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Cosmopolitan abril 2014
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É um distúrbio alimentar ainda desconhecido, mas que
pode trazer graves problemas à saúde física e mental.
Aprende a identificar os sintomas do binge eating e sabe
como combater a doença
Por Catarina Cruz
“Não me lembro de
alguma vez me ter sentido
bem com o meu corpo. Quando era
pequena, a minha avó tinha uma gaveta
com doces. Era o ‘cofre secreto’, onde
podia ir sempre que achasse que me
tinha portado bem. O facto de ter
passado tanto tempo com ela fez com
que ganhasse hábitos alimentares pouco
saudáveis. Entre batatas fritas, hambúrgueres e doces, fui crescendo gordinha,
mas bonitinha. Felizmente, nunca fui
gozada por nenhum colega e tinha
muitos amigos. Com 18 anos, entrei
para a faculdade e fui viver sozinha.
Não tinha horários regrados e a cozinha
estava por minha conta. Engordei 10kg
nos três primeiros meses. Durante a
manhã estava na faculdade e o resto
do dia era passado a comer e a chorar.
Foi então que começaram os primeiros
episódios de ingestão compulsiva. No
espaço de uma hora era capaz de comer
uma caixa de cereais com leite, um
pacote de bolachas, bolos e gomas.
Estava constantemente a petiscar
durante a tarde e quando dava conta,
tudo tinha desaparecido. Olhava para
as embalagens vazias e assustava-me.
Deitava o lixo fora rapidamente, porque
não queria deixar ‘provas do crime’.
À frente das outras pessoas comia
pouco, porque realmente às refeições
sempre tive pouco apetite. Usava a
roupa para disfarçar as gordurinhas
extra e recusava vários convites para
programas por vergonha de me expor.
Conclusão: sentia-me triste e
culpada pelas justificações inventadas, o que me levava a comer mais,
para depois me sentir ainda pior.
Perdi alguns amigos que se
cansaram das desculpas esfarrapadas. Não sabia que nome dar ao
que me estava a acontecer. Achava
Comecei a
identificar-me
com um viciado,
mas em vez de
drogas ou álcool,
eu era viciada
em açúcar
simplesmente que era gulosa e fraca,
mas sentia que era algo mais forte
do que eu. Comecei a identificar-me
com um viciado, mas em vez de drogas
ou álcool, eu era viciada em açúcar.
Cheguei a ir à estação de serviço mais
próxima à 1h da manhã, para comprar
chocolates e bolachas. Por vezes, ia a
três pastelarias diferentes para comer
um bolo, para não passar vergonha de
comer três numa só. Cheguei a simular
telefonemas a perguntar quantos bolos
queriam que levasse para o lanche, mas
na verdade era tudo para mim. Toda
aquela comida era a minha fiel companheira, mas o conforto que me dava
e a companhia que me fazia saíam-me
caros. A angústia era imensa e assim que
comia mais um doce tudo melhorava.
Era como se ficasse anestesiada e a
pairar sobre mim mesma. Quando
passava o efeito, a culpa e o mal-estar
eram tão grandes que me levavam
a mais uma dose de doce anestesia.
Com 20 anos, iniciei uma psicoterapia
que durou dois anos. Nunca falámos
diretamente sobre os problemas com
a comida, mas trabalhámos a minha
segurança, a relação com o corpo, a
capacidade de dizer ‘não’ e a relação com
a família. Aos 21 ou 22 anos, desabafei,
pela primeira vez, com uma amiga.
Nessa altura comecei a namorar e isso
também ajudou a sentir-me mais segura.
Hoje, com 32 anos, tenho um peso
normal e cuido da minha alimentação.
Se já fiz as pazes com o espelho? Tem
dias... Se tenho uma relação totalmente
saudável com a comida? Não. Em
momentos de maior stress e ansiedade
surgem sempre os doces como escape.
Tenho procurado conhecer-me mais
e ser a minha melhor amiga. No ano
passado integrei um grupo terapêutico
de comportamento alimentar na
Oficina de Psicologia e foi muito
útil. Esclareceram-me sobre algumas
questões que ainda não estavam claras
e percebi que regular e aceitar as
minhas emoções é essencial. Foi
especialmente inspirador ver diferentes
pessoas na mesma sala, com ideias
e pesos distintos, mas com o mesmo
problema: a comida. Desabafar com
o meu companheiro é fundamental;
recorrer a amigas que sabem do
problema também é importante.
