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Professor: uma Profissão?
O papel da instituição formadora
Jesus Maria Sousa
Universidade da Madeira
[email protected]
(2001, 6 Julho). Tribuna da Madeira. Educação. 13-16.
O que é necessário para que determinada actividade seja uma profissão? E quem
é que o determina? Será a actividade que desenvolvemos, isto é, será a actividade docente
uma profissão?
Introdução
Uma vez que a reflexão que me proponho fazer é sobre o desenvolvimento da
profissionalidade docente, será vantajoso, em minha opinião, proceder a uma prévia
clarificação do conceito de "profissão". Julgo que só após a delimitação deste conceito é
que poderemos melhor compreender o papel das instituições formadoras, e mais
concretamente do Departamento de Ciências da Educação da Universidade da Madeira,
no desenvolvimento da profissionalidade docente.
Ora, se formos às suas raízes etimológicas, vemos que "profissão" vem da palavra
latina “professio”, do verbo “profiteri”, que quer dizer confessar, testemunhar, declarar
abertamente. A palavra nasce assim ligada a uma forma de vida que é publicamente
assumida e reconhecida. Basta nos lembrarmos que era exigido aos primeiros professores
das universidades que fizessem uma profissão de fé, numa cerimónia pública, num misto
de influências laicas e religiosas ao mesmo tempo. Neste sentido, "profissão" opunha-se a
"ofício", ao chamado "métier", pois enquanto a primeira assumia um saber reconhecido e
professado em público, o segundo, aliado à ideia de negócio ou trabalho manual (um e
outro menos nobre, então), sugeria um conhecimento mais esotérico, mais secreto,
revelado apenas aos iniciados, ou seja, aos aprendizes dos artesãos.
Qual o tipo ideal de Profissão?
E o que será a “profissão”, nos tempos que correm? Segundo a corrente
sociológica funcionalista, existe um tipo ideal de profissão: isto é, o que melhor se
identifica com o modelo de profissão liberal que teve o seu apogeu no século XIX e
princípios do século XX, geralmente associado à medicina e à jurisprudência. Estariam
depois, em escala hierárquica outras, porventura consideradas “semi-profissões” (cf.
Amitai Etzioni), onde se incluiriam as dos professores, enfermeiros ou assistentes sociais,
uma vez que “a sua formação [era] mais reduzida, o seu estatuto social menos
legitimado, o seu acesso aos meios de comunicação menos estabelecido, [havia] menos
corpo especializado de conhecimento, e [detinham] menor autonomia face ao controle
realizado pela sociedade, em comparação com as profissões propriamente ditas” (1969. p.
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v). A grelha de análise para a classificação das profissões seria, como estamos a ver, a das
"profissões liberais" de então.
Profissões burocráticas
Mas a partir da revolução industrial e do desenvolvimento do capitalismo
concorrencial, com a emergência das teorias do liberalismo e do individualismo, temos
vindo a assistir, no entanto, à construção de uma nova ordem social, e consequentemente,
de uma nova divisão do trabalho, com base na “parcelização crescente do saber” (cf. B.
Badie e P. Birnbaum. 1982. 89). É assim que presenciamos, neste momento, uma
verdadeira alteração sociológica das profissões, dada a emergência de novos “modelos”
ligados às grandes organizações burocráticas. Por exemplo, o modelo dos médicos e dos
advogados a trabalhar isoladamente começa a ser substituído pelo dos economistas,
engenheiros ou arquitectos trabalhando no seio das grandes organizações.
Podemos mesmo dizer que, após a II Guerra Mundial, é o modelo das “profissões
burocráticas” a dominar o panorama das profissões, pois, de facto, são cada vez mais
raros os médicos e os advogados a exercer exclusivamente a actividade privada, à
maneira das antigas profissões liberais. Por outro lado, a relação profissional-cliente,
existente no passado, dá lugar a outros tipos de comunicação, onde vários profissionais
dialogam, trabalhando para um único e mesmo cliente. É assim que vemos engenheiros e
arquitectos trabalhando lado a lado em projectos colectivos no âmbito das grandes
organizações… Da mesma forma, vemos o médico, se pensarmos no seu trabalho no
hospital, a interagir com uma multiplicidade de experts (médicos de outras especialidades,
enfermeiros, psicólogos, etc., etc.), para o tratamento dum mesmo doente.
