JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A VIABILIDADE CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO VOTO OBRIGATÓRIO PARA FACULTATIVO Danielle Junqueira 1 Alice Francisco Cruz Salles2 SUMÁRIO Introdução; 1 A origem do voto; 2 A evolução do direito ao voto no Brasil; 3 A (in)compatibilidade do voto facultativo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Considerações finais. Referência das fontes citadas. RESUMO O presente trabalho tem como escopo analisar a possibilidade jurídica e a conveniência social de transformar o voto compulsório em facultativo no Brasil, alterando principalmente o inciso II do § 1º do art. 14 da CRFB/88. Serão abordadas, em um primeiro momento, as manifestações da Democracia e do direito ao voto através da história, começando pelo pensamento de Aristóteles, na Grécia Antiga. Em um segundo momento, será abordada a história da Democracia no Brasil desde a Independência, no ano de 1822, até a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Por fim, na terceira parte da pesquisa, será abordada a possibilidade jurídica e a viabilidade social de transformar o voto obrigatório em facultativo no Brasil. Palavras chaves: Voto obrigatório. Voto facultativo. Reforma Constitucional. INTRODUÇÃO O presente artigo visa analisar a obrigatoriedade do voto, de acordo com os ditames jurídico-políticos. É de grande valia abordar este assunto, pois diante de tantos escândalos de corrupção, revela-se oportuno reavaliar a conveniência da obrigatoriedade do voto. Objetivo é abordar a origem do voto, sua evolução no Brasil e, por fim, verificar se o art. 14 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é cláusula pétrea. O problema de pesquisa consiste em analisar se seria possível, constitucionalmente, a alteração do voto obrigatório para o facultativo. 1 2 Acadêmica do 9° período do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, campus de Balneário Camboriú. E-mail: [email protected] Mestre em Direito. Professora da UNIVALI. 608 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Para o desenvolvimento do presente artigo utilizar-se-á o método indutivo como base lógica e primordialmente a técnica da pesquisa bibliográfica, com base em doutrinas e legislação. 1 A ORIGEM DO VOTO Para discorrer sobre a constitucionalidade e viabilidade social do voto facultativo é necessário traçar um esboço histórico da democracia3, partindo da experiência grega, cerca de vinte e cinco séculos atrás, passando pelas Revoluções Burguesas até chegar ao contexto histórico brasileiro. Conforme destaca Medeiros4, a primeira manifestação concreta de governo democrático surgiu na Grécia nos séculos IV e V a.C. em Atenas. A autora afirma que: “A experiência grega foi a semente da democracia que veio germinar na República romana e floresceu com o advento dos tempos modernos.”5 Um dos pensadores que mais contribuiu para a Democracia na antiga Grécia foi Aristóteles (322 a.C - 384 a.C ). Segundo Sacramento6, foi no livro “A Política”, escrito por Aristóteles, que ficaram assentados os principais pilares da Política, dentre os quais se destaca o termo “animal político”, que transmite a ideia de organização social em polis em que o homem antigo vivia. Contudo, a Democracia grega assegurava direitos apenas aos cidadãos gregos, ao passo que, conforme Sacramento7, eram excluídos desses direitos as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Os cidadãos gregos exercitavam com liberdade a participação nas discussões sobre determinado assunto e, após, tomavam as decisões necessárias, ou seja, os próprios cidadãos se reuniam em 3 Democracia é aquela forma de exercício de função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto – a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo o poder legítimo. (BONAVIDES, Paulo. A constituição aberta: temas políticos e constitucionais de atualidade, com ênfase no federalismo das regiôes. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores LTAD, 2004, p. 17. 4 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. O princípio democrático no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, 1 jul. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/62>. Acesso em: 12 maio 2012. 5 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. O princípio democrático no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, 1 jul. 2000. 6 SACRAMENTO, Cleidivaldo de Almeida. Diálogos entre Democracia e Direito. Jus Navigandi, Teresina, 11 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20213>. Acesso em: 12 maio 2012. 7 SACRAMENTO, Cleidivaldo de Almeida. Diálogos entre Democracia e Direito. Jus Navigandi, Teresina, 11 out. 2011. 