Universidade Federal Fluminense
Centro de Estudos Sociais Aplicados
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Na passarela de uma escola:
a evolução da linguagem escrita ao ritmo da fala e do
corpo
Tânia de Rezende Cozzi
Junho de 2004
Universidade Federal Fluminense
Centro de Estudos Sociais Aplicados
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Na passarela de uma escola:
a evolução da linguagem escrita ao ritmo da fala e do
corpo
Tânia de Rezende Cozzi
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Educação da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora: Prof. Dra. Cecília Goulart
Junho de 2004
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Dedicatória
À Iduina Mont’Alverne Chaves
que não me deixou “ atravessar” o samba.
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AGRADECIMENTOS
À professora Cecília Goulart, por aceitar a orientação deste trabalho e pela
contribuição valiosa.
À professora e aos alunos do CIEP “Sambódromo”, pela participação em minha
pesquisa, especialmente à professora Susana Vianna que abriu alas.
À Helena Amaral da Fontoura, a pessoa certa, no lugar certo, na hora certa. O meu
agradecimento, também, por aceitar fazer parte da Banca Examinadora..
À professora Eda Henriques, pela contribuição no exame de qualificação e por aceitar
fazer parte da Banca Examinadora.
Ao CNPq, pelo suporte necessário ao meu trabalho.
À equipe da Secretaria da Pós-Graduação, pelo atendimento sempre atencioso.
Aos colegas dos grupos de pesquisa e de orientação, que me apoiaram na travessia.
À Maria Elena Venero Ugarte, pelo diálogo constante e pela ajuda relevante.
À minha prima Fernanda Nunes, pela presença amiga, pela leitura atenta e pelas
contribuições primorosas.
À Helena Chompré, amiga de velhos carnavais, pela escuta sempre alerta e por
compartilhar conhecimentos.
Às minha amigas que olharam, com carinho, a evolução da coreografia deste trabalho:
Sylvinha, Betty, Cristina, Helena, Vivian, Marisa, Therezinha, Nely, Tereza Agrello.
Às minhas irmãs, pelo apoio e solidariedade.
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{ EMBED MSPhotoEd.3 }
Redescobrir
Gonzaguinha
Como se fôra brincadeira de roda, memória
Jogo do trabalho na dança das mãos, vazias
O suor dos corpos na canção da vida, história
O suor da vida no calor de irmãos, magia
Como um animal que sabe da floresta, memória
Redescobrir o sal que está na própria pele, macia
Redescobrir o doce no lamber das línguas, macias
Redescobrir o gosto e o sabor da festa, magia
Vão o bicho homem fruto da semente, memória
Renascer da própria força, própria luz e fé, memória
Entender que tudo é nosso, sempre esteve em nós, história
Somos a semente, ato, mente e voz, magia
Não tenha medo, meu menino bobo, memória
Tudo principia na própria pessoa, beleza
Vai como a criança que não teme o tempo, mistério
Amor se fazer é tão prazer que é como fosse dor, magia
Como se fôra brincadeira de roda, memória
Jogo do trabalho na dança das mãos, vazias
O suor dos corpos na canção da vida, história
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar aspectos da relação entre a oralidade, a
psicomotricidade e o letramento, a partir do estudo da produção textual de quatro crianças de
classes populares do CIEP “Sambódromo”, no Rio de Janeiro, com as quais trabalhei, durante
um período letivo, explorando atividades psicomotoras e lúdicas que, através do corpo,
estimulassem o desenvolvimento da oralidade, buscando atingir, assim, a escrita. As crianças
faziam parte da chamada Turma de Aceleração, turma de crianças que apresentava defasagem
idade/série. Busquei subsídios nos teóricos que apontam as experiências com o próprio corpo
como fonte de aprendizagem, como Aucouturier, Lapierre, Le Boulch, e nos que, como
Vygotsky e Bakhtin, mostram a importância da interação verbal, realizada através das
enunciações, que constitui a realidade fundamental da língua. Realizei as seguintes atividades
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para a coleta de dados: observação das crianças durante atividades propostas pela
pesquisadora, tanto em relação à participação quanto em relação à expressão oral; propostas
de produção textual escrita pelos sujeitos da pesquisa; e os registros feitos no diário de
trábalo. Dentro de uma abordagem longitudinal, analisei 19 textos escritos, produzidos pelas
quatro crianças. Para tal, a partir de Geraldi (2000:193), cheguei a três eixos para a análise dos
dados, a saber: (i) problemas de ordem estrutural; (ii) problemas de ordem morfossintática; e
(iii) problemas de ordem fonológico/ortográfica, que são desdobrados em parâmetros
analíticos. Os resultados da análise sugerem, do ponto de vista evolutivo, as seguintes
conclusões: (i) as práticas corporais e a expressão oral relacionadas ao vivido/sentido,
contribuíram para a ampliação dos recursos expressivos nos textos das crianças; (ii) a
produção textual das crianças, foi se tornando pouco a pouco mais estruturada e coesa por
meio dos processos de construção e flexão dos itens lexicais, bem como do alargamento do
conhecimento sobre a organização espacial dos textos e das ilustrações dos mesmos no papel.
ABSTRACT
The present work has for objective to analyze aspects of the relation between the orality and
the literacy, leaving of the psychocomotricityin the perspective of literal and discourse
questions. The theoretical referencial had the support in authors who speak of the body as
mediating of the action, of the orality, practical social inherent to the human being, and of the
literacy, used to characterize the person who, besides knowing to read and to write makes
social use of the reading and the writing. It is a study of qualitative and participative nature
with four children, of the call Group of Acceleration of the CIEP Sambódromo, situated in
the center of the City of Rio De Janeiro, on the basis of the literal production writing of the
same ones, searching to investigate aspects of the speech that can be related to the work of
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stimulation of the carried through verbal expression with the children. The analysis of the
data follows Geraldi’s orientation/classification. Inside of a longitudinal boarding, 19 texts
produced for four children of the group had been analyzed, who had been followed in
elapsing of the school year. The results of the analyses suggest, of the evolved point of view,
the following conclusions: (i) the children, from the corporal practices and of the verbal
expression of that she was lived/feeled, had been organizing themselves internally as well as
in space and temporal ways; (ii) this if reflected in the literal production, little by little more
structuralized and coherent; (iii) the lexical processes of construction and flexion of lexical
items had been evident; (IV) the orthography conventions and other expressions resources
had been being used. The performance of the group revealed dynamic and changeable, of
child for child, at diverse moments and situations.
It was important to observe the
development of the children, its level of auto-esteem, the process of socialization and
construction of the knowledge, the language, the psychomotor aspect, at last all these factors
interacting and that they are responsible for the productions of the children.
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 A Harmonia: a Relação entre Psicomotricidade, Oralidade e
Letramento.
1.1 Movimentos discursivos e movimentos psicomotores: o ponto
de partida
1.2 Oralidade.
1.3 Letramento.
CAPÍTULO 2 O Cenário da Pesquisa: a passarela/ o chão da escola
CAPÍTULO 3 A Coreografia da Pesquisa: passos, ritmos, adereços, fantasias-os atores do enredo.
3.1 As atividades desenvolvidas com as crianças.
3.2 Os destaques - as crianças da sala X:
3.2.1
3.2.2
3.2.3
3.2.4
João
José
Pedro
Paulo
CAPÍTULO 4 Apoteose: o final da encenação
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INTRODUÇÃO
“A linguagem é o corpo do
pensamento.”
Merleau– Ponty
Aristóteles afirma que o homem é um animal político, isto é, social e cívico, porque
somente ele é dotado de linguagem. Os outros animais possuem voz, mas só o homem
possui a palavra e, por meio dela, exprime valores e juízos, o que torna possível a vida social
e política. (Chauí, 2000:136).
Durante muito tempo a filosofia preocupou-se em definir a origem e as causas da
linguagem. Imitação de gestos ou onomatopéias, expressão das necessidades e das emoções,
são respostas a essas questões. A linguagem é, assim, a forma propriamente humana da
comunicação, da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do
pensamento e das artes.
A linguagem como capacidade de expressão nos humaniza, é natural, uma vez que
nascemos com toda uma aparelhagem que nos permite a expressão pela palavra. As línguas,
porém, são convencionais, são fatos culturais, que têm uma estrutura interna, regida por
regras e princípios próprios. A fala, ou palavra, é o ato individual de uso da língua, tendo
existência subjetiva por ser o modo como os sujeitos falantes se apropriam da língua e a
empregam. Uma língua é algo social, histórico, determinado por condições específicas de
uma sociedade e de uma cultura. (Chauí, 2000:140).
Os povos primitivos, ou quaisquer agrupamentos humanos alheios ainda às
disciplinas de ler e escrever, não deixam de compor seus cânticos, suas lendas, suas histórias
e expressam sua experiência e sua moral com provérbios, adivinhações, transmitidos dos
tempos mais remotos, de memória em memória, de boca em boca.
O ofício de contar história também é antigo, os profetas já o mencionavam. Por ele se
perpetua a literatura oral comunicando de indivíduo a indivíduo, de povo a povo, o que os
homens, através das idades, têm selecionado da sua experiência como o indispensável à vida.
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Esses narradores anônimos salvaram do esquecimento uma boa parte da educação da
humanidade. Como vemos, sempre foi, e é, relevante a importância dada à expressão oral.
Eu também sou uma contadora de histórias e até fiz disto um ofício. Sempre vivi em
um meio dominado pela linguagem. Meu pai, radialista e jornalista de grande expressão,
tinha na fala e na linguagem seus instrumentos de trabalho. O oral e o escrito eram, assim,
presenças constantes no nosso dia-a-dia. A correção e o domínio ao usar a língua, o
vocabulário vasto, erudito, fizeram com que fosse chamado de “o professor” pelos
profissionais da sua época, designação usada até hoje pelos meios de comunicação quando se
referem a ele . Ele também era um grande contador de histórias. Lembro-me das cartas que
nos mandava contando das viagens que fazia a trabalho – e foram tantas, ele visitou quase
que o mundo todo! Nós viajávamos junto, tal a riqueza das suas descrições, da análise dos
povos e de seus costumes, da beleza dos museus, dos monumentos, tudo tão bem descrito
que me foi fácil, anos depois, ao viajar por alguns desses países, reconhecer tudo aquilo que
eu já conhecia pela leitura das suas cartas. Quando ele voltava dessas viagens, a cena sempre
se repetia: todos nós, e mais os amigos, sentados ao seu redor, ouvindo-o contar mais
histórias. Ele nos encantava com a sua fluência!
Foi “natural” que eu me formasse professora. Trabalhei onze anos em escolas
particulares, com turmas de 2ª , 3ª e 4ª séries. Para esta última eu dava as aulas de português
e história. Hoje eu vejo que o que a princípio parecia natural foi sendo construído na minha
história, na relação com o outro, na experiência da narrativa. Fui uma professora
entusiasmada pela arte de ensinar. Gostava de encenar peças de teatro com os meus alunos,
usar letras de músicas, textos de jornais, histórias, piadas, para explorar a linguagem ,
enfatizar a expressão oral, a narrativa, o diálogo e fazer com que eles observassem as regras
que regem a nossa gramática.
Fui observando que algumas crianças apresentavam dificuldades relacionadas à
leitura e à escrita – não entendiam o texto lido, trocavam / omitiam / invertiam letras ou
sílabas, alterações estas que me levaram a procurar a faculdade de fonoaudiologia.
Minha formação teve, também, forte influência da área psicomotora – a evolução da
linguagem é paralela ao desenvolvimento psicomotor e este presta-lhe uma ajuda
considerável. Trabalhando nestas duas áreas fui fazendo minha trajetória profissional e prezo
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minha experiência clínica, espaço para o desenvolvimento/aperfeiçoamento da linguagem,
entre outras áreas, e que me traz grande realização profissional.
Meu interesse pela linguagem, a sua relação com a psicomotricidade, continuou a
orientar meus estudos e trabalhos na área, incentivando a minha participação em congressos,
seminários, e na produção de artigos. Sou especialista em Linguagem e em Motricidade Oral,
títulos concedidos pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia.
Isto me levou a uma outra atividade, pela qual tenho muito apreço e que me traz
grande prazer. Sabedora desse meu envolvimento com questões de linguagem, uma amiga,
recém-chegada da Inglaterra, me procurou para saber que livro dar a sua filha, que estava se
alfabetizando, para que ela pudesse ler sozinha, pois era este o desejo da criança. Como não
havia no mercado nada no gênero, perguntou-me como eu resolvia esta questão com as
crianças que eu atendia. Respondi que eu escrevia pequenos textos para que elas não só
pudessem ler, mas também interagir com a história, representando, desenhando, contando
com outras palavras, ou seja, mais uma vez, e sempre, unindo os campos do corporal e das
expressões oral e escrita. O convite para escrevermos um livro destinado a leitores iniciantes,
usando esta proposta, foi o mote que faltava para me dedicar a uma tarefa tão conhecida e
ainda tão pouco explorada. E o que, naquele momento me pareceu uma idéia engraçada, um
sonho distante, se concretizou nos livros da Coleção Beto e Bia, já na sua 7ª edição, e que
nos fez ficar um ano na lista dos cinco livros infantis mais vendidos na nossa cidade.
Continuamos juntas no mundo da escrita, formamos um trio e, posteriormente, um quarteto
que continua a trabalhar em outras produções literárias, inclusive tendo uma delas sido
indicada para o Prêmio Jabuti.
Os temas abordados nas histórias que escrevemos são retirados do cotidiano das
crianças, partindo das relações familiares e do entorno, depois as escolares, até chegar a um
universo mais amplo, representado pela vida em comunidade. As crianças se identificam com
as situações, que são as do seu dia-a-dia, criando um vínculo de prazer, o que explica a bem
sucedida carreira de nossos livros.
A leitura das imagens, os recursos expressivos do desenho, da pintura, da modelagem,
dos movimentos corporais foram aprendizados, que se refletiram nos meus escritos, numa
íntima relação com o respeito que tenho pelo leitor, especialmente pela criança que está
entrando no mundo da leitura e da escrita. Ela precisa da diversidade de linguagens com as
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quais o ser humano pode expressar suas idéias e suas emoções. Isto foi determinante na
escolha dos ilustradores de nossos livros, que fizeram um trabalho muito bonito, entendendo
perfeitamente qual a nossa proposta.
A conversa com as crianças, nas nossas idas às escolas para participar das chamadas
“entrevistas com um autor”, mostraram a importância de um contato direto com os elementos
das histórias para que elas pudessem manipulá-los, reproduzir / mudar falas, assumir papéis,
discutir e refletir sobre os temas, criar novos finais, incentivando a interação das crianças,
tornando, assim, a situação mais dinâmica. Uma atividade que me encanta e, ao mesmo
tempo, que me ensina, um espaço de aprendizagem mútua.
A oralidade então, como já exposto, sempre ocupou um papel importante no meu
trabalho, sendo determinante para o estudo que ora desenvolvo, como passo a expor em
seguida.
A trajetória profissional, como fonoaudióloga, psicomotricista, especialista em
linguagem, me levou a estar sempre atenta a questões que envolvessem linguagem, de um
modo geral e, especialmente, a leitura e a escrita.
Minha formação sofreu forte influência das profissionais Regina Morizot, com quem
trabalhei e aprendi muito, e Beatriz Saboya, ambas fonoaudiólogas, psicomotricistas filiadas
à Sociedade Internacional de Psicomotricidade, e a quem devemos a entrada da
psicomotricidade no Brasil. Com elas aprendi a trabalhar as alterações fonoaudiológicas
ligadas à aprendizagem, seguindo uma direção que passava pelas atividades motoras, pela
verbalização, até chegar à leitura e à escrita. Vi que os gestos, inicialmente só um ato motor,
vão adquirindo uma significação social e se transformando em gestos que comunicam uma
intenção, sendo aí fundamental a função do adulto, já que é na interação com o outro, como
nos diz Bakhtin (1999), que a criança vai constituindo a linguagem e se constituindo.
É importante dizer que as crianças com as quais eu trabalhava, à medida que se
expressavam com maior desembaraço, ao comunicar oralmente suas experiências, seus
desejos, iam também passando de um pensamento contextualizado, e diretamente referente à
experiência vivida, para um outro que opera com categorias abstratas, independente das
vivências pessoais concretas, mostrando uma elaboração cognitiva mais descontextualizada,
e que se refletia nos usos e funções da leitura e da escrita.
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Esta observação se fazia cada vez mais presente nos encontros com as crianças, dando
indícios de que a relação experiência – verbalização – leitura/escrita era constante. Não seria
este, então, um caminho para a formação de leitores e escritores e não apenas alfabetizados
que usam mecanicamente a habilidade de codificação e decodificação dos símbolos gráficos?
Indícios dados pela minha prática clínica e de escola mostram que, como diz
Marcuschi (2000:16 ), podemos conceber oralidade e letramento como atividades interativas
e complementares no contexto das práticas sociais e culturais. Neste movimento interativo,
segundo a perspectiva do meu estudo, a psicomotricidade tem um papel de destaque, pois ela
visa, também, estimular a verbalização do que foi vivido, do que foi percebido, do que foi
sentido. Reconheço ser importante o lidar com as diferenças, valorizando-as, inclusive,
sabendo que elas vão influir na competência para compreender, representar e resolver
questões do cotidiano, definidas em termos de funcionamento pessoal, de desempenho
ocupacional, cívico, comunitário. Reconheço, também, ser através das amplas possibilidades
de experiências e conhecimentos que podem ser trocados, que se vai abrindo espaço para a
construção da capacidade de criticar, de argumentar, de transformar, de atuar no mundo em
que vivemos, inclusive lendo e escrevendo.
Mas uma pergunta eu me fazia: de que forma o trabalho com a psicomotricidade e a
oralidade seriam, de fato, um suporte significativo para o desenvolvimento da escrita? E na
prática escolar? As crianças responderiam também a um trabalho que, partindo do corpo, da
situação vivida, buscasse atingir a linguagem em todas as suas formas?
Neste movimento da minha vida, por volta de 2000, visitei o CIEP Sambódromo, a
convite de uma amiga, professora dessa instituição. Ela conhecia o meu interesse pelas
questões da leitura e da escrita e me convidou para conversar com os alunos de uma turma de
Aceleração1 sobre os livros da Coleção Beto e Bia, de minha co-autoria. A partir deste
encontro com os estudantes, a diretora me abriu as portas da escola para a realização de um
trabalho de leitura e escrita ligado à psicomotricidade. Esta possibilidade me fez refletir mais
e mais sobre questões da leitura e da escrita e me apontou para a necessidade de um
aprofundamento/atualização de estudos nestes campos .
O Mestrado se apresentou como o espaço/tempo para a possibilidade de reflexão e
busca de diálogo com autores que pudessem responder às indagações que se enraizavam na
1
Sobre as características deste tipo de turma, ver capítulo 2.
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minha prática de trabalho.
Estas indagações me levaram a buscar leituras sobre o assunto em Kleiman (2002),
Soares (1999), Oliveira (2002), Marcuschi (2001), Goulart (2003), dentre outros, que
apontam que as práticas de leitura e de escrita inserem o indivíduo na cultura e possibilitam a
sua participação mais ativa neste mundo em constante transformação. Importantes foram as
contribuições de Vygotsky (1988, 1989) e de Mikhail Bakhtin (1999) nesta dissertação de
mestrado, que permitiram uma releitura das interações e das atividades dialógicoconversacionais produzidas por mim – uma fonoaudióloga e psicomotricista – então
carregada de conceitos específicos dessas áreas de atuação, dentro de uma determinada
concepção de conhecimento e da relação ensino-aprendizagem, e os alunos de uma classe de
aceleração de uma escola pública.
As minhas inquietações sobre o individual e o coletivo, o particular e o universal,
foram sendo superadas/compreendidas a partir das leituras de abordagem sócio-histórica,
orientando a qualificação do trabalho realizado. Assim, entender que a fonte dos dados é o
texto / contexto, no qual o acontecimento emerge, focalizando o particular enquanto instância
de uma totalidade social foi um exercício valioso. Como aponta Freitas (2003:27), é
necessário entender os sujeitos envolvidos na investigação para, através deles, compreender
o seu contexto. Da mesma maneira, a atividade do pesquisador está situada neste processo de
transformação e mudança em que se alicerçam as atividades humanas, procurando reconstruir
a história de seu desenvolvimento.
Imbuída destas idéias pude valorizar mais ainda o trabalho dialogado realizado com
as crianças ( ver capítulo 3 ), compreendido não apenas como a relação face a face com elas,
mas, de forma mais ampla, implicando também uma relação do texto com o contexto, uma
relação do individual com o coletivo.
Os estudos sobre a linguagem também redimensionaram a minha prática de trabalho,
voltada cada vez mais para o acesso ao mundo da escrita , isto é, à escrita como prática
social, como um saber, no caso do letramento, que vai muito além do seu aspecto
tecnológico (Goulart, 2003:96).
O objetivo desta pesquisa é analisar aspectos da relação entre a psicomotricidade, a
oralidade e o letramento, na perspectiva de questões discursivas e textuais. Para alcançar tal
objetivo busquei discutir teoricamente esta relação e, empiricamente, analisar o
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desenvolvimento da construção de textos escritos por um grupo de crianças da chamada
Turma de Aceleração do “CIEP Sambódromo”, situado no centro da Cidade do Rio de
Janeiro, com quem desenvolvi um trabalho envolvendo práticas de linguagem e práticas
psicomotoras, conjuntamente.
Para isto, busquei suporte teórico nos autores que falam do corpo como mediador da
ação, da oralidade, prática social característica do ser humano, e do letramento, noção
recentemente trazida ao cenário educacional para definir a pessoa que, além de saber ler e
escrever, faz uso social da leitura e da escrita como descrito no referencial teórico
Este é um estudo de natureza qualitativa e participativa, realizado numa escola
municipal2 da cidade do Rio de Janeiro – o “CIEP Sambódromo”. Embora tenha convivido e
trabalhado com a turma como um todo, a pesquisa envolveu uma relação mais próxima com
um grupo de quatro crianças. A seleção destas crianças atendeu à sugestão da professora da
turma que indicou as quatro crianças mais assíduas, já que na turma em questão havia uma
descontinuidade significativa na freqüência dos alunos à escola.
O estudo baseou-se na produção textual escrita dascrianças, buscando investigar
aspectos do discurso que possam estar relacionados ao trabalho de estimulação da expressão
oral realizado com elas. A análise dos dados segue a orientação/classificação de Geraldi
3
(2000).
Este trabalho está assim constituído: Introdução, que apresenta os aspectos da minha
história acadêmica e profissional, o interesse pelo tema, a problemática do estudo, seu
objetivo; o capítulo 1, “A Harmonia: a relação entre psicomotricidade, oralidade e
letramento’, constitui a base teórica do estudo; o capítulo 2 ,“ A passarela: o chão da escola”,
retrata o ambiente escolar; o capítulo 3, “ A Coreografia da Pesquisa: passos, ritmos,
adereços, fantasias - os atores do enredo”, fala do movimento do processo da pesquisa em si,
e apresenta a evolução das quatro crianças no decorrer do processo da pesquisa; e,
finalmente, o capítulo 4, “A apoteose: o final da encenação” fala do final desta caminhada, as
principais conclusões e considerações sobre a trajetória do estudo, apontando novas
possibilidades para a continuidade da pesquisa.
2
3
A descrição desta escola encontra-se no capítulo 1.
Os procedimentos da análise estão detalhados no capítulo 4.
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CAPÍTULO 1
A
HARMONIA:
A
RELAÇÃO
ENTRE
PSICOMOTRICIDADE,
ORALIDADE E LETRAMENTO.
1.1 Movimentos discursivos e movimentos psicomotores: o ponto de
partida
Apresento duas definições de Psicomotricidade para desenvolver o fundamento do
meu trabalho, quais sejam:.
É uma ciência que tem por objeto o estudo do homem, através do seu corpo em
movimento, nas relações com seu mundo interno e seu mundo externo”. ( Sociedade
Brasileira de Psicomotricidade, Anais do 1º Congresso Brasileiro de
Psicomotricidade, 1982:5).
A Psicomotricidade pode ser definida como o campo transdisciplinar que estuda e
investiga as relações e as influências recíprocas e sistêmicas entre o psiquismo e a
motricidade. Baseada numa visão holística do ser humano, a Psicomotricidade
encara de forma integrada as funções cognitivas, sócio-emocionais, simbólicas,
psicolingüísticas e motoras, promovendo a capacidade de ser e agir num contexto
psicossocial”. ( Sociedade Portuguesa de Psicomotricidade, Anais do 1º Congresso,
1981:7).
A primeira definição está centrada na motricidade do ser humano nas relações com o
mundo. Somos um ser que age, pensa e sente, e que se expressa, também, através de seus
movimentos. Como postula Saboya (1995:21), a Psicomotricidade utiliza o corpo em
movimento (consigo mesmo e na relação com o outro), a representação no objeto e a
palavra na busca de uma harmonia espiralada entre as esferas sensório/motora,
sensível/emocional e pensamento/palavra.
É ainda Saboya (1995:69) quem afirma: “Só faz sentido (na cabeça) o que é sentido
(no corpo)”, ou, em outras palavras, nada existe na mente que não tenha passado antes pelos
sentidos. Este, portanto, é um pressuposto relevante para o trabalho aqui desenvolvido.
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Vemos, hoje, autores (Aucouturier, Lapierre, Le Boulch, Fonseca) se interessando
pelo papel do corpo na relação mente/corpo. O corpo que experiencia, que sente, que pensa,
que percebe, que tem consciência de si mesmo, assim como da presença dos outros. Levin
fala de um ato psicomotor - e não de uma pura ação -, de um ato de linguagem. Este ato
(psicomotor) é humano porque é um ato de palavras, de discurso, de dizeres. (1995:77). É o
mesmo autor, ainda, quem diz que esta linguagem, este diálogo, traçam a condição de todo
ser humano que é a de ser discursivo e simbólico. ( 1995:90).
É com esse corpo que a Psicomotricidade trabalha.
Parto, então, da premissa/entendo que haja uma íntima relação entre a corporeidade,4
a oralidade e a leitura e a escrita, já que é no corpo e com o corpo que tais atividades se
constituem. Paín (1992:22) nos aponta o papel fundamental do corpo enquanto mediador da
aprendizagem:
Consideramos o corpo como mediador da ação e como base do eu (yo)
formal. É em função do corpo que se é harmônico ou rígido, compulsivo ou
abúlico, ágil ou lerdo, bonito ou feio e, com esse corpo se fala, se escreve, se
tece, se dança, resumindo, é com o corpo que se aprende.
Da mesma forma Cunha (1990: 206) adverte que sujeitos com desenvolvimento
psicomotor alto estão mais aptos, ou mais habilitados, para a compreensão de qualquer
sistema de representação, pois, como se sabe, a psicomotricidade e a motricidade intervêm
em todos os níveis de desenvolvimento das funções cognitivas.
Mas nem sempre o corpo teve a importância que hoje sabemos que ele tem. O
percurso histórico deste corpo discursivo e simbólico ( eixo do campo psicomotor ) está
marcado pelas diferentes concepções que o homem foi construindo acerca do corpo ao longo
da história. A história da psicomotricidade é solidária à história do corpo. Ela ocorre e se
desenvolve no momento em que o corpo deixa de ser pura carne para transformar-se num
corpo falado.
4
Corporeidade- é entendida como a área que tem o homem como objeto de estudo, onde o corpo é o centro de
experiências, de sensações e de criações, visando aspectos da globalidade do ser e do seu auto-conhecimento.
(Esteban Levin, 1995:65)
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A palavra corpo provêm, por um lado, do sânscrito garbhas, que significa embrião, e,
por outro, do grego karpós, que quer dizer fruto, semente, envoltura, e, por último, do latim
corpus, que significa tecido de membros, envoltura da alma, embrião do espírito. ( Levin,
1995: 22 ).
Desde os gregos, o corpo aparece como lugar de preocupação humana de diferentes
modos. Platão, por exemplo, afirmava haver uma separação distinta entre corpo e alma,
colocando o corpo apenas como lugar de transição da existência no mundo de uma alma
imortal.
Renè Descartes (1596/1650), filósofo francês, matemático, físico, por sua vez,
também falava da dicotomia entre corpo e alma. Dizia ele: “eu sou uma coisa que pensa, uma
coisa da qual toda a essência decorre de pensar, entretanto, eu possuo um corpo ao qual
estou estreitamento vinculado, mas que é somente uma coisa externa e que não pensa. Por
conseguinte, parece certo que minha alma é inteiramente distinta do meu corpo, mas não
pode existir sem ele”. (Levin, 1995:22).
Este pensamento dualista persistiu até o século XIX, quando, com o desenvolvimento
e as descobertas da neurofisiologia, constata-se que há disfunções graves sem que o cérebro
esteja lesionado ou sem que a lesão esteja localizada claramente. São descobertos distúrbios
da atividade gestual, ou seja, da atividade práxica, sem que anatomicamente estejam
circunscritos a uma área ou parte do sistema nervoso. É, justamente, pela necessidade médica
de encontrar uma área que explique certos fenômenos clínicos que, no ano de 1870, é
utilizada pela primeira vez a palavra psico-motricidade.
Em 1925, Wallon fala da importância do movimento humano para a construção do
psiquismo. A partir de então, inicia-se o interesse da psiquiatria pela psico-motricidade; a
visão dualista dá lugar a uma visão que vê o valor do corpo, relacionando o movimento ao
afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos, principalmente da criança.
Ajuriaguerra é quem, em 1959, aprofunda tais conhecimentos, faz as inter-relações
com os outros campos de conhecimento e , graças a seu trabalho, a palavra psico-motricidade
passa a ser grafada psicomotridade, sem hífen, sem separação, uma só unidade.
Na França, em 1969, o trabalho da Comissão de Renovação Pedagógica para o 1º
grau diz:
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A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base
na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados pré-escolares e
escolares; leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a
situar-se no espaço, a dominar o tempo, a adquirir habilmente a
coordenação de seus gestos e movimentos. (Le Boulch, 2001:24).
Em 7 de agosto de 1969, na França, um decreto ministerial introduz a educação
psicomotora no ensino primário e coloca o horário semanal de seis horas para a sua prática ,
o que é feito ainda hoje.
No Brasil, algumas escolas particulares e públicas, percebendo a importância das
experimentações corporais para o desenvolvimento da criança, já têm em seus quadros um(a)
psicomotricista. É um trabalho que tem por objetivo estimular na criança uma identidade da
sua própria personalidade, assim como meios de comunicação com o outro e com o mundo
que a rodeia. Lemle, no seu livro Guia Teórico do Alfabetizador (1987: 7) diz é necessário
dar-se destaque tanto às competências cognitivas quanto às habilidades psicomotoras, visto
serem estas imprescindíveis para que o alfabetizando chegue aos “saberes básicos da
língua”.
Mas como e por quê essas habilidades psicomotoras têm um papel importante em
relação ao domínio da leitura e da escrita? É a discussão que se segue.
Na perspectiva dos estudos da psicomotricidade, acredita-se que uma educação que
parta das vivências e de suas múltiplas combinações, que explore todas as possibilidades de
expressão, têm um papel fundamental para evitar fracassos e inadaptações escolares.
Lapierre (1977) é um estudioso da psicomotricidade que enfatiza o lugar do corpo no
desenvolvimento da pessoa e, por conseguinte, o lugar do corpo na educação. Aucouturier
(1977) estuda a psicomotricidade e afirma que a globalidade da criança se manifesta na sua
ação que a liga emocionalmente ao mundo e que esta ação é vista como um laço estreito
entre as estruturas somática, afetiva e cognitiva da criança. Expressa, ainda, que o acesso
global na psicomotricidade visa o desabrochar de todas as funções motoras, cognitivas,
afetivas e sociais da criança, acreditando que possa contribuir para um melhor desempenho
lingüístico e, também, da leitura e da escrita.
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Com Lapierre (1977), entendemos que a partir das primeiras experiências
psicomotoras é que a criança vai constituindo, pouco a pouco, o seu modo pessoal de ser, de
sentir, de agir e de reagir diante dos outros e dos objetos. Essas experiências, segundo o
autor, são expressas pela criança na sua comunicação com o meio em que vive. Le Boulch
(1988:27), no seu método de trabalho – método psicocinético – diz que todas as atividades
psicomotoras devem ser acompanhadas de um momento de verbalização, quando o autor
solicita que o fazer, o sentir, o perceber, sejam explicados tendo em vista o papel organizador
da linguagem.
Assim, por meio da experiência, do vivido, a criança toma consciência da
possibilidade que ela tem de descobrir, a partir da mesma situação, diferentes formas de se
expressar. Para isso, é fundamental a interação da criança com o adulto/outra criança
(Vygotsky, 1988;1989), todos participando de atividades dialógico-conversacionais, várias
vozes se fazendo ouvir (Bakhtin,1999), num processo contínuo de construção de linguagem.
Sabemos, então, que através das experiências do próprio corpo que sente, que
percebe, que aprende, movimentando-se no espaço, o indivíduo virá a conhecer, ao mesmo
tempo, a si e ao meio em que vive por conseguir conhecer esse meio, organizar esses
conhecimentos e relacioná-los com a sua existência, a sua vida como integrante desse meio.
É importante ressaltar que neste diálogo permanente que a criança mantém com o
mundo que a cerca, é que ela vai buscando estabelecer relações, elaborar generalizações,
formular hipóteses e, assim, vai se desenvolvendo intelectual e afetivamente. Apreendendo a
realidade, transformando-a, interagindo com ela, a criança se desenvolve, constrói
conhecimentos e amplia sua consciência. Dessa forma , através da experiência vivenciada,
com a participação ativa do movimento, a psicomotricidade pode contribuir para ampliar a
expressão dos sujeitos.
Foi coerente com estas idéias que desenvolvi o trabalho com as crianças do “CIEP
Sambódromo”, como relato no capítulo 3. Parti sempre da linguagem e do corpo, com
atividades interativas, para, através do vivido – movimentos, pintura, recorte, jogo,
-
cexplorar a expressão oral, o diálogo, dando possibilidade a que cada criança tivesse vez e
voz e, mais adiante, à expressão escrita.
O jogo foi escolhido por ser uma atividade infantil intimamente relacionada com o
processo do desenvolvimento Ele é a principal atividade da criança, é uma das formas como
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ela participa da sua cultura.. No começo da atividade lúdica, a percepção infantil é dominada
pelo objeto real, que determina seu comportamento; mais tarde, o significado predomina no
jogo, as ações no brinquedo serão subordinadas ao significado que a criança atribui aos
objetos. No jogo de faz-de-conta a criança age num mundo imaginário em que a situação é
definida pelo significado que ela constrói para a brincadeira e não pelos objetos utilizados
(uma cadeira virada é um barco, por exemplo ). Nas suas brincadeiras, a criança representa
papéis, inventa situações, desenvolve a criatividade, lida com aspectos da ordem do afetivoemocional-cognitivo.
Como se vê, o jogo ocupa um espaço privilegiado no desenvolvimento da criança.
Garantir um lugar ao jogo implica garantir um lugar às idéias, à representação dos objetos, à
imaginação, enfim, à construção do conhecimento como uma leitura significativa do mundo.
É importante dizer que o primeiro brinquedo da criança é o corpo que ela começa a
explorar já nos primeiros anos de vida. Os jogos corporais são importantes para o
conhecimento do seu corpo, do corpo do outro, levando às noções de esquema corporal,
lateralidade, orientação espacial, etc. Depois passa a explorar no seu entorno os objetos que
produzem estimulações visuais, auditivas, cinestésicas. A partir daí, o brinquedo e o jogo,
estarão sempre presentes na vida da criança, do adolescente e até mesmo do adulto. O mundo
do brinquedo/jogo é o mundo da imitação, da representação, da imaginação.
Os diversos conteúdos das situações práticas se sobrepõem, se completam, se
enriquecem e apresentam uma certa progressão, respeitando um lento itinerário de
aprofundamento da maneira de se situar face à criança e, num sentido mais amplo, face ao
outro. Todas estas situações vividas, individualmente ou em grupo, fazem-se acompanhar
sempre de vivências emocionais, traduzidas por outras ações, por outras interações, ou não,
com o grupo, por outras formas de expressão. Constitui-se na explosão da espontaneidade
resgatada, da emoção desenfreada, da descoberta da comunicação, do jogo simbólico através
do prazer de se mexer, brincar, investir no espaço, nos objetos e nos outros.
É o prazer do movimento impregnado de sentido, de linguagem – a festa do
movimento e do ritmo: brincar, dançar, cantar – uma área de fantasia, de humor, de sedução,
de provocação, de separação e de reencontro.
Foi, então, pelo movimento discursivo e corporal que comecei minha relação com as
crianças. Elas viam as atividades como uma brincadeira gostosa, aparentemente não
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relacionadas com as tarefas escolares e estavam, por isto mesmo, sempre prontas a participar.
Eu era a “amiga”, a que trazia materiais diferentes, propostas novas, a que brincava e
conversava com eles. E eles estavam certos. A palavra brincar vem de brinco, que vem do
latim vinculu, ou seja, fazer vínculo (Aurélio, 1986:286). De fato, através do projeto em
psicomotricidade formou-se um vínculo entre nós, o que foi uma experiência extremamente
gratificante.
Algumas vezes, com as crianças do CIEP, as interações grupais se apresentavam
mais exaltadas, mais agressivas mesmo. Nestas ocasiões, lembrávamos da música de
Guilherme Arantes, que as crianças aprenderam a cantar e que resume o que, naquele
momento, era, também, um dos objetivos:
“Vivendo e aprendendo a jogar,
vivendo e aprendendo a jogar .
Nem sempre ganhando,
nem sempre perdendo ,
mas sempre aprendendo a jogar”.
Nas situações que chamávamos de “Vivendo e aprendendo a jogar” ( é este o título da
música ), as crianças experimentavam, descobriam, inventavam, exercitavam e desenvolviam
habilidades. A relação interpessoal – adulto-criança, criança-criança – e a dialogia que se
estabelecia nesse processo propiciavam selecionar procedimentos para que, num dado
momento e em determinada situação, se estimulasse a atenção e a concentração, a iniciativa e
a autoconfiança, o vocabulário, o pensamento organizado, a linguagem expressiva em todas
as suas modalidades.
É sobre a linguagem oral, o relatar as experiências vividas/sentidas, o contar/recontar
histórias, ponto fundamental do trabalho com as crianças, que falamos a seguir.
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1.2 Oralidade
O conceito de Marcuschi (2000:25) sobre oralidade dá o tom a este estudo:
A oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos
que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na
realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais
formal nos mais variados contextos de uso.
Assim, independente da classe social, formação, profissão, o referido autor afirma
que utilizamos grande parte do nosso tempo com a comunicação oral sendo a fala uma forma
de produção textual-discursiva. O autor acrescenta, ainda, que a oralidade jamais
desaparecerá e logo será, ao lado da escrita, o grande meio de expressão e de atividade
comunicativa. A oralidade enquanto prática social é inerente ao ser humano e não será
substituída por nenhuma outra tecnologia.
A fala, enquanto manifestação da prática oral, é apreendida em situações informais do
dia-a-dia, nas relações sociais e dialógicas. A criança vive imersa em um “banho” de
linguagem, e, pouco a pouco, vai descobrindo sua significação e seu uso. A verbalização
está, portanto, associada a todas as etapas da vivência para comentar, discutir, analisar,
prevenir e organizar. A criança utiliza a linguagem e nós a utilizamos com ela, num processo
contínuo. Bakhtin (1992:213) nos adverte que
a experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da
interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro. [...]
As palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom
valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos.
Perez (2000:106) nos fala da importância de que sejam oferecidas oportunidades para
que a criança produza e crie suas histórias, desenvolvendo e estimulando, assim, o seu
discurso oral e sua competência narrativa. Estando a criança envolvida em situações
significativas que viabilizem o “fluir do significado”, o aprendizado da leitura e da escrita
poderá, também, fluir mais5. Como diz esta autora (1993:89)
5
O trabalho psicomotor feito no “CIEP Sambódromo” teve esta finalidade: através da interação grupal,
oferecer e criar situações significativas, que estimulassem a oralidade das crianças, e também, a escrita e a
leitura,com maior destaque para a escrita..
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A
interação
é
um
fator
preponderante
na
relação
desenvolvimento/aprendizagem. É através de suas inter-relações
com os
outros sociais que a criança se desenvolve cultural e individualmente. Por ser
basicamente um ser social, a criança necessita de outro para o seu
desenvolvimento e aprendizagem.
Geraldi (1997:6) também chama a atenção para a relação entre sujeito e linguagem e
para a constituição deste enquanto ser social.
os sujeitos se constituem como tais, à medida que interagem com os outros,
sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como “produto”
deste mesmo processo. Neste sentido, o sujeito é social já que a linguagem
não é o trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico seu e dos
outros e é para os outros e com os outros que ela se constitui. Também não há
sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um sujeito se completando e
se construindo nas suas falas.
Isto nos leva a pensar nas práticas discursivas em sala de aula.. A escola não estaria,
de certa forma, silenciando o aluno, embora queiramos que essas vozes se façam ouvir?. Os
gestos, os modos de falar, as entrelinhas, a cultura de um grupo, enfim, a história e a
experiência não são/foram, de certa forma, ouvidas. A linguagem torna-se/tornou-se, assim,
vazia e não mais depositária da história e da memória daquele grupo.
Vemos, assim, que para que a criança aprenda, o conteúdo da aprendizagem deveria
estar articulado ao universo de sentidos de sua realidade. É fundamental, então, que a escola
seja um espaço onde a criança possa falar e escrever o que pensa, onde seja capaz de
entender o outro e de se fazer entender através da fala e da escrita, promovendo/provocando
um relacionamento mais afetivo com a leitura e a escrita.. Neste sentido, o desenvolvimento
da pessoa depende da mediação do outro e da interação social. Para tal, a psicomotricidade
pode contribuir, já que leva em consideração a relação do sujeito/criança consigo mesmo(a) e
com o mundo (um dos pressupostos do trabalho com a psicomotricidade).
O contato da criança com a realidade se produz por meio de agentes culturais que
mediatizam essa relação. Esses agentes atuam como mediadores externos ao resumir,
valorizar e interpretar a informação que transmitem. Por sua vez, a criança capta e interioriza
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a informação, interpretando-a e relacionando-a, usando diferentes estratégias cognitivas que
atuam como mediadores internos.
Na relação do pensamento com o discurso, Vygotsky considera como unidade de
análise o significado da palavra. A palavra está na origem da formação dos conceitos e, à
medida que vai sendo internalizada, se converte em signo mediador do processo. O esquema
seguinte permite visualizar essa relação entre pensamento e fala: com origens diferentes se
encontram em um determinado momento e, a partir daí, a criança percebe o propósito da fala,
compreende que cada coisa tem um nome. A fala começa a servir ao intelecto e o
pensamento começa a ser verbalizado, a criança descobre a função simbólica da palavra e
passa, assim, a ter um funcionamento psicológico mais sofisticado, mediado pelo sistema
simbólico da linguagem. Ou seja, a relação entre o pensamento e a fala deve ser considerada
como um processo vivo. Esta relação surge ao longo do desenvolvimento e vai se
modificando...
Vygotsky (1991) diz que é através da interação entre adulto e criança que ela vai
formando conceitos, tendo contato com o mundo, com a sua própria consciência e, nesse
processo, a linguagem exerce um papel fundamental. Destaca, sobremaneira, a importância
do outro no processo de desenvolvimento da criança. Em termos educacionais, fundamentais
são as interações e a qualidade de diferentes interações no espaço de sala de aula, tanto entre
professor e aluno quanto aquelas que se estabelecem entre as próprias crianças.
Assim como Vygotsky, Bakhtin concebe a linguagem como uma construção social,
resultado da interação humana que se atualiza na enunciação dialógica. A linguagem para
este autor, seja qual for a sua modalidade de comunicação é, por natureza, polifônica, isto é,
incorpora o diálogo com vozes outras que as do enunciador. Ele destaca o papel e a
importância do diálogo na produção do conhecimento, diálogo esse que não se restringe à
comunicação entre os sujeitos envolvidos no processo pedagógico, mas se estende a um
diálogo com o mundo, com a vida. Percebemos aqui, também, a harmonia com o trabalho
psicomotor que enfatiza a relação ser humano com o mundo.
Souza (1994:7) diz que
para Bakhtin, é no fluxo da interação. verbal que a palavra se transforma e
ganha diferentes significados, de acordo com o contexto em que surge; sua
realização como signo ideológico está no próprio caráter dinâmico da
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realidade dialógica das interações sociais. O diálogo se revela uma forma de
ligação entre a linguagem e a vida, permitindo que a palavra seja o próprio
espaço no qual se confrontam os valores sociais contraditórios.
As teorias de Bakhtin e Vygotsky consideram o homem como um ser essencialmente
social e histórico que, na relação com o outro, em uma atividade prática comum intermediada
pela linguagem, se constitui e se desenvolve enquanto sujeito. Desse modo o homem, à
medida que constrói sua singularidade, atua sobre as condições objetivas da sociedade,
transformando-as. Bakhtin (1999} nos diz que:
O sujeito como tal não pode ser percebido nem estudado como coisa, posto
que sendo sujeito não pode, se quiser continuar a sê-lo, permanecer sem voz,
portanto, seu conhecimento só pode ter um caráter dialógico.
Na concepção de linguagem de Bakhtin evidencia-se uma das categorias básicas do
seu pensamento – o dialogismo. Para o autor pode-se compreender a palavra “diálogo” num
sentido amplo, isto é, não apenas a comunicação em voz alta, mas toda a comunicação
verbal, de qualquer tipo que seja (Bakhtin, 1999:123). O que importa é que é uma relação
entre pessoas. Suas reflexões sobre o princípio dialógico anteciparam e influenciaram muitos
estudos do discurso e do texto.
Em suma, para este autor, o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e a
condição do sentido do discurso. Ele insistiu no fato de que o discurso não é individual
porque se constrói entre, pelo menos, dois interlocutores que, por sua vez, são seres sociais; e
também não é individual porque se constrói como um “diálogo entre discursos”, ou seja,
porque mantém relações com outros discursos. Esses discursos são descritos como um
“tecido de muitas vozes”, ou de muitos textos ou discursos que se entrecruzam, se
completam, respondem uns aos outros, ou polemizam entre si no interior do texto.
A experiência discursiva de cada pessoa se forma e se desenvolve em uma constante
interação com os enunciados alheios. Assim, um enunciado está cheio de matizes dialógicos
e nosso próprio pensamento, nossa identidade, são constituídos nessa interação dialógica com
pensamentos alheios.
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O centro da gravidade da língua, para Bakhtin (1999:92), não reside na conformidade
à norma utilizada mas na nova significação que essa forma adquire a partir do contexto. Foi
a partir, pois, de uma concepção dialógica da linguagem que Bakhtin afirmou sua verdadeira
substância constituída pelo fenômeno social da interação verbal. Este autor via a linguagem
numa perspectiva de totalidade, integrada à vida humana. A comunicação verbal, para ele,
não pode ser compreendida fora de sua ligação com uma situação concreta. Portanto, o eixo
está na enunciação de caráter dialógico, social e ideológico.
Em alguns pontos, a teoria bakhtiniana se aproxima dos estudos de Vygotsky. Como
já foi mencionado, a linguagem foi uma preocupação para Vygotsky, que a estudou e deu a
ela um lugar de destaque em sua teoria, abordando-a não como um sistema lingüístico de
estrutura abstrata, mas em seu aspecto funcional, psicológico. Interessava-lhe estudar a
linguagem como constituidora do sujeito, procurando enfocar, em seus estudos, a relação
pensamento-linguagem.
As concepções clássicas sobre a relação pensamento-linguagem consideravam-na
como invariável ao longo do desenvolvimento. Vygotsky, ao contrário, percebia a conexão
entre pensamento e linguagem como originária do desenvolvimento, evoluindo ao longo dele
num processo dinâmico. Ele estudou a ligação existente entre pensamento e linguagem na
criança e como essa relação se modifica com a aproximação da idade adulta.
Para esse autor, a linguagem humana, sistema simbólico fundamental na mediação
entre sujeito e objeto de conhecimento tem duas funções básicas: a de intercâmbio social e a
de pensamento generalizante. Isto é, além de servir ao propósito de comunicação entre
indivíduos, a linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando as instâncias do
mundo real em categorias conceituais cujo significado é compartilhado pelos usuários dessa
linguagem. (Khol Oliveira,1992:27).
Nas crianças pequenas, a linguagem possui um caráter prático, ligada a gestos e sons ,
cujo significado prende-se à ação realizada. Ao começar a falar, a criança se apropria dos
sons para evocar o que lhe é conhecido, o que deseja e, assim, vai adquirindo o poder de
relacionar-se de modo mais efetivo com o meio social e cultural. A palavra falada torna-se,
então, elemento mediador dessa relação, representando pessoas, objetos, sentimentos, desejos
ou situações. A fala começa a servir ao intelecto e o pensamento começa a ser verbalizado.
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Ao mesmo tempo em que a linguagem é um elemento importante para o
desenvolvimento mental da criança, exercendo uma função organizadora e planejadora de
suas ações e de seu pensamento, ela tem também uma função social e comunicativa. Através
da linguagem a criança entra em contato com o conhecimento humano e adquire conceitos
sobre o mundo que a rodeia, apropriando-se da experiência acumulada pelo gênero humano
no decurso da história social. É, também, a partir da interação social, da qual a linguagem é
expressão fundamental, que a criança constrói sua própria individualidade.
Bakhtin (1999, 1997) confere à linguagem um caráter essencialmente dialógico, o
conceito de diálogo extrapola o limite da simples “alternância de vozes”, indo à idéia de
confronto de vozes situadas em tempo e lugar sócio-historicamente determinados.
Constituído no e pelo social e, como tal, pelo complexo enredamento da dialogia, o sujeito
integra-se a ele e, interpretando, por ele é também interpretado.
Numa enunciação a multiplicidade das “vozes alheias” (polifonia) e os vários
sentidos (polissemia) são construídos pela diversidade das relações. Como afirma Bakhtin
(1997:317) o nosso próprio pensamento nasce e forma-se em interação e em luta com o
pensamento alheio, o que não pode deixar de refletir nas normas de expressão verbal do
nosso pensamento.
Vygotsky e Bakhtin, com as aproximações e diferenças, destacaram o valor da
palavra e o da interação com o outro. Para eles a consciência e o pensamento são tecidos com
palavras e idéias que se formam na interação, tendo o outro um papel significativo.. Ambos
pontuaram que os interlocutores instituem o sentido (e a sua plurivalência) do discurso na
dinâmica da interação verbal: o sujeito não é mais passivo nem exclusivamente ativo, mas ele
assume a condição de sujeito interativo. A palavra, por sua vez, não somente emerge e
adquire significação a partir do contexto interindividual, mas também se transforma num
espaço no qual vozes situadas em diferentes posições se cruzam e se confrontam. Ela é
produto da interação viva das forças sociais (Bakhtin, 1999:66).
Se, pela linha sócio-histórica, o sujeito da linguagem adquire uma dimensão social,
isso não significa a anulação da sua individualidade, pois em toda enunciação renova-se sem
cessar a síntese dialética viva entre o psíquico e o ideológico, entre a vida interior e a vida
exterior. (Bakhtin, 1999:66).
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Na próxima seção, tratamos da noção de letramento que também tem relevância em
nosso estudo.
1.3 Letramento: algumas considerações
Letramento é uma palavra nova no vocabulário da educação e das ciências
lingüísticas e surgiu no discurso dos especialistas destas áreas por volta dos anos 80 (Soares,
1999; Kato, 1986).
Tradução da palavra inglesa literacy ( the condition of being literate ), letramento é o
substantivo que caracteriza a pessoa que domina a leitura e a escrita. Entendemos como
fundamentais para esse trabalho a compreensão das duas principais dimensões do conceito de
letramento: a dimensão individual, vista como um atributo pessoal, e a dimensão social, vista
como um fenômeno cultural, um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua
escrita, e de exigências sociais de uso da língua escrita.
Alguns autores vêm se dedicando a aprofundar a compreensão da noção de
letramento. Segundo Kleiman ( 2002:11), o letramento deve ser
considerado enquanto conjunto de práticas sociais, cujos modos específicos
de funcionamento têm implicações importantes para as formas pelas quais os
sujeitos envolvidos nessas práticas constróem relações de identidade e de
poder.
A autora destaca aspectos políticos da noção em estudo relacionados à identidade e so
poder. Soares vem realizando um grande trabalho sobre o tema e em Soares ( 1999:47)
considera letramento como estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas
cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita, provocando-nos, ao mesmo tempo, a
relacionar o saber ler e escrever com as práticas letradas e, também distinguindo os saberes.
Para Goulart (2000) o surgimento do termo letramento se associa a mudanças na
demanda social do uso da leitura e da escrita numa contraposição com o termo
alfabetização, relacionado a uma visão de aprendizagem da língua escrita como processo
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de codificação de sons e letras, para escrever, e o movimento oposto, de decodificação para
ler. Esta autora destaca a contraposição que pode ser observada entre os processos de
alfabetização e de letramento.
Street (apud Soares, 1999:15) diz que a verdadeira natureza do letramento são as
formas que as práticas de leitura e escrita concretamente assumem em determinados
contextos sociais, e isso depende fundamentalmente das instituições sociais que propõem e
exigem essas práticas. Através das práticas de leitura e de escrita a pessoa vai adquirindo
uma outra condição, a de pessoa letrada que, de acordo com Soares (1998:37)
já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada; ela passa a ter
uma outra condição social e cultural – não se trata propriamente de mudar
de nível ou de classe social, cultural, mas de mudar seu lugar social, seu
modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura, sua relação com os
outros, com o contexto, com os bens culturais.
De acordo, então, com os autores apresentados, letramento é uma noção que pretende
ir além do termo alfabetização, que se relaciona mais diretamente com o processo de
codificação/decodificação de sons e letras e vice-versa. Soares (1998) tem se voltado para
esse estudo, levantando questionamentos tais como: como alfabetizar letrando? Que
agências, pessoas, instituições, objetos, histórias, definiriam/influenciariam as condições de
letramento?
Pacheco (2001:1), nos seus estudos, busca compreender os caminhos que as crianças
percorrem para se tornarem alfabetizadas e faz uma reflexão sobre novas possibilidades de
ação pedagógica com a língua escrita que favoreçam a formação de sujeitos letrados
afirmando que
a formação desses sujeitos estaria intimamente relacionada à construção da
autoria e da cidadania, na medida em que associamos estas condições à
condição letrada, isto é, à inclusão e participação efetivas dos sujeitos no
tecido social que se constitui com apropriação da chamada variedade padrão
da língua e da linguagem escrita.
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Tal afirmação traduz o caráter ético-político do conceito de letramento relacionado à
prática pedagógica nos espaços educativos.
Num país com altos índices de analfabetismo como o Brasil, o precário e difícil
acesso aos bens culturais coloca as camadas populares numa condição que, de início, já
hierarquiza e marginaliza as condições de inserção no mundo da aprendizagem do ato de ler
e escrever.
Dentro deste contexto, é importante situar as políticas públicas de educação para se
chegar à noção de letramento.
A alfabetização tornou-se um tema amplamente discutido atualmente, tanto no meio
acadêmico como no meio social, e tem sido objeto de constantes pesquisas e análises em
diversos campos do conhecimento. Estudos discutem, sobretudo, o ponto em que o processo
alfabetizador fracassa: a formação de leitores e escritores realmente capazes, capazes de
participar dos contextos social, político e econômico, prontos a fazer uso da leitura e da
escrita para atuar num mundo em constante transformação.
As diferentes concepções de homem, de organização social e de educação no decorrer
da nossa história, ocasionaram a adoção de conceitos de alfabetização que melhor atendiam
às necessidades exigidas por determinados momentos específicos. Assim, podem ser
atribuídos à alfabetização conceitos referentes as suas características mais rudimentares que
são a capacidade de aquisição mecânica das habilidades de leitura e de escrita, ou conceitos
que se referem à capacidade de compreensão e utilização de materiais escritos, em situações
diversas, enfatizando o caráter social da alfabetização ou sua funcionalidade.
Como diz Goulart ( 2003:98 )
Uma das principais conseqüências que a análise da noção de letramento traz
é a oportunidade de refletir sobre e criticar perspectivas e concepções de
alfabetização. A atenção dedicada durante décadas aos métodos de
alfabetizar, baseada em levar o aluno à descoberta de como se organiza o
sistema alfabético da escrita, submete a oralidade a um segundo plano, ao
colocá-la, de modo geral, como um mero apoio para a escrita, na
compreensão da relação fonema-grafema
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A discussão apresentada tem relevância para nossa pesquisa, posto que analisamos
dados de crianças em processo de alfabetização.
De acordo com o exposto, o trabalho com as linguagens corporal, oral e escrita, cujo
tom, neste estudo, acentua o movimento, a corporeidade, a interação ser humano/mundo,
a participação, a comunicação, a expressão, o diálogo, a incorporação da palavra do
outro, a autoria, a autonomia, congrega as idéias de psicomotricidade, de oralidade e de
letramento apresentadas como focos de iluminação desta pesquisa.
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CAPÍTULO 2
CENÁRIO DA PESQUISA – A PASSARELA: O CHÃO DA ESCOLA
Os direitos sociais passaram por um complexo processo e foram definidos em íntima
relação com as transformações globais da sociedade. Os primeiros direitos reconhecidos,
proclamados e protegidos foram: a vida, a liberdade, a igualdade, a propriedade privada e a
segurança jurídica. Somente na época moderna é que aparecerá “a idéia do ensino como um
direito de todos os cidadãos e um dever do Estado”( Horta, 1998:7 ) Após a II Guerra
Mundial, há uma democratização do ensino e aumenta-se a duração da escolaridade
obrigatória, mas somente na Declaração Universal dos Direitos Humanos é que se proclama
que toda pessoa tem direito à educação, sendo este argumento reafirmado na Declaração dos
Direitos da Criança, que defende que toda criança tem o direito de receber educação gratuita
e obrigatória ao menos nas etapas elementares.
No caso da educação, a garantia depende da definição da educação enquanto direito
público subjetivo, o qual se refere ao “poder de ação que a pessoa possui de proteger ou
defender um bem considerado inalienável e ao mesmo tempo legalmente reconhecido”
(Horta, 1998:8). No Brasil desde a década de 30, este assunto tem estado em pauta nas
discussões mas somente na constituição de 1988 “prevalece na lei”.
A escolarização obrigatória causou grandes transtornos e dificuldades, uma vez que a
escola não estava preparada para receber tantos alunos, principalmente das camadas
populares.
Dessa forma, o fracasso escolar de parcelas significativas das crianças oriundas das
camadas populares, nos anos iniciais de escolaridade, constitui traço marcante do sistema de
ensino tanto no Brasil como em vários outros países.
Embora aberta a todas as crianças, a escola continua estruturada para aquelas
provenientes das classes mais privilegiadas, e dessa forma as crianças das classes populares
em geral não conseguem se integrar ao contexto escolar, uma vez que não partilham os
mesmos valores e as crenças priorizados pela escola, em geral ligados às classes favorecidas.
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Nesta realidade – o fracasso escolar, crianças que ficam “x” anos na escola e não se
alfabetizam, a dificuldade de apropriação da linguagem escrita, e, conseqüentemente, a não
inserção na vida do país, o não uso da cidadania plena – tem gerado estudos e propostas por
parte dos órgãos competentes, bem como da sociedade de um modo geral, todos se
mobilizando para enfrentar/lidar com a situação tal como ela hoje se apresenta: defasagem
idade-série, repetência, evasão, enfim “fracasso escolar” que limita as possibilidades de
participação/inserção no contexto sócio-político-cultural brasileiro. A este respeito Soares
(1997:30 ) afirma que:
A discriminação das crianças das camadas populares na escola – indicada
pelos altos índices de repetência e evasão – aparece, nas sociedades
capitalistas, como uma ameaça ao ideário liberal que as funda e justifica. O
princípio básico desse ideário – “igualdade de oportunidades” – vê-se
negado, quando se evidencia que a escola não serve igualmente a todas as
crianças: as crianças das classes favorecidas obtém sucesso, enquanto
crianças das camadas populares enfrentam dificuldades de aprendizagem,
fracassam, abandonam o sistema de ensino mal iniciam o período de
escolarização obrigatória.
Avaliações realizadas pelo SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica) diagnosticaram que todas as regiões brasileiras apresentavam taxas elevadas de
distorção idade/série, mesmo as mais desenvolvidas como o Sul e o Sudeste, que apresentam
os mais aceitáveis indicadores sócio-econômicos.
Na perspectiva de diminuir esta distorção, que, segundo o MEC, aprofunda as
desigualdades sociais, no ano de 2000, foi estimulado pelo Governo, nos Estados e
Municípios, a implementação do Programa de Aceleração da Aprendizagem –PAA. Este
programa, através das classes de aceleração nas escolas públicas, visa eliminar a defasagem
entre série e idade regular de matrícula, em alunos que freqüentam da 1ª a 4ª série do ensino
fundamental, criando condições para que avancem no percurso escolar e passem a freqüentar
uma série mais compatível com a sua idade.
No Município do Rio de Janeiro, a Secretaria de Educação desenvolve o PAA desde
junho de 1998, em classes que são divididas em Aceleração I e Aceleração II. No CIEP no
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qual realizei meu estudo, o Programa de Aceleração da Aprendizagem foi extinto em 2001, e
a partir daí a escolaridade está sendo desenvolvida por ciclos.
O objetivo deste capítulo é apresentar o espaço onde esta pesquisa se realizou.
O locus da pesquisa foi o Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) que funciona
em dependências do Sambódromo. O Sambódromo é um projeto do arquiteto Oscar
Niemayer e foi erguido em 1984, na Rua Marquês de Sapucaí, ao lado da Praça 11, entre os
bairros de Catumbi e da Cidade Nova. É um espaço para a apresentação, no Carnaval, dos
desfiles das Escolas de Samba, sendo, também, utilizado para outros eventos e shows.
A entrevista com a professora Maria Silva,6 que trabalhou desde a inauguração neste
CIEP, foi importante para o conhecimento da origem desta escola e de seu funcionamento. É
ela que relata memórias de sua vida nessa instituição.
“O CIEP Sambódromo funciona utilizando o espaço dos camarotes que foram
construídos para o Carnaval. Na construção, inclusive, foram feitos bolsões de ar entre a
parede e o teto, de modo a dar uma ventilação melhor ao ambiente. A cada ano a escola é
desmontada perto do Carnaval e todo o mobiliário, documentos, papéis, livros,
computadores, máquinas, etc, é levado para outro espaço dentro do próprio Sambódromo,
promovendo, pela movimentação, perdas e danos para a escola. Só após o Carnaval é que a
escola é novamente montada. Durante esse período, os alunos são remanejados, com seus
professores, para outras escolas e/ou espaços disponíveis, dividindo esses espaços com as
turmas já existentes, ficando todos, assim, com a carga horária reduzida, o que traz prejuízo
para os alunos das duas escolas.
As crianças são moradoras dos morros vizinhos – São Carlos, Coroa, Providência,
Fogueteiro. É uma população carente, que vive em comunidades dominadas pelos
traficantes. Quando a “guerra” entre eles se instala, ou estabelecem o grito de ordem
“fecha a escola”, ninguém desce o morro e os alunos não podem ir à escola.
O “CIEP Sambódromo” começou a funcionar em 1985, fruto de uma proposta do
professor Darcy Ribeiro. Era considerada uma escola-modelo. Os alunos ficavam em
horário integral: pela manhã, tinham aulas de português, matemática, história, geografia, e ,
à tarde, artes, educação física, música, dança, sensibilização, língua estrangeira, estudo
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dirigido. A escola fornecia às crianças café, almoço e jantar (diferente do almoço ), com
cardápio variado e balanceado por nutricionistas contratadas para tal função. Este CIEP
com esta infra-estrutura diferenciada dos outros CIEPS, bem como das outras escolas
municipais, provocou rixas e ciúmes. Era a “menina dos olhos” da Secretaria Municipal de
Educação. Muitos professores desejavam trabalhar num espaço como esse, que oferecia
tantas condições para um trabalho de qualidade.
Os professores, para o “CIEP Sambódromo”, foram selecionados através de
questionários sobre pedagogia, proposta sobre educação popular, livros sobre educação e
sobre inclusão. Os professores se comprometiam a não faltar às aulas e, caso necessário, a
providenciar substituto de modo a não prejudicar a proposta de trabalho. Os que não
cumpriram o acordo foram desligados ao final do ano. Os professores deviam participar de
um centro de estudos de quatro horas semanais e todos se ajudavam para alcançar o
objetivo que era o de fazer o aluno chegar ao raciocínio lógico, à produção do
conhecimento, construindo, assim, uma aprendizagem significativa.
A escola começou a funcionar com turmas de 5ª a 8ª séries. Só de 5ª série eram 15
turmas, com 40 alunos, em média, em cada uma.
Em 1986, muita coisa foi modificada devido a brigas políticas. A equipe de língua
estrangeira, por exemplo, foi extinta e os professores remanejados para outras funções.
Começaram as perdas. Nos anos 90, a escola foi recebendo turmas de 1ª a 4ª séries. Em
2002 deixou de ser escola de tempo integral. As crianças, porém, continuavam a ter almoço,
supervisionado por nutricionistas, e às das primeiras séries era dado leite quando
chegavam à escola. A perda das características de sua gênese a transformou numa escola
“comum”, não mais aquela escola “ modelo” padrão de referência, na época.
A escola trabalhou com o Programa de Aceleração da Aprendizagem. Através das
classes de aceleração nas escolas públicas, visava-se eliminar/diminuir a defasagem entre
série e idade regular de matrícula de alunos que freqüentavam da 1ª a 4ª série do ensino
fundamental, criando condições para que avançassem no percurso escolar e passassem a
freqüentar uma série mais compatível com a sua idade. A mola-mestra do trabalho era
levantar a auto-estima dessas crianças, procurando desenvolver as habilidades necessárias
6
Nome fictício.
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para que elas superassem as dificuldades e pudessem ser encaixadas em uma turma próxima
a sua idade.
Na proposta do Programa de Aceleração, as turmas deveriam reunir crianças de
idades e níveis de aprendizagem diferentes. A coordenação pedagógica detectava o perfil
dos alunos que se encaixariam nessas turmas de aceleração e as crianças eram remanejadas
para essas turmas por seus professores. As escolas do entorno também podiam encaminhar
seus alunos para essas turmas. Abriam-se quantas turmas fossem necessárias, contando
sempre com a supervisão da Coordenadoria Regional de Educação (CRE) .
De Brasília vieram profissionais para fazer a capacitação dos professores que iriam
trabalhar com as turmas de aceleração. Eles tinham que cumprir o conteúdo de cinco livros
que abrangiam todas as matérias do ensino fundamental. É importante assinalar que muitas
vezes não havia tempo suficiente para que esse programa pudesse ser todo cumprido,
comprometendo, assim, os objetivos estabelecidos.
Para algumas crianças o programa valeu muito e elas conseguiram alcançar uma
faixa superior, tendo um bom aproveitamento no período seguinte. Outras não renderam o
esperado. Mas isto dependia das dificuldades inerentes a cada uma delas e também do
interesse, da freqüência.
A Aceleração foi uma experiência programada para um tempo determinado e que
terminou por ser uma proposta emergencial para suprir a defasagem aluno/turma. A
proposta inicial era para durar só dois anos. Agora, a escola vem trabalhando por ciclos.”.
Foi nesta instituição, apresentada pela voz da professora Maria, que realizei meu
estudo. Por lá passei um ano. Momento importante para meu desenvolvimento/crescimento
profissional. Para trocas. Para a busca do processo agir/falar/pensar/ler/escrever que dá o tom
e os passos da pesquisa.
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CAPITULO 3
A COREOGRAFIA DA PESQUISA: PASSOS, RITMOS, ADEREÇOS,
HARMONIA, FANTASIAS - OS ATORES DO ENREDO
O objetivo deste capítulo é apresentar os procedimentos metodológicos que foram
desenvolvidos para responder às questões norteadoras desta pesquisa. A pesquisa foi
realizada, como já foi dito, com a Turma de Aceleração do CIEP Sambódromo. Era uma
turma de 29 crianças com as quais mantive encontros semanais durante, aproximadamente,
um ano letivo, de abril a novembro de 2003. As quatro crianças sujeitos da pesquisa serão
apresentadas juntamente com a análise da produção textual.
Realizei com as crianças atividades de linguagem e corporais que serviram como fio
condutor para o desenvolvimento da expressão oral. Enfatizo que as relações entre a
motricidade e a linguagem têm merecido, há muito tempo, atenção especial de estudiosos de
várias áreas mostrando que no início da vida de uma criança, a linguagem está ligada à ação
realizada e que, através desta, podemos explorar e desenvolver as habilidades lingüísticas.
Num primeiro encontro com a professora da turma expliquei os objetivos das
atividades que seriam realizadas com o grupo semanalmente – trabalhar a corporeidade/ a
oralidade/ a escrita. Ela se prontificou a colaborar, fazendo uso, em sala de aula, das
propostas por mim apresentadas, dando, assim, continuidade às atividades realizadas durante
nossos encontros.
Posteriormente, tive a oportunidade de conversar com os pais dessas crianças, em
uma reunião “Pais e Mestres” (foto) que a escola mantém, dentro da sua programação. Foi
um encontro interessante e pudemos perceber a necessidade que alguns pais têm de falar de
suas questões, de trocar experiências e dúvidas com os outros pais e com os professores, de
entender as propostas para poder, de alguma forma, colaborar.
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A turma trabalhada era composta de 29 crianças de idades entre 9 e 13 anos. As
crianças moravam nas comunidades vizinhas, principalmente nas favelas das redondezas e,
todas elas vinham de sucessivos vários insucessos/fracassos escolares. A freqüência das
crianças às aulas era muito inconstante, o que fez com que nem todas elas pudessem ser
observadas com a mesma regularidade. Para conhecer como as crianças se relacionavam com
a linguagem escrita foi utilizado o teste Myklebust..
O Teste de Myklebust (“Picture Story Language Test”) foi a base inicial do trabalho
de campo por ser um material utilizado para avaliar o conhecimento da linguagem escrita..
Ele permite comparar diferentes crianças realizando a mesma tarefa e observar o enfoque que
cada uma delas dá a esta tarefa. O referido teste é de origem americana, destinado a crianças
de 7 a 17 anos, publicado no Boletim do Instituto Interamericano da Criança (número 179,
ano 1971, Montevidéu), revisto periodicamente, e publicado pelo CAPLI – Centro de
Assessoramento Promoção para a Literatura Infantil e Juvenil de Buenos Aires. Nesta cidade,
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foram selecionadas, no ano de 1970, 713 crianças, sendo 113 de pré-escola, 350 de
escolaridade primária e 250 de nível secundário, para se elaborar uma escala argentina de
avaliação de linguagem, uma vez que, havendo uma escala americana e uma adaptação
uruguaia, era de interesse do CAPLI averiguar se os mesmos dados eram encontrados nas
crianças argentinas. No Brasil, se usa a mesma escala.
A aplicação do teste consta da apresentação à criança de uma foto (como mostra a
figura abaixo), obrigatoriamente em preto e branco, de 26x33cm, que tenha um ser vivo e
objetos em interação, para que a criança elabore um relato escrito sobre a cena. A foto usada
foi a original do teste, na qual se observa um menino brincando com diferentes bonecos num
ambiente doméstico.
{ EMBED PI3.Image }
Inicialmente, as crianças escreveram sobre a lâmina do teste do Myklebust, textos
esses que se constituem nos primeiros dados da pesquisa e são a base para a comparação com
as suas produções posteriores.
No início, as crianças se mostraram arredias à tarefa de escrever, mas entusiasmadas,
principalmente, curiosas, sobre a proposta que seria desenvolvida. A partir da análise deste
primeiro encontro estruturei os próximos caminhos do trabalho.
Em linhas gerais, o grupo vivenciou práticas psicomotoras, utilizando materiais
diversos – bolas, cordas, bambolês, fantasias, papéis, lápis de cor, tinta, massa de modelar,
entre outros materiais, ora livremente, ora seguindo temas propostos. Após cada
momento/jogo/brincadeira havia sempre uma verbalização sobre a experiência vivida. Os
alunos eram ouvidos, tinham espaço para apresentar suas idéias, sua criatividade, suas
emoções e também aprenderam a escutar os colegas, a professora, a mim, numa troca
extremamente rica e prazerosa, que criou a oportunidade para que novas palavras e novas
construções de frases fossem utilizadas pelas crianças. A professora da turma usava, nos
outros dias da semana, as atividades experimentadas pelo grupo para outros trabalhos em sala
de aula, de modo que a nossa proposta tivesse uma solução de continuidade. No final do ano,
novamente utilizamos o teste inicial para comparação com os primeiros textos escritos pelas
crianças.
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Embora tenha trabalhado com o grupo como um todo decidi, por sugestão da
professora, manter uma relação mais próxima com as produções de quatro crianças: João, de
8 anos, José, de 9, Pedro, de 10, e Paulo, de 11 anos.7
Os dados coletados foram analisados trabalhando-se o material obtido durante a
pesquisa, ou seja, a análise dos textos produzidos pelas crianças, os registros das observações
feitas durante o contato com os alunos, as informações fornecidas pela professora da turma.
Considerando o objetivo do estudo, analisar aspectos da relação entre a oralidade e o
letramento na perspectiva de questões discursivas e textuais, serão analisadas, nos textos dos
4 meninos selecionados, as modificações surgidas de um texto para o outro, buscando revelar
a ampliação de recursos expressivos (este tema será apresentado adiante, na seção 3.2).
A escola me disponibilizava uma sala grande com materiais para as atividades
propostas no estudo. A forma de trabalho seguia a rotina descrita abaixo:
1- o trabalho corporal era feito explorando-se os materiais, o espaço, o sentir, o
perceber, mediante “impulsos” oferecidos por mim e/ou pelas próprias crianças do
grupo;
2- as práticas realizadas eram comentadas e analisadas oralmente, e essas atividades
interativas e conversacionais instigavam as crianças a construir significados, a
usar novas palavras e expressões, destacando o papel da linguagem na construção
de conhecimentos;
3- as crianças eram levadas a experienciar a construção conjunta de textos, que eram
escritos por mim no quadro-negro mas com a participação ativa delas, inclusive
em relação aos aspectos lingüísticos;
4- numa última etapa, as crianças escreviam seus próprios textos, elaboravam,
(re)construíam suas próprias experiências, seu potencial imaginativo, eram autoras
das suas histórias
7
Nomes fictícios.
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3.1 As atividades desenvolvidas com as crianças
No primeiro encontro, apresentamos às crianças o material geral: cordas, bambolês,
bastões, rolos, tatames, blocos de madeira, etc, para que elas os experimentassem livremente.
A algazarra foi grande, mas foi muito bom ver o prazer com que elas se envolveram com os
objetos, buscando os movimentos, explorando o espaço, trocando informações com os
colegas.
Sugeri que todos os materiais fossem utilizados até que pudessem, por escolha
própria, formar subgrupos usando, cada um deles, um mesmo tipo de objeto. Disputas
aconteceram, pois algumas crianças foram muito requisitadas enquanto outras não
encontraram lugar em nenhum grupo. A situação foi contornada formando-se um novo grupo
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com elas, com a professora e comigo, para aborrecimento dos colegas que acharam que isto
era privilégio. Foi um momento de vivência solidária.
Em seguida, nos sentamos no chão para que cada um falasse sobre a experiência
vivida. As crianças se mostraram participativas, ávidas para contar o que tinham feito, como
tinham se sentido, o que tinham gostado mais, ou menos, de fazer; também indicaram os
colegas que consideraram mais criativos no uso do material disponível e que tinham servido
de inspiração para os outros, percebendo a importância da troca das experiências.
No segundo encontro, foram distribuídas várias folhas de jornal para que as crianças
as experimentassem, criando possibilidades de outros usos com as folhas. Elas, então,
andaram em cima das folhas, pularam de uma para outra sem pisar nos espaços vazios,
escorregaram , seguindo a proposta de explorar o espaço, criar, trocar experiências com os
colegas.
Foi pedido que cada um usasse as folhas para criar um objeto qualquer , usando só as
mãos. Tivemos muitos barcos, bolas e chapéus mas , também, trabalhos extremamente
criativos como capa de super-herói, arco e flecha, telefone celular, máscaras, e até um coco
com canudo e tudo! Mais uma vez os trabalhos de crianças mais criativas estimularam as
outras, que buscaram novas formas de se expressar.
De acordo com a linha de trabalho seguida cada criança falou sobre o que tinha
realizado e como tinha sido essa elaboração. Terminamos com o resumo oral da sessão feito
não mais por mim mas pelas crianças coletivamente.
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No terceiro encontro, a caixa com fantasias foi deixada à disposição das crianças para
que elas as experimentassem à vontade e as trocassem com os amigos, procurando vestir
todas, até que escolhessem uma para ficar. Algumas crianças inventaram novas fantasias
usando partes das que lá estavam e mesmo recorrendo a outros materiais presentes na sala.
Seguindo a proposta, cada criança foi solicitada a descrever a sua fantasia. Depois,
cada uma falou e agiu, simultaneamente, como a personagem escolhida. O trabalho do dia
acabou com um resumo da sessão feito, oralmente, pelo grupo e escrito por mim no quadronegro.
No quarto encontro, tivemos, por solicitação das crianças na semana anterior, a
continuidade da proposta do trabalho com as fantasias. Novamente cada uma escolheu a sua
fantasia, porém sem vesti-la, de modo a que, por mímica, conseguissem que os colegas
adivinhassem a sua escolha. Os alunos não bem sucedidos nessa tarefa mostraram-se bastante
aborrecidos com o que eles julgaram a “burrice” dos outros, até que um menino pediu a
palavra para dizer: “se você quer ser entendido tem que ser claro”. Várias vezes recorremos
– eu e a professora da turma – a essa frase e ao exemplo da mímica...
As crianças formaram pares para fazer um “diálogo” entre suas personagens,
inicialmente corporal /gestual e, depois, oral. Os pares – leão/rainha, pato/galinha, rei/pirata,
polícia/ladrão, havaiana/Chapeuzinho Vermelho – realizaram conversas interessantes,
mostrando como eles acham que determinada personagem age (postura mais altiva para o rei
e a rainha, mais destemida para o pirata, mais agressiva para o policial) ou fala. As
personagens foram vividas com tanto realismo que, por vezes, houve necessidade da minha
interferência para controlar os excessos.
Para finalizar a sessão, foi feito um resumo escrito por mim no quadro-negro, mas
com a colaboração das crianças, e que ficou assim:
O trabalho com as fantasias foi muito legal. Foi engraçado fazer a mímica
porque nem todo mundo acertou. Depois nós conversamos com um outro
colega fantasiado e tinha que representar e falar igual a pessoa que a gente
estava vestindo. Nós rimos de ter que andar feito bicho. O mais legal para os
homens foi ser pirata porque as mulheres gostaram mais de ser rainha.
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No quinto encontro, várias folhas de revista foram colocadas no chão da sala. As
crianças tinham que pensar em uma cena qualquer, selecionar as folhas de revista que mais se
adaptavam à cena escolhida e usando rasgado, recorte e colagem montar a cena em uma folha
de papel (fotos 5, 6, 7, 8). Na seqüência, cada criança representava – gestual ou
corporalmente – o que tinha feito e os colegas ajudavam com sugestões, de modo que a idéia
fosse transmitida com clareza, conforme já tinha sido tão bem orientado por um menino no
trabalho anterior.
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Escolhida pelo grupo uma cena, foi elaborado um texto coletivo que cada criança
escreveu em uma folha e eu no quadro-negro. O texto coletivo é este:
Meu pai e minha mãe foram viajar de avião, Eles ganharam as
passagens num sorteio. Eles foram para a Bahia porque todo mundo diz que
lá é legal e tem praias muito bonitas. Tem também a Timbalada e os trioselétricos. Eles passearam muito e gostaram muito. Depois voltaram para casa
porque tinham que ir trabalhar.
No sexto encontro, usamos tinta guache, pincéis e um livro que mostra animais
pintados nas mãos (livro Animani, editora Bertrand).{ EMBED PI3.Image }
As crianças escolheram o bicho que queriam pintar em sua mão e o material que seria
usado, sabendo que esse material teria que ser partilhado por todos. As disputas aconteceram
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porque alguns queriam exclusividade no uso das tintas ou mesmo do bicho escolhido, mas
acabaram concordando que a colaboração vinha sendo benéfica a todos.
A seguir houve a representação corporal dos bichos e falamos o que sabíamos sobre
eles. Comentamos os atributos de cada um deles, fazendo comparações e um jogo de
observação e análise : Por que a pata do elefante é diferente da pata do papagaio? E da do
pato? Por que a boca do cachorro é diferente da boca do pato? E da do tamanduá?
A expressão oral foi muito rica, as crianças tinham muitos comentários a fazer.
Terminamos o trabalho do dia pedindo que elas escrevessem um texto sobre um bicho. Como
foi um dia de muita agitação, os que não conseguiram acabar dentro do tempo puderam fazêlo depois, em sala de aula.
No sétimo encontro, bolas e bambolês foram utilizados para uma atividade livre. A
garotada vivenciou os materiais, inventou novas possibilidades de uso, trocou com os
colegas. A seguir, sentamo-nos para uma conversa dirigida:
- O que as bolas e os bambolês têm em comum?
- São redondos! Eles rolam! Servem para jogar! Dá para jogar para cima e para baixo!
Rodar na cintura!
- Mas eu não consigo! Por que será?
- Porque você não tem jogo de cintura!
- E o que é ter jogo de cintura?
- É não ser duro! É saber rebolar! É fazer que nem jogador de futebol quando vai driblar!
- Quem conhece alguém que tenha jogo de cintura?
- Meu pai! Ele sempre diz que precisa ter jogo de cintura para pagar as contas da casa.
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A partir daí novas expressões surgiram, lembradas pelas crianças, tais como péquente, cabeça-dura, tirar o chapéu, que deram a possibilidade de que fosse explorada a
diferença entre o significado literal das palavras e o significado das expressões apresentadas.
As crianças foram solicitadas a formar frases com estas palavras e expressões,
explorando os diferentes significados. Com a professora, em sala de aula, fizeram por escrito
a proposta daquele dia.
No oitavo encontro, trabalhamos com rolos e massa de modelar. Inicialmente as
crianças rolaram pelo chão, rolaram os e com os rolos, criaram formas com eles. Passaram,
então, a trabalhar com a massa de modelar fazendo rolos também, de tamanho e grossura
diferentes, até modelarem figuras.
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Conversamos sobre as diferenças e semelhanças entre os rolos presentes na sala e os
rolos de massinha; o que tinham feito e o que gostariam de ter feito com esses materiais.
Depois, cada dupla escreveu uma historieta que se referisse às figuras criadas por ela. Os
textos foram lidos em voz alta e o grupo escolheu um para ser afixado no mural da sala de
aula.
No nono encontro, foram apresentados blocos de madeira para atividades de
construção e equilíbrio .As crianças montaram estruturas, subiram, desceram, pularam,
mantiveram-se em equilíbrio, experimentaram as várias possibilidades dos materiais.
.Depois, andaram sobre os blocos com os olhos fechados, ora ajudando os colegas, ora sendo
ajudados por eles.
Na conversa falaram sobre o que tinham construído, o que tinham imaginado fazer,
como tinham executado os movimentos e como tinham se sentido ajudando e sendo ajudados
pelos colegas. A grande ênfase foi na dificuldade de equilíbrio, o que deu margem a que
explorássemos os sentidos da palavra equilíbrio até chegar à noção do que era ter o equilíbrio
do corpo e ser uma pessoa equilibrada, ter equilíbrio na vida.
Cada criança escreveu seu próprio texto sobre a atividade realizada.
No décimo encontro, foi pedido ao grupo que fechasse os olhos e se imaginasse em
um jardim. Ainda com os olhos fechados, foram andando pela sala, sentindo o espaço e os
colegas, representando corporal e gestualmente, enquanto eu ia “dirigindo o passeio” com
sugestões: “Olhem que flor bonita! E como é cheirosa! Caiu uma fruta da árvore, será que
podemos comê-la? Estou vendo uma árvore muito grande. Mas agora começou a ventar e os
galhos da árvore estão balançando cada vez mais forte! As folhas estão caindo, caindo...
Quando as crianças abriram os olhos, várias folhas de amendoeira tinham sido postas por
mim pelo chão da sala.. Elas formaram, então, com os pedaços picados das folhas, imagens
que foram coladas em um papel.
Na seqüência, falaram sobre o seu trabalho e cada uma escreveu um texto sobre ele.
No décimo-primeiro encontro, a turma inspirou a condução dos trabalhos do dia, pois
um menino chegou com o braço engessado e isso foi motivo de muita excitação.
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Aproveitamos para pedir às crianças que realizassem atividades usando apenas o lado
subdominante do corpo, seguindo a proposta: “Como você faria essa atividade se estivesse
com o braço / a cabeça / a perna quebrados?
Depois da experimentação, as crianças relataram como foi fazer movimentos com o
outro lado do corpo, como se sentiram frente às dificuldades, como as superaram e como é
enfrentar as dificuldades da vida Cada um, por sua vez, respondeu à pergunta “ O que é
difícil para você? Como você faz para superar isso?”.
Terminamos com a escrita, individual, de um texto que versasse sobre o tema vivido
nesse dia.
Foram momentos vividos respeitando o”passo” do grupo, no ritmo próprio do grupo.
A descrição comentada dos encontros com a turma apresentam como foi desenvolvida
a proposta de trabalho que realizei na escola. A seqüência foi a mesma: começávamos
sempre com a apresentação oral da atividade corporal que servia como deflagradora
da~expressão oral das crianças, que, por sua vez, levava à linguagem escrita. Podemos pensar
no movimento abaixo:
Oral < > corpora < > oral < > escrita
No início do trabalho com as crianças, as atividades corporais mediadas pela
linguagem oral tinham um papel de destaque, ocupando o maior tempo do período.
Progressivamente, fui modificando a dinâmica, dando mais tempo para a expressão oral até
chegar à produção da linguagem escrita. Do mesmo modo, as ações com materiais concretos
foram dando lugar a atividades em que as crianças precisavam verbalizar mais, por meio de
explicações, argumentações, projeções de situações fictícias, etc., num trabalho em que o
vivido, o experimentado corporalmente, serviu de veículo para as atividades posteriores.
3.2 Os destaques: as crianças da sala X
Neste capítulo serão analisados os textos produzidos por quatro meninos da turma do
CIEP Sambódromo com quem desenvolvi o estudo. Estas crianças foram acompanhadas por
sugestão da professora da turma, por serem as mais assíduas do grupo.
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Como já tratado no capítulo anterior, a turma mostrava-se arredia às tarefas de escrita
e a minha proposta era, através de situações vividas no espaço que usávamos, levar as
crianças a experimentar a autoria – elas sendo autoras das atividades corporais sugeridas,
autoras das suas interpretações, autoras das suas falas para serem, então, autoras das suas
escritas.
Foi importante neste trabalho que as crianças percebessem a linguagem escrita como
algo vivo, dinâmico, como espaço de interlocução, e não apenas como frases repetitivas,
copiadas do livro ou do quadro-negro.
Neste movimento, resgatamos as idéias de Le Boulch e de Lapierre, entre outros, que
enfatizam o corpo como mediador da ação, o corpo como veículo da aprendizagem; as idéias
de Vygotsky ( 1989 ), que observou a maneira pela qual a fala desempenha um papel na
execução da ação e, depois, no planejamento da ação; as idéias de Bakhtin ( 199:98-123 ) que
nos diz que “verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da
interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações”; e as idéias de
Geraldi ( 1997:6 ) que também chama a atenção para o fato de que “não há sujeito pronto,
que entra na interação, mas um sujeito se completando e se construindo nas suas falas.”
A partir de Geraldi (1997),8 chegamos a grandes eixos para a análise dos dados, a
saber:
•
problemas de ordem estrutural – configuração do texto como um todo, sua seqüência,
seus objetivos;
•
problemas de ordem morfossintática – as diferentes formas de estruturação dos
enunciados e as correlações sintagmáticas do tipo de concordância, regência e ordem dos
elementos no enunciado; as regras gramaticais; as diferentes possibilidades de construção de
os processos de flexão e de construção de itens lexicais ;
•
problemas de ordem fonológica / ortográfica – vão desde as formas de inscrição na
escrita, das entonações da oralidade até as convenções ortográficas; a fonologia, além dos
fonemas, se interessa pela prosódia – o acento, a pausa, a entonação, a duração da emissão,
contrastam e distinguem significações.
8
Originalmente, Geraldi se refere a “problemas de ordem estrutural, problemas de ordem sintática, problemas de
ordem morfológica e problemas de ordem fonológica” (1997:193-194)
{PAGE }
O quadro abaixo resume a relação dos principais problemas a serem observados:
a)organização espacial do texto no papel
b) estabelecimento da referência ( mudança e
Problemas de ordem estrutural
manutenção)
c) caracterização do tipo de texto
a ) organização dos períodos relacionados à
.
coesão local e global
b)concordância verbal e nominal (relação
Problemas de ordem morfossintática
com a oralidade)
c) uso dos tempos verbais (flexão)
d) seleção e uso de itens lexicais
a ) uso de convenções ortográfica
Problemas de ordem fonológica/ortográfica b ) uso de sinais de pontuação e de outros
recursos expressivos
c ) marcas da oralidade na escrita
Um outro autor que contribuiu para a realização da análise dos dados foi Garcia
(2002), especialmente no que se refere à estrutura textual e aos processos sintáticos que,
segundo ele, fazem da linguagem, oral ou escrita, um efetivo veículo de comunicação. Ele
enfatiza a unidade e a coerência do texto, ligadas ao desenvolvimento e concatenação das
idéias numa ordem adequada ao propósito da comunicação, interligando-as por meio de
conectivos e partículas de transição.
Outros aspectos considerados relevantes no processo inicial de aquisição da escrita
que foram observados serão destacados. Notadamente, as rasuras, por deixarem à mostra
marcas
da reflexão
das
crianças
sobre os
textos,
serão
também
analisadas
longitudinalmente, ressaltando-se que tipo de problema manifestam.
A estrutura da análise dos textos escritos por realizada João, José, Pedro e Paulo9
segue a seguinte ordem:
1 - apresentação da criança;
2 - análise dos textos produzidos por ela;
3 - quadro comparativo dos textos por ela escritos;
9
Nomes fictícios.
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4 - resumo da evolução significativa relativa aos eixos analisados.
3.2.1 JOÃO
João tinha 9 anos quando iniciou sua participação na turma de aceleração. Era um
menino bonito, alto para a idade. Não mostrava iniciativa e “não sei” era a sua expressão
mais usada. Embora fosse inteligente, parecia apático e alheio a tudo. A professora da turma
confirmava este mesmo tipo de comportamento na sala de aula. Na reunião que tive com os
pais, a mãe de João se referia a ele como “o meu bebê”. Nas atividades psicomotoras,
mostrava-se inseguro, temendo cair ou machucar-se. Sua participação nos debates orais se
restringia ao mínimo possível, só emitindo sua opinião quando bastante pressionado pelo
grupo. Quando o fazia, entretanto, expressava-se relativamente bem, mas de forma sucinta.
Em relação à escrita, resumia-se esta ao estritamente essencial, parecendo que João se
apressava em terminar depressa a tarefa, para “se ver livre” dela. No decorrer dos trabalhos,
com a ajuda do grupo, João passou a interagir melhor e a participar com mais entusiasmo das
atividades propostas. Já não se assemelhava ao menino do “não sei”, teve uma boa evolução
em seu desempenho psicomotor, sua voz já se fazia ouvir com mais firmeza, e houve
desenvolvimento de sua escrita, embora os textos tenham continuado relativamente
pequenos.
Texto 1
{ EMBED PI3.Image }
(1)
O Cacá (es)tava montando um forte. Ele (es)tava com
(2)
a camisa dos artistas e penteado com o cabelo molhado.
O produto escrito é restrito, aproveitando parte dos elementos apresentados na figura.
Como a maioria das crianças da turma, o menino não mostrava muito interesse pelas
atividades de leitura e escrita. O produto de dezenove palavras ocupa um espaço reduzido,
cerca de um quinto da folha de papel.
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João limita-se a fazer uma pequena descrição, sem título, da cena vista; o uso do
pronome (linha 1 – “Ele” ) mostra um esboço do estabelecimento de relação entre as orações.
Os pronomes são, de acordo com Kato (1988:57), semanticamente elementos asseguradores
de coerência temática, pois, através deles, mantém-se o tópico da comunicação.
João faz uso de período simples e de período composto por coordenação; indica o
nome do menino, que é reconhecido como elemento principal da história, estabelecendo uma
relação entre ele e a ação executada (linha 1). Emprega substantivos, artigos, adjetivos,
pronome, verbo, preposição e conjunção. Os verbos aparecem no imperfeito do indicativo
(simples e em locução), organizando o cenário mostrado na gravura.
João usa o verbo estava como “tava” ( linha 1 ), reflexo da fala usual. Na linha 2
encontramos a palavra “peitiado” em vez de penteado: o menino faz uma ditongação
mostrando dificuldade de representar a nasalização, já que ainda não está totalmente
familiarizado com a sua representação gráfica. Isso pode ser visto, também, na linha 1, na
escrita da palavra montando que é grafada “motando”, sem o primeiro “n” indicativo da
nasalidade. É interessante notar, entretanto, que a nasalidade da segunda vogal é marcada
corretamente , mostrando como o processo de aprendizagem é dinâmico. Seu texto, então,
mostra omissão de letras e sílabas e troca de letras.
O ponto final é usado mas não o sinal de acentuação (linha 1 – “Caca”). Ele utiliza a
letra maiúscula para indicar substantivo próprio e iniciar a frase.
É importante salientar a grafia da palavra “molhado” como “volado” (linha 2),
fenômeno que somente uma pesquisa que preveja a entrevista com as crianças, ao produzirem
textos, poderá trazer explicações.
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Texto 2 –
{ EMBED PI3.Image }
(1) O pato estava nadando no lago. O gato viu
(2) ele e queria nadar também mas
(3) ele tem medo de água.
Vemos uma diferença significativa desse texto em relação ao anterior. Foi escrito
após
atividade prática na qual João havia pintado um pato na sua mão, representado
corporalmente, desenhado, contado oralmente a história, para só então escrevê-la.
O espaço gráfico é ocupado pelo desenho e pelo texto, em igual proporção. Este,
ainda sucinto, de vinte palavras, sem título, já assume as características de uma narrativa –
personagens, fato, causa e conseqüência (Garcia, 2002:.254), o que não havia no texto
anterior, mostrando uma estrutura textual mais complexa.
As conjunções ( e, mas – linha 2 ) criam a relação entre as orações, e a do texto como
um todo, estabelecendo a coerência local e a discursiva (Kato, 1990: 55). Consta de orações
interligadas e aparece com clareza a idéia principal. Nota-se que João atribui sentimento à
personagem (linha 3).
Os tempos verbais agora aparecem, além do imperfeito, no perfeito e no presente do
indicativo dando conta da organização textual mais dinâmica.
As categorias lexicais usadas são os substantivos, adjetivos, artigos, pronome, verbo,
preposição e conjunção. A representação da nasalidade apresenta oscilação (linha 2 –
“tanbei” em vez de também); em uma sílaba a nasalidade é representada pela letra “n” e, em
outra, pela letra “i”. O verbo estar já aparece escrito com as três sílabas – estava – o que não
foi visto no texto anterior em que a forma usada era “tava”. Os pontos continuam sendo
usados e a acentuação se faz presente na palavra água (linha 3). As letras maiúsculas se
mantém presentes.
As auto-correções que aparecem na linha 1 (a colocação da letra “a” que faltava na
palavra estava, a letra “o” maiúscula depois do ponto, o espaço necessário entre as palavras
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gato e viu ) mostram que João está escrevendo e lendo ao mesmo tempo, portanto, já
refletindo sobre a escrita que está elaborando.
Texto 3
{ EMBED PI3.Image }
(1) A atividade teve que ter muito
(2) equilíbrio e pular bastante. Foi difícil
(3) porque no primeiro
(4) exercício tinha que ficar
(5) em cima do bloco e isso
(6) precisa de muito equilíbrio.
João se refere à atividade com blocos de madeira. É interessante notar como o menino
dá a sua opinião sobre o trabalho realizado, mostrando como foi marcante para ele a questão
do equilíbrio. Le Boulch, cuja psicocinética e propostas de educação psicomotora se
caracterizam pela abrangência da sua compreensão do significado psicológico do
movimento, enfatiza a ligação entre a ação realizada e a verbalização daquilo que foi vivido,
de modo a organizar o pensamento. Seguimos as suas idéias no nosso trabalho, acreditando
nos seus reflexos na escrita, como pode nos sugerir o texto 3 de João.
O texto de João, de 29 palavras, sem título, tem as características de um relato
avaliativo e, apesar das dificuldades ortográficas e das correções, apresenta-se coerente e
coeso, com uma estrutura organizada. É formado por orações interligadas, dispostas em
períodos simples e composto por coordenação e subordinação, em que há uma relação causa
e conseqüência, apontando relações complexas entre os recursos expressivos utilizados.
Nota-se, mais uma vez, que, pelas correções que faz no seu texto, João continua
refletindo sobre a escrita e preocupando-se com as questões ortográficas ( linhas 2 e 6 –
“equilhibrio” e “equilhibro”; linha 2 – “bastamte / bastante”; linha 3 – “primero / primeiro;
linha 4 – “esersi / esercicio” ). Ainda que nem sempre a correção feita chegue à grafia certa ,
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é importante observarmos o interesse do menino em buscar o padrão correto da escrita. Na
linha 5 a palavra “broco” parece representar a sua fala, ocorrência comum, aliás, a outras
crianças do grupo e a crianças que estão aprendendo a escrever, descobrindo as relações entre
o que se fala e o que se escreve. As palavras “iso” e “presisa” mostram que João já sabe que
a letra “s” representa o fonema /s/, mas ainda não compreende os diferentes contextos de uso,
correspondência variável em função da posição na palavra, entre sons e letras da língua. Na
linha 6, a palavra muito é escrita com a letra “n”, marcando a nasalidade, o que no texto
anterior era apresentado pela letra “n”, também, e pela letra “i’. Todas estas observações
apontam para uma percepção, em construção, da relação fonema/grafema da língua
portuguesa.
Os verbos aparecem no perfeito (simples e em locução) e presente do indicativo. As
categorias lexicais utilizadas são as mesmas do texto anterior.
O uso de mais advérbios dá mais vida ao texto, o que não acontecia nos anteriores. No
entanto, os sinais de pontuação e de acentuação, presentes nos outros textos, neste não foram
usados, o que , talvez, possa ser explicado pela atenção dada à escrita de um texto mais
complexo. A letra maiúscula foi mantida no início do texto mostrando uma aplicação da
regra gramatical.
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Texto 4
{ EMBED PI3.Image }
(1) Um foguete está decolando pra lua.
(2) E o astronauta ele pesquisou
(3) a lua.
(4) Aí ele achou um alienígena
(5) e capturou o alienígena.
As folhas de amendoeira usadas por João no seu trabalho representam o foguete e servem
de ilustração, ocupando todo o espaço gráfico da folha.
Temos aí uma narrativa em que se apresentam os elementos indispensáveis –
personagem, ação, conseqüência (Garcia, 2002:255) João se utiliza da conjunção “e” (linhas
2 e 5) e do marcador da continuidade do discurso“aí” (linha 4), para coordenar as orações,
dando coesão ao texto que é bastante coerente.
Existe uma idéia principal e desfecho claro. Faz uso de períodos simples e composto por
coordenação É um relato, de 22 palavras, sem título, no qual o menino usa a imaginação,
partindo do elemento concreto – o foguete feito com as folhas de amendoeira – para criar
uma história, uma história de ficção. Se a compararmos com o primeiro texto produzido por
João, vamos observar que ele saiu da descrição do que via na figura apresentada para
inventar a sua própria história, parecendo superar a sua aversão pela dupla “lápis e papel”.
Ainda vemos marcas da oralidade na escrita, como nas palavras “fuguete”(linha 1) e
“capiturou” (linha 5). Também continuam as dúvidas quanto à ortografia, como nas palavras
“fogete”(linha 1), “astronalta” (linha 2) e “captorou” (linha 4). A dificuldade de grafar uma
palavra pouco usual está presente na palavra “alhelhígena” (linhas 3 e 4) no lugar de
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alienígena. As categorias gramaticais são as mesmas dos textos anteriores. Flexões e locução
verbais são usadas, (linha 1 – “está decolando”)dando a idéia de ação se desenvolvendo no
tempo da escrita. A pontuação já se faz presente, mas ainda não é usada a acentuação correta
das palavras. As letras maiúsculas continuam sendo usadas corretamente.
Diferentemente do texto 3, no qual João falava da sua própria experiência, este texto
versa sobre a experiência do outro, mostrando as funções sociais que a escrita assume nos
diferentes momentos, conforme nos diz Soares (1999:72).
Texto 5 -
{ EMBED PI3.Image }
(1) Tinha um menino e ele tem um
(2) quarto cheio de brinquedo de astro(3) nauta.
(4) Ele brincava assim:
(5) – Sargento, tenho
(6) permissão para ir à lua?
(7) – Bem, agora tem.
(8) – 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, 0.
(9) – Olha, o foguete decolou.
João continuava motivado por viagens espaciais, escrevendo sobre elas nos seus dois
últimos textos.
Neste texto 5, vemos uma narrativa muito interessante por vários aspectos. Se a
compararmos com o primeiro texto escrito por João – ambos têm como ponto de partida a
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mesma figura – notaremos uma grande diferença na realização do trabalho proposto. No
início, uma pequena descrição e agora uma narrativa , criativa e bem estruturada. A gravura
continua como ponto de partida para a história, mas João introduz personagem e fato
imaginários (o sargento e o foguete decolou) e cria diálogos também imaginários (linha 5 a
9). Sua narrativa, embora sem título, é coerente e obedece à ordem cronológica. O desfecho é
bem marcado(linha 9). Com 41 palavras, ocupa dois terços da folha de papel.
Formado por períodos simples e composto por coordenação, o texto apresenta orações
bem organizadas dentro do diálogo que João criou, com a indicação da idéia principal do
texto. O uso dos sinais de pontuação cresce, com o aparecimento principalmente do travessão
(característico dos diálogos) e do ponto de interrogação, contribuindo para a coesão do texto.
A contagem regressiva torna clara a intenção do menino de mostrar o tempo decorrido para a
partida do foguete.
Os verbos agora aparecem no imperfeito, presente e perfeito do indicativo. Neste texto,
João acrescenta numerais às categorias utilizadas anteriormente.
João vai procurando escrever de maneira adequada, riscando, escrevendo novamente,
buscando o acerto. A palavra astronauta continua não bem resolvida, como vimos no texto
anterior, sendo agora escrita com “n” no lugar do “l” (linha ). O uso de “ss” não está
dominado (linha 4 - “asim”; linha 6 – “permisão” ), bem como o da letra “u” no dígrafo gue
(linha 9 - “fugete”) e o do “ão” (linha 6 – “permissal”). A escrita tal como se fala está
presente no verbo decolou ( linha 9 - “decolo” ), com a ausência do “u” indicativo da 3ª
pessoa do singular do pretérito.
Mostra-se claramente uma criança lidando com as dificuldades de aprender a
escrever, por um lado, buscando compreender a relação fala-escrita, por outro,
tentando captar as convenções, o que é comum em crianças em fase de aquisição do
sistema escrito. Os sinais de acentuação continuam ausentes. Mais uma vez
ressaltamos o emprego dos sinais de pontuação – ponto, ponto de interrogação,
travessão e as vírgulas separando os numerais (linha 8).
Acreditamos que as atividades feitas com essa criança – o agir, o representar
corporalmente, a verbalização daquilo que foi realizado, deve ter contribuído para
que ela pudesse se expressar por escrito com mais desembaraço, mais liberdade para
criar e ousar escrever, para exercer a autoria.
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O quadro abaixo apresenta uma síntese da análise comparativa entre os textos de
João enfocando as ordens estrutural, morfológico-sintática e fonológico-ortográfica.
Ordem
estrutural
TEXTO 1
TEXTO 2
TEXTO 3
TEXTO 4
TEXTO 5
Texto descritivo
sobre gravura
apresentada
Texto narrativo
sobre atividade
de representação
corporal
e
pintura
Texto narrativo
sobre atividades
de equilíbrio
sobre blocos de
madeira
Texto narrativo
sobre atividade de
colagem
Texto narrativo
sobre a mesma
gravura do texto
1
Orações não
interligadas que
remetem à
gravura
Orações
interligadas em
torno de um
núcleo temático.
Orações
interligadas em
torno de um
núcleo temático
Orações
interligadas em
torno de um
núcleo temático
Orações
interligadas em
torno de um
núcleo temático
Ausência de
título
Ausência
título
de Ausência de
título
Ausência de título
Ausência
título
Esboço de
relação entre
orações
Atribuição
sentimentos
personagem
de Desfecho
a presente
Desfecho presente
Desfecho
presente
Organização
espacial – texto
pequeno,
ocupando 1/5 do
papel
Organização
espacial – texto
ocupando 1/5 do
papel e o restante
ocupado
por
ilustração
Organização
espacial - texto
ocupando metade
do papel, sem
ilustração
Organização
espacial - texto
ocupando 1/3 do
papel, e o restante
ocupado por
ilustração
(colagem)
Organização
espacial – texto
ocupando 2/3 do
papel;
sem
ilustração
19 palavras
20 palavras
29 palavras
22 palavras
41 palavras
de
Ordem
Períodos simples Períodos simples Períodos simples Períodos simples e Períodos simples
morfossi e composto por
e composto por
e compostos por composto por
e compostos por
ntáticas- coordenação
coordenação
coordenação e
coordenação
coordenação
subordinação
Coerência
presente
Coerência
presente
Coerência
presente
Coerência presente Coerência
presente
{PAGE }
Coesão
Coesão presente
Coesão presente
Coesão presente
Verbos no
pretérito
imperfeito do
indicativo (e em
locução)
Verbos no pret.
Imp. (e em
locução), perfeito
e presente do
indicativo
Verbos no
perfeito (em
locução) e
presente do ind.
Verbos no presente Verbos no
(em locução) e
imperfeito,
perfeito do ind.
presente e
perfeito do ind.
Uso de
substantivos,
adjetivo, artigos,
pronome, verbo,
preposições e
conjunção
Acrescenta às
categorias
anteriores o
advérbio
Acrescenta às
categorias
anteriores o
advérbio
Acrescenta às
categorias
anteriores o
advérbio
Uso irregular de
sinais de
acentuação
Ausência de
sinais de
acentuação.
Ausência de sinais Ausência de
de acentuação
sinais de
acentuação
Ordem
Ausência de
fonológi sinais de
coacentuação
ortográfi
ca
Uso correto de
letras maiúsculas
Uso correto de
Uso correto de
Uso correto de
letras maiúsculas letras maiúsculas letras maiúsculas
Ausência de
Uso correto de
Uso correto de
ponto em final de ponto em final de sinais de
frases
pontuação
frases
Coesão presente
Acrescenta às
categorias
anteriores os
numerais
Uso irregular de
letras maiúsculas
Uso correto de
Uso correto de
pontos em final de pontos, ponto de
frases
interrogação,
travessões e
vírgulas
Ao analisar os textos de João, posso constatar uma evolução significativa em relação
à: (1) ordem estrutural; (2) ordem morfossintática (3) ordem fonológico-ortográfica.
Com relação à ordem estrutural: o texto inicial se caracteriza por um relato que
apresenta um contexto para algo que não é escrito, com orações que mostram apenas esboço
de relação entre elas, sem núcleo temático definido. Muito pequeno, ocupa o quinto superior
do papel. Não possui título ou desfecho. Os demais mostram teor narrativo, com ordem
cronológica e desfecho presentes, notadamente a partir do terceiro. Melhor organização
espacial foi se fazendo e os textos passaram a ocupar mais espaço no papel, sendo que em
dois deles havia ilustração. O número de palavras de cada texto foi aumentando
progressivamente .
No que diz respeito à organização morfossintática: o texto inicial se caracteriza pelo
uso de períodos simples. Os verbos são empregados no imperfeito do indicativo, em
{PAGE }
locuções. As categorias lexicais empregadas são substantivos, adjetivos, pronome, verbo,
preposições e conjunção. Os demais textos já apresentam períodos compostos por
coordenação e subordinação; coesão presente. Os verbos são empregados no imperfeito,
perfeito e presente do indicativo. Nas categorias lexicais há o acréscimo de advérbios e
numerais.
Em relação à ordem fonológico-ortográfica: o texto inicial mostra ausência de sinais
de acentuação, uso regular de letra maiúscula e uso de ponto em final de frases. Os demais
textos mostram, também, uso irregular de maiúsculas, ausência de acentuação e uso correto
de sinais de pontuação, com presença de pontos, vírgulas, travessões e ponto de interrogação.
3.2.2 JOSÉ
José tinha 9 anos quando iniciou a participação no grupo de aceleração.
Muito pequeno para a idade, era um menino tímido, sério, desconfiado. De pouca
conversa, apresentava resistência quando o assunto era falar ou escrever. Tinha grande
dificuldade de se expressar. Usava frases truncadas, desenvolvia precariamente seu
pensamento e hesitava em dar sua opinião nos debates de grupo. Sua escrita se constituía de
frases soltas que tentavam formar um texto. Sabedor de suas dificuldades, procurava se omitir
para não ser alvo dos gracejos dos colegas. Engajava-se, entretanto, prontamente, nas
atividades psicomotoras – que eram realizadas sempre no início dos trabalhos, e serviam de
base para os comentários orais e a construção dos textos. No decorrer do período, conseguiu
organizar melhor sua expressão oral e escrita e ganhou confiança frente ao grupo,
demonstrando muita satisfação por seu novo desempenho.
Texto 1
{ EMBED PI3.Image }
(1)
Ele tem um carrinho.
(2)
O nome dele é Zeca.
{PAGE }
(3)
Ele tem Cads Pokemon.
(4)
Ele mora no prédio.
(5)
Ele brinca de carrinho.
(6)
Ele brinca na sala.
(7)
Ele brinca no chão.
(8)
Ele brinca de astronauta.
(9)
Ele brinca de moto.
O texto produzido por José se constitui em uma seqüência de frases que
apresenta aspectos da cena observada. Mostra-se como um texto acartilhado, forma
como são chamados textos tradicionalmente trabalhados em classes de alfabetização e
característicos de cartilhas, em que cada frase fica numa linha. Concordamos com
Abaurre em que as representações que as crianças elaboram sobre a escrita e seus usos
baseiam-se, necessariamente, naquilo que vêem escrito e nas leituras que ouvem. Não é
de estranhar, portanto, que as primeiras produções escritas de algumas delas
reproduzam de perto as frases das cartilhas, particularmente se o seu contato com a
escrita se reduz às atividades de sala de aula que acompanham de perto a estrutura dos
manuais.
O texto de José se compõe de nove frases que remetem à cena em questão.
Entretanto, não apareceum núcleo temático, não havendo uma transição entre as frases
pelo uso de elementos de ligação entre elas. O texto não se configura como um todo
mostrando, como já foi comentado no parágrafo anterior, que os textos a que as crianças
têm acesso não contribuem para que as relações sintáticas e discursivas aconteçam.
A coesão, local e global, fica prejudicada pelo caráter descritivo que o texto
assume, não havendo inter-relações entre personagem, fato, circunstância, o que
caracterizaria a narrativa (Garcia, 2002: 255).
{PAGE }
Os verbos só são usados no tempo presente e vemos que o menino usa a forma
brincar (5ª a 9ª linhas) em vez de brinca mostrando já ter um conhecimento entre a
representação dos padrões oral e escrito da língua, embora ainda não os domine.
Não há uso de adjetivos, conjunções, interjeições e advérbios, que não só dariam
mais vivacidade, colorido, ao texto, como colaborariam para um produto escrito mais
estruturado. O gênero dos substantivos foi corretamente empregado e também o uso do
grau diminutivo, no caso, a palavra carrinho (linhas 1 e 5 ).
José mostra conhecimento do uso de letras maiúsculas no início das frases
(linhas 1 e 2) e nos substantivos próprios (linha 2 – Zeca), embora seu uso seja
irregular, o mesmo acontecendo com o emprego de acentos, o que nos mostra um
menino que já está pensando sobre a língua, ainda que não a domine. Os sinais de
pontuação não são utilizados, mas a disposição das frases, cada uma em uma linha,
mostra que há a noção de começo e fim.
Texto 2
{ EMBED PI3.Image }
(1) O nome do tubarão é Jeque.
(2) E(le) morreu porque no mar caiu petróleo. O tanque (do) navio esta(va) aberto.
Este texto está relacionado com o trabalho de pintura de animais nas mãos, um dos
trabalhos que exploravam a relação atividade psicomotora / oralidade, conforme relatado na
seção anterior.
Podemos ver a criatividade da ilustração que o menino fez para a sua história, os
detalhes ( olho e dentes do tubarão, vegetação do fundo do mar ), o uso das cores ( inclusive
o vermelho representando o interior da boca do tubarão ), o que nos leva a crer que José
começa a perceber a possibilidade de representar o que foi vivido por ele e, assim, usar a
imaginação para construir o seu texto.
{PAGE }
O espaço do papel está bem ocupado, tanto pela ilustração quanto pela parte escrita,
que se distribuem harmoniosamente na folha de papel.
É um texto mais coeso, as palavras e as frases se articulando de forma a estabelecer
relação de causa e conseqüência ( linha 2 –“ ...no mar caiu petróleo. O tanque do navio
estava aberto.” ), mostrando, inclusive conhecimento em relação às noções de ecologia (
linha 2 – “ morreu porque no mar caiu petróleo.” ). Vemos aqui o conceito bakhtiniano da
palavra como sendo o produto da interação das forças sociais ( Bakhtin, 1999:66 ).
O uso de conjunções (linha 2 – “E morreu porque...”) interligando idéias e
pensamentos concorre para que o texto se apresente como o esboço de uma narrativa.
Em relação ao produto anterior, podemos observar que José já usa os verbos nos
tempos presente e pretérito, o que demonstra um maior conhecimento do uso da
temporalidade, área bastante trabalhada nos nossos encontros semanais.
Sinais de pontuação já são usados.
Texto 3
{ EMBED PI3.Image }
(1) Eu fiz uma árvore muito bonita.
(2) Esse trabalho é legal porque eu consegui e
(3) achei interessante porque foi de folhas.
{PAGE }
Este texto foi produzido depois do trabalho, já mencionado, feito com as folhas de
amendoeira.
Em relação ao anterior vemos um texto mais estruturado, com um núcleo temático e
outras idéias que se encadeiam logicamente, fazendo um texto coerente. Ainda há que se
observar que o menino dá o seu ponto de vista a respeito do trabalho realizado (linha 2 –
“esse trabalho é legal” e “achei interessante porque foi de folhas”), não se limitando a usar
frases descritivas. Igualmente importante é o fato de a criança falar do seu sentimento (linha
2 – “ é legal porque eu consegui”), mostrando a satisfação por superar uma dificuldade e,
também, a avaliação que faz do próprio trabalho (linha 1 – “eu fiz uma árvore muito bonita”).
O período também se mostra mais organizado, com a inclusão de conjunções (linha 2
– porque / e / porque) que relacionam as orações (Garcia, pág. 44) que dão unidade ao relato.
Neste texto 3, José faz uso de adjetivos, o que não tinha sido visto nas suas produções
anteriores (linha 1 - “bonita” e linha 2 – “legal” e “interessante), usando corretamente a
concordância tanto em gênero quanto em número. Os tempos verbais ainda são empregados
alternando presente e pretérito de acordo com a ação que estava sendo feita (“fiz, “consegui”,
“achei”, “foi” em contraste com “é”).
Nota-se que o menino está se apropriando do conhecimento dos sinais de acentuação
das palavras, ainda que nem sempre empregados de maneira correta.
Novamente, as rasuras mostram que José está organizando o texto em relação às
particularidades de uso da linguagem escrita. Mesmo não sendo intenção analisar a
ortografia, fica claro que há um progresso em relação à escrita do menino.
{PAGE }
Texto 4
{ EMBED PI3.Image }
(1)Um dia Daniel foi ao hospital para visitar o pai porque foi atropelado.
(2) O médico está cuidando do pai.
(3) Quando o pai foi para casa foram tranqüilos porque não houve nada.
Este texto foi escrito tendo como pano de fundo o acidente com um outro menino da
turma . Fica clara aqui a idéia de Bakhtin, compartilhada por Geraldi, de que o vivido, as
condições concretas em que as interações verbais se realizam são fundamentais para a
produção linguística. É significativo neste texto o não aparecimento de rasuras como visto
nos textos anteriores.
A riqueza da ilustração feita por José – os canteiros de flores, a porta de entrada do
hospital, a placa de identificação do prédio, as janelas e, inclusive, a bandeira brasileira,
podem remeter ao contraste entre o real e o idealizado em termos de saúde pública.
De acordo com Garcia (2002:255), a presença de fato, personagens e circunstâncias
caracterizam a narrativa, o que é visto neste texto. O enredo é constituído pelo conjunto dos
fatos que se encadeiam e a ordem no relato é, normalmente, cronológica como apresentado
neste texto de José, já mais elaborado do que os anteriores. Iniciar o parágrafo com a
expressão “Um dia...” indica uma aproximação com a forma usual de algumas histórias
infantis começarem.
A estrutura sintática mostra períodos maiores e o uso de partículas de transição fazem
a narrativa mais coesa (linha 1 - “... foi ao hospital para visitar o pai porque foi atropelado”
e linha 3 – “Quando o pai foi para casa foram tranqüilos porque não houve nada.”).
A flexão de gênero é observada (linha1 – “pai ... atropelado”) mas não de número
(linha 3 – “foram tranqüilo”). José ainda está em processo de construção da diferença
gráfica das formas verbais de pretérito e de futuro (linha 3 – “forão” em vez de foram).
{PAGE }
As convenções gráficas – sinais de pontuação, uso de letras maiúsculas e minúsculas,
foram empregadas corretamente.
{PAGE }
Texto 5
{ EMBED PI3.Image }
(1)
Um menino está brincando no quarto dele de astronauta.
(2)
A nave ela bate na lua.
(3)
Ele não consegue sair.
(4)
Quando sai da nave ele morreu. Acabou a brincadeira.
Este texto é, como o primeiro escrito por todas as crianças, sobre a cena apresentada
inicialmente.
Houve a tendência a repetir as frases acartilhadas vistas no primeiro texto, mas o
próprio menino riscou o que havia feito e recomeçou de outra maneira, mostrando um relato
estruturado, com introdução, desenvolvimento e conclusão ainda que de maneira sucinta.
Estão presentes os elementos que caracterizam a narrativa: fato, personagem, modo e
momento em que o fato ocorreu, causa e conseqüência. Não é mais um trabalho mecânico,
mera reprodução da cena vista, como no primeiro texto escrito por José, mas o criar de uma
história, com idéias articuladas, mostrando o seu ponto de vista. Criativa também é a
ilustração, especificamente feita para a sua história, usando apenas um elemento da figura - a
nave -, sem tentar copiar a cena observada como outras crianças o fizeram, embora não
houvesse sugestão de que fosse feito qualquer desenho.
Os períodos se apresentam organizados, concordância e regência presentes. A
ausência de conectivo entre as orações das linhas 2 e 3 (A nave ela bate na lua. Ele não
consegue sair.) não impede que se perceba nitidamente a relação entre elas, interligadas pela
justaposição das duas orações.
O uso da flexão verbal ainda se mostra associado à ação que está sendo realizada,
misturando presente e pretérito, como visto na frase 3 (“Quando sai da nave ele morreu”).
Podemos analisar como uma relação entre “...morreu –Acabou a brincadeira” com acabou o
texto – acabou a atividade do dia.
{PAGE }
O quadro abaixo apresenta uma síntese da análise comparativa entre os textos de José
enfocando as ordens estrutural, morfossintática e fonológico-ortográfica.
Ordem
estrutural
TEXTO 1
TEXTO 2
TEXTO 3
TEXTO 4
TEXTO 5
Texto descritivo
sobre gravura
apresentada
Texto narrativo
simples, sobre
atividade de
representação
corporal e
pintura
Texto narrativo
sobre atividade
de colagem
Texto narrativo,
mais elaborado,
sobre fato
ocorrido com
colega
Texto narrativo
sobre a mesma
figura do texto
1
Orações listadas
que remetem à
gravura
Orações
interligadas, com
núcleo temático
presente
Orações
interligadas, com
núcleo temático
presente
Orações
encadeadas em
ordem
cronológica, com
núcleo temático
presente
Orações
encadeadas em
ordem
cronológica,
com núcleo
temático
presente
Ausência de
título
Ausência de
título
Ausência de
título
Ausência de
título
Ausência de
título
Sem desfecho
Desfecho
presente
Desfecho
presente
Desfecho
presente
Desfecho
presente
Organização
espacial – texto
comprimido em
1/3 do papel
Organização
espacial –
distribuição
harmoniosa entre
o texto e a
ilustração
Organização
espacial –
distribuição
espacial
harmoniosa entre
o texto e a
ilustração
Organização
espacial –
distribuição
harmoniosa entre
o texto e a
ilustração
Organização
espacial –
distribuição
harmoniosa
entre o texto e a
ilustração
21 palavras
32 palavras
26 palavras
1
29 palavras
8 palavras
Ordem
Períodos simples Períodos simples Períodos simples Períodos simples Idem
morfossi
e composto por
e composto por
e compostos por
ntática
subordinação
subordinação e
subordinação
coordenação
Coerência
presente
Coerência
presente
Coerência
presente
Coerência
presente
Coerência
presente
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Coesão presente
Verbos
presente
indicativo
infinitivo
Coesão presente
Coesão presente
Coesão
presente
Verbos no
presente (em
locução) e no
perfeito do ind. E
no infinitivo
Verbos no
presente
(simples e em
locução) e perf.
do indicativo
Uso de
substantivos,
artigos,
pronomes,
verbos,
preposições,conj
unções,adjetivo,
mais advérbio
Uso de
substantivos,
artigos,
pronomes,
verbos,
preposições,conj
unções,adjetivo,
advérbio
Uso de
substantivos,
artigos,
pronomes,
verbos,
preposições,con
junções,adjetiv
o, advérbio
Uso irregular de
sinais de
acentuação
Uso irregular de Uso irregular
sinais
de de sinais de
acentuação
acentuação
no Verbos no
do presente e no
e perfeito do
indicativo
Uso
de Uso de
substantivos,
substantivos,
artigos,
artigos,
pronomes,
pronomes,
verbos
e verbos,
preposições
preposições mais
conjunções e
adjetivo
Ordem
fonológicoortográfica
Coesão presente
Uso irregular de
sinais de
acentuação
Uso irregular de
sinais de
acentuação
Uso regular de
Uso regular de
Uso irregular de Uso irregular de Uso regular de
letras maiúsculas letras maiúsculas letras maiúsculas letras maiúsculas letras
maiúsculas
Ausência de
sinais de
pontuação
Uso correto de
pontos em final
de frases
Uso correto de
pontos em final
de frases
Uso correto de Uso correto de
pontos em final pontos em final
de frases
de frases
Ao analisar os textos produzidos por José, posso constatar, em resumo, uma evolução
significativa em relação à:
Ordem estrutural: o texto inicial se caracteriza por teor descritivo, com orações
relativamente independentes, sem núcleo temático definido A organização espacial do texto
no papel consiste no uso de 1/3 do papel. Nos demais, há o aparecimento de estruturas
narrativas, orações interligadas com núcleo temático presente, uso de ordem cronológica e de
desfecho para as histórias, atribuição de sentimentos e avaliaçõesa seus autores e a referência
a fatos que transcendem os elementos mostrados na gravura. O título permanece ausente e o
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desfecho das histórias é constante nos textos narrativos. A organização espacial vai
melhorando; todos os textos são ilustrados e o conjunto ocupa cada vez mais a folha de papel.
Ordem morfossintática: o texto inicial se caracteriza pelo uso de períodos simples,
ausência de coesão, e flexão verbal irregular. As categorias lexicais usadas são os
substantivos, artigos, pronomes, verbos e preposições. Os verbos se apresentam no presente
do indicativo. Nos demais, notamos o aparecimento de períodos compostos por subordinação
e coordenação, presença de coesão, flexão verbal regular e uso de verbos no presente e no
pretérito perfeito do indicativo.
Ordem fonológico-ortográfica: o texto inicial se caracteriza por uso irregular de sinais de
acentuação, de letras maiúsculas, e ausência de sinais de pontuação. Nos demais, observamos
o aparecimento de sinais de pontuação e de regularidade do emprego das letras maiúsculas,
ficando os demais aspectos mais ou menos inalterados.
3.2.3 PEDRO
Pedro tinha 11 anos no início dos trabalhos do grupo de aceleração. Era um menino
que gostava muito de uma conversa, tendo sempre vontade de expressar suas opiniões a
respeito das propostas de trabalho, dos colegas de grupo e até da professora que orientava o
grupo. Era a alegria da turma, pois tinha uma personalidade simpática e comunicativa.
Segundo a professora da escola, quando contrariado, revelava-se agressivo. Acabava
chorando, com muita raiva, quando não conseguia fazer valer sua vontade frente aos colegas.
Em sua participação nas atividades psicomotoras mostrava muito interesse e empenho.
Durante o tempo destinado à linguagem oral, Pedro contribuía bastante com suas opiniões
divertidas. Mostrava-se, entretanto, avesso à escrita e até um pouco irritado, afirmando ser a
produção de textos tarefa ¨muito chata¨, e parecendo ficar insatisfeito com os textos que
escrevia. O mesmo se dava em relação às atividades de leitura em sala de aula. Pedro teve que
ser muito estimulado a participar das tarefas escritas e acabou percebendo que acertar ou errar
são experiências enriquecedoras. Como ele mesmo disse, ¨servem para a gente crescer por
dentro¨. Seu texto também cresceu, igualmente, em tamanho e em qualidade.
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Texto 1
{ EMBED PI3.Image }
(1) É um garoto brincando com uma casa na biblioteca. Na estante
(2) tem um carrinho de brinquedo. Do lado esquerdo, para o lado que eu
(3) estou escrevendo, um livro com a capa Words, um jogo de argolas e um
(4) sapato.
A primeira coisa a ser observada é a organização gráfico-espacial do texto, ocupando
apenas a parte superior da folha de papel. Note-se que o relato vem escrito entre duas linhas
paralelas, feitas pelo menino para delimitar o espaço que seria usado (“só vou escrever neste
pedaço”).
Há uma descrição restrita da gravura apresentada, não havendo idéias hierarquizadas,
com objetivos claros e organizados que, segundo Garcia (2002:.287 ), caracterizariam a
narrativa, o que havia sido a proposta inicial.
De maneira geral há uma estrutura que não expressa as relações todo/partes da cena
vista. A estrutura sintática se apresenta comprometida, sem períodos conectados de modo a
formar um todo coeso, como nos diz Garcia.
Um ponto relevante a destacar na escrita do texto por Pedro é que o menino não lhe
confere a autonomia que o texto poderia ter. Esta observação se confirma nas linhas 2 e 3,
quando Pedro escreve “Do lado esquerdo para o lado que eu estou escrevendo,...”.
Os tempos verbais estão bem empregados. Não aparecem os adjetivos, as interjeições,
que tanto colorido dão à expressão oral do menino, mostrando um hiato entre o oral e o escrito
Dispensa a pontuação intrafrásica requerida pelo texto, prejudicando o entendimento do
escrito, havendo a necessidade de um esforço do leitor para que a compreensão se faça; não
aparece o ponto final.
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Texto 2
{ EMBED PI3.Image }
(1)
Era uma vez um elefante que tinha duas
(2)
orelhas enormes e um dia ele voou mexendo-as
(3)
mas um dia ele viu voando um(a) banda e era
(4)
composta com um rato, dois porcos, um cacho-
(5)
rro, um grilo, sete anões, um pato, um boneco
(6)
com vida, um pateta, dois ursos, uma hiena e ( um )
(7)
lindo castelo.
Este texto foi escrito após a atividade de pintar animais nas mãos, explicada na seção
anterior. Podemos perceber que Pedro pintou um elefante em sua mão e se referiu, na sua
narrativa, aos animais pintados pelos colegas. Juntou, também, personagens e elementos de
histórias infantis (sete anões, boneco com vida, das histórias da Branca de Neve e da do
Pinóquio, e lindo castelo, possivelmente do conto da Cinderela – linhas 5, 6 e 7), revelando
de modo intenso a interdiscursividade e a polifonia que caracterizam os textos. É interessante
observar como o texto produzido após uma situação vivida e expressa oralmente mostra uma
nova forma de linguagem, criando uma relação mais próxima com a escrita.
A letra usada ainda é a de imprensa, mas já de tamanho maior do que a do texto
anterior. O seu relato, tanto quanto o primeiro, também não está bem distribuído no espaçodo
papel, ainda ocupando a parte superior da folha. Mesmo assim, já apresenta diferença
sugerindo que, à medida que seu corpo vai se relacionando mais com espaço físico, ele vai se
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organizando melhor no espaço do papel também, como dizem Aucouturrier, Le Boulch, entre
outros autores de estudos sobre a psicomotricidade.
Há uma estrutura narrativa, com um enredo constituído por um núcleo temático e
fatos que se encadeiam, porém, a partir da 4ª linha, Pedro retoma a enumeração dos
elementos, não chegando a fazer um desfecho para a história. As expressões “era uma vez” (
linha 1 ) e “um dia” ( linha 2 ) apontam para uma aproximação com as maneiras clássicas de
se iniciar uma história infantil. Estas expressões situam o relato no tempo e no espaço, o que
é uma das características da narração ( Garcia, 2002:254 ) e foram áreas sistematicamente
enfocadas nos nossos trabalhos com a linguagem e com o corpo.
Pedro faz uso de conectivos entre as orações apresentando, com isso, um texto mais
coeso (Garcia, 2002:287). Os adjetivos e numerais (“enorme, lindo, dois, sete”) estão
presentes, dando mais colorido ao relato. Vemos que há concordância em gênero e número,
falhando apenas na linha 2 (“orelhas enorme”). Pedro mostra, na elaboração de seu texto,
que está se apropriando de características da linguagem escrita, como no uso do pronome
oblíquo em “mexendo-as”.
O menino mostra estar atento aos modos de representação da língua quando escreve e
risca as letras de palavras (linha 2 – “meijendo-as”: a letra i foi cortada; linha 4 – “porgcos”:
a letra g foi cortada e substituída por c), auto-corrigindo-se. Pedro vai buscando uma
associação da escrita correta das palavras, buscando em “vooando” as mesmas letras duplas
da palavra “voou” (linhas 3 e 2, respectivamente).
Os sinais de pontuação só aparecem no fim do texto com o emprego do ponto final.
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Texto 3:
{ EMBED PI3.Image }
Podemos observar de imediato uma organização gráfico-espacial muito boa, em que
o texto já ocupa a folha toda do papel e inclui desenhos do material com o qual o menino
havia trabalhado, mostrando, graficamente, as relações de tamanho entre eles.
É o primeiro texto em que aparece o título. Notável, também, o registro da
incorporação da palavra do “outro” (atividade, construí, suporte, cautela) parecendo ser
decorrente das interações e das conversas anteriores à elaboração do texto, em que tais
palavras foram utilizadas.
O texto tem as características da narrativa, que, apresentando o fato, sua seqüência e
objetivos.
Os períodos se apresentam com vínculos sintáticos que estabelecem as relações de
coesão tanto entre as frases quanto do texto como um todo, resultando um relato estruturado
coesamente.
A concordância se faz presente, tanto a nominal quanto a verbal. Interessante
observar que os verbos são usados em tempos e modos diferentes dos textos anteriores, como
visto, por exemplo, em caísse / poderia acontecer , mostrando estar havendo um maior
conhecimento da língua .
De um modo geral, podemos ver que Pedro está atento às convenções ortográficas,
mostrando a busca pelo acerto como na escrita da palavra qualtela (cautela), em que ele
trabalha com as possibilidades da língua, já que o fonema /k/ pode ser representado pelas
letras “qu”, como na palavra “quadro”.
Os parágrafos estão bem marcados, acompanhando a transição das idéias, mostrando,
assim, como seu pensamento vem se organizando a cada etapa do trabalho realizado.
{PAGE }
Texto 4
{ EMBED PI3.Image }
Vemos aqui uma narrativa bem estruturada, com o relato de um episódio no qual
aparecem os elementos que caracterizam a narrativa: fato, personagens, o modo como a ação
se desenrolou, lugar e motivo da ocorrência e o resultado final. O título se refere à
personagem principal da história – o garoto.
O produto escrito está bem distribuído no espaço do papel. A palavra “FIM” também
ocupa um bom espaço da folha e mostra que o menino se refere à maneira tradicional com
que terminam as histórias em livros e filmes.
Pedro mantém a coerência entre a idéia predominante e as secundárias, dando unidade
ao texto. Os conectivos, pronomes e advérbios estabelecem vínculos entre as palavras e as
frases, mantendo a coesão local e global da narrativa. Os períodos são mais extensos e com
variedade nos tipos de estruturas usadas.
Os verbos aparecem, algumas vezes em tempos compostos (“estava brincando”, “ia
sair”). Vemos que Pedro vem escrevendo com clareza e objetividade, de modo a fazer da
linguagem também um instrumento de comunicação.
Pedro mantém marcas da oralidade na escrita, quando grafa “poera” em vez de
“poeira” (linha 5), suprimindo a semivogal i, fonema usualmente não emititido pelos falantes
do dialeto carioca (Lemle, 1987:17). Na linha 7, na palavra “perigoçisima”, o menino mostra
já ter noção de que duas ou mais letras concorrem na representação do mesmo fonema e
ainda se atrapalha com isto.
Os sinais de pontuação estão presentes, o que é uma evolução em relação ao primeiro
texto em que nenhum sinal foi usado.. As palavras “viva” e “oba”, acompanhadas de pontos
de exclamação ( última linha ) são recursos expressivos muito bem utilizados para dar ênfase
ao final da narrativa.
O quadro abaixo apresenta uma síntese da análise comparativa entre os textos de
Pedro enfocando as ordens estrutural, morfossintática e fonológico-ortográfica.
{PAGE }
Ordem
estrutural
TEXTO 1
TEXTO 2
TEXTO 3
TEXTO 4
Texto descritivo
sobre gravura
apresentada
Texto
descritivo/narrativo a
partir de atividade de
representação
corporal e pintura
Texto narrativo a
partir de atividades
de equilíbrio sobre
blocos de madeira
Texto narrativo
sobre a mesma
gravura do texto 1
Orações não
interligadas que
remetem
diretamente à
gravura
1ª parte com orações
interligadas e núcleo
temático presente
2ª parte com simples
enumeração de
elementos.
Orações
interligadas, com
núcleo temático
presente
Orações
interligadas, com
núcleo temático
presente
Não visto
Não visto
Atribuição de
sentimentos e
julgamento ao autor
Atribuição de
sentimentos e
avaliação ao
personagem
Ausência de título
Ausência de título
Título presente
Título presente
Desfecho ausente
Desfecho ausente
Desfecho presente
Desfecho presente
Organização
espacial - texto
pequeno, ocupando
1/8 do papel
Organização espacial Organização
– texto ocupando ¼
espacial –
do papel
distribuição
harmoniosa entre
texto que ocupa
metade do papel e
ilustração que ocupa
o restante
Organização
espacial – texto
ocupando ¾ do
papel
Sem ilustração
Sem ilustração
Com ilustração
Sem ilustração
39 palavras
51 palavras
49 palavras
96 palavras
Períodos simples e
compostos por
coordenação e por
subordinação
Períodos compostos Períodos compostos
por coordenação e
por coordenação e
subordinação
subordinação
Ausência de coesão
Coesão presente
Coesão presente
Coesão presente
Coerência presente
Coerência presente
Coerência presente
Coerência presente
Verbos no presente
Verbos no imperfeito, Verbos no perfeito
Ordem
Períodos simples
morfossintáti
ca
Verbos no
{PAGE }
Ordem
fonológicoortográfica
do indicativo, no
gerúndio e na
locução
perfeito do
indicativo, gerúndio
e locução
e no futuro do
pretérito do
indicativo
(composto), e
imperfeito do
subjuntivo
imperfeito (simples
e na locução)
Uso de substantivos,
artigos, pronomes,
verbos, preposições,
adjetivo
Uso de substantivos,
artigos, pronomes,
verbos, preposições,
adjetivo mais
numerais e conjunção
Uso de substantivos,
artigos, pronomes,
verbos, preposições,
adjetivo mais
numerais e
conjunção
Uso de
substantivos,
artigos, pronomes,
verbos,
preposições,
adjetivo mais
numerais e
conjunção mais
interjeições
e advérbios
Ausência de sinais
de acentuação
Ausência de sinais de Ausência de sinais
acentuação
de acentuação
Ausência de sinais
de acentuação
Escrita em letras de Escrita em letras de
imprensa maiúsculas imprensa maiúsculas
Uso correto de letras Uso correto de
letras maiúsculas
maiúsculas
Ausência de sinais
de pontuação
Uso correto de
pontos no final das
frases
Uso de ponto final
Uso correto de
pontos, vírgulas,
pontos de
exclamação
Ao analisar os textos produzidos por Pedro, posso constatar, em resumo, evolução
significativa em relação à:
Ordem estrutural: o texto inicial se caracteriza por teor descritivo, com orações não
interligadas, que remetem diretamente à gravura. Não apresenta título ou ilustração. Muito
pequeno, comprime-se em 1/8 do papel Nos demais textos, notamos o aparecimento de
estruturas narrativas, orações interligadas, com núcleo temático presente, uso de ordem
cronológica, de título e de desfecho (nos dois últimos textos) e aumento progressivo do
número de palavras. Observamos igualmente a menção a sentimentos e avaliações atribuídos
ao autor e à personagem da história. Um dos textos se fez acompanhar de ilustração.
Ordem morfossintática: o texto inicial é composto de períodos simples, tem coerência,
mas não coesão. Os verbos se flexionam no presente do indicativo e no gerúndio (simples e
em locução); o texto contém substantivos, pronomes, artigos verbos preposições e adjetivo.
{PAGE }
Nos demais textos, notamos o surgimento de períodos compostos por coordenação e
subordinação. A coesão se fez presente e os verbos se flexionaram também no imperfeito e
perfeito, futuro do pretérito do indicativo, imperfeito do subjuntivo e no gerúndio( simples e
em locução). Às categorias lexicais foram acrescentados numerais, conjunções advérbios e
interjeições.
Ordem fonológico-ortográfica: o texto inicial se caracteriza por ausência de sinais de
acentuação e de pontuação e escrita em letras maiúsculas de imprensa. As letras maiúsculas
são bem empregadas e os sinais de acentuação começam a ser utilizados, embora
irregularmente. Os sinais de pontuação, aparentemente usados aleatoriamente, evoluem para o
uso correto de pontos, vírgulas e exclamações.
{PAGE }
3.2.4 PAULO
Paulo tinha 10 anos no início dos trabalhos do grupo de aceleração. Era um menino
muito inteligente, porém de mau rendimento escolar. Agressivo, contestador e ansioso, a
professora da escola relatava ter muita dificuldade em controlar sua disciplina. Era líder na
hora do recreio, mas sua liderança era contestada pelo grupo, visto que queria mandar em tudo
e em todos e muitas vezes acabava se envolvendo em brigas. Carecia de auto-controle e
exasperava-se com facilidade. Sua linguagem oral era boa, mas recusava-se a escrever,
alegando não ter paciência para tal. Nas atividades com o corpo e com a linguagem, revelava
muita dificuldade por faltar-lhe o interesse necessário à execução das propostas. Distraía-se na
hora da explicação das tarefas e, ao realizá-las, falhava e se frustrava. Também tinha muita
dificuldade em se ater ao tempo e ao espaço determinados. A sua impulsividade o fazia
antecipar-se às ordens ou, eventualmente, contestá-las.. No decorrer do período, foi aos
poucos acalmando sua ansiedade e conseguindo maiores êxitos em seu desempenho. Passou a
contribuir com suas opiniões, sempre bastante pertinentes, nas atividades de linguagem oral.
Foi sendo progressivamente mais respeitado, à medida que aprendia a esperar sua vez de
falar. Seu texto revelou-se bastante bom.
{PAGE }
Texto 1
{ EMBED PI3.Image }
O primeiro texto de Paulo, ao contrário dos textos das outras crianças, é narrativo e
apresenta título, como os três outros que se seguem. Tem dois núcleos temáticos: “um menino
inventador” e “neste restaurante tinha...” ), que não se interligam para dar unidade ao relato.
Por este motivo, o desfecho é parcial. A primeira parte (linhas 1 à 7) é bem estruturada e a
criança da foto dada é reconhecida como sendo o elemento principal da história, o que é
claramente indicado por Paulo na seqüência de acontecimentos que envolvem a personagem.
Na segunda,(linhas 8, 9,10), faltam elementos que dêem melhor desenvolvimento à história, e
que façam a ligação entre as duas partes da narrativa, prejudicando a coerência que, segundo
Fávero ( 2002:34 ), está relacionada à boa formação do texto e se estabelece a partir de uma
unidade de sentido , o que a caracteriza como algo global. Quanto à coesão, é ela ainda
quem diz a coesão se manifesta na organização seqüencial do texto[...]. Assim, como um
texto global, este deixa a desejar em relação a estes dois itens.
A organização espacial do texto é boa, ocupando dois terços do papel. Apresenta um
total de 59 palavras, o que o diferencia dos demais textos analisados.
Paulo utiliza-se de períodos simples e compostos por coordenação. Os verbos estão no
imperfeito do indicativo( estava, criava, fazia, usava, ) mas, na última linha, Paulo emprega o
verbo no tempo presente (adoram).
Os itens lexicais usados são substantivo, adjetivo, artigo, pronome, verbo, advérbio,
preposição e conjunção.
Emprega corretamente letras maiúsculas e os sinais de acentuação e de pontuação.
Texto 2
{ EMBED Photoshop.Image.4 \s }
{PAGE }
Este texto está relacionado com a pintura de animais na mão, conforme já descrito no
capítulo 3.
A organização espacial do texto no papel é boa, como acontece com os outros trabalho
selecionados para serem analisados. Assim como o texto 4, é o que apresenta o menor número
de palavras, só trinta e seis.
A narrativa está completa, com personagens, fato e circunstância (Garcia, 2002:255) É
um texto que, embora coeso e coerente, remete à idéia de textos acartilhados, uma frase em
cada linha, e, fora a primeira frase, as outras começam com substantivo ou pronome,
característica dos que estão se iniciando no processo da escrita. Paulo já era capaz de melhor
produção mas, divertindo-se com a pintura, não quis “perder tempo com escrever”,
mostrando, mais uma vez, seu temperamento arredio a esta tarefa.
Paulo faz uso de expressões com verbos no gerúndio (“estava preparando, estava
colocando, estava subindo”) e emprega, também, o pretérito perfeito do indicativo ( correu,
adorou)
As convenções ortográficas são bem usadas, assim como os sinais de pontuação.
{PAGE }
Texto 3
{ EMBED PI3.Image }
Paulo escreveu um texto narrativo sobre uma experiência vivida.
O texto apresenta-se bem desenvolvido, mostrando as relações de causa e
conseqüência, formando um todo coeso e coerente. Os períodos são mais extensos, variando a
forma de apresentá-los.
Interessante notar o uso das reticências (3ª e 5ª linhas) dando o tom de suspense, de
emoção, ao que ele quer contar, mostrando que Paulo sabe fazer uso da função comunicativa
da língua.
Observe-se que Paulo ia começar a narrativa com a clássica expressão “Era uma vez”,
que foi riscada, mudando o início da frase para “A mãe está falando...”
Um esboço de um F, supostamente da palavra FIM, aponta a relação difícil do menino
com a escrita.
Texto 4
{ EMBED PI3.Image }
A narrativa se apresenta bem estruturada, com as questões relativas à organização do
texto como um todo - idéia principal, seqüência, objetivos – bem resolvidas.
{PAGE }
A estrutura sintática, ou seja, a organização dos períodos (coordenados e
subordinados), os termos das orações como sujeito, predicado, objetos, etc, a concordância, a
regência (Geraldi, 1997:193), se fazem presentes.
Na palavra “infermeros”(linha 3) vemos a alternância entre os fonemas /e/ e /i/, como
reflexo da fala, assim como a redução do ditongo ei (Pinto, 1996:29 ).
Pontuação e acentuação bem utilizadas, enfatizando-se o uso da crase na linha 1 ( à
clínica ), mostrando a atenção de Paulo às normas da língua
Texto 5
{ EMBED PI3.Image }
Este é o último texto escrito por Paulo que, como todas as crianças do grupo, escreveu
sobre a gravura inicial para efeito de comparação.
Apesar de ter usado título em todos os trabalhos anteriores, desta vez Paulo não o fez..
É uma narrativa bem desenvolvida mas, como no primeiro texto feito por ele, aparece
um elemento estranho à seqüência da história, aqui “a princesa do castelo”( linha 9 ).
Os aspectos referentes às diferentes formas de estruturação dos enunciados e as
correlações sintagmáticas do tipo concordância, regência e ordem dos elementos no
enunciado, estão empregados com correção (Geraldi, 1999:193).
Convenções ortográficas presentes.
O quadro abaixo apresenta uma síntese da análise comparativa entre os textos de Paulo
enfocando as ordens estrutural, morfossintática e fonológico-ortográfica.
TEXTO 1
TEXTO 2
TEXTO 3
Ordem Texto narrativo Texto narrativo Texto
estrutu- sobre gravura
sobre atividade narrativo
ral
apresentada
de
sobre uma
TEXTO 4
TEXTO 5
Texto narrativo Texto
sobre fato
narrativo
ocorrido com
sobre a
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Ordem
morfossintática
representação
corporal e
pintura
experiência
vivida
colega
mesma
gravura do
texto 1
Orações
interligadas,
com núcleo
temático e
ordem
cronológica
Orações
interligadas,
com núcleo
temático e
ordem
cronológica
Orações
interligadas,
com núcleo
temático e
ordem
cronológica
Orações
interligadas,
com núcleo
temático e
ordem
cronológica
Orações
interligadas,
com núcleo
temático e
ordem
cronológica
Desfecho não
presente
Desfecho
presente
Desfecho
presente
Desfecho
presente
Desfecho
presente
Título presente
Título presente
Título
presente
Título presente Ausência de
título
Organização
espacial, com
texto ocupando
2/3 do papel
Organização
espacial, com
teto ocupando a
metade do
papel.
Organização
espacial , com
texto
ocupando a
metade do
papel
Organização
espacial, com
texto ocupando
a metade do
papel
Organização
espacial, com
texto
ocupando a
metade do
papel
.
59 palavras
36 palavras
58 palavras
36 palavras
53 palavras
Períodos
simples e
compostos por
coordenação
Períodos
simples
Períodos
compostos por
coordenação e Verbos no
subordinação perfeito do
indicativo
Coerência
presente
Coerência
presente
Coerência
presente
Coerência
presente
Verbos no
perfeito,
imperfeito do
ind.
Coerência
presente
Coesão
Coesão
Coesão
Coesão
Coesão
Verbos no
presente e
perfeito do
indicativo.
Verbos no
presente e
perfeito do
indicativo.
Verbos no
presente e
perfeito do
indicativo.,uso
do gerúndio
.
Uso de
substantivos,
Uso de
substantivos,
Uso de
substantivos,
Verbos no
Verbos no
imperfeito e
imperfeito
presente do ind. (locução) e
perfeito do
indicativo
.
Uso de
Uso de
substantivos,
substantivos,
{PAGE }
artigos,
pronomes,
adjetivos,
advérbios
preposições e
conjunções
Ordem Uso correto de
fonológi sinais de
coacentuação
ortográf
ica
Uso correto de
letras
maiúsculas
Uso correto de
sinais de
pontuação
artigos,
pronomes,
adjetivos,
advérbios,
preposições e
conjunções
artigos,
pronomes,
adjetivos,
advérbios,
preposições e
conjunções
Uso correto de
sinais de
acentuação
Uso correto de Uso correto de Uso correto de
sinais de
sinais de
sinais de
acentuação
acentuação
acentuação
Uso correto de
letras
maiúsculas
Uso correto de Uso correto de
letras
letras
maiúsculas
maiúsculas
Uso correto de Uso correto de
sinais
de sinais
de
pontuação
pontuação
mais
reticências
artigos,
pronomes,
adjetivos,
advérbios,
preposições e
conjunções
Uso correto de
sinais
de
pontuação
mais reticências
artigos,
pronomes,
adjetivos,
advérbios,
preposições e
conjunções
Uso correto de
letras
maiúsculas
Uso correto de
sinais
de
pontuação
mais
reticências
Ao analisar os textos produzidos por Paulo, posso constatar evolução significativa em relação
a:
Ordem estrutural: diferentemente dos textos iniciais dos outros alunos, o primeiro
texto de Paulo. já se caracterizava por teor narrativo, com orações interligadas, núcleo
temático presente, título, boa organização espacial no papel e bom número de palavras.
Pareciam faltar, entretanto, alguns elementos da história, dando a impressão de que o
desfecho vinha antes do que deveria.
Nos demais textos permanecem as qualidades positivas. Nos textos 2,3 e 4 as histórias,
embora simples, têm desfecho adequado e são bem desenvolvidas. No último texto,
entretanto, repete-se a característica do primeiro em relação ao desfecho, que parece não
combinar bem com o enredo. Os textos não são acompanhados de ilustração e o número de
palavras não cresceu progressivamente.
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Ordem morfossintática: o texto inicial se caracterizava por períodos simples e
compostos por coordenação. A coesão e a coerência se fazem presentes Os verbos se
flexionavam no imperfeito e presente do indicativo e Paulo fazia uso de substantivos, artigos,
adjetivos, pronomes, verbos, preposições, advérbios e conjunções.
Nos demais textos notamos o acréscimo de períodos compostos por coordenação e
subordinação, coerência e coesão, de verbo no perfeito do indicativo.
Ordem fonológico-ortográfica: o texto inicial mostrava uso correto de sinais de
acentuação e pontuação (pontos e vírgulas) e de letras maiúsculas. Os demais textosexibiram
a mesma característica
A análise realizada nos sugere que as atividades desenvolvidas com as crianças
contribuíram para a ampliação do conhecimento da linguagem escrita por elas
Não é possível afirmar essa relação já que os dados coletados são insuficientes para
tal. Um outro tipo de acompanhamento pode ser realizado, mais sistemático e acompanhando
mais de perto a realização dos textos pelas crianças, para se chegar a resultados mais
conclusivos.
De qualquer modo, foi possível observar mudanças longitudinais no processo de
produção textual das quatro crianças selecionadas.
Não foi pretensão deste trabalho esgotar possibilidades mas, apenas, apresentar outros
caminhos possíveis para que haja uma relação de prazer entre as crianças e a leitura e a
escrita.
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CAPITULO 4
APOTEOSE – o final da encenação
O objetivo desta pesquisa foi analisar aspectos da relação entre a psicomotricidade, a
oralidade e o letramento, na perspectiva de questões discursivas e textuais. Para isto, realizei
com as crianças da chamada Turma de Aceleração do “CIEP Sambódromo” um trabalho
envolvendo práticas de linguagem e práticas psicomotoras, conjuntamente. Ou seja, parti
sempre da linguagem e do corpo, com atividades interativas, para, através do vivido, explorar
a expressão oral, o diálogo e, mais adiante, a expressão escrita. Deste modo, as crianças eram
levadas a experimentar a autoria – elas sendo autoras das atividades corporais sugeridas,
autoras das suas interpretações, autoras das suas falas, para serem, então, autoras das suas
escritas.
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A análise das produções textuais escritas de quatro crianças foi feita a partir de
Geraldi, observando-se três grandes eixos: problemas de ordem estrutural, problemas de
ordem morfossintática e problemas de ordem fonológico-ortográfica. A análise realizada
sugere que as atividades desenvolvidas com as crianças contribuíram para a ampliação do
conhecimento, por elas, da linguagem escrita, bem como a seus usos e funções, como prática
social, como um saber, que lhes possibilita a inclusão numa sociedade letrada.
O desempenho do grupo mostrou-se dinâmico e variável, de criança para criança, em
momentos e situações diversos. Foi importante observar o desenvolvimento das crianças, seu
nível de auto-estima, o processo de socialização e de construção do conhecimento, a
linguagem, o aspecto psicomotor, enfim todos estes fatores interagindo e que foram
responsáveis pelas produções das crianças. Por outro lado, não é possível descartar o papel
do trabalho realizado, durante o ano letivo, pela professora da turma das crianças
pesquisadas.
As formas de falar e de escrever se aprendem em contextos de fala, em situações
comunicativas. Criadas as condições para atividades interativas efetivas pude observar que a
produção – oral e escrita – das crianças trabalhadas mostrou um desenvolvimento
significativo.
As atividades desenvolvidas levavam em conta a escrita real da fala dos alunos
buscando sempre ampliar, não só o que as crianças tinham a dizer mas, também, as
estratégias de como dizer. Além dos objetivos que as atividades tinham em si próprias, elas
apresentavam às crianças outros recursos expressivos, diferentes dos que já eram usados
pelos alunos, criando novas formas de construção, observando a estrutura do texto como um
todo.
Vendo a prática da linguagem como um fio condutor do processo ensinoaprendizagem, acredito que tal prática não pode ser algo externo à criança, mas, sim,
relacionada com a sua experiência. Através das experiências, as crianças são levadas a buscar
uma pluralidade de sentidos nas palavras, nas frases, estabelecendo articulações entre os
sentidos produzidos e os modos e intenções de produção de mensagens. A criança é
convidada a se apropriar das palavras, a deixar fluir seu pensamento, e a se afastar da
repetição, do reproduzido, do copiado. É preciso que ela reconheça a sua voz como uma das
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vozes possíveis dos discursos dos textos, pois, aprendemos com Bakhtin, que o texto é uma
unidade discursiva que só encontra sua completude no processo dialógico.
Neste percurso, o mediador/ professor é o articulador do processo, instigando a
criança a se aproximar dos novos conhecimentos, a questionar, a se desinibir, mantendo uma
postura de abertura para o diálogo, levando a criança a ganhar maior autonomia e autoconfiança. Ou seja, levando-a à construção em um processo em que ambos/todos são
parceiros de uma aprendizagem em que têm vez e voz..
O trabalho focalizou aspectos e situações que provocassem o desempenho infantil nos
usos da linguagem. Foram observadas as conversas informais antes de começarmos nossos
trabalhos, quando as crianças falavam de suas atividades preferidas, seus gostos, sugeriam
propostas e teciam comentários sobre a sua participação e a dos colegas durante os nossos
encontros. “Brincar” e “jogar” foram as atividades que mais despertaram o interesse do grupo
e foi curioso notar como as interações sociais se tornaram importantes para aquelas crianças.
A linguagem oral mostrou-se um valioso instrumento de interação.
Houve um enriquecimento progressivo da linguagem, estimulada pela comunicação
interpessoal .Foi possível a criação de um contexto dialógico: a linguagem pronunciando o
vivido pelo grupo e possibilitando a criação de novos sentidos pela comunicação
interpessoal.
A linguagem constitui e é constituída pelos sujeitos envolvidos no enunciado. Assim,
permitir que as crianças tenham vez e voz no processo pedagógico é destruir as amarras do
“tudo pronto, didatizado” e re-inventar novos significados – nas palavras, nas ações e na
própria compreensão de mundo.
Os jogos e os brinquedos afloraram a criatividade das crianças, tendo o papel de um
duplo espelho – a criança inventa a brincadeira mas esta também “inventa” a criança, ou seja,
lhe dá uma representação. A criança torna-se participativa, tem idéias, tira conclusões, sabe
pensar.
As atividades realizadas pelas crianças foram prazerosas para elas, o que facilitou a
introdução da escrita posteriormente. Mas o prazer não estava no movimento por si só, porém
na cena que este movimento representava e que era, então, verbalizado, ou escrito, dentro da
seqüência do trabalho proposto. Ouvir as histórias formadas pelas crianças permitiu avaliar o
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vocabulário, as relações lógicas estabelecidas por elas, o nível de complexidade dos textos,
os conceitos já formados, bem como a manifestação espontânea sem a interferência do
adulto.
Isto levou a uma linguagem que foi progressivamente ficando mais elaborada, ou seja,
apresentou novas configurações textuais e, no interior destas, a construção dos itens lexicais,
das estruturas sintáticas, as entonações e, mais adiante, a conseqüente passagem da
linguagem oral para a escrita.
Acompanhando a trajetória dessas crianças, dando espaço para as suas intervenções,
considerando e trazendo a fala dos meninos para o cenário das nossas atividades, pude
observar que:
a) as crianças, quando em contato com situações significativas que lhes permitam
oportunidades de expressar suas vivências, suas experiências, de criar suas
histórias, procuram meios de organizar suas falas e seus textos, através da
apropriação/incorporação da fala do(s) outro(s);
b) o papel da interação grupal na construção das aprendizagens e o papel da
linguagem como grande mediadora de significados sociais são fundamentais para a
leitura e a escrita;
c) as atividades lúdicas/pedagógicas que, pelo diálogo, promovem a ampliação dos
recursos discursivos das crianças, exercem uma ação de relevante neste processo.
Vejo que, na medida em que há razão para se constituir relações interlocutivas,
somente pela produção de textos os objetivos da comunicação vão se definindo, se
estruturando, se organizando, e novos objetivos vão sendo gerados numa dinâmica evolutiva.
Acredito que o meu ganho no Mestrado tenha sido a compreensão do papel
constitutivo da linguagem para o ser humano; neste sentido, a atividade motora, a
psicomotricidade, fica aliada aos desejos, significados e intenções das pessoas/crianças a
partir da linguagem. Por meio da linguagem verbal, trabalhei com outras linguagens que,
mobilizando as crianças, e dando sentido às atividades, fizeram com que elas pudessem
aprimorar a linguagem escrita.
Resumindo, o movimento foi este: o trabalho com a linguagem verbal de modo
significativo (afetivo, cognitivo) introduziu novas linguagens (novas formas de significar),
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gerando um retorno de qualidade para o sentido da linguagem verbal, que se expressa nos
textos escritos mais desenvolvidos das crianças.
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