305 Esta obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional ISSN 2175-9596 ENTRE A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ E O CONTROLE EM TEMPO REAL: VISÕES SOBRE DUAS EXPERIÊNCIAS DE WIKICIDADE Between citizen participation and control in real time: views on two experiences of wikicidade Brenda de Fraga Espindula a (a) UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, e-mail: [email protected] Resumo Cidade ubíqua, cidade digital, cidade virtual e cibercidade são termos que procuram explicar a mediação entre tecnologia e espaço urbano e sugerem como pelas tecnologias pode-se perceber as maneiras de imaginar, conceber, representar e gerir as cidades. Apresenta-se aqui que a interação entre o espaço virtual e o território das cidades pode ser pensada ou como “espaço urbano ampliado” ou como espaços qualitativamente diferentes, tendo implicações analíticas para a investigação sobre o caráter das tecnologias digitais, em especial para os mapeamentos colaborativos que geram e compartilham informações sobre o espaço urbano, as denominadas wikicidades. Nesse sentido, o artigo analisa duas experiências de wikicidade, a plataforma Portoalegre.cc e a Real Time Rome, discutindo a concepção, os objetivos e o funcionamento de cada uma delas. Verificou-se que a primeira aposta na dinâmica do ciberespaço para favorecer práticas de participação cidadã ligadas ao espaço urbano, entendendo que são espaços diferenciados; enquanto a segunda proposta sustenta-se na ideia de que as tecnologias digitais colaborativas são expressão da dinâmica do espaço urbano, aproximando-se da concepção de “espaço urbano ampliado”. Por fim, avalia-se que o tipo da informação e a forma da colaboração são aspectos fundamentais para a análise do caráter das tecnologias digitais colaborativas. Palavras chaves: Espaço urbano; tecnologias digitais colaborativas; controle em tempo real; wikicidade. Abstract Ubiquitous city, digital city, virtual city and cybercity are terms that seek to explain the mediation between technology and urban space and suggest how the technologies can perceive the ways of imagining, designing, represent and manage cities. The article presents that the interaction between the virtual space and the territory of the cities can be thought or as a "augmented urban space" or as qualitatively different spaces. This leads analytical implications for research on the character of digital technologies, especially for collaborative mapping that generate and share information about the urban 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios. 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil, p. 305314. ISSN 2175-9596 ESPINDULA, Brenda. 306 space, the so-called wikicidades. In this sense, the article analyzes two experiences of wikicidade, the Portoalegre.cc platform and the Real Time Rome, discussing the design, the objectives and the operation of each. As a result, Portoalegre.cc bet in cyberspace dynamics to favor practices of citizen participation linked to urban space, understanding that are differentiated spaces; while Real Time Rome holds up the idea that collaborative digital technologies are an expression of the dynamics of urban space, approaching the concept of "augmented urban space". Finally, the kind of information and the form of collaboration are crucial for the analysis of the nature of collaborative digital technologies. Keywords: Urban space; collaborative digital technologies; real-time control; wikicity. INTRODUÇÃO Cidade ubíqua, cidade digital, cidade virtual e cibercidade são termos que procuram explicar a mediação entre tecnologia e espaço urbano e sugerem como, pelas tecnologias, pode-se perceber as maneiras de imaginar, conceber, representar e gerir as cidades. Por um lado, a interação entre as tecnologias de informação e comunicação com o espaço urbano pode ser pensada como o conjunto de sistemas urbanos de informação baseados na Web e de comunidades virtuais que inscrevem as cidades de camadas de informação. Por esse viés, é difícil perceber a fronteira clara entre os espaços físicos e virtuais, pois não são duas