mundial;
participa de modo residual do
mercado.
contradição entre a exigência
prática de participar da
racionalidade dominante e
insatisfação com os resultados
dessa participação.
relações cotidianas que criam
espontaneamente uma cultura
própria, resistente, que pode
ser alicerce para a produção de
uma política.
dinamismo e criatividade.
A globalização atual não é
irreversível

“A globalização atual é muito menos um
produto das idéias atualmente possíveis e,
muito mais, o resultado de uma ideologia
restritiva adrede estabelecida.”
A dissolução das ideologias


O confronto com a realidade contribui para a
dissolução dessas ideologias. O próprio credo
financeiro aparece menos aceitável.
A ideologia que nos cerca, original ou disfarçada
em objetos e produtos, dificulta a visão de um
futuro diferente.
 Surge aí o grande conformismo que se vê
atualmente.



Mas “essa visão repetitiva de mundo
confunde o que já foi realizado com as
perspectivas de realização”.
Visto pela lente do pensamento único, o
mundo apresenta um conjunto limitado de
possibilidades. Mas, se queremos a lista
completa, temos de levar em conta não
apenas o que já existe, mas também o que é
empiricamente factível.
A situação atual parece definitiva, mas não é
uma verdade eterna.
A pertinência da utopia


É preciso retomar concretamente a utopia e os projetos.
 Frutos de dois tipos de valores: aqueles fundadores do
homem, como a liberdade, a dignidade e a felicidade;
aqueles que surgem da história do presente.
 Dessa combinação virão a densidade e factibilidade do
projeto.
 “Por isso é possível dizer que o futuro são muitos”, pois eles
nascem desses diversos arranjos.
As precárias relações de trabalho e o aumento do desemprego
dificultam o consumo e acabam funcionando como uma virada
do feitiço contra o feiticeiro.
Outros usos possíveis para as técnicas
atuais

Embora sejam atualmente direcionados a diminuir o escopo da
vida humana, nunca houve conjunto de sistemas tão propícios a
facilitar vida e a felicidade.



A comparação com as técnicas utilizadas na
industrialização traz uma idéia clara da docilidade
das técnicas atuais.
As máquinas exigiam investimento maciço, que
gerava a concentração de capitais. Não eram
flexíveis.
Os computadores, símbolos das técnicas de informação, exigem
capital relativamente pequeno e têm uso flexível – novo tipo de
artesanato.




Os computadores contradizem a lógica que
dita que o avanço tecnológico gera
concentração econômica.
As técnicas contemporâneas tornaram-se,
assim, mais fáceis de inventar ou reproduzir
do que as das máquinas.
Possibilitam a retomada da criatividade.
A produção do novo passa a ser possível a
um número crescente de pessoas e seu uso é
popularizado.
Geografia e aceleração da história

As grandes cidades contribuem para os efeitos da vizinhança.
Com mais informação disponível, maiores são as possibilidade de
identificação das situações de escassez e das diferenças.

A partir da ampliação da consciência, o indivíduo pode substituir
sua busca por consumo pela busca por cidadania.

A primeira busca o fortalecimento das condições materiais e
jurídicas para possibilitar o bem-estar individual; a segunda, a
reforma das práticas e instituições políticas.
A precariedade e a pobreza inspira o uso consciente e criativo das
técnicas.
Como a mídia se dirige às pessoas, e elas não são homogêneas,
poderá deixar de representar o senso comum.

O resultado é uma informação mais verdadeira.
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

Um novo mundo possível

As mudanças descritas tornam plausível pensar na
produção local de entendimento local e mundial
progressivo.


Novo ethos, baseado na solidariedade.
“A crise por que passa hoje o sistema, em diferentes
países e continentes, põe à mostra não apenas a
perversidade, mas também a fraqueza da respectiva
construção.Isso, conforme vimos, já está levando ao
descrédito dos discursos dominantes, mesmo que
outro discurso, de crítica e de proposição, ainda não
haja sido elaborado de modo sistêmico.”
A história apenas começa
A humanidade como um bloco revolucionário



Com sua recente entrada na história como um bloco é que a
humanidade passa a poder identificar-se como um todo.
A uniformidade da técnica e das políticas é um ponto positivo
àqueles que pensam nossa época, pois permite, ao mesmo
tempo, análises globais e localizadas.
Nossa época é marcada pela liberação do homem frente à
natureza: cada vez mais, os materiais usados em atividades
preponderantes são manufaturados, não extraídos da natureza.
A nova consciência de ser mundo

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
Os progressos da informação aproximam o
mundo de cada indivíduo.
O mundo se instala como diversidade, as
cidades se formam com gente vinda de todas
as culturas.
O cotidiano se enriquece pela troca de
experiências próprias e outras, fundadas em
tradições completamente diferentes, mas
vividas pelo vizinho de porta.
A grande mutação contemporânea

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
As condições materiais para a grande
mutação estão dadas, mas seu andamento
depende da política.
Talvez as técnicas sejam irreversíveis, mas
seu uso e sua significação podem ser
completamente diversas.
Frente às discutidas mutações biológicas,
defendemos a importância das mudanças
filosóficas, capazes de atribuir novos sentidos
à vida de cada um e à existência do planeta.
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