609 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 determinado lugar, ou até mesmo em praças, para decidir sobre assuntos inerentes à sociedade, sem que precisassem eleger representantes. Medeiros8 explica que o modelo de política democrática logo espalhou-se por Roma e pelos Cantões Helvéticos. Destaca, ainda, que “a democracia foi idealizada e praticada sob a forma direta, ou seja, o povo governava-se por si mesmo e em assembléias gerais através do voto/por intermédio do sufrágio, realizadas em praças públicas”. No contexto histórico mais recente, devem ser elencadas as influências diretas que as Revoluções burguesas tiveram para se chegar à concepção moderna de Democracia. Segundo Sacramento9, as duas principais revoluções que merecem destaque no que tange ao tema são a Revolução Americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789. Para Medeiros10, “A Revolução Americana, expressou a sua busca por um governo popular e anti-absolutista na Declaração de Independência das treze colônias americanas, em 1976”. Já a Revolução Francesa de 1789 teve evidente influência do pensamento de Jean Jacques Rousseau, ao universalizar os seus princípios na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.11 Para os revolucionários, conforme elenca La Bradbury12, o principal lema era a busca pela "Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. A Revolução de 1789, segundo La Bradbury13, foi o grande movimento social e econômico, motivado pela sociedade burguesa, que alavancou o Estado Liberal e, principalmente, defendeu o princípio da igualdade entre as classes sociais. 8 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. O princípio democrático no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, 1 jul. 2000. 9 SACRAMENTO, Cleidivaldo de Almeida. Diálogos entre Democracia e Direito. Jus Navigandi, Teresina, 11 out. 2011. 10 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. O princípio democrático no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, 1 jul. 2000. 11 MEDEIROS. Fernanda Luiza Fontoura de. O princípio democrático no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, 1 jul. 2000. 12 LA BRADBURY, Leonardo Cacau Santos. Estados liberal, social e democrático de direito: noções, afinidades e fundamentos. Jus Navigandi, Teresina, 5 dez. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9241>. Acesso em: 12 maio 2012. 13 LA BRADBURY.Leonardo Cacau Santos. Estados liberal, social e democrático de direito: noções, afinidades e fundamentos. Jus Navigandi, Teresina, 5 dez. 2006. 610 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Em suma, Medeiros14 ressalta que as duas Revoluções Burguesas “derrubaram as monarquias absolutistas, a Democracia recuperou o princípio da cidadania: os homens deixaram de ser súditos (subordinados a um rei) para se transformar em cidadãos”. Contudo, ao discorrer sobre a história da Democracia, não se pode deixar de mencionar os estudos de Bobbio sobre o tema. Segundo BOBBIO15, a história da Democracia pode ser divida em três teorias: a) a teoria clássica; b) a teoria medieval; e c) a teoria moderna. A teoria clássica, segundo Bobbio16, está fundamentada nas formas de governo propostas por Aristóteles, no livro “A Política”, segundo o qual, a Democracia é o governo de todos os cidadãos, o governo do povo, de todos aqueles que gozam de cidadania. A teoria medieval, para Bobbio, é assim explicada por Medeiros17: A teoria medieval, segundo Bobbio (1995, p.319), é de origem romana, tendo sustentáculo na soberania popular, em cuja base há uma contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente de soberania, dependendo da origem de onde o poder deriva: do povo ou do príncipe. Enquanto que na ultima teoria, a Moderna, Bobbio18 explica que nasceu na forma das grandes monarquias, segundo a qual as formas de Governo seriam basicamente duas: a Monarquia e República. Essa teoria é conhecida como “teoria de Maquiavel”. Assim, concluídos tais aportes históricos, pode-se ressaltar que o Estado Comtemporânio nasceu das lutas contra o absolutismo, principalmente através da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana. Nessa esteira histórica, devem ser levantados os principais aspectos da democracia no Brasil e as primeiras manifestações do sufrágio em terras brasileiras, conforme a seguir abordados. 14 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. O princípio democrático no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, 1 jul. 2000. 15 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 19. 16 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. p. 23. 17 MEDEIROS.Fernanda Luiza Fontoura de. O princípio democrático no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, 1 jul. 2000. 18 BOBBIO. Norberto. Liberalismo e democracia. Trad. brasileira de Marco Aurélio Nogueira.p. 25. 611 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 2 A EVOLUÇÃO DO DIREITO AO VOTO NO BRASIL A história do Brasil pode ser dividida em várias fases, desde a era colonial até a concepção moderna de Estado Democrático. Contudo, nesta pesquisa serão levantados os principais fatos históricos desde a Independência brasileira, em 1822, até a democracia atual, com foco na história das eleições. A Independência do Brasil em 07 de setembro de 1822 deu início à Era Imperial brasileira. Barreiros Neto19 aponta que: Os principais marcos desse período são a aristocratização política, simbolizada pela instituição do sufrágio censitário que restringia o exercício dos direitos políticos àqueles detentores de um maior poder econômico; pela escravidão, abolida somente com a Lei Áurea em 13 de maio de 1888, pela centralização política em um Estado Unitário e caracterizada principalmente pelo chamado ‘poder moderador", exercido pelo imperador; e, por fim, pelas fraudes eleitorais. Em termos de legislação, em 19 de junho de 1822 foi publicada a primeira lei eleitoral brasileira, que regulamentava a escolha de uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa20. Esta, porém, foi dissolvida em novembro de 1823 em decorrência de conflitos com o Imperador D. Pedro I, que outorgou, em 25 de março de 1824, a Constituição do Império do Brasil”21. Segundo Bonavides22: De todas as constituições brasileiras, a do Império, instituindo o sufrágio restrito, foi a que mais ostensivamente patenteou, entre nós, a dimensão classista do Estado liberal. A Constituição do Império repartia o eleitorado em duas categorias: os eleitores com direito a votar nas assembléias primárias de paróquia, que nós chamaríamos de eleitores de primeiro grau, e os eleitores aptos a votar na eleição dos deputados, senadores, e membros dos conselhos provinciais, a saber, os eleitores de segundo grau, que em verdade eram os mesmos eleitores paroquiais, com exceção daqueles que tivessem renda líquida anual inferior a 200$0 por bens de raiz, industria, comercio ou emprego. Alias, o obstáculo à participação também se estendia nas assembléias paroquiais aqueles que não tivessem renda líquida anual de 100$0 por bens de raiz, industria, comércio ou emprego. O teor discriminatório de natureza econômica sobre as bases do sufrágio prosseguia com exigência constitucional de 400$0 de renda líquida para o 19 BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12872>. Acesso em: 12 maio 2012. 20 Disponível em: <http: //www.tre-sc.gov.br/site/institucional/historico-do-tresc/index.html>. Acesso em 13 de maio de 2012. 21 TAVARES, André Ramos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Lições de direito constitucional: em homenagem ao jurista Celso Bastos. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 709. 22 BONAVIDES, Paulo. História constitucional do Brasil. 5. ed. Brasília : OAB Editora, 2004. p. 107-108 612 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 cidadão poder eleger-se deputado. Essa exigência se elevava a 800$0,dobrando, portanto, para os que postulassem a eleição de senador. Ainda no tocante a leis eleitorais, pode-se destacar quatro diplomas normativos que regulamentavam a “Democracia”, são eles: o Decreto nº. 15723, de 04 de Maio de 1842, que dava Instruções sobre a maneira de se proceder às Eleições Gerais e Provinciais; o Decreto nº. º 84224, de 19 de Setembro de 1855, que alteravam a Lei de 19 de Agosto de 1846; que ficou conhecida como Lei dos Círculos, ou seja, instituía o voto por distritos ou círculos eleitorais25; o Decreto nº. 2.67526, de 20 de Outubro de 1875, que reformou a legislação eleitoral. Conhecida como “Lei do Terço”, marcada também pela criação do Título de Eleitor27; e, por fim, o Decreto nº 3.02928, de 09 de Janeiro de 1881, que mais uma vez reformou a legislação eleitoral, e teve como marco principal a instituição do “voto secreto”. Em 15 de novembro de 1889, com a Proclamação da República, teve início o período conhecido como República Velha. Tal período se caracterizou pelo poder dos coronéis na política, o voto aberto e pelas fraudes eleitorais. Conforme destaca Barreiros Neto29, a fraude era generalizada nessa época, ocorrendo em todas as fases do processo eleitoral, desde o alistamento de eleitores, até a votação e apuração de votos. Os principais instrumentos de falsificação eleitoral foram os bicos de pena, que consistiam na alteração das atas feitas pela mesa eleitoral, e a degola, que era um controle da comissão pelos deputados do governo o qual não permitia que parlamentares da oposição tivessem seu diploma 23 BRASIL, Decreto nº 157, de 04 de maio de 1842. Dá Instrucções sobre a maneira de se proceder ás Eleições Geraes, e Provinciaes. Disponível em <http://www6.senado.gov.br/legislacao /ListaPublicacoes.action?id=82379&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB>. Acesso em 12 de maio de 2012. 24 BRASIL, O Decreto nº. º 842, de 19 de Setembro de 1855. Altera a Lei de 19 de Agosto de 1846. Disponível em <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=76640&tipo Documento=DEC&tipoTexto=PUB >. Acesso em 12 de maio de 2012. 25 Disponível em <http://www.tre-sc.gov.br/site/institucional/historico-da-justica-eleitoral-no-brasil/index.html> Acesso em 12 de maio de 2012. 26 BRASIL, Decreto nº. 2675, de 20 de Outubro de 1875. Reforma a legislação eleitoral. Disponível em <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=70376&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PU B>. Acesso em 12 de maio de 2012. 27 Em < http://www.tre-sc.gov.br/site/institucional/historico-da-justica-eleitoral-no-brasil/index.html> Acesso em 12 de maio de 2012 28 BRASIL, Decreto nº 3.029, de 09 de Janeiro de 1881. Reforma a legislação eleitoral. Disponível em <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=70949&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PU B>. Acesso em 12 de maio de 2012. 29 BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. 613 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 reconhecido. Nessas fraudes era comum a invenção de nomes, a ressuscitação de mortos, e os ausentes comparecerem para votar. Em 1930 teve início a Era Vargas, que trouxe importantes transformações no cenário político e social brasileiro, consoante afirma Barreiros Neto30: Durante o primeiro período getulista (1930-1937), apesar de toda a instabilidade do novo regime político, avanços democráticos ocorreram. Dentre eles, podemos destacar a criação da Justiça Eleitoral, a instituição do voto feminino e o surgimento do primeiro código eleitoral brasileiro, fatos ocorridos em 1932, ano que também foi marcado pela Revolução Constitucionalista, eclodida em 09 de julho, na cidade de São Paulo. Todavia, conforme continua Barreiros Neto31, em 10 de novembro de 1937 todos os avanços democráticos retrocederam. Getúlio Vargas, naquela histórica data, instituiu um regime autocrático, outorgando uma nova Constituição e pondo fim à democracia, instituindo o chamado "Estado Novo". Com o Estado Novo foram suspensas as eleições no Brasil (1937-1945), os partidos políticos foram extintos, assim como a Justiça Eleitoral. Foi somente em 28 de maio de 1945 que a Justiça Eleitoral retomou suas atividades, pois foi nessa data que Vargas promulgou o Decreto Lei nº 7.58632, que regulamentou a obrigatoriedade do exercício do voto. No art. 38 do Decreto-Lei 7.586/45 ficou estabelecido o sufrágio universal: “Art. 38. O sufrágio é universal; o voto, obrigatório, direto e secreto. Avançando no tempo, Barreiros Neto33 destaca o próximo passo na evolução eleitoral no Brasil: Em 1946, uma nova Constituição é promulgada no Brasil, a partir da qual são retomados princípios democráticos e sociais que houveram sido consagrados pela Constituição de 1934 e abolidos pelo EstadoNovo. Com a redemocratização, surgem novos partidos políticos, de 30 BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. 31 BARREIROS NETO., Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. 32 BRASIL, Decreto nº 7.586, de 28 de maio de 1945. Regula, em todo o país, o alistamento eleitoral e as eleições a que se refere o art. 4º da Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945. Disponível em <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=26767>. Acesso em 12 de maio de 2012. 33 BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. 614 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 caráter nacional, e as eleições para presidente da república voltam a ocorrer de forma direta, com a consagração do sufrágio universal. Entretanto, em 31 de março 1964, o Brasil é atingido por um golpe militar que, conforme Pereira34, promove uma ruptura com o processo democrático instalado pela Constituição de 1946. Com a instalação do Regime Militar e a deposição do Presidente João Goulart, o processo eleitoral foi várias vezes modificado por atos institucionais, emendas constitucionais, leis e decretos-leis. Nessa época, foram realizadas eleições indiretas para Presidente da República, governadores dos estados e Territórios e para prefeitos das capitais, estâncias hidrominerais e municípios caracterizados como área de segurança nacional. O período foi marcado, ainda, pela extinção dos partidos e pela cassação de direitos políticos35. Uma das normas editadas durante o Regime Militar que merecem destaque é o Ato Institucional n. 236, de 27 de outubro de 1965, que extinguiu os partidos políticos existentes à época, dando origem ao bipartidarismo, representado pela ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Todavia, durante o regime militar muitas manifestações sociais tomaram conta do país para ter de volta a Democracia e demais direitos já alcançados pelas legislações anteriores. Conforme expõe Barreiros Neto37, uma das principais campanhas contra o governo militar foi a “Diretas já”: Em 12 de janeiro de 1984, na Boca Maldita, em Curitiba, é realizado, assim, o primeiro comício da campanha das "Diretas-Já". A partir deste comício, vários outros começam a acontecer por todo o país. Em 25 de janeiro de 1984, dia do aniversário de 430 anos da fundação da cidade de São Paulo, um grande comício é realizado na capital paulista, reunindo milhares de pessoas. Figuras políticas de diversas tendências, como Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola e Luís Inácio Lula da Silva se tornam presenças 34 PEREIRA, Matheus Bevilacqua Campelo. Golpe Militar de 1964 – Instalação do Estado de Exceção e a luta pela Redemocratização. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 12 mai 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9499 >. Acesso em maio 2012. 35 Disponível em <http://www.tre-sc.gov.br/site/institucional/historico-da-justica-eleitoral-no-brasil/index.html> Acesso em 12 de maio de 2012. 36 BRASIL, Ato Institucional Nº 2, de 27 de outubro de 1965. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-02-65.htm>. Acesso em 12 de maio de 2012. 37 BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. 615 Disponível em JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 constantes nas manifestações pelas eleições diretas, que mobilizam todo o país e denotam o ocaso do regime militar. Os militares apenas saíram do poder, nas palavras de Barreiros Neto, com a eleição indireta para presidente em 15 de janeiro de 1985, quando Tancredo Neves é eleito pelo Colégio Eleitoral o primeiro presidente civil brasileiro em 21 anos, derrotando o candidato da situação Paulo Salim Maluf.38 Barreiros Neto39 ainda destaca que na véspera de sua posse, marcada para o dia 15 de março de 1985, Tancredo é internado em estado grave no Instituto do Coração, em São Paulo, vítima de uma suposta diverticulite, que o levaria à morte, em 21 de abril. Assim, o vice José Sarney é efetivado como o novo Presidente do Brasil, dando início ao período conhecido como "Nova República". A “Nova República” trouxe numerosas mudanças em relação ao Regime Militar, conforme salienta BARREIROS NETO40: Com o início da "Nova República", o Brasil retoma os caminhos da democracia. É editada, assim, a Emenda Constitucional nº 25, que institui diversas mudanças políticas no país, a exemplo do estabelecimento de eleições diretas para presidente pelo sistema de maioria absoluta (dois turnos); a convocação para 15 de novembro de eleições para prefeitos de capital, municípios considerados áreas de segurança nacional e para vereadores e prefeitos de novos municípios; a permissão de coligações nas eleições para prefeito e proibição das sublegendas; a representação do DF no Congresso, com 3 senadores e 8 deputados federais; a revogação da fidelidade partidária; a concessão de direito de voto aos analfabetos (o alistamento e o voto não eram obrigatórios) e a flexibilização das regras existentes para a organização de partidos. Pouco depois, por meio da Emenda Constitucional nº 26, é convocada pelo presidente José Sarney a Assembleia Nacional Constituinte, a ser eleita em 1986, com o objetivo de fazer nascer uma nova Constituição para o Brasil, propugnadora da construção de um Estado Democrático de Direito em nosso país. Após debater sobre a nova Constituição, a Assembleia Nacional Constituinte promulgou, em 5 de outubro de 1988, a sétima Constituição da República Federativa 38 BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. 39 BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. 40 BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. 616 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 do Brasil. Esse novo texto constitucional, conforme assevera Medeiros41 estabelece de forma clara e inequívoca que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito. Cumpre ressaltar que nessa última fase da evolução da democracia no Brasil, as normas concernentes ao funcionamento do sistema eleitoral encontram-se previstas, em síntese, na Constituição Federal de 1988, bem como nas leis esparsas, dentre as quais cita-se: a Lei n. 4.73742, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral; a Lei n. 9.50443, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições; a Lei Complementar n. 6444 de 18 de maio 1990, que trata de inelegibilidades; e a Lei n. 9.09645, de 19 de setembro de 1995, que dispõe sobre os partidos políticos. 