dimensões separadas e sim constituem-se enquanto partes de um continuum em um todo. Deste modo, a forma urbana assume a característica de “espaço urbano ampliado” (Aurigi, 2008). De outro, a relação entre a cidade e o ciberespaço pode ser considerada como articulação entre dois espaços qualitativamente diferentes, já que, para além dos aspectos físicos e topológicos, as diferenças entre eles sustentam-se “em qualidades de processos sociais que se opõem” (Lévy, 1999, p. 195). Pode-se avaliar que a formulação de Castells (1995) também alinha-se com a ideia de que, mesmo com a presença crescente das tecnologias digitais com o espaço urbano, eles mantém-se como espaços de qualidades diferenciadas, pois o espaço dos fluxos - engendrado pelas tecnologias – tem sido apropriado mais pelas grandes e poderosas corporações do que pelas pessoas, estas continuam orientadas pelos espaços dos lugares, o espaço da comunidade, da vizinhança e das interações face-a-face. A proposição do “espaço urbano ampliado” sustenta-se na extensão de funcionalidades como Wifi e a popularização dos dispositivos móveis, pois aponta que a computação ubíqua e as tecnologias móveis estão nublando a distinção entre espaço físico e mídias digitais, apresentandose sob formas complexas. Nesse sentido, essa distinção não é clara, pois “o espaço passa a ser crescentemente veículo de informação e a informação (materializada no espaço) torna-se cada 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil ESPINDULA, Brenda. 307 vez mais espacialmente orientada” (Aurigi; De Cindio, 2008). Em certa medida, essa perspectiva distancia-se de uma concepção dualista do impacto da dimensão tecnológica na interface com a cidade, pois trata o espaço como um todo uno e indivisível, complexo e rico em tecnologias. Já Lévy (1999) propõe que a relação entre cidade e ciberespaço – entre esses dois espaços qualitativamente diferentes - se estabelece a partir de quatro categorias: 1) a primeira delas concebe as comunidades virtuais análogas às comunidades “reais”, demarcando na cidade digital a duplicação de equipamentos e instituições da cidade “material”; 2) a segunda se apoia na ideia de que as funções da cidade podem ser substituídas pelos serviços e recursos virtuais, difundida por práticas como teletrabalho ou trabalho on-line e a educação à distância; 3) já a terceira aponta para a assimilação do ciberespaço a um equipamento no território urbano, agregando à infraestrutura urbana as redes de comunicação interativa; e 4) a quarta explora os diferentes tipos de articulação entre o funcionamento urbano e “as novas formas de inteligência coletiva que se desenvolvem no ciberespaço” (p. 186). O autor defende que este último caráter favorece com maior intensidade a potencial do ciberespaço, pois, pela articulação com o território, ele está a proveito da inteligência coletiva, um conceito que “visa tornar, o quanto possível, os grupos humanos conscientes daquilo que fazem em conjunto e a dar-lhes meios práticos de se coordenarem para colocar e resolver os problemas dentro de uma lógica de proximidade e envolvimento” (Lévy, 1999, p. 196, grifos do autor). Nesse contexto, é bom destacar que perspectivas críticas ao debate sobre cibercultura e afirmação da potencialidade libertadora do ciberespaço têm apontado que, na maioria dos casos, esses estudos pouco explanam sobre como ideologias utópicas servem de pano de fundo para as formulações do caráter das tecnologias digitais (Turner, 2006). Nesse sentido, a conjugação entre o espaço virtual e o território das cidades, seja desdobrando-a analiticamente como “espaço urbano ampliado” ou como espaços diferenciados, pode ser investigada em especial pela análise das tecnologias digitais que associam conteúdos informacionais a um local específico da cidade, as nomeadas de mídias locativas digitais. Ao agregarem conteúdo digital a uma localidade, essas tecnologias servem para funções de monitoramento, vigilância, mapeamento, geoprocessamento, anotações e jogos. As características delas podem servir de casos empíricos para pensar as propriedades do espaço urbano e especialmente as transformações que nele vêm ocorrendo nos últimos anos, a exemplo da própria intensificação da urbanização, dos processos de mundialização do capital e mesmo a ampliação 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil ESPINDULA, Brenda. 