LeituraS 32 Jabuti sabe ler e precisa escrever O estado de estar em permanente aprendizagem possibilita o enriquecimento do ensinar Jabuti sabe ler, não sabe escrever, trepa no pau e não sabe descer ler, ler, ler e escrever... (quadrinha popular) Por Francisco Gregório Filho* Ouvia minha avó cantar muito essa quadrinha, esse pensamento popular que nos fala sobre nos tornarmos leitores e escritores de nossas histórias. E cá estou, também a escrever. Minha mãe era professora. Aposentou-se lecionando em escola pública. Gostava do exercício de ensinar. Criou sete filhos. Encontrei em suas coisas um caderno cheio de apontamentos, descrevendo trabalhos que realizou em sala de aula. Esse caderno me estimulou a responder a uma amiga professora que me escreveu carta cheia de questões sobre o ofício de ensinar. Reproduzo aqui minha resposta dirigida a ela, professora também guerreira, que com seu jeito de olhar o mundo, lembra muito minha mãe. “Querida Dolores, Fiquei alegre com sua carta. Uma boniteza só. Você é uma boa notícia. Suas histórias de mulher trabalhadora, mãe, educadora e leitora são exemplares. Lendo-as, uma imensa ternura ocupa meu coração e me anima o desejo de pertencer a essa porção da nação que se preocupa com a vontade do povo de exercer sua condição de leitor cidadão. Por um instante aquietei-me. Uma lembrança guardada acordou-me: Minha mãe, professora, num certo horário do dia, em geral à tardinha, recolhia-se num canto da sala para preparar suas aulas. Precisava do silêncio. Minha mãe-professora permanecia uma, duas, até três horas em sua mesinha, envolvida nesses planejamentos. Nós procurávamos não interromper. Sabíamos da importância daquele momento para a harmonia da casa e de suas obrigações de mãe e professora. Minha mãe gostava de contar lendas para nós e também para seus alunos. Trazia notícias de um Brasil cultural por meio dessas histórias dos povos da floresta, do cerrado, das montanhas, e das praias do litoral. Contava que se inspirava em práticas educativas adquiridas na convivência com alguns mestres e em leituras. Lembro dela sempre se referir a nomes como Cecília Meireles, Villa-lobos, Câmara Cascudo, Paulo Freire, entre outros. Sabíamos depois, por seus comentários em casa, das histórias, das brincadeiras e também das cantigas desenvolvidas com as crianças da escola. Resultado dos planejamentos. Constantemente a questão da leitura era explicitada por ela. Trazia suas vivências de leitura em grupo, das leituras silenciosas, das rodas de leituras, experimentadas LeituraS 33 com alunos e professores. Muitas vezes a percebia relatando como conquista essas experiências de poder se reunir com seus colegas para leituras sobre diferentes temas. Falava como se fosse uma grande vitória. Pensando sobre aqueles tempos, devia ser mesmo. Fico me perguntando se hoje é possível para os professores empreenderem uma ação assim. Reunir-se com regularidade para leitura de poemas, fábulas, contos e mitos? Será possível ainda hoje testemunhar em escolas brasileiras essas cenas? Educadores reunidos comentando suas leituras, será possível? Em que tempo? Professores dedicando uma parte de sua carga horária para leituras e a intimidade com a literatura? Luiz Dantas Preciso confirmar essa cena com meus próprios olhos. Você, Dolores, é uma presença inquieta, indignada, amorosa e inventiva que meu coração deseja e precisa sempre acolher com amizade. No meu imaginário, Dolores, vejo você também como uma professora que sempre planeja suas aulas, temperando-as com histórias, brincadeiras e cantigas. Você, também professora-mãe, aprendente. Com seus momentos de recolhimento para a conquista do silêncio interior tão necessário para repor energias e para a convivência criadora com as crianças em casa e na escola. Esse estado de estar em permanente aprendizagem possibilita o enriquecimento do ensinar: um gesto, uma escuta. Uma cantiga, um abraço, um compartilhar o olhar, uma oração, uma leitura em voz alta, umas reflexões com o outro, uma notícia boa, uma escrita, uma brincadeira, uma dança, um silêncio, uma expressão, uma crônica, uma poesia... Faz-se necessário muito esforço. Agindo, reagindo e interagindo como ser integrante da natureza e como ser que quer se integrar às culturas. Produtor crítico e inventivo de leitura. Meu abraço, Gregório” *Contador de Histórias e Escritor. Titular da Política Cultural do Acre em 2004 e 2005.