3 A (IN)COMPATIBILIDADE DO VOTO FACULTATIVO COM A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Feitos todos os levantamentos históricos sobre a evolução da Democracia e do direito ao voto, especialmente na realidade brasileira, chega-se ao ponto crucial desta pesquisa, qual seja, verificar se no atual cenário político-constitucional brasileiro é possível transformar o voto compulsório, previsto na CRFB/88, em facultativo. Vale ressaltar, inicialmente, que a obrigatoriedade do voto está restrita apenas aos maiores de 18 anos e menores de 70 anos; sendo ainda facultativo para as pessoas entre os 16 e 18 anos, maiores de 70 anos, e os analfabetos, conforme previsto no art. 14, §1º inciso II, da CRFB/88. 41 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. O princípio democrático no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, 1 jul. 2000. 42 BRASIL, Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, Institui o Código Eleitoral. Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737.htm >. Acesso em 12 de maio de 2012. 43 BRASIL, Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm >. Acesso em 12 de maio de 2012. 44 BRASIL, Lei Complementar n. 64 de 18 de maio 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp64.htm>. Acesso em 12 de maio de 2012. 45 BRASIL, Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9096.htm>. Acesso em 12 de maio de 2012. 617 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 No capitulo IV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estão positivados os Direitos Políticos. No seu art. 14, § 1º, incisos I e II, está assim definido: § 1º - O alistamento eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II – facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos 46 c) Os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Assim, analisando estritamente o contexto constitucional/legislativo, abordarse-á em um primeiro momento a possibilidade de alteração do art. 14 da CRFB/88. A possibilidade de mudanças no ordenamento jurídico pode ser explicada nas palavras de Ribeiro47: É intrínseco a qualquer ordenamento a necessidade de mudanças de tempos em tempos a fim de que se adeque às mutações sociais internas e externas. Essas mudanças podem simplesmente ter como origem os costumes, as tradições, as alterações sociológicas ou empíricas ou, até mesmo, o posicionamento adotado pela Corte Suprema do país a respeito de um determinado assunto [...]. Todavia, existem mudanças que o legislador constituinte preocupou-se em impedir que fossem realizadas, mesmo que através de emendas à Constituição. Trata-se das chamadas cláusulas pétreas. BULOS48 explica que as emendas constitucionais constituem uma técnica através da qual se processa a reforma da constituição, verdadeira manifestação do poder constituinte derivado. Tal atividade está condicionada a limites impostos justamente pelo poder constituinte originário, que é o seu fundamento de autoridade. Os limites são de ordem, formal, ou seja, questões referentes ao procedimento; circunstancial, ou seja, não poderá ser editada emenda na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio; e limites de ordem material, que são as matérias intangíveis da Constituição, como as cláusulas pétreas. 46 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 10 maio 2012. 47 RIBEIRO, Guilherme Fernandes Aliende, O processo de elaboração de Emendas Constitucionais. Boletim Jurídico. Uberada, 12 dez. 2005. Disponível em < http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=964>. Acesso em 12 de maio de 2012. 48 BULOS, UadiLammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 560. 618 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Os limites materiais (cláusulas pétreas) estão elencados no art. 60, § 4º, da CRFB/88 49, que assim dispõe: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. Está claro que o voto obrigatório não é mencionado no artigo, apenas que ele é direto, secreto, universal e periódico. Assim, não é caracterizado como claúsula pétrea, podendo, em tese, ser modificado por ementa constitucional. Por outro lado, analisando-se o contexto político e social, percebe-se que a conquista do voto direto e secreto no Brasil só foi possível com a luta de muitos brasileiros e levou muitos anos para ser alcançada. Assim, nas palavras de Valverde50: A mudança do voto está exatamente no próprio voto. O voto é, tecnicamente, o melhor instrumento de mudança social que um país livre e democrático pode possuir. É uma conquista da sociedade como um todo. Votar é a maior arma que temos contra a impunidade, a desesperança, o descrédito, a violência, a falta de educação e ensino de qualidade, público e gratuito para todos, a fome, a corrupção, os apadrinhamentos escusos e o subdesenvolvimento. Assim, conclui-se que o voto é um instrumento valioso contra as injustiças cometidas pelos representantes, é com o voto que a população pode escolher o governo que melhor o representa e que de fato irá trabalhar para a população e deixar de lado os interesses próprios. Conforme disposto no transcrito art. 14, parágrafo 1º, incisos I e II, hoje vige no Brasil o voto obrigatório, há proposta de emenda constitucional nº 39 de 2004 no sentido de tornar o voto facultativo. 49 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 10 maio 2012. 50 VALVERDE, Thiago Pellegrini. Voto no Brasil: democracia ou obrigatoriedade?.Jus Navigandi, Teresina, 24 abr. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8282>. Acesso em: 11 maio 2012. 619 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Entretanto, Soares51 traz algumas ponderações acerca do voto obrigatório: a) o voto é um poder-dever; b) a maioria dos eleitores participa do processo eleitoral; c) o exercício do voto é fator de educação política do eleitor; d) o atual estágio da democracia brasileira ainda não permite a adoção do voto facultativo; e) a tradição brasileira e latino-americana é pelo voto obrigatório; f) a obrigatoriedade do voto não constitui ônus para o País, e o constrangimento ao eleitor é mínimo, comparado aos benefícios que oferece ao processo político-eleitoral. Uma desvantagem do voto obrigatório é que muitas pessoas votam apenas pela obrigação, sem ao menos se inteirar da política dos candidatos. Além disso, os políticos se aproveitam das pessoas mais pobres e menos informadas para lhes oferecerem algo em troca de seus votos. Podendo este ser muito grave num país como o Brasil, devido a grande quantidade de pobres e analfabetos. Deste modo está claro porque os políticos apóiam o voto obrigatório, pois quando candidatos podem se favorecer através deste tipo de voto52. E, por fim, SOARES53, ressalta que, a extinção do voto obrigatório traria uma liberdade individual irrelevante aos cidadãos brasileiros, no entanto, acarretaria uma grande perda na participação de todos no processo eleitoral. Logo, diante de todo o exposto, destaca-se que, embora o voto obrigatório possa ser alterado mediante emenda constitucional, conforme autorizado pelo poder reformador constituinte, nota-se que, diante do cenário jurídico/político que hoje se encontra o Brasil, tal alteração não seria viável. Entretanto, destaca-se a opinião de MENDONÇA54 51 SOARES, Paulo Henrique. Vantagens e desvantagens do voto obrigatório e do voto facultativo. Disponível em <http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD6PauloHenriqueSoares.pdf>, acesso em 20 ago. 2012. 52 D’AZEVEDO, Regina Ferretto. Sistema eleitoral: Voto facultativo ou voto obrigatório? Partido ou candidato, quem deve ser o maior beneficiário?. disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/465/Sistema-eleitoral-Voto-facultativo-ou-voto-obrigatorio-Partidoou-candidato-quem-deve-ser-o-maior-beneficiario >. Acesso em 20 nov 2012. 53 SOARES, Paulo Henrique. Vantagens e desvantagens do voto obrigatório e do voto facultativo. Disponível em <http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD6PauloHenriqueSoares.pdf>, acesso em 20 ago. 2012 54 MENDONÇA, Valda de Souza. Voto livre e espontâneo: exercício de cidadania política consciente. Florianópolis: Editora OAB/SC, 2004. p. 134. 620 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 O primeiro argumento a justificar a adoção do voto livre e espontâneo decorre do fato de que o sufrágio é um direito, e que, por sua vez, o exercício, que se materializa com o voto, é incompatível com a obrigação jurídica de votar. Pois, como já foi salientado no decorrer jurídico deste trabalho, quando o cidadão vota por ser obrigado, a soberania popular apresenta-se suprimida pela força coercitiva do Estado e o povo não pode ser considerado soberano, mas tão somente instrumento do Estado para escolher o respectivo corpo de dirigentes. Como se observa, o autor citado diverge do anterior, explorando a ideia de que a obrigatoriedade do voto exclui a soberania popular. O mesmo autor, citado Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, salienta que “o voto, assim, cria direito e não obrigação.”55 Com o voto facultativo, apenas pessoas interessadas em política, irão comparecer às urnas, pode acarretar numa perda de votos, por causa do desestímulo com a política até mesmo com os candidatos. Argumentos favoráveis ao voto facultativo. Os adversários do voto obrigatório refutam tais idéias acima com os seguintes argumentos: a) o voto é um direito e não um dever; b) o voto facultativo é adotado pela maioria dos países desenvolvidos e de tradição democrática; c) o voto facultativo melhora a qualidade do pleito eleitoral pela participação de eleitores conscientes e motivados, em sua maioria; d) a participação eleitoral da maioria decorrente do voto obrigatório é um mito; e) é ilusão acreditar que o voto obrigató-rio possa gerar cidadãos politicamente evoluídos; f) o atual estágio político brasileiro não é propício ao voto facultativo56. Acreditamos que para se chegar mais perto do voto na democracia, é necessário os eleitores terem um maior “engajamento” com a política, mostranto para as pessoas o quanto é importante e influente o nosso voto. CONSIDERAÇÕES FINAIS. O presente trabalho teve como objeto investigar, à luz da legislação e doutrina, a viabilidade de transformar o voto obrigatório em facultativo. O interesse pelo tema investigado deu-se pelo fato de o Direito Eleitoral ser de grande impacto na sociedade. 55 MENDONÇA, p. 134. 56 SOARES, Paulo Henrique. Vantagens e desvantagens do voto obrigatório e do voto facultativo. Disponível em < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15636-15637-1-PB.pdf. > Acesso em 20 nov 2012. 621 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Para o desenvolvimento do tema, o trabalho foi dividido em três partes. A primeira tratou de abordar a Democracia na história da humanidade, desde as primeiras manifestações do povo grego, ate chegar ao contexto hodierno. Assim, verificou-se a transformação do pensamento democrático da sociedade observando, principalmente, os estudos de Aristóteles, que mesmo realizado centenas de anos atrás, ainda é usado como base das filosofias políticas. A segunda parte da pesquisa foi destinada à história da democracia brasileira, desde a Independência até a promulgação da Constituição de 1988. Nessa esteira, verificou-se, principalmente, a influência política que os movimentos sociais, como as Diretas-já, tiveram na formação da atual estrutura democrática. No terceiro e último momento, estudou-se a problemática proposta pela pesquisa, se existe a possibilidade de transformar o atual voto compulsório em facultativo. A possível alteração poderia ser uma alternativa para que nós eleitores exerçamos o livre arbítrio de votar, reservando-se assim o direito de não comparecer nas urnas se não quiser, se não nos sentirmos persuadidos por tal candidato, não havendo obrigatoriedade de votar por conta da sanção que isso acarretaria como acontece atualmente com o voto obrigatório. Votar é um dever cívico para todos aos cidadãos, maiores de 18 anos e menores que 70 anos, mas atualmente, no Brasil, trata-se praticamente de uma obrigação legal. Em um País democrático de direito é um antagonismo a obrigatoriedade do voto, pois deveria tratar-se de direito subjetivo do indivíduo, e, assim, uma faculdade de agir. Conforme pesquisas realizadas, para haver uma alteração, em termos legislativos, foi visto que a obrigatoriedade é possível por PEC (proposta de emenda constitucional), vale ressaltar que tramita uma proposta para a alteração do voto obrigatório em facultativo. Entendendo que com o voto facultativo, seria um voto “consciente” não seria “apenas mais um”, mais sim, um voto justo, bem pensado, fundamentado, a legitimidade do voto tem que estar na sua vontade de expressa-lo não na sua quantidade. 622 JUNQUEIRA, Danielle; SALLES, Alice Francisco Cruz. A viabilidade constitucional da alteração do voto obrigatório para facultativo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 608-625, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Diante das ponderações feitas, conclui-se que há possibilidade jurídica da Emenda Constitucional tornar o voto obrigatório em facultativo, o que o tornaria mais consciente, entretanto, considerando o senário político do País, este acontecimento seria pouco provável. Por fim, foi um trabalho bastante enriquecedor, de grande satisfação com o resultado final, por não haver inconstitucionalidade e assim podendo evidenciar a possibilidade de alteração do voto facultativo em obrigatório. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Jus Navigandi, Teresina, 02 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12872>. Acesso em: 12 maio 2012. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Trad. brasileira de Marco Aurélio Nogueira. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. BONAVIDES, Paulo. 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