O Saber e a Ética, como duas dimensões de uma Profissão
Por aqui já estamos a ver como o conceito de “profissão” tem vindo a evoluir,
devido à alteração do tecido social e às respectivas condições de vida. Mas também tem
evoluído em face de novas posições teóricas. Mesmo que não queiramos entrar na
discussão dessas várias correntes no âmbito da sociologia das profissões, relativamente à
grelha de partida para a sua classificação e hierarquização (por exemplo, se devemos
partir ou não das "profissões liberais" como modelo ideal a seguir pelas restantes),
podemos, no entanto, delas extrair a unanimidade que se gerou em torno de duas
características que todas reportam de imprescindíveis para que uma actividade seja
considerada profissão: o SABER e a ÉTICA.
Não enjeito, no entanto, a oportunidade de partilhar convosco que o meu quadro
de referência teórica se situa mais próximo duma linha de interaccionismo simbólico (cf.
E. C. Hughes e H. S. Becker) do que funcionalista (cf. A. M. Carr-Saunders, T. Parsons,
ou M. S. Larson), uma vez que entendo que a sociedade é uma entidade viva que faz as
suas leituras, através de um olhar dinâmico e evolutivo. Tendo por base o pragmatismo
democrático de John Dewey que fazia apelo a uma filosofia de acção e intervenção social,
o interaccionismo simbólico de G. H. Mead, por exemplo, defende que a realidade social
não é um dado preexistente e exterior ao indivíduo, mas que é construído pelos
significados que este lhe atribui. Assim sendo, e fazendo a transferência para o caso
concreto da “profissão docente”, segundo esta linha teórica, ela não se impõe por si só,
como algo de estático e de irrecusável, mas pelo significado que a sociedade atribui a essa
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actividade. Desta forma, “a definição de uma profissão tem a ver com o reconhecimento
e prestígio concedidos pela sociedade , a qual, por deter o poder de classificar e
categorizar o mundo, concede a um certo grupo profissional o controlo (e o monopólio)
de um determinado domínio de trabalho, confiando-lhe um mandato para definir as regras
a que deverá estar sujeito o exercício da sua actividade.” (A. Nóvoa. 1987. 30). Como
poderemos, então, ver se a sociedade concede prestígio e reconhecimento à actividade
docente? Ou formulando a questão de uma forma mais directa: será a actividade docente
uma “profissão”? E em que medida a instituição formadora pode contribuir para a
profissionalidade docente?
As etapas da Profissionalização
Para a reflexão sobre o processo de profissionalização docente em Portugal, não
posso deixar de mencionar o trabalho desenvolvido por A. Nóvoa, como figura
incontornável neste domínio, nomeadamente pelo contributo que deu com a sua tese de
doutoramento “Le Temps des Professeurs”. Para este investigador, a conquista do estatuto
de profissão (de qualquer profissão) é um longo processo de que sobressaem quatro
etapas fundamentais:
1. O exercício a tempo inteiro;
2. A licença do Estado;
3. A formação;
4. A associação.
Também a actividade docente tem vindo a trilhar esta longa caminhada ao longo
de séculos, na conquista da sua profissionalidade. Vejamos, então.
1. A primeira etapa: o exercício a tempo inteiro
Uma "profissão" (ou esboço de profissão) começa a surgir pela primeira vez
quando determinado domínio social é ocupado por um grupo de indivíduos que lhe
consagra a maior parte do seu tempo, ou todo o seu tempo (em exclusividade), daí
retirando os seus meios de subsistência. O trabalho deixa então de ser indiferenciado,
reclamando por isso uma dedicação a tempo inteiro, já não compatível com o exercício de
outras actividades. Na fase pré-industrial, como vimos, eram muito poucas as profissões,
assim tomadas, sendo o seu acesso condicionado mais pela proveniência aristocrática dos
seus membros, do que pelo domínio do saber ou mérito conquistado. De qualquer forma,
existia a posse de um certo corpo de saberes e saberes-fazer, específico e autónomo
relativamente a outros domínios do conhecimento.
No que diz respeito ao ensino, sabemos que este se encontrava ao longo da Idade
Média inextrincavelmente ligado à Igreja, não se diferenciando, por isso, as funções do
professor das do religioso: o nosso antecessor, mesmo que não fosse padre, tinha de o
ajudar nas tarefas da paróquia, cantar na missa, tocar o sino, etc. Mas, apesar disso,
grande parte do seu tempo era dispendido com a função docente, mesmo que ensinasse a
partir de textos seleccionados pela Igreja, tanto nos exercícios de leitura como de escrita.
Neste contexto, as normas e os comportamentos morais eram marcadamente de natureza
religiosa: servir a Deus, praticar a caridade, buscar a verdade pela via interior, pela
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espiritualidade, reprimindo manifestações que dependessem de energias naturais, como o
prazer, o gozo, a paixão, por serem consideradas mais terrenas…
2. A segunda etapa: a licença do Estado
A segunda etapa no processo de profissionalização surge quando as autoridades
públicas criam um suporte legal, sob a forma de licença ou diploma, para o exercício
duma actividade. Ao definir um quadro legal para o acesso à profissão, nomeadamente
através da exigência de determinadas condições e competências a ser reunidas pelos
candidatos, o Estado delimita o campo social do exercício dessa actividade.
No caso concreto do ensino em Portugal, o Alvará Régio de 8 de Junho de 1759,
no âmbito das reformas pombalinas, veio determinar a substituição do corpo de
professores religiosos, sob a tutela da Igreja, por um corpo docente laico, sob o controlo
do Estado, pois “ninguém [poderia] ministrar quer ensino público quer privado, sem
autorização adequada, sob pena de ser punido na medida da sua falta e de não mais poder
exercer no Reino.”
A publicação do “Mapa dos professores e mestres das escolas menores e das terras
em que se acham estabelecidas as suas aulas e escolas neste Reino de Portugal e seus
domínios”, anexo à Lei de 6 de Novembro de 1772, indicia a autonomização da
actividade docente ao estipular lugares para 479 mestres de leitura e 358 professores de
Latim, Grego, Retórica e Filosofia. Para a Ilha da Madeira, previa-se a criação de 6
escolas primárias: 2 no Funchal e 4 distribuídas por Machico, Santa Cruz, Ponta do Sol e
Calheta, e 3 classes de Latim, 1 de Filosofia e outra de Retórica. A selecção e nomeação
destes professores encontravam-se a cargo do célebre “Director de Estudos”, que lhes
concedia uma licença, depois de recolher informações sobre o modo de vida de cada um
junto do bairro onde habitassem. “Os candidatos deviam fazer prova de bons costumes,
mostrar ciência e prudência e submeter-se a um exame…” (J. M. Sousa. 1995. 69).
Com esta etapa, se bem que não tenha constituído grande avanço em termos
metodológicos, temos de reconhecer, no entanto que se dá um passo deveras importante
na aquisição da nossa profissionalidade.
3. A terceira etapa: a formação de professores
Mas ainda não era tudo, porque o controlo efectuado pelo Estado aos professores
era apenas realizado ao nível da entrada na profissão e ao longo da carreira docente,
através de inspecções periódicas, não se levantando ainda a questão da sua formação. Ora,
a ausência de formação pressupõe, naturalmente, a ausência de um conjunto específico de
conhecimentos merecedor de aprendizagem: quando muito, a especificidade residiria na
disciplina que se ensinasse.