Se eu consegui, qualquer pessoa
consegue! É um desafio e a cada etapa
existem novos obstáculos e tentações,
mas estou decidida a ultrapassá-los
e a ser feliz nesta jornada.”
“Andreia”, 32 anos
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e mostrem uma preocupação extrema com o
corpo e a condição física. Cerca de 78,9 por
cento dos binge eaters têm outro diagnóstico
associado ao transtorno alimentar, como
depressão, transtorno bipolar ou de ansiedade.
Quem sofre de ataques de pânico tem mais
tendência para desenvolver binge eating,
como forma de aliviar a ansiedade. “A
dificuldade em identificar e gerir emoções
e em lidar com alterações de humor, uma
baixa tolerância ao desconforto e frustração, e
Carateriza-se por ser um
uma alimentação rica em açúcares e gorduras,
distúrbio alimentar em que
que provoca uma maior instabilidade dos
são consumidas quantidades excessivas
níveis de açúcar no sangue” são os fatores que
de alimentos, seguindo-se uma sensação
podem conduzir a este distúrbio alimentar.
de perda de controlo sobre a quantidade
Podem não existir sintomas físicos ou sinais
ingerida. É um comportamento que se
óbvios, e os binge eaters tanto podem sofrer
repete várias vezes durante o dia e, em
de excesso de peso e obesidade, como podem
alguns casos, em segredo. Para que
ter um peso considerado normal. Existe
ninguém se aperceba, os binge eaters
igualmente a possibilidade de perda e ganho
têm o hábito de esconder alimentos,
de peso, de forma repetida. Este
que são consumidos mais tarde,
transtorno de compulsão
durante a noite ou numa
alimentar tem, geralmente,
parte do dia em que se
início no começo da vida
encontrem sozinhos.
adulta. “A idade média
Filipa Jardim da Silva,
cerca de 0,7% a 4% de início são os 25 anos.
psicóloga clínica na
Quando se pesquisa a
da população tem história
Oficina de Psicologia,
de vida da pessoa
um quadro de
explica que “estes
percebe-se que a comida
episódios tendem a ser
binge eating”
ganhou outros significados,
desencadeados devido a
para além do nutricional, ao
alterações de humor, tensões
longo do seu crescimento, ou
emocionais ou problemas diários,
descobrem-se padrões alimentares com
funcionando a ingestão de comida como
alterações (pais excessivamente rigorosos que
um método para regular emoções.” Resistir
proibiam todos os doces, excesso de preocuà tentação é um verdadeiro desafio, pois
pação com o ganho de peso, comida como
é na comida que encontram o conforto
elo de ligação emocional da família, festejos
necessário para lidar com determinadas
e reforços familiares feitos através do uso
situações. Se um binge eater se sente
de comida, entre outros fatores”, esclarece
desconfortável em relação à sua aparência
Filipa Jardim da Silva.
física, irá refugiar-se na comida. É um ciclo
vicioso: comem para se sentir melhor, mas
sentem-se ainda pior por terem cedido à
tentação, e voltam a procurar novamente
a comida como um escape. Um episódio
os critérios diagnósticos,
Avaliar
de binge eating pode durar “cerca de duas
a psicoterapia assume-se
eficazmente
horas, mas podemos observar ingestão de
como a intervenção mais
o quadro clínico do
comida durante todo o dia (um petiscar
eficaz, com vista a
paciente é o primeiro
constante). Uma pessoa com compulsão
adquirir-se estratégias
passo para que o
alimentar tende a comer mesmo quando não
de regulação emocional
tratamento seja eficaz.
tem fome física ou até depois de estar cheia”,
e uma maior tolerância
“Tratando-se de um
ao desconforto e à
avança a especialista. Na maior parte dos
quadro de binge eating
frustração, bem como
casos, esta compulsão alimentar é acompaou de uma situação com
potenciar a autoestima e
nhada por sentimentos de angústia, revolta,
comportamentos típicos
relação com o corpo com
de binge eating, ainda
vergonha, culpa e solidão. É também
o objetivo de se alterar o
que sem cumprir todos
frequente que os binge eaters tenham baixa
O que é o
binge eating?
“em
portugal
Tratamentos indicados
comportamento alimentar”, diz a especialista.
Um acompanhamento
nutricional é também
uma mais-valia, de forma
a controlar a alimentação, enquanto o acompanhamento psiquiátrico
pode revelar-se essencial
em pacientes com
estados depressivos
ou ansiosos graves.
autoestima, atravessem estados depressivos
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Sintomas
de binge eating
Alimentação compulsiva
(incapacidade de parar de comer
ou de controlar o que se come).
Rápida ingestão de grandes
quantidades de comida.
Comer de forma exagerada às escondidas dos outros e sem sentir fome.
Esconder comida para comer mais
tarde.
Refeições sem horário e desregradas.
2
Consequências
físicas
Excesso de peso/obesidade
ou alterações constantes de peso
(efeito iô-iô).
Sentimentos de culpa e angústia.
Colesterol e pressão arterial
elevados.
Problemas respiratórios, renais,
ósseos e de pele.
Menstruação irregular.
Estratégias
para vencer
a doença
Faz uma autoanálise e tenta
perceber o funcionamento do padrão
alimentar, para o conseguires quebrar.
Comes de quantas em quantas horas?
Em que momentos do dia sentes mais
vontade do que necessidade de comer?
Utiliza uma escala de fome (de 0
a 10) para detetar a fome emocional.
Deverás preencher esta escala sempre que
sentires apetite, para que possas fazer uma
escolha mais consciente do que vais
consumir e da quantidade que vais ingerir.
Evita tentações alimentares.
É importante pensar que um ataque
de gula não passa de um pensamento
intenso: “Eu sou muito mais do que um
pensamento, por mais forte que ele seja”
Combate os pensamentos relacionados com comida, praticando atividades.
Come sentada, mastiga devagar
e estimula todos os sentidos (saborear,
olhar, cheirar e tocar).
Estabelece um esquema de refeições
para que não estejas muito tempo sem
comer, evitando a fome descontrolada.
Tem sempre contigo snacks ligeiros
e saudáveis, como alguns frutos secos.
Procura ajuda junto de especialistas.
Elabora um diário alimentar.
Conselhos
da especialista
É importante saber como agir
se nos depararmos com uma
situação de binge eating. Reconheces os
sintomas em ti ou numa amiga? Segue
3Consequências
psicológicas
Sensação de perda de controlo.
Desânimo, frustração, desespero.
Isolamento social, vergonha
dos outros.
Baixa autoestima, mal-estar.
Inatividade.
Culpa, autocrítica.
4
Prepara-te
para a consulta
Escreve os sintomas que tens tido.
Escreve informação pessoal que
aches relevante.
Anota o nome dos medicamentos
que estás a tomar.
Escreve as perguntas que queres
colocar.
Pede a um familiar ou amiga que
te acompanhem, para que te sintas
confortável e segura.
os conselhos da psicóloga Filipa Jardim
da Silva e age de forma sensata. “Não
utilizes a comida como estratégia
de conforto. Muitas vezes, quando
pensamos em diversão, relaxamento
e convívio, pensamos automaticamente
em restaurantes. Em vez de convidarmos uma amiga para almoçar ou jantar
fora, podemos convidá-la para passear
à beira mar ou para um passeio de
bicicleta. Por outro lado, quando vemos
uma amiga a oscilar de peso constantemente ou a aumentar progressivamente,
podemos abordá-la e procurar
compreender o que se está a passar.
É importante não fazer de conta
que não vemos nada ou nos perdermos
nos clichés de ‘Gosto de ti com 50
ou 100kg’ ou ‘Os outros têm de gostar
de ti pelo que és e não por aquilo que
aparentas’. Ninguém que não se sinta
bem com a sua imagem está bem.
Também ajuda se, entre amigos, se falar
mais sobre o que sentimos e menos
sobre factos”, diz a especialista. 
Fotos: Gustavo arrais; fotolia
1Sinais
Se tens uma história de vida que queiras partilhar connosco, escreve-nos para [email protected]
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