308 de contatos e encontros de povos de diferentes nações. Dentre as múltiplas tecnologias digitais colaborativas, em especial a que tem a característica de mídia locativa, preferiu neste estudo exploratório deter-se nas denominadas wikicidades. Tecnologias e processos muito diferentes entre si têm sido chamadas desta forma, mas pode-se descrever minimamente as wikicidades como mapeamentos colaborativos que geram e compartilham informações sobre o espaço urbano. Tem-se certa intuição de que elas se distanciam das formulações de cibercidade ou cidade digital na medida em que a especificidade das wikicidades são produtos da evolução do tipo e da organização da informação computacional (muitos designam de Web 2.0), que talvez tenha alterado significativamente a formulação original de cibercidade/cidade digital. Essa evolução das arquiteturas digitais permitiu que os softwares funcionem pela Internet; que vários programas se integrem, formando uma plataforma; que o usuário tenham a possibilidade de participar na geração e organização das informações e que, mesmo o conteúdo não sendo gerado por ele, permite que seja enriquecido através de comentários, avaliação e personalização. O termo “colaborativo” tem sido associado a essas novas arquiteturas das tecnologias digitais. Entretanto, mais do que uma caracterização consistente, os casos que são chamados por wikicidades guardam entre si bastante diferenças. A colaboração como informação que partem de indivíduos pode ser identificada como um requisito comum, mas o processo de colaboração, o tipo de informação, o uso e os produtos a partir dessa informação ou mesmo as arquiteturas digitais que a suportam são diferentes entre si. De uma busca no Google, pelas palavras wikicidade/wikiciudad/wikicity, são referidos desde a extensão GeoData, um aplicativo para dispositivos móveis, que permite a qualquer usuário o geotagging de verbetes e artigos criados na Wikipedia; a apresentação de um aplicativo nomeado Yobi para a cidade de Nova Iorque, que promete transformar a cidade em seu jardim de casa; ou a ação de um coletivo em Bogotá que promove ações de voluntariado para cuidar da cidade; e a proposta do plano de desenvolvimento urbano de Amsterdam que sustenta-se na ideia de promoção de processos participativos para a construção da cidade; entre outras referências. Diante da variedade de casos de tecnologias digitais colaborativas para o espaço urbano, sugerese aqui que a concepção assumida para perceber a interação das tecnologias digitais e as cidades ou “espaço urbano ampliado” ou “espaços qualitativamente diferentes” - tem implicação para a análise do caráter dessas tecnologias digitais, aqui em especial as colaborativas e locativas, nas 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil ESPINDULA, Brenda. 309 formas nomeadas de wikicidade. Para isso, este artigo pretende comparar duas experiências de wikicidades, a Portoalegre.cc e a Real Time Rome, discutindo a concepção, os objetivos e o funcionamento de cada uma delas. Entende-se que as experiências podem ser comparadas pelo fato de que, mais do que serem mídias locativas digitais, elas desenvolvem tanto a função de mapeamento e monitoramento do movimento no espaço urbano, quanto a função de geolocalização, pela qual são agregadas informações digitais a mapas (podendo estas serem chamadas de geotagging ou marcação geográfica). WIKICIDADE PORTOALEGRE.CC Na plataforma Portoalegre.cc, cada um dos bairros do município de Porto Alegre - Brasil são cartograficamente representados em um mapa digital: nele são publicados conteúdos relacionados a qualquer local da cidade, através de wikispots, isto é, marcações criadas pelo usuário para chamar atenção a algum aspecto que, para ele, mereça ser tornado público e que se transforme numa causa compartilhada. Além disso, é possível compartilhar esses conteúdos em mídias sociais como