LeituraS
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Jabuti sabe ler e
precisa escrever
O estado de estar em permanente aprendizagem
possibilita o enriquecimento do ensinar
Jabuti sabe ler,
não sabe escrever,
trepa no pau e não sabe descer
ler, ler, ler e escrever...
(quadrinha popular)
Por Francisco Gregório Filho*
Ouvia minha avó cantar muito
essa quadrinha, esse pensamento
popular que nos fala sobre nos
tornarmos leitores e escritores
de nossas histórias. E cá estou,
também a escrever.
Minha mãe era professora. Aposentou-se lecionando em escola
pública. Gostava do exercício de
ensinar. Criou sete filhos. Encontrei em suas coisas um caderno
cheio de apontamentos, descrevendo trabalhos que realizou em
sala de aula. Esse caderno me estimulou a responder a uma amiga
professora que me escreveu carta
cheia de questões sobre o ofício de
ensinar. Reproduzo aqui minha
resposta dirigida a ela, professora
também guerreira, que com seu
jeito de olhar o mundo, lembra
muito minha mãe.
“Querida Dolores,
Fiquei alegre com sua carta. Uma
boniteza só. Você é uma boa notícia. Suas histórias de mulher
trabalhadora, mãe, educadora e
leitora são exemplares. Lendo-as,
uma imensa ternura ocupa meu
coração e me anima o desejo de
pertencer a essa porção da nação
que se preocupa com a vontade
do povo de exercer sua condição
de leitor cidadão. Por um instante aquietei-me. Uma lembrança
guardada acordou-me: Minha
mãe, professora, num certo horário do dia, em geral à tardinha, recolhia-se num canto da sala para
preparar suas aulas. Precisava do
silêncio. Minha mãe-professora
permanecia uma, duas, até três
horas em sua mesinha, envolvida nesses planejamentos. Nós
procurávamos não interromper.
Sabíamos da importância daquele
momento para a harmonia da
casa e de suas obrigações de mãe
e professora.
Minha mãe gostava de contar lendas para nós e também para seus
alunos. Trazia notícias de um Brasil
cultural por meio dessas histórias
dos povos da floresta, do cerrado,
das montanhas, e das praias do litoral. Contava que se inspirava em
práticas educativas adquiridas na
convivência com alguns mestres e
em leituras. Lembro dela sempre se
referir a nomes como Cecília Meireles, Villa-lobos, Câmara Cascudo,
Paulo Freire, entre outros.
Sabíamos depois, por seus comentários em casa, das histórias,
das brincadeiras e também das
cantigas desenvolvidas com as
crianças da escola. Resultado
dos planejamentos. Constantemente a questão da leitura era
explicitada por ela. Trazia suas
vivências de leitura em grupo,
das leituras silenciosas, das rodas de leituras, experimentadas
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com alunos e professores. Muitas
vezes a percebia relatando como
conquista essas experiências de
poder se reunir com seus colegas
para leituras sobre diferentes temas. Falava como se fosse uma
grande vitória.
Pensando sobre aqueles tempos,
devia ser mesmo. Fico me perguntando se hoje é possível para
os professores empreenderem
uma ação assim. Reunir-se com
regularidade para leitura de poemas, fábulas, contos e mitos?
Será possível ainda hoje testemunhar em escolas brasileiras
essas cenas? Educadores reunidos
comentando suas leituras, será
possível? Em que tempo? Professores dedicando uma parte de
sua carga horária para leituras
e a intimidade com a literatura?
Luiz Dantas
Preciso confirmar essa cena com
meus próprios olhos.
Você, Dolores, é uma presença
inquieta, indignada, amorosa e
inventiva que meu coração deseja e precisa sempre acolher com
amizade.
No meu imaginário, Dolores,
vejo você também como uma
professora que sempre planeja
suas aulas, temperando-as com
histórias, brincadeiras e cantigas.
Você, também professora-mãe,
aprendente. Com seus momentos
de recolhimento para a conquista
do silêncio interior tão necessário
para repor energias e para a convivência criadora com as crianças
em casa e na escola. Esse estado de
estar em permanente aprendizagem possibilita o enriquecimento
do ensinar: um gesto, uma escuta. Uma cantiga, um abraço,
um compartilhar o olhar, uma
oração, uma leitura em voz alta,
umas reflexões com o outro, uma
notícia boa, uma escrita, uma
brincadeira, uma dança, um silêncio, uma expressão, uma crônica,
uma poesia...
Faz-se necessário muito esforço.
Agindo, reagindo e interagindo
como ser integrante da natureza
e como ser que quer se integrar
às culturas. Produtor crítico e
inventivo de leitura.
Meu abraço,
Gregório”
*Contador de Histórias e Escritor.
Titular da Política Cultural do Acre em
2004 e 2005.
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