De facto, até então a criança tinha sido um adulto em miniatura (teoria do
homúnculo) de quem se esperava o mesmo tipo de reacções e comportamentos; essa
mentalidade encontra-se bem patente na forma como a criança é representada pelos
pintores da época, de sapatos de tacão alto, trajando os mesmos fatos de punhos de renda
e saiotes de folhos, tal como os adultos. Como sabemos, a alteração do conceito de
criança, desencadeada a partir de Rousseau, Froebel e Pestalozzi, esteve na base do
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movimento da Escola Nova a qual se desejava que fosse, de acordo com o primeiro
princípio da sua Magna Carta da Educação, “um laboratório de pedagogia prática… [com
base] na psicologia da criança e nas condições da vida moderna”. O apelo explícito ao
estudo científico - psicológico e sociológico - (inicialmente) da criança, esteve na origem
daquilo que passou a constituir um corpo específico de saberes e saberes-fazer do
professor: a ciência, ou as (actuais) ciências da educação. É só neste momento que,
verdadeiramente, o ensino passa a ser uma questão de especialistas, sendo por isso
necessário, atribuir-se-lhes formação para tal.
A fase das Escolas Normais
É neste particular que intervêm as instituições formadoras na determinação da
profissão docente. A Escola Normal de Lisboa (em Belém), criada em 1816 por João
Crisóstomo de Couto e Melo, tal como a Escola Normal Primária Masculina de Lisboa
(em Marvila), fundada em 1862, que teve como director Luís Filipe Leite, constituiram as
primeiras experiências de formação em Portugal, criadas para a normalização e
divulgação de metodologias de ensino para os professores (a primeira para o método de
ensino mútuo e a segunda para o método de leitura rápida). Mas é entre 1896 e 1901 que
se situa o período mais fértil na formação de professores, com a criação de 18 Escolas de
Habilitação para o Magistério Primário, mais tarde convertidas em Escolas Normais, isto
é, com a exigência de três anos de formação em vez de dois… Neste contexto, foi criada,
em 1900, a Escola Distrital de Habilitação para o Magistério Primário do Funchal que
passou a Escola Normal, no ano imediatamente a seguir.
A fase das Escolas do Magistério Primário
Com a implantação da República, a concentração de esforços na instrução
primária fez com que todas as Escolas Normais do País (à excepção de Lisboa, Porto e
Coimbra) fossem transformadas em Escolas do Ensino Primário Superior. Esta medida da
Primeira República, acentuada depois, no período do Estado Novo, com o encerramento
das então únicas três Escolas do Magistério Primário, durante cinco/seis anos, constituíu
uma machadada no processo de aquisição da profissionalidade docente. Mais ainda na
Madeira, onde não funcionou nenhum tipo de formação durante 24 longos anos (19191943). Como é fácil de calcular, a presunção da não necessidade de formação, aliada ao
recrutamento de regentes escolares, com apenas quatro anos de escolaridade, teve reflexos
bastante gravosos ao nível de um prestígio até aí dificilmente conquistado. Efectivamente,
apenas em 1943 foi criada a Escola do Magistério Primário do Funchal (Decreto-Lei nº 33
019, de 1 de Setembro), que começou por funcionar numa das salas do Liceu Jaime
Moniz, sendo seu Director o então Reitor do Liceu, Dr. Ângelo Augusto da Silva.
A fase das Escolas Superiores de Educação e CIFOPs
Com a revolução de Abril, teve lugar então a extinção de todas as Escolas do
Magistério Primário com a consequente substituição por ESEs e CIFOPs no País, numa
lógica de passagem destes cursos, de uma graduação de ensino médio a ensino superior,
ao se atribuir o grau de bacharelato aos seus alunos. Esse foi mais um passo dado, rumo à
conquista da profissionalidade docente. Passo esse que se consolidou com a recente
alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo, a qual veio exigir o mesmo tipo de
qualificação académica para todos os professores e educadores do País,
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independentemente do nível de ensino para que fossem vocacionados, ou seja, veio exigir
uma licenciatura. Esta medida da política educativa teve o condão de aproximar
estatutariamente colegas, anteriormente distantes, para a construção de uma identiddae
profissional, assente pressupostamente nos mesmos padrões de qualidade, nas mesmas
exigências de entrada nos cursos, e na melhoria de nível académico proporcionado, uma
vez que todos os formadores teriam de possuir uma habilitação superior.
A ESE-M, o CIFOP-M e o Departamento de Ciências da Educação da UMa
Na Madeira, a opção primeira foi no sentido da criação de uma Escola Superior de
Educação, que funcionou de 1982 a 1989, dada a ainda indefinição política face ao tipo de
ensino superior a ser aqui lançado. A criação da Universidade da Madeira, porém, em
1988 (Decreto-Lei nº 319-A/88, de 13 de Setembro), desencadeou a extinção da ESEMadeira com o diploma de criação do CIFOP-Madeira, o qual passou a coexistir, a partir
de Maio de 1996 (data da aprovação dos primeiros Estatutos da Universidade), com o
Departamento de Ciências da Educação, até desaparecer por imposição dos novos
Estatutos, aprovados em Assembleia de Representantes da UMa, em 1998 (Despacho
Normativo nº 83/98, de 31 de Dezembro).
É neste particular, enquanto elemento fundamental da terceira etapa do processo
de aquisição do sentido de “profissão” para o professor, que intervém o Departamento de
Ciências da Educação da Universidade da Madeira, pois ela é a unidade orgânica
responsável pelos cursos de formação inicial de Professores do Ensino Básico (1º ciclo) e
de Educadores de Infância, e participa como unidade co-responsável nas licenciaturas em
ensino, mais vocacionadas para o ensino secundário. Não é, pois, vã a consciência que
temos da nossa responsabilidade na superação do que ainda há por fazer, para se chegar à
tão ambicionada identidade profissional: quanto maior qualidade imprimirmos aos nossos
cursos, quanto menos massificados os tornarmos, quanto maiores as exigências
formuladas, quanto maior a aposta no crescimento pessoal do aluno-futuro professor e na
sua capacidade de investigação, tanto maior o contributo que daremos para a
representação social desta actividade como “profissão”, uma “profissão” prestigiada e
reconhecida pela sociedade.
E a palavra-chave é a “autonomia”: a autonomia que o liberte das amarras do
agente de ensino, agente funcionário, cumprindo directrizes estipuladas de cima, numa
lógica centralizada, e o catapulte a actor-autor, como tenho vindo a defender nas minhas
últimas intervenções a este respeito. O actor-autor, capaz de tomar decisões nos domínios
estratégico, científico, pedagógico, administrativo e organizacional, no quadro de um
projecto educativo da sua escola, construído especificamente tendo em conta a realidade.
Este trabalho, no entanto, só pode ser realizado em articulação com o que
apontamos como sendo a 4ª etapa deste processo. Passemos a ela, de imediato.
4. A quarta etapa: a associação de professores
A quarta etapa diz respeito à auto-organização dos próprios professores.
Ora, as primeiras tomadas de posição colectivas de professores datam de 1818,
tendo em vista a reivindicação de melhores salários. Outras se seguiram depois da
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Revolução de 1820, mas apenas como manifestações colectivas pontuais. Com o final da
Guerra Civil em 1834, começaram-se a organizar algumas das tais “profissões liberais”:
em 1835, nasce a Sociedade das Ciências Médicas e em 1838, a Associação dos
Advogados de Lisboa. No que diz respeito ao ensino, sabemos que surgiu, na mesma
época, uma Sociedade de Instrução Primária, que tinha por objectivo “a divulgação da
instrução em todas as classes sociais e a promoção da educação como meio de
aperfeiçoamento moral e físico do homem”, isto é, não detinha ainda objectivos
verdadeiramente de natureza associativa.
Durante o período da Regeneração, mais concretamente em 1854, é criada a
primeira Associação dos Professores, a qual, dotada de um Jornal próprio, procura
também intervir mais ao nível da melhoria do ensino e da reivindicação salarial, do que
propriamente na definição de um estatuto do professor. De facto, em finais de 1856,
chega a elaborar um “Plano de Reforma da Instrução Pública” que submete ao Conselho
Superior da Instrução Pública. Esta linha de preocupação com o ensino em geral e de
defesa dos direitos dos trabalhadores no que diz respeito às condições de trabalho e às
questões salariais, foi imprimindo, naturalmente, uma filosofia de tipo “sindical” que
herdaram as associações que se lhe seguiram até aos nossos dias.
Faltou, em minha opinião, a constituição de uma Ordem de Professores que
acautelasse a dimensão ética e deontológica da profissão, que determinasse as suas
normas de entrada, que controlasse o seu desenvolvimento e que exercesse a função
disciplinar, tendo em vista a demarcação, a preservação e eventualmente o alargamento
do seu campo social de acção. Pois, como chamar “profissão” à actividade docente
quando toda e qualquer pessoa pode ser professor? Como chamá-la de “profissão”, se ela
se encontra aberta aos que não têm habilitação profissional? Seria possível um médico
exercer medicina se não estivesse habilitado para tal?
O código deontológico, quer seja formal ou informal, é portador de valores de
ordem ideológica e moral que dão coesão ao grupo profissional: visam defender e
melhorar o estatuto e o prestígio social dos membros do grupo profissional, sem pôr de
lado a defesa dos interesses sócio-económicos e profissionais dos seus membros.
É este o momento da profissionalidade docente?
É nesta encruzilhada que nos encontramos, à conquista da profissionalidade
docente. O que falta então realizar?
Enquanto as antigas Escolas Normais e do Magistério Primário formavam
professores a partir de programas únicos centralmente definidos pelo Ministério da
Educação, a passagem dessa missão para as Universidades e os Institutos Politécnicos
levantou um problema sério relativo ao corpo específico de saberes e saberes-fazer, atrás
referidos, dada a autonomia de que estas instituições gozam, no plano científico e
pedagógico. Quando por formação académica se entende formação profissional,
necessário se torna que haja um diálogo entre os que formam e os que recebem os
formados, isto é, entre as instituições formadoras e os detentores dos postos de trabalho,
ou, quando devidamente organizadas, as Ordens profissionais. São estas que determinam
a necessidade de realização de cursos ou estágios de complemento, como acontece no
caso das licenciaturas em Direito, que não dão saída imediata para a advocacia; ou então,
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são estas que, pura e simplesmente, não reconhecem determinados licenciados como
profissionais, como é o caso de muitas licenciaturas em engenharia, cujos graduados são
apenas licenciados em engenharia de…, mas nunca engenheiros.
Isto para dizer que, no caso do ensino, e na ausência de uma Ordem de
Professores, foi, em sua substituição, criado pelo Estado um organismo (INAFOP –
Instituto Nacional de Formação de Professores) que, em articulação com as diversas
instituições formadoras, veio determinar os Perfis profissionais e as orientações
curriculares para a formação de todos os professores em Portugal (Deliberação 10/CGINAFOP/2000, de 13 de Novembro). Tal facto fará com que, já a partir do próximo ano,
todos os mais de 300 planos de formação de professores ministrados nas 44 instituições
formadoras existentes no País, terão de se candidatar para a respectiva certificação, sob
pena de os seus alunos não serem considerados “professores”, mas apenas licenciados em
ensino ou em educação de infância.
Foi esse o comboio que o Departamento de Ciências da Educação não quis deixar
de apanhar, ao promover um debate interno sobre esta nova filosofia e ao levar a Senado
uma proposta de alteração dos planos curriculares dos nossos dois cursos que, em termos
de estrutura, respeitasse as 4 grandes componentes de formação, todas devidamente
articuladas, numa lógica de saberes e saberes-fazer integrados, frontalmente em choque
com a ól gica dos saberes compartimentados que caracterizam a longa tradição académica
das Universidades:
1. uma formação social, cultural e ética (que aparece pela primeira vez)
2. uma formação nas áreas de docência e didácticas específicas, tendo como
referências as áreas constantes dos Programas do ensino básico (Língua
Portuguesa, Matemática. Estudo do Meio, Expressão Física e Motora,
Expressão Dramática, Expressão Visual e Expressão Musical, para além de
uma Língua Estrangeira)
3. uma formação educacional geral;
4. iniciação à prática profissional, com um estágio no último ano.
Ao serem aprovados no Senado, em Fevereiro deste ano, a Universidade da
Madeira deu provas de que, no seu todo, está atenta e consciente dos grandes desafios que
se lhe colocam e da sua responsabilidade na passagem da última etapa que os professores
enfrentam a caminho da sua profissionalidade.
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