o Twitter, Facebook, YouTube e Vimeo. Idealizada a partir da licença de propriedade intelectual de Creative Commons, indicada pelo termo .cc como extensão do endereço eletrônico, a plataforma permite compartilhar conteúdos digitais com todos, já que todo conteúdo dos wikispots pode ser utilizado por qualquer um que utilize a plataforma. Ainda, ações como mutirão de limpeza, piqueniques coletivos e ocupação de parques públicos são desencadeadas a partir das causas compartilhadas na plataforma. Lançada em março de 2011, a plataforma Portoalegre.cc foi concebida e criada pela startup Lung, apoiada pelo Tecnosinos, parque tecnológico da Universidade do Vale dos Sinos – Unisinos; com o apoio da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Parceiros Voluntários, organização nãogovernamental criada por iniciativa do empresariado do estado do Rio Grande do Sul com vistas a tecnologias sociais para o voluntariado. A plataforma digital Portoalegre.cc é definida como uma wikicidade, sendo “um espaço de colaboração cidadã, onde [se] pode conhecer, debater, inspirar e transformar a própria cidade”, definição apresentada na abertura da página da plataforma. O objetivo principal da Portoalegre.cc é se constituir enquanto um metamovimento, em que interfaces de participação política e cívica sejam criadas, fomentando a possibilidade de uma wikicidadania. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil ESPINDULA, Brenda. 310 A concepção da plataforma liga-se à ideia do potencial de inteligência coletiva, pois considera a PortoAlegre.cc como “um espaço de radicalização da democracia, onde [se] tem voz e vez para discutir a cidade, mostrando o que ela tem de bom e o que precisa ser melhorado”. A sua metodologia é nomeada de Inteligência Social, pela qual pretende-se alicerçar a possibilidade de construção de um novo conceito de cidadania, através de mobilizações por dinâmicas virtuais (em sites de redes sociais, como Facebook e Twitter) e presenciais (através de reuniões presenciais, assembléias, congressos, encontros e eventos). A metodologia sugere que, por meio da plataforma, é possível construir interfaces de participação política e cívica, pelas quais emerge um novo posicionamento do cidadão, no qual ele sente-se corresponsável pelo espaço que ocupa na sociedade. Os entes governamentais permanecem com suas atribuições constitucionais, porém contam com o auxílio do cidadão, da iniciativa privada, das organizações não-governamentais e de universidades e órgãos de pesquisa. Desse ambiente nasce a wikicidadania, local de manifestação do conceito territorial de wikicidade1. Para difundir e ampliar o desenvolvimento do projeto, a empresa Lung estabeleceu parceria com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, processo articulado a partir da participação da Portoalegre.cc na condução e sistematização dos debates do V Congresso da Cidade. A partir dos dados das causas compartilhadas na plataforma, extratos foram criados para subsidiar as discussões presenciais do Congresso. A partir do convênio firmado em 2012 entre as partes, foram executadas oficinas à população sobre o uso da tecnologia, reuniões de voluntariado, bem como algumas das causas cadastradas no PortoAlegre.cc foram colocadas em prática através da mobilização dos próprios voluntários do projeto. Em apresentação sobre a Portoalegre.cc, um dos seus diretores apresentou que a plataforma já contou com 220 mil visitas e foram registradas mais de 1800 causas nas categorias já previamente definidas como opções na plataforma: meio ambiente, empreendedorismo, mobilidade urbana, tecnologia, cultura, esportes e lazer, saúde e bem-estar, educação, segurança, cidadania, urbanismo e turismo. Os usuários podem cadastrar causas na plataforma e georreferenciar essa causa, inserindo fotos, compartilhando no Facebook (o que já somou mais de 16 mil fans na fanpage e 90.000 acessos por semana). Os números apresentados no relatório de prestação de contas indicam que há distribuição praticamente equilibrada entre os sexos 1Informações provenientes do Documento de Prestação de Contas de 1 ano do projeto, fornecido pelos organizadores para a pesquisadora. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil ESPINDULA, Brenda. 311 masculino e feminino e, em relação a faixa etária do público, observa-se grande concentração entre 18 e 34 anos. O projeto inicial da plataforma conta com a implantação de 5 módulos. Atualmente, o projeto conseguiu desenvolver o módulo 1 e 2, sendo o módulo 1, nomeado de Despertar e conectar, colocou o projeto em funcionamento, partindo da conexão com as redes sociais (Facebook e Twitter) e iniciou a inserção de causas. Já o módulo 2, chamado Colaborar, envolveu a inserção de conteúdos gerados pelo cidadão a partir dos 82 bairros da cidade de Porto Alegre. Os módulos que ainda se pretende implantar são o módulo 3, Mensurar, que buscará mapear o que o cidadão diz na plataforma e nas redes sociais, visando a gerar nuvens com maiores menções e relatórios de inteligência; o módulo 4, chamado de Portar, que disponibilizará os conteúdos, causas e menções também nos dispositivos móveis e, por fim, o módulo 5, Projetar, deverá implementar aplicações para a construção de cenários futuros, estimulando o lúdico e a discussão sobre os rumos da cidade. Se avaliarmos o desenvolvimento do projeto da plataforma, a wikicidade está nos seus primeiros módulos que envolvem basicamente a inserção de causas e de conteúdos gerados pelos usuários, mas se avaliarmos os outros módulos ainda não implantados, percebemos a finalidade de gerar relatórios de inteligência que mapeiam o que os usuários estão gerando e dizendo sobre a cidade e a finalidade de colaboração dos usuários na projeção de cenários futuros sobre os rumos da cidade. REAL TIME ROME WIKICITY Já a Real Time Rome é uma experiência criada pelo MIT SENSEable City Lab, em parceria com a Telecom Italia, e apresentada em forma de um software de implementação na Bienal de Veneza no ano de 2006. Através dela, procurou-se entender a dinâmica de Roma em tempo real, a partir de dados agregados de celulares, ônibus e táxis em Roma fornecidos pelos parceiros do projeto, em geral provenientes da iniciativa privada. A partir desses dados coletados, o laboratório criou um software para agregação, processamento e visualização dos mesmos. Além disso, outras cidades como Copenhague e Amsterdam têm participado do projeto do MIT Senseable City. Conforme descrição do projeto, a Real Time Rome objetivou mostrar como a tecnologia pode tornar indivíduos mais informados sobre o desenvolvimento urbano e como ela pode reduzir 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil ESPINDULA, Brenda. 312 ineficiências com vistas a um futuro urbano sustentável. A proposta dessa wikicidade centra-se na ideia de como uma cidade pode ser efetivamente modelada e controlada em tempo real como um “Cyber Physical System”. Os criadores afirmam que nas últimas décadas os sistemas de controle em tempo real têm sido desenvolvido para aplicações na engenharia e que eles têm aumentado a eficiência dos sistemas, através da economia de energia, regulação da dinâmica, entre outros aspectos. As características que compõem um sistema desse tipo são: 1) é uma entidade a ser controlada em um ambiente caracterizado pela incerteza; 2) têm sensores capazes de adquirir informações sobre o estado da entidade em tempo real; 3) desenvolve uma inteligência capaz de avaliar o desempenho do sistema contra os resultados desejados; 4) conta com atuadores físicos capazes de atuar sobre o sistema para realizar a estratégia de controle. A proposta do projeto é que a cidade funcione como um sistema de controle em tempo. Assim, o controle em um ambiente cheio de incerteza e mesmo a aquisição de informação em tempo real, a partir de sensores não seriam problemas, já que se partiria de telefones celulares e aparelhos de GPS para coletar os padrões de movimento de pessoas e sistemas de transporte, entre outros mecanismos. Entretanto, os criadores do projeto problematizam como a cidade poderia ser acionada, através de atuadores. Nesse sentido, por mais que a cidade contenha semáforos e outros equipamentos de sinalização que tenham a condição de atuadores, a proposta é de que os próprios habitantes da cidade sejam atuadores. Assim, o objetivo da Wiki City Rome é o desenvolvimento de plataformas e aplicativos em que os dados coletados e processados sejam apresentados, tornando-se acessíveis aos usuários por dispositivos móveis, interfaces web e mesmo objetos com interfaces físicas, para que os próprios habitantes sejam atuadores distribuídos e que sejam eles mesmos atores para melhorar a eficiência do espaço urbano. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DE WIKICIDADES Na experiência da Portoalegre.cc, sob a forma de causas compartilhadas (comentários, opiniões, descrição de lugares, reclamações e sugestões), as marcações geográficas ou geotags registradas na wikicidade, para além de uma constatação da realidade imediata, evocam um desejo de cidade. Isto pode ser considerado pelo fato de que essas representações, sob forma de conteúdo digital, restituem as práticas espaciais na cidade dos usuários da plataforma Portoalegre.cc e sinalizam quais mudanças ou continuidades gostariam de ver materializadas no ponto da causa. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil ESPINDULA, Brenda. 313 Já a experiência da wikicidade Real Time Rome, ao ser caracterizada como um Cyber Physical System, dialoga com a ideia de as cidades contemporâneas são a conjunção entre bits e átomos e que o desenvolvimento urbano passa cada vez mais pela subsunção das funções mentais aos computadores. Assim, a expansão de sensores e de dispositivos eletrônicos móveis permite que, através de interfaces digitais, os habitantes e suas práticas na cidade sejam absorvidas no monitoramento e no controle em tempo real com vistas à gestão do espaço urbano. Se posicionarmos analiticamente as experiências a partir das duas concepções de interface entre as tecnologias digitais com o espaço urbano, apresentadas no início do artigo, pode-se verificar que a experiência da wikicidade Portoalegre.cc orienta-se pela perspectiva de que a ação dos usuários da plataforma, ao compartilharem causas para determinados lugares da cidade “física”, pode gerar efeitos para a convivência comunitária e para o fortalecimento de práticas de participação cidadã, já que a plataforma seria instrumento para garantir essas repercussões. É uma aposta nos efeitos sociais do ciberespaço para a mudança do espaço “físico” e para a sociabilidade dos indivíduos nas cidades, sendo que a dinâmica específica de um poderia transformar o outro, colocando-se de certa maneira na confiança de uma tecno-utopia. Já o caráter da Real Time Rome pode ser aproximado da ideia de “espaço urbano ampliado”, pois as informações que alimentam as tecnologias digitais são objetivamente coletadas a partir de sensores, como celulares, GPS, etc. Assim, a dinâmica do espaço físico e do movimento/condição dos habitantes é o que conforma a dinâmica da tecnologia digital, sendo que o limite e a potencialidade de um caracterizaria o outro. Desta maneira, pode-se concluir que o tipo da informação e a forma da colaboração são aspectos fundamentais para a análise do caráter das tecnologias digitais colaborativas. REFERÊNCIAS Aurigi, A., & de Cindio, F. (Orgs). (2008). Augmented Urban Spaces: Articulating the Physical and Electronic City. Hamphire: Ashgate Publishing. Aurigi, A. (2005). Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space. Hampshire: Ashgate Publishing. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil ESPINDULA, Brenda. 314 Castells, M. (1995). La ciudad informacional: tecnologías de la información, reestructuració económica y el processo urbano-regional. Madrid: Alianza Editorial. Lemos, A. (2008). Mídia locativa e territórios informacionais. In Santaella, L., & Arantes, P. (Orgs.). Estéticas tecnológicas: novos modos de sentir. São Paulo: Educ. Lévy, P. (1999). Cibercultura. São Paulo: Ed. 34. Turner, F. (2006). How digital media found utopian ideology: lessons from first Hackers' Conference, In Silver, D., & Massanari, A. (Orgs). Critical Cyberculture Studies: Current Terrains, Future Directions. New York: University Press. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil