Documentos Técnico-Científicos Fruticultura Irrigada no Vale do São Francisco: Incorporação Tecnológica, Competitividade e Sustentabilidade João Policarpo Rodrigues Lima Doutor em Economia (Universidade de Londres), Professor do Departamento de Economia / PIMES / UFPE, Pesquisador do CNPq. Érico Alberto de A. Miranda Doutorando em Economia (PIMES/UFPE), Professor do Departamento de Economia da UFPB (Campina Grande). Resumo Analisa o desenvolvimento recente da fruticultura irrigada no Nordeste brasileiro a partir do caso do polo Petrolina/Juazeiro. Enfoca aspectos ligados à competitividade do segmento, sua capacidade de incorporar avanços tecnológicos, aprofundar o valor agregado local, criar emprego e gerar renda em bases sustentáveis. Conclui que o segmento, embora ainda enfrente desafios estruturais para se posicionar de forma competitiva no cenário internacional, possui um moderno padrão produtivo e capacidade endógena de adoção de avanços inovadores que alicerça a sua expansão. Palavras-chave: Fruticultura irrigada – Desenvolvimento econômico; Semi-árido; Incorporação Tecnológica; Brasil-Nordeste. 611 Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 1 - INTRODUÇÃO Nas duas últimas décadas, a fruticultura irrigada no semi-árido vem revelando-se uma atividade competitiva no contexto econômico nordestino. O desenvolvimento da fruticultura no Nordeste apóia-se em condições climáticas singulares, combinando a constância de calor e insolação, característica dos trópicos, com a baixa umidade relativa do ar registrada no semi-árido. De tal forma, a agricultura em bases irrigadas pode desenvolver-se nas melhores condições de sanidade das plantas, permitindo-se várias colheitas anuais. Nessas condições expandiu-se de forma significativa a área cultivada e o volume de produção de frutas no Nordeste, apresentando rendimentos e qualidade dos produtos superiores às demais regiões do País. Ademais, em vista da qualidade de seus produtos, a agricultura irrigada nordestina tem conseguido abrir espaços no mercado internacional que permitem projetar uma expansão ainda mais acentuada e de forma consistente. A região do pólo Petrolina/Juazeiro constitui o mais expressivo exemplo dos impactos modernizantes da agricultura irrigada nordestina. Área pioneira na implantação dos grandes projetos públicos e privados de irrigação, estas cidades sofreram uma profunda redefinição de seu espaço urbano e rural, com a constituição de uma poderosa infra-estrutura de suporte ao processo modernizante. E, principalmente, através destes investimentos logrou fundar um novo padrão de acumulação que resultou da consolidação e expansão de uma atividade agrícola irrigada integrada à indústria, com repercussões sobre as relações de trabalho, o mercado de terras e a economia regional como um todo. Apesar da importância dos fatores acima mencionados, deve-se realçar que o relativo sucesso econômico do pólo também se conecta com economias externas dinâmicas propiciadas por um ambiente local favorável em termos de cooperação entre produtores. Além disso, pela existência de uma associação de produtores com fortes vínculos com o mercado externo e com instituições de pesquisa. Esse é, portanto, como será visto adiante, um caso no qual os chamados “novos fatores de produção” agem conjuntamente com fatores locais para propiciar o desenvolvimento, em sintonia com os novos paradigmas de desenvolvimento regional/local. Tais paradigmas enfatizam os “novos fatores de produção” tais como conhecimento, qualificação da mão-de-obra, pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, que também agem no sentido da expansão do nível de produto ao lado dos tradicionais capital, trabalho e recursos naturais. Com isso a idéia de criação de vantagens competitivas assume maior força e o planejamento regional passa a ter um horizonte mais diversificado e mais abrangente. Na verdade, para que prevaleçam e se expandam experiências de desenvolvimento local, faz-se necessário que condições várias se combinem, entre elas capacidade empresarial, fatores culturais e políticos a favor de valores regionais, a existência de mão-de-obra capacitada, a ativa e inovativa participação do Estado, em boa parte a nível local, bem como de associações (de produtores, trabalhadores e consumidores) locais. Conforme ressaltam LYBERAKI & PESMAZOUGLOU (1996): “It is the combination of these conditions that has culminated in successful economic performance, and it is doubtful whether a similar conjuncture can be dictated and encouraged out of the blue” (p. 84). Conforme será mostrado adiante a experiência aqui trabalhada é um exemplo ainda relativamente raro de desenvolvimento local no Nordeste do Brasil, onde tais condições estão quase todas presentes. Portanto, merece mais atenção em seus aspectos mais importantes, principalmente com vistas ao estímulo a novos casos similares. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 612 Este trabalho, cuja intenção é mostrar as principais características da cadeia produtiva no pólo em exame, sua capacidade em adotar/promover inovações tecnológicas e alguns de seus impactos sobre o mercado de trabalho, baseia-se no Relatório de Pesquisa “Fruticultura Irrigada. Os Casos de Petrolina/Juazeiro e do Norte de Minas Gerais” (LIMA & MIRANDA, 2000), elaborado pelos autores para o Projeto Novo Ciclo de Investimentos e Inovação Tecnológica no Nordeste do ETENE/Banco do Nordeste. Tal projeto tinha como objetivo avaliar o desenvolvimento recente de alguns segmentos da economia nordestina do ponto de vista do novo paradigma da inovação, enfatizando a capacidade de gerar avanços tecnológicos endogenamente e a criação de vantagens competitivas. A pesquisa fundamentou-se em dados secundários e em visitas às áreas predeterminadas. Foram efetuadas entrevistas estruturadas com representantes dos vários elos da cadeia produtiva, respeitando a diversidade dos agentes envolvidos direta e indiretamente com a fruticultura irrigada. No caso da fruticultura, procura-se chamar atenção para a importância socioeconômica da atividade, bem como para a capacidade endógena dos produtores de introdução de arranjos inovativos, na linha do novo paradigma da inovação, que prioriza a capacitação, a infra-estrutura geral e específica, mas também as formas de cooperação entre produtores, tanto horizontalmente, quanto ao longo da cadeia produtiva (LIMA & MIRANDA, 2000). Estes aspectos não têm sido até aqui enfatizados nas análises conhecidas sobre a fruticultura irrigada no Nordeste e cabe então realçá-los. O trabalho está estruturado como segue. Na seção dois procede-se a um breve histórico da irrigação na região, seus condicionantes e impactos; a seção três aborda a estrutura produtiva do pólo; a seção quatro enfoca as articulações e os requerimentos da cadeia produtiva; a seção cinco enfoca a gestão tecnológica e a articulação 613 com sistemas de inovação, enfatizando o marco tecnológico predominante no segmento e aspectos ligados à competitividade e cooperação dos produtores; por fim, a seção 6 apresenta as considerações conclusivas. 2 - HISTÓRICO DA IRRIGAÇÃO Mais que tudo, a fruticultura irrigada do semi-árido resulta da consolidação do conhecimento das práticas de irrigação, propiciadas pelas quase três décadas de investimentos públicos e privados em projetos de irrigação na região. A irrigação na agricultura nordestina não é um fenômeno novo. O que é novo é o caráter moderno que ela assumiu a partir da implantação dos grandes projetos públicos de irrigação, sob a responsabilidade da CODEVASF1 . Um padrão moderno que se configura na integração entre a agricultura e a indústria, entre o rural e o urbano. O surgimento de uma produção agrícola integrada à indústria no semi-árido nordestino decorre fundamentalmente da intervenção estatal sobre o meio rural da região, via implantação dos projetos públicos de irrigação2 . Esta ação estatal modernizante buscava reproduzir no semi-árido nordestino as transformações vivenciadas no agrobrasileiro, a partir do final dos anos sessenta, o que instaurou uma nova forma de articulação entre a agricultura e a indústria, tornando aquela um mercado consumidor dos produtos desta. Solidarizando interesses urbanos e rurais, o Estado estruturou todo um aparato de instituições destinadas ao fornecimento 1 A Política da Grande Irrigação Pública compreendeu uma inflexão nas ações estatais para a região – quase sempre voltadas ao armazenamento de água para o combate à seca – e resultou por desapropriar vastas áreas destinadas à construção da infra-estrutura de captação, armazenagem e distribuição de água, assim como à instalação de projetos públicos ocupados por explorações de colonos e empresários. 2 Uma referência importante sobre os condicionantes da gênese da agricultura irrigada no semi-árido nordestino é encontrada em GRAZIANO (1989). Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 de crédito rural, à prestação de assistência técnica e à pesquisa agropecuária. no sentido de possibilitar uma maior especialização da mão-de-obra regional; entre outras. A ação estatal de promoção deste espaço econômico modernizado no semi-árido nordestino comportou iniciativas as mais diversas, localizadas principalmente no pólo Petrolina/Juazeiro. Entre estas, podem-se citar: i) articulação do setor privado através da dinamização de cadeias de produção e comercialização. a) a implantação da macro infra-estrutura de irrigação; b) a promoção de pesquisas agronômicas direcionadas para culturas irrigadas, via EMBRAPA; c) a promoção de assistência técnica, através da EMATER; d) a transformação radical da infra-estrutura urbana, que se fez sentir em todos os setores: meios de comunicação, transportes, eletrificação (inclusive rural), estrutura de comercialização e creditícia, instalações de Distritos Industriais bem estruturados, etc; e) estímulos aos investimentos de pessoas físicas e jurídicas para projetos de irrigação e industrialização, através de recursos subsidiados geridos pela SUDENE; f) montagem de uma estrutura creditícia apropriada para financiar a expansão da agricultura irrigada, e seus requerimentos de investimento e custeio agrícola, fundamentalmente através do Banco do Brasil e do Banco do Nordeste, operando linhas de crédito subsidiadas, diretamente relacionadas aos Programas Especiais de Desenvolvimento Regional; g) construção da Barragem de Sobradinho, que permitiu regularizar a vazão do rio São Francisco; h) instalação de escolas técnicas e de ensino superior, como a Escola de Agronomia de Juazeiro e a Escola de Administração de Petrolina, Como resultado da introdução da irrigação, repercussões profundas se fizeram sentir no ambiente sócioeconômico das áreas beneficiadas3. Os aspectos mais visíveis desta transformação sobre a produção e o processo produtivo se evidenciam na introdução de culturas não tradicionais, de alto valor comercial e que exigem a incorporação de modernas técnicas de cultivo e irrigação, sendo destinadas inclusive à exportação e/ou processamento industrial. Estas transformações foram acompanhadas pelas mudanças nas relações de trabalho, com a tendência ao crescimento de relações assalariadas; como também, no mercado de terras, motivadas pelas ações de desapropriação de terras e investimentos públicos em áreas, até então, de reduzido valor comercial. As áreas irrigadas do semi-árido, entretanto, compõem um quadro à parte da realidade rural do Nordeste. Nos últimos trinta anos, estas áreas foram palco de significativas transformações no que concerne à constituição de um padrão agrário moderno. Evidentemente, este padrão agrário moderno não resultou da incorporação da produção agrícola tradicional ao moderno da produção capitalista em geral e agroindustrial em particular. De fato, o que houve foi uma destruição do antigo modo de produzir a partir da implantação dos projetos de irrigação4. 3 Diversos trabalhos tratam dos impactos da irrigação sobre a região semi-árida, entre os quais OLIVEIRA (1991); PINTO (1989); VERGOLINO & VERGOLINO (1997). 4 Para aprofundar o tratamento acerca da Política de Irrigação, ver, entre outros, CARVALHO (1986), SAMPAIO (1994) ASSIRATE (1994). Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 614 A partir dos investimentos resultantes da Política de Irrigação, a área irrigada no Nordeste foi substancialmente aumentada. Em 1970, a região nordestina possuía apenas 116 mil hectares irrigados. Em 1980, já alcança 261 mil hectares, saltando para 732 mil hectares em 1990. Neste ano, o Vale do São Francisco representava cerca de 32% das áreas irrigadas do Nordeste. A área irrigada do País cresceu 266% no período de 70-90, correspondendo a 105.795 hectares/ano. O crescimento da área irrigada do Nordeste, no mesmo período, foi de 530%, correspondendo a 30.825 hectares/ano. O Vale do São Francisco experimentou um crescimento de sua área irrigada na ordem de 286%, o que compreende 8.620 hectares/ano. Apenas no período de 80-90 o crescimento da área irrigada do País, do Nordeste e do Vale, respectivamente, atingiu 96,5%; 180,2% e 61%. Em 1994, os 49 perímetros públicos de responsabilidade da CODEVASF e do DNOCS compreendiam mais de 100 mil hectares irrigados, sendo 71,8 mil ao longo da bacia do São Francisco, beneficiando 11.601 famílias de colonos e 338 empresários. Desta forma a irrigação pública representava cerca de 14% da área irrigada do Nordeste. Até então, a CODEVASF já havia implantado mais de 70.000 hectares nos diversos projetos públicos sob sua responsabilidade. Entre 1975 e 1997 a CODEVASF investiu 3,49 bilhões de reais, em valores de dezembro de 1997. Como resultado deste grande investimento estatal, materializado em obras de infra-estrutura, e também pela constatação da viabilidade da agricultura em bases irrigadas, foram aportados na região cerca de U$ 700 milhões em recursos privados na fruticultura do Vale do São Francisco (CODEVASF, 1997). 3 - A ESTRUTURA PRODUTIVA DO PÓLO cisco, área incluída no Polígono das Secas. Antes da irrigação, sua principal atividade econômica era o comércio, cumprindo a função de entreposto comercial com influência expressiva sobre parte dos estados da Bahia, Pernambuco e Piauí. De forma secundária, posicionavam-se as atividades ligadas à agricultura e à pecuária. A partir da grande expansão econômica que experimentou com o advento da irrigação, com a agricultura assumindo o papel de principal atividade econômica, verificou-se um grande aumento de sua população, inclusive a população rural. Paralelamente à expansão agrícola, ocorreu a um vertiginoso aumento das atividades comerciais, de serviços e industriais. A ação estatal de promoção da agricultura irrigada caracterizou-se como uma política integrada5 , pois além de dotar a área de uma infra-estrutura de irrigação apropriada, buscou criar condições para que a produção – que por ser irrigada deveria ter um alto valor comercial – pudesse ser escoada para os centros consumidores e/ou para a transformação industrial. Dada a magnitude dos projetos de irrigação, proporcionou efeitos para frente e para trás de grande significação. O caráter integrado da política também se evidencia no modelo de ocupação das áreas dos perímetros, que fundamenta-se na articulação das unidades de colonos com as unidades empresariais. A estrutura fundiária se viu revolucionada pelas ações de desapropriação de terras motivadas pela instalação dos projetos de irrigação. Este impacto institucional sobre o mercado de terras subordinou o mercado fundiário ao movimento de valorização do capital, e a terra – que antes da expansão da agricultura irrigada quase não possuía valor comercial, sendo majoritariamente ocupada por posseiros – passou a ser comandada pelas expectativas produtiva e especulativa, 5 A região do pólo Petrolina/Juazeiro situa-se na zona fisiográfica do Baixo Médio São Fran615 VERGOLINO & VERGOLINO (1997) enfatizaram a dimensão integrada da ação estatal, propiciada pelo efeito escala da produção irrigada em grandes projetos públicos. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 constitutivas da ação do capital sobre a agricultura e o meio rural. O processo produtivo foi fortemente impactado pela mudança na tecnologia de irrigação que até então era empregada na região. O método tradicional de captação de água à beira do rio, com utilização de rodas d’água, foi substituído por métodos mais modernos, como as motobombas e as bombas elétricas. O método de irrigação também se alterou com a expansão dos projetos de irrigação para áreas mais distantes do rio. Assim, ao invés da simples inundação, foram incorporados ao processo produtivo a aspersão convencional, o pivô central, a microaspersão e a fertirrigação. Os macroinvestimentos em infra-estrutura e o volume de crédito que comporta a atividade agrícola irrigada na região tornaram possível, não somente aos empresários, mas também aos colonos, participarem de um padrão moderno de produzir, processar e comercializar a produção agrícola. Atores de um processo de transformação da agricultura em mercado para a indústria, esses irrigantes já se iniciam na produção agrícola gerindo pacotes tecnológicos, que compreendem práticas culturais adequadas, tais como: a correção do solo; a aplicação de inseticidas, fungicidas e bactericidas; além da utilização de fertilizantes e de sementes selecionadas. Esta modernização de uma camada de pequenos produtores, note-se, é algo singular da política da grande irrigação, algo que não se verificou nos demais programas de desenvolvimento regional. A expansão da atividade agrícola irrigada implicou também na substituição dos produtos tradicionais, principalmente da cebola, como culturas dominantes. De fato, uma tal complexidade do processo produtivo só se justifica pela produção de produtos de alto valor comercial e/ ou voltadas para o processamento industrial. Os agricultores, assim, buscam produzir um conjunto de produtos que possam atender à diversificação no padrão de consumo da população urbana e das camadas médias, e que também possam ser destinados para o mercado externo. Entre estes predominam os olerícolas e frutícolas, destacando-se manga, uva, goiaba, banana, coco, acerola e tomate. No que se refere ao destino da produção, o centro-sul do País absorve grande parte dos produtos voltados ao mercado interno. Entretanto, nos últimos anos a fruticultura foi abrindo espaços no mercado internacional e, atualmente, 40% da produção da região é exportada, o que em 1997 representou 65 milhões de dólares ou 40% das exportações brasileiras de frutas. A industrialização, que foi pensada concomitantemente à instalação dos projetos de irrigação, foi favorecida por incentivos governamentais e por toda a infra-estrutura urbana de suporte. Em função disto, a indústria processadora dos produtos agrícolas expandiu-se, com destaque para as processadoras de tomate que chegaram a produzir 50% da polpa de tomate do País. Atualmente, verifica-se um declínio da agroindustrialização do tomate e o florescimento de pequenas unidades processadoras de frutas, voltadas à produção de polpas, sucos, iogurtes etc. Além disso, já se presencia a instalação de indústrias produtoras de equipamentos e insumos, ajudando a formar um quadro industrial mais diversificado. Deve-se destacar a tendência de aumento da demanda por trabalho assalariado, propiciada pela regularização temporal da produção e pela expansão da área cultivada. Apenas a fruticultura é responsável pela criação de 50.000 empregos. Em média a fruticultura irrigada gera um emprego por hectare, sendo que para algumas culturas, como a uva, pode-se chegar a quatro empregos por hectare. Tal magnitude de empregos gerados dá conta do significado da fruticultura para o desenvolvimento da região semi-árida nordestina. O Ministério da Agricultura estima em US$ 6.000 o custo do emprego na fruticultura irrigada, muito abaixo dos US$ 220.000 do setor petroquímico, US$ 145.000 do setor metalúrgico e US$ 91.000 do setor auto- Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 616 QUADRO 1 BENEFICIÁRIOS E RESPECTIVAS ÁREAS IRRIGADAS NOS PROJETOS PÚBLICOS. BENEFICIÁRIOS PROJETOS Bebedouro Mandacaru Tourão Maniçoba Curaçá Nilo Coelho TOTAL COLONIZAÇÃO Estabelecimento Hectares Irrigados 129 1.494 53 370 34 182 235 1.808 268 1.964 1.444 9.280 2.163 15.098 EMPRESÁRIOS Hectares Irrigados Estabelecimento 924 05 01 66 14 11.958 53 2.463 15 2.490 131 6.412 219 24.313 FONTE: CODEVASF – 1999 mobilístico, setores vistos como prioritários nos discursos de boa parte dos políticos da região, ou mesmo os US$ 37.000 da agricultura tradicional ou US$ 100.000 da pecuária, que conformam o quadro mais geral do meio rural nordestino. Ademais, recente pesquisa (SAMPAIO,1999) demonstrou que a receita líquida média por hectare na fruticultura chega a ser até cinco vezes maior do que outras culturas irrigadas. A cultura da uva, por exemplo, alcança um rendimento líquido médio de R$ 8.562,00 entre os colonos e de R$ 17.671,00 entre os empresários (valores de 1998). Nos projetos públicos já implantados no pólo, que correspondem a cerca de 40.000 hectares, foram instaladas 2.163 unidades de colonos e 219 unidades empresariais. A área destinada às empresas, no entanto, representa 61,7% da área total. Considerando os dados de 1996, referentes às principais culturas (frutas e oleaginosas), constata-se a drástica diminuição do plantio de tomate (4.000 hectares), que no final dos anos 80 abrangia cerca de 15.000 hectares de área plantada. Para estas culturas, é possível observar que as culturas permanentes já se tornaram majoritárias entre os irrigantes dos projetos da CODEVASF, representando 57% do total (QUADRO 2). Os produtores mais eficientes têm direcionado a sua produção para a uva e manga 617 (67% da área plantada pelas empresas e 15% da área de colonos). Estas culturas são as mais avançadas, em termos tecnológicos, e as que têm conseguido conquistar crescentes espaços no mercado internacional. Nos projetos empresariais privados, a manga ocupa uma área plantada de 3.000 hectares, e a uva outros 3.100 hectares. Apenas entre os produtores associados da VALEXPORT, que destinam sua produção preferencialmente para o mercado externo, a produção de manga compreende 2.100 ha e a produção de uva 1.950 ha. Estes números sugerem que, na atualidade, 25% da área cultivada de manga e 43% da área cultivada de uva corresponde a produtores com um bom nível tecnológico. Uma indicação de como se chegou a esse padrão qualitativo pode ser vista nas seções seguintes. 4 - ARTICULAÇÕES E REQUERIMENTOS DA CADEIA PRODUTIVA A fruticultura no pólo Petrolina / Juazeiro se expressa em um conjunto de atividades inter-relacionadas, constituindo uma cadeia produtiva com um certo grau de complexidade, em função, principalmente, da diversidade: a) de atores presentes no espaço produtivo; b) de culturas produzidas; c) dos mercados consumidores; d) das formas de organização dos produtores. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 QUADRO 2 ÁREA DAS PRINCIPAIS CULTURAS PLANTADAS POR COLONOS E EMPRESAS NOS PROJETOS DA CODEVASF (PETROLINA E JUAZEIRO) – 1996 ACEROLA BANANA COCO GOIABA MANGA MELANCIA MELÃO TOMATE UVA TOTAL COLONOS Área (Ha) % 480 88,9 3.700 92,5 630 94,0 460 68,7 1.500 30,0 3.750 89,3 1.030 92,0 3.100 77,5 820 58,6 15.470 71,6 EMPRESAS Área (Ha) % 60 11,1 300 7,5 40 6,0 210 31,3 3.500 70,0 450 10,7 90 8,0 900 22,5 580 41,4 6.130 28,4 TOTAL ÁREA (Ha) 540 4.000 670 670 5.000 4.200 1.120 4.000 1.400 21.600 FONTE: CODEVASF (1996) De fato, na região, os produtores de frutas são tanto colonos dos Projetos Públicos de Irrigação, com propriedades de 6,5 hectares, em média, como grandes empresários, com até 500 hectares de frutas irrigados. Os produtores se dividem entre culturas permanentes e temporárias, cada uma envolvendo requerimentos específicos de padrões tecnológicos e condutas gerenciais. A produção é destinada tanto ao mercado interno como ao mercado externo, o que estabelece, para os produtores, contornos distintos quanto aos vínculos estabelecidos com as respectivas redes de comercialização e quanto às exigências e requerimentos transmitidos por estes vínculos. As formas de associações dos produtores são as mais diversas: sindicatos rurais, associações de exportadores, cooperativas, núcleos por produtos etc, embora entre os pequenos produtores exista ainda uma razoável resistência às praticas associativas do tipo cooperativa. Estes fatores atuam conjuntamente para que os produtores estabeleçam distintas conexões com os demais agentes da cadeia produtiva – instituições de pesquisa, indústrias, rede de comercialização, etc. No que concerne aos produtores que se voltam para o mercado externo – quase que ex- clusivamente empresários, as conexões com os demais agentes denotam um elevado nível de articulação e condutas inovadoras transmitidas por toda a cadeia produtiva. As exigências de padrões de qualidade adequados ao gosto do consumidor dos países centrais impõem aos produtores parâmetros referentes aos tratos culturais pré e pós-colheita que são transmitidos através das redes de comercialização. Para atender tais parâmetros, os produtores se articulam com as entidades de pesquisa, universidades, órgãos de assistência técnica, instituições de financiamento à pesquisa e demais órgãos públicos, visando ao desenvolvimento de novas variedades, mais produtivas e adequadas ao padrão de consumo internacional; o combate a doenças; o aumento de produtividade; etc. Um elo também importante é o que eles estabelecem com as indústrias à montante – fornecedores de insumos, equipamentos agrícolas e de irrigação – por onde fluem as informações sobre novos processos e produtos. No pólo se fazem presentes máquinas e equipamentos atualizados tecnologicamente, inclusive adaptados às especificidades da região. Já a articulação com as indústrias processadoras é quase inexistente. Para estes produtores, apenas marginalmente a Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 618 produção se destina ao processamento (frutos de baixa qualidade ou descarte decorrentes da seleção de frutos). 5 - GESTÃO TECNOLÓGICA E ARTICULAÇÃO COM SISTEMAS DE INOVAÇÃO No campo das gestões político-institucionais, os produtores possuem uma boa capacidade de articulação, fortalecidos pelo papel desempenhado pela CODEVASF para a gestão de demandas reivindicatórias junto às esferas federal, estadual e municipal do poder público. A menor quantidade de culturas e produtores envolvidos na exportação de frutas fortalece as estratégias associativas, que reforçam a apropriação e difusão dos estímulos inovativos gerados pelas inter-relações entre os agentes da cadeia. O relacionamento, mesmo que diferenciado, dos agentes da cadeia produtiva ao lado de características específicas do conjunto de produtores e instituições de apoio são importantes para ajudar a entender o relativo sucesso até aqui obtido no pólo em exame. Aspectos como o nível tecnológico predominante, o padrão de cooperação entre os produtores e entre estes e as instituições de apoio tecnológico etc., têm sido decisivos para a expansão do nível de produto e de renda na região, atuando de forma sinérgica sobre o marco tecnológico. Vejamos com algum detalhe tais aspectos. Quanto aos produtores que se voltam exclusivamente para o mercado interno, as articulações se mostram menos consolidadas. O menor nível de exigência dos consumidores do mercado interno limita as possibilidades de transmissão de requerimentos inovativos através das estruturas de comercialização. As cadeias de comercialização compreendem uma rede de atravessadores e Centrais de Abastecimento, em geral mal-estruturados quanto ao transporte, acondicionamento, armazenamento e manejo das frutas. Neste caso, os produtores mantêm maiores vínculos com as instituições de desenvolvimento tecnológico para as ações de aperfeiçoamento técnico-produtivo, formação de pessoal e desenvolvimento de pesquisas e com a indústria à montante, permitindo difundir, entre os colonos, práticas produtivas já estabelecidas nas grandes propriedades. A presença na região de tais unidades industriais favorece a transmissão de informações e o treinamento dos produtores quanto aos procedimentos adequados à utilização dos insumos e equipamentos por ela disponibilizados. Com a indústria à juzante, em que pese uma parcela desses produtores destinarem parte da produção ao processamento, as relações são fortemente competitivas quanto ao preço, implicando em reduzida transmissão de informações sobre práticas inovativas. 619 5.1 - Marco tecnológico predominante Com a globalização dos mercados, as exigências de qualidade na fruticultura passaram a assumir características ditadas pelos grandes mercados consumidores. Para ter aceitação nos principais países importadores, a fruta tem que apresentar uma padronização quanto aos tratos culturais e à logística de pós-colheita, de modo a se adequar ao gosto dos consumidores (sabor, aparência, etc) e às exigências ditadas pela cadeia de comercialização (embalagem, transporte, resfriamento, armazenagem etc). O valor intrínseco do produto depende fortemente de tratos culturais, tais como: adubação, irrigação, variedades; controle de pragas, doenças e resíduos tóxicos. Mas, a ele se agregam novos valores em um mercado cada vez mais competitivo: apresentação, marca, tipos de embalagem, etc. O desenvolvimento tecnológico – relacionado à biotecnologia, ao gerenciamento de processos, aos aspectos fitossanitários, à conservação dos produtos, entre outros – revoluciona os parâmetros que definem a competitividade da produção de uma região ou país. As regiões produtoras para se inserirem competitivamente neste Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 mercado globalizado devem perseguir padrões e condutas – produtivas e de gestão – sinalizados pelos principais mercados consumidores. Neste sentido, a montagem de uma logística de pós-colheita adequada assume um significado estratégico fundamental, pois através desta torna-se possível agregar até 70% ao valor final do produto. Para tanto, quanto mais eficientes e atualizados tecnologicamente forem os serviços de transporte, armazenagem e distribuição ao varejo, mais competitiva se tornará à cadeia produtiva de uma dada região. Neste segmento, as estruturas de comercialização são dominadas por poderosas trading companies, que controlam cerca de 80% do comércio internacional de frutas. Os países que se estruturaram para participar ativamente deste comércio buscaram parcerias com estas multinacionais ou partiram para a criação de estruturas estatais de comercialização, regulamentação e controle de qualidade. No pólo Petrolina/Juazeiro, em que pese ainda não existir uma homogeneidade de padrões produtivos, a fruticultura conseguiu abrir brechas no mercado internacional e firmar a atividade com características de dinamismo, raramente encontradas em outras regiões do País, mediante os esforços pioneiros de seus produtores mais eficientes. A fruticultura de exportação, ao estreitar vínculos com os principais mercados consumidores internacionais, possibilita internalizar padrões de condutas produtivas e de gestão, que estão sendo passo a passo disseminadas em toda região. No que concerne aos avanços no processo produtivo agrícola, estes padrões se evidenciam no uso de técnicas mais modernas de irrigação (microaspersão e fertirrigação); na preocupação com os cuidados com a poda, tratamento dos cachos (no caso da uva); nos cuidados quanto à exagerada exposição ao sol dos frutos e do acondicionamento a eles destinados na atividade de colheita, etc. Quanto à pós-colheita, estas novas condutas levam à preocupação com a assepsia e proteção dos ambientes de seleção dos frutos; embalagem adequada; estrutura de resfriamento e armazenamento eficientes. Estes aspectos foram sendo percebidos como fundamentais, pelos produtores, para que o produto estivesse protegido de contaminação e deterioração, e pudesse preservar suas características de sabor e aparência por mais tempo. A busca por padrões de competitividade internacional tem levado a que se consolide, entre os produtores, a compreensão da importância da pesquisa de novas variedades adequadas ao gosto do consumidor dos grandes mercados importadores. Neste sentido, estão sendo desenvolvidos estudos para a introdução de uma variedade de uva sem semente – de conformidade com o padrão de consumo americano e europeu, que já apresenta resultados promissores e começa a ser implantada pelos produtores. Da mesma forma, os produtores estão interessados em pesquisar variedades de manga que atendam aos requisitos de distintos mercados quanto à cor, peso, etc. Ainda merecem destaque os esforços empreendidos pelos produtores através da VALEXPORT (Associação dos Exportadores do Vale do São Francisco), no sentido da geração e difusão de informações de mercado, principalmente o externo, coordenação das atividades de comercialização; criação de marcas para os principais produtos, manga e uva; indução e coordenação das atividades de pesquisa, entre outras. Apesar desses avanços, existem também alguns obstáculos à afirmação desta estratégia exportadora. As atividades de pós-colheita se vêem prejudicadas por conta de uma infra-estrutura de transporte não-especializada. Por serem altamente perecíveis, as frutas necessitam chegar ao mercado consumidor com certa urgência. Entretanto, o produto da região é exportado através de portos inadequados, apresentando elevados custos de embarque, embarque este que muitas vezes retarda em função de dessincronização de Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 620 cargas. O pior é que para chegar até estes portos faz-se necessário trafegar em estradas mal-conservadas, em caminhões frigoríficos não planejados para o transporte de frutas. Com isto, os danos à mercadoria são evidentes. Neste aspecto, a recente ampliação do aeroporto de Petrolina, inclusive com a implantação de estrutura de resfriamento e armazenagem, possibilitando o transporte de produtos através de cargueiros intercontinentais, confere novas expectativas quanto a superação dos entraves na área do transporte. Mesmo se considerando que esta estrutura se destina a cargas mais perecíveis e quando houver uma maior urgência na entrega da mercadoria. Outros gargalos de relevo dizem respeito às esferas de controle fitossanitário; financiamento à produção e exportação de frutas, pesquisa de novas variedades e promoção de marketing nos principais mercados consumidores. A falta de uma política de crédito adaptada às condições do segmento, que observe as distinções da fruticultura quanto à maturação dos investimentos e diversidades de culturas, está contribuindo para o endividamento dos produtores. Afinal, não se pode tratar soja e manga através dos mesmos modelos de crédito. Ademais, é gritante a disparidade entre os juros pagos pelos produtores dos demais países exportadores e aqueles pagos pelo produtor brasileiro. A insuficiente infra-estrutura de pesquisa não responde de forma adequada ao dinamismo exigido pela concorrência neste setor, no que se refere ao estudo de novas variedades adaptadas aos padrões de consumo internacionais. Também é quase inexistente o esforço de marketing, para a divulgação dos frutos aqui produzidos. Por fim, deve-se levar em conta que a estrutura de comercialização, em que pese os esforços dos produtores para vencer etapas neste processo, é ainda muito frágil para poder competir de frente com as trading companies que dominam o mercado externo. 621 Certamente, nem toda produção de frutos destina-se ao mercado externo. As menores exigências do consumidor brasileiro permitem que o mercado interno absorva uma produção - com características de sabor, cor, aparência e peso que nos principais mercados internacionais jamais seria aceita. Para os requerimentos do mercado interno, a produção de frutos do pólo Petrolina/Juazeiro, de um modo geral, apresenta padrões produtivos superiores aos das demais regiões produtoras. Uma maior qualidade dos produtos, oferta diversificada durante o ano todo, a produtividade elevada, os menores custos (decorrentes também de economias de aglomeração), atuam conjuntamente para determinar a boa aceitação dos frutos da região. A oferta para o mercado interno contempla uma grande diversidade de produtores, com técnicas produtivas e métodos de gestão também distintos. Produtos com manchas; com embalagens e manuseio inadequados; transportados em caminhões não-refrigerados são ofertados por produtores com baixa capacidade de capitalização e absorção de tecnologia – geralmente pequenos produtores. Além do mais, uma grande parte desta produção é encaminhada a Centrais de Abastecimento, através de uma rede de atravessadores. Tanto os atravessadores quanto as Centrais de Abastecimento mostram-se ineficientes no manuseio, transporte, acondicionamento e exposição dos produtos. Com isso, parte dos esforços da atividade produtiva quanto à qualidade dos produtos acabam por serem destruídos no pós-colheita. Contudo, mesmo neste mercado, a tendência é a incorporação de práticas inovativas. Em primeiro lugar, porque o varejo está passando por significativas transformações, sendo cada vez mais dominado por grandes redes de supermercados – que adotam e exigem condutas inovadoras por parte dos produtores. Em segundo lugar, Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 a própria concorrência com a produção de melhor qualidade dos produtores / exportadores, que também direcionam sua produção ao mercado interno, impõe, cada vez mais, novos parâmetros a este mercado. É, pois, fundamentalmente quando se analisa o mercado interno que se percebe a grande variedade de padrões e condutas produtivas e gerenciais. Assim, por um lado, a dinâmica possibilitada pelas potencialidades exportadoras da região resultou por expandir de forma significativa a produção, produtividade e receitas das principais culturas. Por outro, a diversidade de requerimentos dos mercados e os distintos padrões produtivos terminam por construir um quadro de disparidades nos indicadores de produtividade e nos rendimentos auferidos pelos produtores. Apesar dos maiores custos da irrigação, a produção de uva na região apresenta uma produtividade média de 15 toneladas/hectares/safra, ou 20 toneladas/hectare/ano. Entretanto, existem produtores (pequenos, médios e grandes), que alcançam entre 30 e 40 toneladas/hectare/ano. Note-se que a produtividade média da cultura de uva no Brasil é de cerca de 13 toneladas/hectare/ano. A produtividade, tanto na área de colonos como entre os empresários, praticamente dobrou na década dos 90. Neste período, a área plantada com uva saltou de 1.300 para 4.500 hectares. A produção do pólo é exportada, principalmente, nos meses de maio e junho, na entressafra dos principais mercados. A manga é uma cultura em franca expansão na região. A área plantada passou de 3,2 mil hectares em 1991 para oito mil hectares em 1998. As exportações saltaram de três mil toneladas em 1991 para 23 mil toneladas em 1997. A manga da região é colocada no mercado externo no período de setembro a janeiro, época de entresafra do produto no hemisfério Norte. Entre setembro e novembro, praticamente não existem concorrentes no mercado internacional. Em 1995, as exportações da manga brasileira geraram uma receita de US$ 22 milhões, representando 20% do total das exportações de frutas. Este resultado posicionou a manga em segundo lugar na pauta de exportações do segmento, perdendo apenas para a laranja. Este resultado deve-se em muito aos esforços dos produtores do pólo Petrolina/Juazeiro. Nesta região, a produtividade média entre os colonos elevou-se entre 1991 e 1995 de seis para dez toneladas/ hectare, alcançando vinte toneladas/hectare em 1998. Entre os empresários, a produtividade média que em 1991 situava-se em torno de sete toneladas/ hectare, passa a ser de 15 toneladas/ hectare em 1995 e 25 toneladas/hectare em 1998.5 Os dados são, portanto, eloqüentes para afirmar o elevado padrão tecnológico da fruticultura no pólo. Em boa parte isso tem resultado de aspectos particulares da organização do processo produtivo, conforme analisaremos a seguir. 5.2 - Perfil da mão-de-obra, capacitação e treinamento Aspectos interessantes merecem destaque no que diz respeito à mão-de-obra e seus rebatimentos sobre a produtividade e níveis salariais. Exigindo tratos culturais especializados e por vezes cuidados artesanais, a fruticultura é uma atividade intensiva em trabalho. Majoritariamente exercida por pequenas e médias propriedades, nela geralmente predomina a exploração em base familiar. Contudo, nesta região também convivem, lado a lado com as pequenas propriedades, grandes explorações empresariais, configurando um quadro plural no que se refere ao tamanho das unidades produtivas. O caráter quase artesanal se evidencia em atividades que exigem habilidades manuais e para as quais não existe nenhuma máquina que 5 Os dados aqui apresentados baseiam-se nos Relatórios Anuais da CODEVASF e nas informações obtidas através das entrevistas feitas na área. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 622 esteja disponível, como no caso do raleio e poda da uva – atividades fundamentais e que definem a qualidade do produto e suas possibilidades de exportação. Na fruticultura já se observa uma clara tendência de aumento do trabalho assalariado permanente. A quantidade de empregos permanentes depende do tamanho da exploração e das culturas envolvidas, além da qualidade do produto final. Explorações empresariais e culturas permanentes geram proporcionalmente um maior número de empregos permanentes do que as pequenas explorações e as culturas anuais. Este aumento da demanda por trabalho, segundo dados fornecidos pelo Distrito de Irrigação Nilo Coelho, pode crescer até 1.000% ao se substituir culturas anuais por culturas permanentes, particularmente se a cultura permanente for uva. Assim, enquanto o tomate – uma das culturas anuais que mais demandaram mão-de-obra – requer uma média de 130 dias de trabalho/hectare/ano, a uva somente nas atividades pré-colheita, necessita de uma média de 1.270 dias de trabalho/hectare/ano. A manga, a banana, a goiaba e o coco necessitam respectivamente 200, 245, 330 e 110 dias de trabalho/hectare/ano. Como não podia deixar de ser, os custos de mão-de-obra são um componente importante dos custos de produção na hortifruticultura, representando um mínimo de 45% na cultura de tomate e um máximo de 60% na viticultura. Nesta última cultura, as atividades de cunho artesanal, como o raleio e a poda, compreendem cerca de 40% de todo o custo de mão-de-obra, enquanto a colheita significa algo entre 15 e 20%. O crescimento da agricultura irrigada na região, com ênfase em culturas não tradicionais de exportação, afetou o mercado de mão-de-obra rural, conduzindo para um aumento nos níveis de emprego e salário e para uma melhoria das condições de trabalho. Mas, o aumento na demanda por mão-de-obra com habilidades espe623 cíficas não encontrou resposta imediata na oferta de trabalho agrícola nordestina, geralmente de baixa qualificação. O descompasso entre demanda e oferta de mão-de-obra especializada foi enfrentado pelas empresas mediante a priorização de atividades de treinamento de seus trabalhadores, que acabou por levar a uma reestruturação dos seus planos de produção. De fato, como de início as empresas concentravam a produção em alguns meses do ano, na entressafra dos principais países importadores, havia uma acentuada sazonalidade e rotatividade no trabalho agrícola, gerando custos adicionais de treinamento todos os anos. As firmas então implementaram mudanças em sua organização da produção, planejando-se para colher o ano todo, no sentido de manter os seus trabalhadores treinados. Assim, as firmas não somente conseguiram prover emprego permanente para mais trabalhadores, mas também se permitiram obter receitas o ano todo, vendendo para o mercado doméstico. O aumento na demanda por trabalho e a melhor qualificação dos trabalhadores na fruticultura resultaram em maior poder de barganha dos mesmos, permitindo-lhes conquistar vitórias significativas nas negociações com os proprietários. Assim, a partir de 1998, o salário base da categoria passou a ser de 1,217% salário mínimo. Ademais, foram acordados adicionais de hora-extra, trabalho noturno e de insalubridade, respectivamente de 80%, 45% e 20%. No que diz respeito aos salários indiretos, acordou-se também o direito de exame semestral para trabalhadores que manipulam pesticidas, o transporte da casa para a fazenda e em alguns casos dentro da fazenda. Nas pequenas propriedades (colonos em sua grande maioria), as atividades administrativas e de maior qualificação são desempenhadas pelos proprietários ou membros de suas famílias. Nas médias e grandes propriedades, de um modo geral, existem estruturas técnico-administrativas que correspondem no máximo a 5% da mão-deobra empregada. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 Embora a região já possua um bom contingente de técnicos e consultores qualificados, que inclusive são demandados por outras regiões, ainda existe alguma escassez de técnicos agrícolas e agrônomos, principalmente para os que têm conhecimentos especializados acerca das principais culturas de exportação: uva e manga. 5.3 - Perfil das instituições de apoio tecnológico O suporte tecnológico por parte das instituições de pesquisa e o seu envolvimento com os produtores é um dos fatores positivos que concorrem para o avanço dos padrões produtivos. A região possui algumas instituições que interagem com os produtores em ações inovativas, no que diz respeito à qualificação de mão-de-obra, produção e difusão de novas tecnologias. Este é o caso de escolas técnicas e de nível superior, como a Escola de Agronomia de Juazeiro e a Escola de Administração de Petrolina; a CODEVASF; as instituições de assistência técnica dos estados da Bahia e Pernambuco e o IPA (Instituto de Pesquisas Agronômicas de Pernambuco). Entretanto, a instituição chave nesta área é o Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semi-árido-CPATSA. O CPATSA, localizado em Petrolina, é um Centro Eco-Regional da EMBRAPA dedicado à região Semi-árida do Nordeste. Vale registrar que o CPATSA, por motivos que não cabe aqui analisar, preocupou-se no início de suas atividades quase exclusivamente com o desenvolvimento de tecnologias para culturas de sequeiro do semiárido nordestino. Por isto mesmo recebeu muitas críticas dos produtores ligados à irrigação. Porém, nos últimos anos, esta orientação tem sido modificada e o CPATSA tem participado de uma série de pesquisas ligadas à fruticultura irrigada, muitas vezes em parceria com outras instituições. Demonstra assim capacidade de resposta às pressões dos irrigantes, mesmo que tenha ampliado sua atuação de forma um tanto tardia. O CPATSA se estrutura em cinco áreas prioritárias de pesquisa, com laboratórios específi- cos: análise de solos e folhas, proteção das culturas, pós-colheita, fisiologia do florescimento e geoprocessamento. Atualmente, os principais projetos que realiza junto aos produtores da fruticultura irrigada são: a-) Programa de indução floral da manga, visando escalonar a produção ao longo do ano, visto que a variedade vastamente utilizada na região foi desenvolvida para a Flórida (USA) e apresenta dificuldades para produzir no verão; b-) Desenvolvimento de estudos sobre novas culturas. c-) Programa de estímulo ao aumento do número de viveiristas na região, o que ajudou a que as mudas plantadas no Vale – que até pouco mais de seis anos provinham em quase sua totalidade de São Paulo, hoje estejam sendo todas produzidas na região. d-) Nutrição e controle de pragas e doenças, principalmente de manga e coco; e-) programa de defesa do meio ambiente e controle de resíduos tóxicos, em parceria com a EMBRAPA de Jaguariúna; f-) Defesa biológica contra o moleque da bananeira; g-) Criação de tecnologias de bananas de mesa e industriais; e-) Seleção de novas variedades de uva de mesa e vinho, acerola, melancia etc; Além destas atividades, a instituição realiza cursos de capacitação pessoal e seminários específicos voltados a agentes multiplicadores. O CPATSA trabalha em parceria com outras dez unidades da EMBRAPA; com universidades, como as Federais do Ceará, Pernambuco e Paraíba; com a VALEXPORT; CODEVASF; Distritos de Irrigação; IPA; entre outras. Atualmente Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 624 se dedica à construção de uma rede de pesquisadores em agricultura irrigada. 5.4 - Relacionamento entre as instituições e o segmento Aspecto estratégico para articulação de arranjos inovativos, o relacionamento entre produtores e instituições apresenta diferenciações em função do nível de coesão e do poder econômico dos produtores. Os pequenos produtores, com um grau de coesão menor, geralmente encaminham suas demandas através de suas cooperativas ou da Administração do Distrito de Irrigação, ou ainda diretamente pela CODEVASF. As iniciativas de maior relevo são as que estão sendo desenvolvidas na área de meio ambiente e controle de resíduos, através de convênio entre a Administração do Distrito Nilo Coelho e a EMBRAPA de Jaguariúna; e as pesquisas de nutrição e controle de doenças das culturas manga e coco e uva. Contudo, as relações entre produtores e estas instituições tornam-se mais fortes quando se tratam de culturas de exportação, pela sua importância econômica, exigências tecnológicas e grau de organização dos produtores envolvidos. Para as ações de promoção de desenvolvimento tecnológico dirigido ao segmento, os empresários costumam canalizar os esforços através da VALEXPORT. A criação da VALEXPORT em 1988 constituiu um marco na organização dos produtores visando aos mercados internacionais, e contou para tanto com o decidido apoio da CODEVASF na montagem da infra-estrutura logística e na motivação dos produtores. A Associação desenvolve ações na área produtiva, técnica e comercial, além de gestões político-institucionais. Volta-se à montagem de uma tecnologia de exportação, tendo conseguido incrementar significativamente as exportações da região, que passaram de 500 toneladas em 89/90 para 625 45.000 em 94/95. Atualmente, cerca de 85 a 90% das exportações da região são intermediadas pela VALEXPORT. A sua atuação é restrita ao Submédio São Francisco. Segundo sua direção, a Associação engloba 45 empresas que adicionadas às cooperativas abrange um universo de cerca de 2.000 produtores. Na prática, porém, a participação dos pequenos produtores ainda é muito pequena. Para muitos destes, a VALEXPORT é uma entidade elitista, só para grandes empresários. O seu grande desafio é, pois, a articulação dos produtores, conseguir mobilizar e ter uma massa crítica para lutar pelas demandas coletivas, sensibilizando governos para as ações indutivas e de apoio. Note-se que as principais demandas dos produtores dizem respeito a crédito, pesquisa, conhecimento comercial e informação de mercados. No que concerne à pesquisa, a VALEXPORT atua no sentido de coordenar esforços junto à EMBRAPA, Universidades, centros de pesquisas e consultores, do País e do exterior, assim como as instituições públicas de financiamento, como o CNPq e a FINEP. O diferencial da VALEXPORT é que ela criou uma cultura entre os seus membros de trabalhar com metas, em câmaras setoriais específicas. Os trabalhos são estruturados em câmaras setoriais para as principais culturas: manga, uva etc. A metodologia de trabalho tem como ponto de partida a motivação dos produtores para que se reúnam e discutam os vários problemas que afetam uma cultura particular. Como resultado, são identificadas demandas tecnológicas que serão em seguida discutidas em workshop com os técnicos, para que sejam definidas as linhas de pesquisa que deverão ser realizadas. A partir daí, a Associação passa a desenvolver esforços para obter os recursos necessários junto aos órgãos públicos. Na medida que os recursos venham a ser repassados à associação, ela contrata a unidade de pesquisa, gerenciando os aspectos financeiros e téc- Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 nicos da mesma, visando o cumprimento dos cronogramas e objetivos definidos. As pesquisas são efetuadas em campos experimentais instalados nas propriedades dos associados. A associação tenta envolver os associados para a resolução dos problemas. Nas grandes propriedades isto é mais fácil, pois elas possuem corpo técnico próprio. O mesmo não ocorre entre os pequenos. Eles até identificam os problemas, mas dificilmente se envolvem na sua solução. Entre as principais iniciativas da associação está a criação da Brazilian Grape Marketing Board, que exporta a uva produzida no Vale com uma única marca e, para tanto, padroniza embalagens, rótulos e, principalmente, a qualidade. A partir de então, os frutos ganharam em tamanho, formato dos cachos, resistência das cascas e sabor. Esta iniciativa gerou vantagens também do ponto de vista da redução dos custos de transporte, pela força que o conjunto adquire na hora de negociar preços de frete. Também estão sendo desenvolvidos o Projeto de Desenvolvimento e Pesquisa da Uva sem semente – em convênio com a unidade da EMBRAPA de São Bento (RS); Programa de Monitoramento das Moscas das Frutas; Programa de Controle Fitossanitário, executado pela VALEXPORT em convênio com o Ministério da Agricultura; ações que visam ampliar o acesso dos produtos da região ao mercado norte-americano etc. Na área comercial, a VALEXPORT desenvolve parcerias com o Banco do Brasil, SEBRAE, Ministério da Agricultura, as prefeituras de Petrolina e Juazeiro e a CODEVASF para a criação de uma unidade de comercialização, constando de leilão eletrônico e balcão eletrônico de compra e venda. Isto é fundamental para resolver um entrave à comercialização para o mercado interno: a desigualdade dos pequenos produtores frente aos atravessadores. Outra iniciativa importante é a montagem de uma unidade técnica setorial, constando de um banco de dados georeferenciado da fruticultura. Em sua montagem, a associação já conta com a parceria de diversas instituições, tais como o CNPq, EMBRAPA, Universidades (UNESP, USP, UFPE), as unidades da EMBRAPA de Bento Gonçalves (uva) e Jaguariúna (meio ambiente e controle de resíduos), entre outras. Esta unidade técnica setorial montada ajudará sobremaneira na consolidação da estratégia de alcançar, a médio prazo, a certificação de qualidade para os produtos da região. À medida que a unidade técnica esteja funcionando, ela irá também incorporar as informações do sistema de comercialização, permitindo que os agentes que atuam em apenas uma esfera possam se comunicar com os da outra, tornando mais eficiente a geração, apropriação e difusão das informações. Por fim, deve-se destacar o caráter singular das iniciativas coordenadas pela associação. Não existe nenhuma outra entidade no Brasil, neste segmento, como a VALEXPORT, que abarque um conjunto tão amplo de tarefas: conduza pesquisas, coordene a área comercial, possua uma central de vendas toda informatizada e uma marca única para exportação de seus produtos, como é o caso da uva e da manga. 5.5 - Algumas características do sistema produtivo Embora no geral bem-sucedida, a realidade do sistema produtivo comporta diferenciações. A produção de frutas destinadas à exportação, principalmente manga e uva, é a tônica dos empreendimentos empresariais. Contudo, esta não é uma realidade ainda para os pequenos produtores. Até pouco tempo atrás os colonos (proprietários, em média, de 6,5 hectares) se dedicaram quase que exclusivamente às culturas de ciclo curto, por possuírem um custeio barato e retorno rápido do capital investido. Contudo, isto levava a uma armadilha porque estas culturas exigiam meios de produção que eles não possuíam, visto Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 626 que ao fim da colheita era necessário tombar a cultura, sulcar a terra, fazer todo o tratamento do solo – o que tornava necessária a utilização rotineira de máquinas. Mesmo quando se dedicaram a plantar tomate para as indústrias instaladas na região, as receitas não eram suficientes para o próximo cultivo. Em função disto, as principais culturas anuais (abóbora, feijão, melancia, milho e tomate) estão em declínio. Passaram a ser predominantes a acerola, banana, coco, goiaba e uva. Além destas, a pinha vem observando um rápido crescimento. Assim, mesmo nas áreas de colonos já se observa uma tendência de substituição das culturas anuais por culturas perenes. Os produtores que optam por substituir culturas anuais por culturas perenes demonstram preferência em produzir banana, por simplificar a operação gerencial. Agora, os cuidados centrais ficam por conta da irrigação, adubação e colheita. Ademais, com esta cultura, eles resolvem um problema que é o descompasso entre despesa semanal e receita sazonal, porque a banana pode lhes trazer receita de forma mais sistemática. Uma grande expectativa está direcionada para a cultura do coco. Esta é uma cultura para onde estão se voltando os colonos mais empreendedores, os quais já estão organizados no “Núcleo do Coco”. Já existem demandas de importadores da Itália para o coco que é produzido pelos colonos. A demanda é pelo coco fresco e, para que a exportação ocorra, é necessário resolver alguns problemas de acondicionamento (frio, umidade) para que o produto chegue em condições adequadas ao mercado italiano. A EMBRAPA está prestando assistência para a resolução deste problema. Entretanto, a produção dos pequenos produtores volta-se quase na totalidade para o mercado interno. Apenas alguns poucos conseguem exportar. Ainda existe uma grande pulverização de culturas e um incipiente sentido de visão cole627 tiva entre os irrigantes. Eles se informam sobre as tendências do mercado através principalmente de suas cooperativas ou da administração do Distrito. No caso do Projeto Nilo Coelho, a administração do Distrito fornece assistência técnica aos mais de 1.400 colonos (alguns possuem seus próprios consultores), além de fornecer informações sobre preços, tendências de mercado e orientações sobre gestão de processos. Mais recentemente empreendeu inclusive uma ação de alfabetização dos produtores e de seus trabalhadores. As maiores carências destes pequenos produtores, contudo, não se localizam na assistência para as atividades de cultivo em si, mas, principalmente, no campo da assistência gerencial. O controle do processo produtivo, em geral, ainda se faz de modo intuitivo, sem referências maiores às técnicas gerenciais modernas. O controle de desperdício não é preocupação de todos, e se reflete em tratos culturais ainda inadequados, acondicionamento dos produtos em caixotes que danificam os frutos, etc. Em geral, os produtores incorporam ao solo, para servir de adubo, a produção desperdiçada. Apenas entre alguns produtores existe a preocupação, por exemplo, em destinar os rejeitos de uvas para a fabricação de vinagre, as goiabas maduras para a produção de doces e polpas. A certificação de qualidade é uma preocupação para apenas alguns pequenos produtores. Preocupada com este aspecto, a administração do Distrito Nilo Coelho, em convênio com a EMBRAPA de Jaguariúna, selecionou os colonos mais eficientes para um programa – ECOFRUTA – de controle de resíduos e atenção ao meio ambiente, que visa, numa primeira etapa, à certificação ISO 9.000 e, numa segunda etapa, a ISO 14.000. Entre os empresários, existem os que se voltam prioritariamente para a exportação e outros que se dedicam apenas ao mercado interno. Mas, as culturas principais são a uva e a manga, com uma tendência à expansão de goiaba e coco. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 Nas empresas de porte médio, o controle do processo administrativo, em geral, é distribuído entre os membros da família. As maiores empresas possuem funcionários para as atividades administrativas e gerenciais. No entanto, todos fazem uso de consultores e técnicos contratados para atividades específicas (operação de máquinas, manutenção, etc). As tendências do mercado são acompanhadas através da VALEXPORT, revistas especializadas, consultores e visitas aos outros produtores – consideradas fundamentais. As maiores empresas acompanham as tendências do mercado também através de visitas de seus técnicos aos principais mercados produtores e consumidores (interno e externo) participando de feiras e realizando cursos. As demandas por pesquisa são todas encaminhadas para a VALEXPORT, a quem cabe a articulação das entidades de pesquisa e a busca de recursos. Como regra geral, possuem em suas fazendas áreas específicas destinadas ao desenvolvimento de pesquisas. As atividades de treinamento são rotineiras e realizadas on the job. Elas compreendem todas as etapas do processo produtivo: arquitetura da planta, formação do cacho (uva), controle fitossanitário, irrigação e fertilização, etc. As grandes empresas também treinam seus funcionários para as atividades de pós-colheita. As empresas possuem modernas técnicas de microaspersão e fertirrigação; de controle do processo produtivo; e um razoável tratamento de pós-colheita. Contudo, apenas algumas possuem packing house com câmaras frigoríficas e carretas-baú frigoríficas para o transporte até o porto. Os médios empresários que não possuem estruturas de armazenamento refrigeradas costumam alugar espaço nas estruturas existentes nas grandes empresas. Algumas destas empresas já aplicam o conceito de produção integrada. Uma delas contra- tou uma firma de consultoria que elaborou um plano organizacional das atividades; onde cada processo, cada setor, é informatizado e se comunica em rede, apresentando relatórios estatísticos e previsões diárias. Elas se preocupam com a satisfação dos clientes, realizando um acompanhamento contínuo sobre como têm sido recebidos os seus produtos pelos consumidores. Algumas delas fazem propaganda regularmente em revistas especializadas em frutos. A atividade produtiva é feita com os métodos mais modernos de cultivo e a irrigação utiliza o método de microaspersão e fertirrigação. O desperdício é uma constante preocupação. As empresas de maior porte já possuem uma visão mais completa deste aspecto, procurando evitar rejeitos da produção final, como também o uso incorreto, ou a subutilização de componentes. Preocupam-se também com os aspectos fitossanitários, além das perdas decorrentes de ineficiências nas atividades de pós-colheita: manuseio, transporte, acondicionamento e refrigeração inadequados. Para alguns, a eficiência dos insumos já é controlada pela análise de resíduos. Um traço comum a todos os produtores é a avaliação de que a fruticultura irrigada no Nordeste é viável não somente pelo clima privilegiado, mas também por sua infra-estrutura produtiva e capacidade empreendedora dos que fazem o setor. No geral, os produtores consideram uma vantagem produzir numa região onde se pode trocar experiências e reunir esforços, mas acham que é necessário romper alguns entraves que ainda se colocam frente à expansão da atividade: a falta de infra-estrutura especializada, pesquisa, controle fitossanitário e uma política de créditos compatível com a realidade do setor e com as suas especificidades. 5.6 - Perfil da competição e da cooperação O padrão de cooperação observado na área parece ser um dos principais fatores de sucesso e merece, portanto, algum destaque. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 628 Entre os produtores que se dedicam às principais culturas de exportação, o relacionamento é cooperativo – baseado no compartilhamento de experiências; na troca de informações entre os técnicos e consultores; como também nas visitas que, regularmente, os produtores fazem uns aos outros. Ademais, se evidencia um caráter associativo já bem-consolidado, o que permitiu que através da VALEXPORT fossem desenvolvidas ações fundamentais quanto à estratégia exportadora: criação de marca para os principais produtos; coordenação de atividades de pesquisa; gerenciamento da comercialização dos produtos; criação de um Sistema de Comercialização Eletrônico e montagem de uma unidade técnica com informações georeferenciadas, etc. Essas iniciativas também são desenvolvidas com a participação de outras instituições públicas e privadas e se orientam para a formação de uma rede voltada à promoção do desenvolvimento da fruticultura irrigada. Por outro lado, entre os produtores que orientam sua produção para o mercado interno coexistem condutas cooperativas e competitivas. Em geral, em que pesem as dificuldades de associação, decorrentes da grande pulverização de culturas, existe entre estes produtores um comportamento interativo, no sentido da realização de visitas a outras propriedades para a troca de informações. Em alguns casos, a cooperativa é o espaço comum, onde se formam vontades coletivas para iniciativas inovadoras. Em outros casos, como no Projeto Nilo Coelho, a cooperação é buscada através de iniciativas coordenadas pela Administração do Distrito. Estas condutas coletivas acabam por se materializar em convênios para realização de pesquisas – como as que a EMBRAPA está coordenando, referente à cultura do coco e à indução 629 floral da manga; em ações de capacitações dos produtores; como também, em assistência técnica e gerencial. O ambiente competitivo se estabelece no relacionamento com a rede de intermediação e com as processadoras agrícolas, fundado na disputa por definições de preços e classificação dos produtos. Por fim, embora esteja disseminada a cultura da troca de experiências e de esforços coletivos, deve-se destacar a existência de uma segmentação entre os produtores, que separa os exportadores dos demais, configurando assim um certo obstáculo às iniciativas de cunho inovativo, embora estas resistências estejam diminuindo. 6 - CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS A fruticultura irrigada vem se impondo como uma atividade de elevado dinamismo na economia nordestina. Tendo na origem um esforço significativo de investimento governamental, traduzido principalmente na montagem e administração dos perímetros irrigados, esta atividade apresenta-se hoje com expressiva geração de renda, emprego e divisas e com perspectivas concretas de expansão. Este é um caso onde atores locais desempenharam papel estratégico em criar um ambiente aberto a inovações. Ambiente esse capaz de captar as tendências tecnológicas e de mercado, mas também de mobilizar conhecimentos e recursos para desenvolver as condições da economia local. Para o vigor da fruticultura nordestina concorrem as vantagens de solo e clima associadas à irrigação que permite maior flexibilidade de produção ao longo do ano aproveitando os períodos de entressafra de outras regiões, seja no mercado doméstico ou no exterior. O marco tecnológico apresenta-se condizente com o praticado nos países mais avançados em tecnologia de irrigação, sendo adotadas na região técnicas sofisticadas de Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 produção, colheita e pós-colheita, embora com diferenciações entre os produtores. Estão presentes aqui fatores de dinamismo tanto endógenos, demonstrados pela capacidade de iniciativa para inovar por parte dos produtores mais ativos, quanto exógenos, postos pela concorrência com outras áreas de produção e pelos demais agentes da cadeia produtiva. Isto, fruto de um ambiente predominantemente cooperativo e aberto à difusão de conhecimentos e de experiências individuais, mesmo que o nível de organização dos produtores seja ainda incipiente. Do ponto de vista do mercado de trabalho, observa-se uma utilização intensiva de mão-deobra, principalmente na cultura da uva. Em virtude da necessidade de mão-de-obra treinada para tarefas específicas, os produtores tendem a estender o período produtivo por todo o ano para reter trabalhadores e assim reduz-se bastante, em contraste com outras regiões, a sazonalidade da ocupação agrícola. Além disso, os níveis salariais apresentam alguma melhora com a expansão da atividade combinada com a relativa escassez de trabalhadores qualificados. O crescimento doravante deverá caminhar, em boa parte pelo menos, na direção do mercado externo, onde as exigências de qualidade, restrições sanitárias etc., impõem seus desafios. Além disso, deve-se ter em conta que o próprio mercado interno, também com amplo potencial de crescimento, vem gradativamente desenvolvendo padrões de consumo mais exigentes. Até aqui, o balanço é positivo, todavia alguns desafios devem ser enfrentados para garantir a continuidade do pólo. Os consumidores dos principais países importadores de frutas priorizam a qualidade e aparência dos produtos, impondo restrições quanto aos cuidados sanitários, de seleção das espécies e até mesmo do acondicionamento e embalagens. Este fato estabelece desafios quanto à organização do agronegócio para se conquistar mercados numa escala internacio- nal. O desafio da competitividade se estabelece em um ambiente globalizado, de integração entre países e de abertura dos mercados, marcado pelo primado da produtividade e qualidade. O agronegócio da fruticultura para se tornar competitivo deve diferenciar e especializar sua produção, implantar e tornar eficaz seu sistema regulatório, integrar as cadeias produtivas e de comercialização, aperfeiçoar e sofisticar seu complexo de P& D. Contudo, os desafios para se constituir no Nordeste uma posição competitiva no agronegócio da fruticultura de exportação, estão muito além das fronteiras em que se definem as atividades produtivas. Embora até aqui o segmento esteja praticando níveis tecnológicos relativamente avançados, o desafio da expansão requer um esforço inovativo mais articulado onde participem as entidades governamentais de pesquisa e de extensão, as universidades, escolas técnicas e demais órgãos do aparato de P&D, junto com empresas e associações de produtores. Para tanto, é fundamental que ocorra um maior engajamento e especialização das instituições de apoio para a pesquisa e extensão. Embora estejam hoje engajadas no processo de desenvolvimento tecnológico para o setor, as instituições de apoio parecem ter andado a reboque das demandas e das iniciativas dos produtores da fruticultura. Embora no geral o ambiente seja favorável, é importante ressaltar que são ainda incipientes as ações no sentido da organização da comercialização, principalmente para o caso dos colonos e dos pequenos produtores. Aqui há ainda muito que avançar em termos de estímulo ao associativismo e/ou cooperativismo, pois as associações e cooperativas existentes têm ainda uma atuação relativamente tímida, face à baixa adesão e pouca confiança dos produtores nesses instrumentos, até porque as experiências de sucesso das mesmas na região não são muito freqüentes. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 611-632, novembro 2001 630 Os principais problemas e dificuldades existentes na esfera tecnológica ligam-se a variedades, manejo de irrigação, condução das culturas, pós-colheita etc, que, embora relevantes e merecedores de atenções, não podem ser considerados como entraves definitivos ou intransponíveis, estando já em processo de superação boa parte dos mesmos. O nível reduzido de capacitação de colonos e de trabalhadores, ao lado de suas dificuldades de integração em associações e/ou cooperativas são dificuldades que talvez demandem mais esforços e tempo para superar em vista dos traços culturais aí envolvidos. Cabe ainda ressaltar a relativa abertura do ambiente da fruticultura irrigada em relação aos avanços tecnológicos, apesar das dificuldades já citadas. Isso mostra que o modelo de irrigação até aqui adotado tem aspectos positivos, mesmo que passível de correções e de melhorias. Acima de tudo deve ser enfatizado o ambiente produtivo favorável à difusão de inovações, onde o clima cooperativo sobressai-se, em sintonia com o novo paradigma da inovação, o que abre espaço, embora não assegure por si só, para o desenvolvimento local e para a conquista de vantagens competitivas. Finalmente, vale chamar a atenção para alguns aspectos do modelo merecedores de estudos mais aprofundados. Assim, algumas questões relevantes precisam ser respondidas, tais como: de que forma seria possível reforçar o papel dos pequenos produtores como agentes do processo de absorção/difusão de tecnologias? Essa experiência pode ser reproduzida em outras regiões do semi-árido nordestino ou de outras regiões subdesenvolvidas com características similares? Esse modelo é capaz de garantir padrões de vida satisfatórios e sustentáveis no contexto de uma crescente integração das economias local e regional com o mercado global? Esse modelo pode garantir o fortalecimento da competitividade das economias local e regional no mercado global? 631 Abstract This paper analyses the recent development of irrigated fruit production in Brazil’s Northeast, specifically the case of the pole Petrolina/Juazeiro. It focuses on the competitiveness of the activity and its capacity to incorporate technological advances, increase local added value and create employment in a sustainable basis. It concludes that the sector, despite facing structural chalenges to keep a competitive position in the world market, displays a modern productive pattern and endogenous capacity to adopt technological innovations which sustains its expansion. Key-words: Irrigated fruit production in Brazil’s Northeast; Rural and Local Development. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ASSIRATI, E. B. Uma avaliação das políticas de irrigação no Nordeste. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 25, n. 4, p. 545-574, out/dez 1994. BRASIL. Ministério do Planejamento. 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