EDUCADOR PROGRESSISTA E A RELAÇÃO DIALÓGICA EM PAULO FREIRE1 Victor Hugo Davanço 2 José Aparecido Celório3 (Orientador) RESUMO Com base no pensamento de Paulo Freire, o objeto de nossa pesquisa foi a análise das ações e atitudes que tornam o educador um educador progressista. Para Paulo Freire, existem compromissos que o educador progressista deve assumir em suas práticas, valorizando a responsabilidade, a dialogicidade e a ética, posturas essas que devem se atrelar ao bom preparo científico. Esta pesquisa se desenvolveu por meio de estudo bibliográfico, tendo como obras analisadas, Pedagogia da Autonomia (FREIRE,1997), Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2005) e Educação e Mudança (FREIRE, 2007), obras que me fizeram parte da formação acadêmica e que demonstram claramente a forma com que o autor se dispôs a uma educação promotora de liberdade e desenvolvimento dos educandos. Ressaltamos que nosso estudo considera fundamental o diálogo transdisciplinar com outras áreas de conhecimento, para que possamos compreender a complexidade existente entre o pensamento de Paulo Freire, a escola contemporânea e a relação professor/aluno em sala de aula. Sendo que o educador, ao se caracterizar como progressista, teria uma preocupação maior com suas ações e atitudes, sobretudo na construção da relação dialógica. A dialogicidade, como uma postura necessária ao educador progressista, já se encontraria em um educador com retidão ética, pois a ética em Freire presume o respeito aos educandos e ao outro como ser pensante e produtor de ideias. Assim, uma boa preparação científica, uma reflexão crítica sobre a prática, o reconhecimento de que ensinar é muito mais que transferir conhecimentos, da mesma forma que há a possibilidade de aprender e ensinar por meio de uma relação dialógica são as principais atitudes defendidas por Freire e que salientamos neste trabalho, ressaltando que essas posturas são parte do conceito de ética defendido pelo autor. Palavras-chave: Educação. Educador Progressista. Diálogo. 1 Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia, da Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional de Cianorte, apresentado como requisito à obtenção do título de Licenciado em Pedagogia 2 Acadêmico do 4º ano de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional de Cianorte. 3 Professor do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional de Cianorte. INTRODUÇÃO “Na produção do conhecimento em ciências humanas e sociais é preciso valorizar o conhecimento produzido pela razão dialógica, ou seja, aquele que preside o saber da prática de vida como réplica de um diálogo que envolve valores e tece a realidade social.” (NOVAES, 1992, p. 13). Neste trabalho, fruto das nossas pesquisas e observações no estágio, reivindicamos um modelo de escola que seja pautado na relação dialógica, que inibe as relações autoritárias em sala de aula e promove uma educação cujo respeito entre pessoas e saberes é mútuo. O termo utilizado por Paulo Freire para caracterizar a educação do seu tempo, “educação bancária”, se aplica a uma educação em que o aluno apenas aprende, ou seja, o professor, detentor do conhecimento, transmite o conteúdo necessário à aprendizagem. Se a escola é um espaço para criar pessoas autônomas, o modelo bancário, que forma seres passivos, impede isso. Para Paulo Freire, existem compromissos que o educador progressista deve assumir em suas práticas, valorizando a responsabilidade, a dialogicidade e a ética, posturas essas que devem se atrelar ao bom preparo científico, “o preparo cientifico do professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética” (FREIRE, 1997, p. 18). A ética presume um respeito por si mesmo e pelo outro e a dialogicidade, presume o diálogo, as conversações e a cooperação entre pessoas, ao invés do debate e da competição tão presentes no cotidiano escolar. Isso nos lembra Humberto Maturana (2004) quando diz que as relações só se tornam humanas quando a competitividade cede espaço à cooperação. Assim, é necessário repensar alguns aspectos da realidade escolar que valorizem uma intensa troca de conhecimentos entre alunos e professores. Por isso, precisamos ter um olhar crítico voltado à organização escolar, no intuito de avaliá-la continuamente, pois acreditamos que bons modos de ação, contribuirão para a melhora do processo educacional, e acima de tudo, uma reorganização das posturas dos educadores, muito mais comprometidos e valorizados com sua profissão. Primeiras Palavras acerca da nossa Educação “A educação do futuro será marcada pela centralidade da pessoa que aprende, o que implica repensar os modos de trabalho dos educadores” (CANÁRIO, 2006 p.49). A problemática educacional brasileira vem, ao longo dos tempos, sendo objeto de estudo de inúmeros pesquisadores. Dentre os grandes educadores brasileiros, destaca-se Paulo Freire, Dermeval Saviani e José Carlos Libâneo, o que nos faz refletir sobre a importância atingida e atribuída à educação enquanto possibilidade de mudança de uma sociedade que vive em constante transformação. Se a educação, entendida aqui como todo processo formal ou não-formal de construção e disseminação de conhecimentos, é por isso, também, vislumbrada como uma das possibilidades de transformação da sociedade. Portanto, seu papel é muito maior que meramente transmitir aos alunos os conhecimentos que foram construídos historicamente pela humanidade, é, acima de tudo, proporcionar que educandos e educadores desenvolvam seus conhecimentos em colaboração, onde ambos possam aprender e ensinar. Inserida em um contexto que a condiciona, podemos dizer que a educação escolar modifica e é modificada historicamente por meio das relações culturais, políticas, econômicas, sociais etc., da sociedade na qual a mesma se encontra instalada. Como diz Canário (2006), em relação à educação, temos um problema significativo, que se apresenta no século XX, que é o de conferir à escola a exclusividade no tratamento das questões relacionadas aos conhecimentos científicos e não considerá-la como uma das várias modalidades possíveis. Dessa forma, no século XX, acreditou-se que o meio pelo qual se aprendia estava predominantemente relacionado ao ambiente escolar e assim, “a educação tornou-se refém da forma escolar” (CANÁRIO, 2006, p. 15), pré-estabelecendo a validade dos saberes desenvolvidos na escola em detrimento dos demais. Essa exclusividade da escola é colocada em xeque por alguns autores, como comenta o próprio Canário(2006, p. 44), com a possibilidade de uma sociedade sem escolas, sugerida por Ivan Illich. Assim, inserida em um contexto que absolutiza seus poderes, a educação, sobretudo a escolar, ao mesmo tempo em que proporciona ao aluno conhecer os saberes sistematizados e desenvolvidos ao longo do percurso histórico humano, pode contribuir para modificar as relações atuais da sociedade. Relações deste aluno com seus saberes e também em suas relações com os demais. Dessa maneira, as relações da sociedade em determinada época histórica confere à educação objetivos específicos, determinando o tipo de educação que teremos. Pensando assim, a estrutura curricular escolar pode ser entendida sobre duas vertentes: como um método de aprimoramento da sociedade para atender às necessidades dela mesma, ou seja, estrutura-se a educação com o objetivo de manutenção da sociedade atual, do status quo, como se verifica aqui no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, em que a formação técnica era utilizada como forma de atender às demandas da época, ou seja, a manutenção das estruturas e, sobretudo, a manutenção do poder. Por outro lado, tem-se o objetivo de, por meio da educação, modificar as estruturas encontradas no presente, vislumbrando uma possibilidade de futuro modificado, como no caso da alfabetização proposta por Freire. A proposta de Paulo Freire pretendia, por meio da conscientização dos educandos, modificar o estado de dominação dos mesmos, possibilitando uma reflexão crítica sobre suas vidas e também um futuro diferente do presente. Em nosso entender, essa mudança estrutural só é possível com uma mudança na concepção educacional atual, pois ambas estão diretamente relacionadas. É preciso conceber e pensar em outros meio e caminhos de aquisição e produção de conhecimento, para que a relação ensino-aprendizagem não fique presa a uma única instância formadora. Como afirma MORAES: A mente humana, ou seja, o equipamento cognitivo do indivíduo, é influenciada pela cultura, pela coletividade que fornece a língua, pelos sistemas de classificação, pelos conceitos, pelas analogias, pelas metáforas e pelas imagens. Portanto, qualquer alteração nas técnicas de armazenamento, na transformação e na transmissão das representações da informação e do saber provoca mudanças no meio ecológico no qual as representações se propagam, provocando mudanças culturais e mudanças de saber” (MORAES, 1997, p. 124). As mudanças culturais e as mudanças de saber, sobretudo relacionadas com as novas tecnologias, resultam em novas relações humanas e até mesmo em transformações na organização familiar, social, econômica e educacional. Para MORIN (2003), a cultura está presente em nós por meio de normas, leis, da linguagem, ou seja, a influência acontece sutilmente e precisa ser entendida e percebida, sendo que qualquer modificação, por mais relevante que seja, acarreta modificações em nossas vidas. Tendo em vista uma sociedade diferente daquela encontrada por FREIRE na segunda metade do século XX, e acreditando no poder da educação em contribuir com essa mudança, o educador progressista deve estar atento, reflexivamente, às possibilidades de efetivação de uma educação que abra espaço para novos e velhos saberes, intrínsecos à diversidade cultural humana. Nesse sentido, a compreensão das possibilidades educacionais, a consciência das organizações da sociedade, a abertura de espaço aos educandos, são formas de o educador progressista contribuir com essa mudança, que deve ser paradigmática. Dessa forma, podemos associar também que a escolha de determinados conteúdos, métodos e procedimentos no meio escolar atendem aos objetivos que se tem com a educação. E neste momento, a preocupação com os conteúdos em estudo, deve refletir também a preocupação com o futuro que se espera para esses alunos, um futuro no qual será primordial o pensamento coletivo para problemas coletivos, para que nossos alunos possam desenvolver plenamente seus saberes. Isso porque a estrutura social na qual estamos vivendo permite e, mais que isso, obriga-nos a pensar as relações sociais em contexto global. Como afirma Morin (2003), estamos vivendo um período de globalização, que se instala num processo mais amplo de planetarização, ou seja, o processo de globalização, sobretudo no final do século XX. Este processo abriu as portas das economias mundiais que passaram a operar fora dos marcos nacionais, porém, a era planetária inicia-se antes, já no século XV com as grandes navegações e a integração de todo o globo terrestre. Sendo assim, há atualmente a necessidade de formar um educando que consiga pensar o local atrelado ao planetário, atrelado às necessidades atuais, considerando todos os seus paradoxos e contradições. É nesse contexto que o pensamento de Paulo Freire nos ajuda a pensar novos caminhos para a educação, ou seja, uma educação que esteja atenta aos valores universais e à diversidade cultural e social. Paulo Freire possui extensa obra que aborda a educação do século XX, sobretudo àquela que tende a oprimir os educandos, impossibilitando um pensar crítico sobre a sociedade e sobre seu próprio “eu”. Para nós, sem dúvida, uma obra que nos faz refletir sobre a necessidade de mudança do paradigma educacional voltado ao ser humano que atua em âmbito global. Ao mesmo tempo, Freire cobra dos profissionais da educação uma nova postura, a fim de que modifiquem o quadro de opressão de sua época. Vivendo em um momento conturbado da história brasileira, no qual o poder político está concentrado nas mãos dos militares que instituem, por meio de leis, o regime de cassação de direitos dos cidadãos, há um interesse político com o desenvolvimento da nação para a manutenção do regime, e assim a educação é chamada a atender essa necessidade. Freire, atento a esse processo, a todo momento busca fazer com que todos os envolvidos no processo educacional expressem sua voz e sejam ouvidos. Seu projeto de alfabetização visava exatamente à conscientização dos educandos partindo e buscando a mesma. Frente a esses embates que nos inspiram a repensar as posturas dos docentes, nos propomos a analisar como o educador progressista que Freire propõe pode contribuir. Assim, este estudo tem por base elencar as possibilidades de uma educação que valorize o educando, oferecendo oportunidades para que ele tenha condições de se desenvolver plenamente, como um futuro educador progressista, que tenha como característica a capacidade de dialogar. Para tanto, baseamo-nos em algumas das obras do referido autor, sobretudo nas obras Pedagogia do Oprimido (2005), Pedagogia da Autonomia (1997) e Educação e Mudança (2007). Paulo Freire – o educador Paulo Regulus Freire, nascido em 19 de setembro de 1921 no Recife, pode ser considerado um dos grandes educadores brasileiros do século XX. Partícipe de um período de intensas mudanças na configuração social estruturante do Brasil, Freire viveu intensamente tudo o que propunha enquanto educador. Advindo de uma das regiões mais pobres do Brasil experimenta desde cedo as dificuldades das classes populares de sua época, fato este que contribuiu para sua elaboração mental reveladora que efetiva a importância da alfabetização aliada à conscientização. Freire trabalhou inicialmente no SESI e posteriormente na Universidade do Recife. Momento este em que começa a pôr em prática seus planos e métodos de alfabetização. Dentre eles destacam-se a experiência de Angicos no Rio Grande do Norte em 1963 onde em apenas 45 dias de desenvolvimento de seu método 300 cortadores de cana foram alfabetizados. Seu método, pelo caráter político de instigar a conscientização, causou desconforto no governo militar iniciado em 1964, fato que o leva primeiramente a prisão por 72 dias e em seguida obriga-o a se exilar fora do país. Freire foi então um dos primeiros exilados pelo governo militar, morando em vários países ao redor do mundo. Destaca-se sua passagem pelo Chile, onde escreve sua obra mais importante “Pedagogia do Oprimido” (1968) e também sua passagem pela Suíça onde foi consultor durante 10 anos do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas. Frente aos embates que se desenhavam a sua época, e envolvido conscientemente nos mesmos, a proposta educacional de Freire buscava, além da pura alfabetização (entendida como o ponto de partida), desenvolver, naqueles que passariam pelo processo todo, um entendimento, uma conscientização necessária para entender as relações de opressão e exclusão existentes naquela época. Dessa forma, o autor estrutura sua proposta de forma a permitir aos educandos, (analfabetos) que tomem consciência das letras, da forma de escrever palavras, das classes gramaticais, mas, ao mesmo tempo, estabeleçam conscientemente uma relação dos conteúdos estudados com a vida de cada um deles. Ou seja, que verifiquem as relações daquele conhecimento com suas vivências e, ainda mais, discutam essa interferência pensando nas possibilidades de mudança existente. Assim, em um dos exemplos clássicos encontrados em seus textos, Freire sugere que, no processo educacional de trabalhadores da construção civil, exista primeiramente um debate com os educandos abordando todas as condicionantes de uma construção, desde os materiais empregados na obra, a quem se destinará a mesma, o problema da falta de moradias dignas, o problema das favelas, o problema da falta de estruturas mínimas nas regiões mais afastadas do centro das cidades. Enfim, sua proposta é inicialmente dotar os educandos de conhecimentos gerais sobre o assunto e propor que os mesmos reinterpretem seus saberes e promovam o debate sobre o tema. Dessa forma, busca a tomada de consciência de tal situação. Em um momento posterior, é então iniciada a fase da alfabetização propriamente dita. Após o debate é iniciada as discussões em torno da ortografia e das classes gramáticas a qual a palavra geradora em discussão pertence. Como no exemplo acima, no qual se discute o problema da falta de moradia, a palavra geradora poderia ser, por exemplo: TIJOLO. Assim, a palavra após apresentada seria separada em sílabas: TI-JO-LO; e posteriormente empregada em suas classes gramaticais: Fig. 1: TIJOLO TA JÁ LA TE JE LE TI JI LI TO JO LO TU JU LU É nesse momento que os educandos tomariam conhecimento da maneira gráfica de representação da palavra geradora anteriormente trabalhada. Após visualizar a palavra dentro de suas classes gramaticais, e feita uma leitura em conjunto, educador e educandos parte-se para a proposição de formação de novas palavras a partir daquela palavra geradora. No caso da palavra TI-JO-LO e suas classes gramaticais, os educandos seriam incentivados a escrever novas palavras que, segundo o autor, nas experiências em que esta palavra geradora foi empregada aparecem construções do tipo; Alunos que juntam LU+TA= LUTA; Alunos que desmembram as sílabas e as juntam novamente, retiram o I do LI e somam LE+I+TE, formando = LEITE; E no caso mais emblemático um educando que já no primeiro dia escreve: TU JÁ LÊ. Esse processo de alfabetização desenvolvido por FREIRE teve muita significação no período em que foi apresentado à sociedade brasileira, sobretudo por revelar a preocupação do autor com a conscientização dos educandos para temas concernentes às suas vidas. Nesse sentido, sua obra “Pedagogia do Oprimido” traz uma discussão importante acerca da opressão existente na sociedade brasileira da década de 1960 e de como as classes dominantes operavam mecanismos para manter a opressão, sendo que para ele a autenticidade à superação da opressão só viria dos próprios oprimidos no momento em que se reconhecerem em tal situação. Assim, muito mais que a pura alfabetização, era necessário um processo no qual os educandos tomassem consciência da palavra escrita e também das estruturas organizacionais da sociedade, ou seja, era necessário conscientizá-los. Neste cenário, a concepção bancária de educação, que segundo o autor estava em voga no Brasil, atua como fonte de irradiação de opressão, pois segundo a mesma, o aluno deveria ser aquele que apenas “recebe” os conhecimentos prontos enquanto o professor é o detentor do conhecimento elaborado que será “transmitido”. Assim, a manutenção do estado de opressão encontra meio de se manter ativa, pois dispõe de um aparato legal que salienta o poder dos professores e minimiza os saberes dos alunos e ainda considera determinados saberes indispensáveis, estes quase sempre os da classe dominante, enquanto outros saberes são desprestigiados, estes os das classes oprimidas. Diante disso, FREIRE admite a importância de uma atitude reflexiva por parte dos educadores progressistas atentos à necessidade de superação da relação conflitante entre educador X educandos, da superação da educação bancária, onde cada qual ocupa seu lugar pré-definido na relação de ensino – aprendizagem. Ou seja, o autor busca a superação da idéia de educador que esta simplesmente para ensinar enquanto o educando simplesmente existe para aprender, partindo para uma posição onde ambos estejam prontos e propensos a aprender e ensinar ao mesmo tempo, para assim poderem refletir criticamente sobre sua realidade, admitindo o estado de dominação e buscando sua superação, sendo que “para a educação problematizadora, enquanto um quefazer humanista e libertador, o importante está em que os homens submetidos à dominação lutem por sua emancipação” (FREIRE, 1968 p.86), que comecem a se perguntar o porquê de tal situação que estão vivendo, e juntos modifiquem a mesma. Educação Progressista e Dialógica Para Freire, o educador progressista é aquele que, em comunhão com os educandos, busca o desenvolvimento de ambos. É o educador que confiante na educação, como possibilidade de superação da opressão existente na época, aposta na mudança como uma necessidade. O educador José Carlos Libanêo escreve que Freire se aproxima muito do que ele classifica de Teoria da Ação Comunicativa, e da qual acreditamos definir bem o educador progressista, diz ele, tal teoria: Realça no agir pedagógico a ação comunicativa, entendida como interação entre sujeitos por meio do diálogo para se chegar a um entendimento e cooperação entre as pessoas nos seus vários contextos de existência. Constitui-se, assim, numa teoria da educação assentada no diálogo e na participação, visando à emancipação dos sujeitos (LIBÂNEO, 2009, p. 35). É essa possibilidade/necessidade de mudança que inspirou não só Freire, mas também nossa pesquisa, sendo, pois, o comprometimento dos seres envolvidos no processo educativo a pauta inicial de uma mudança profunda diz o autor: “pois bem, se nos interessa analisar o compromisso do profissional com a sociedade, teremos que reconhecer que ele, antes de ser profissional, é homem. Deve ser comprometido por si mesmo.” (FREIRE, 1979, p. 19). Apesar da afirmação anterior, a sua efetivação não é tão simples, o comprometimento com o processo educativo, além de passar longe das discussões políticas, infelizmente está apenas superficialmente presente no meio acadêmico, visto a apatia que alguns educandos demonstram no nível superior, e ainda mais, o falta de comprometimento de alguns professores com suas aulas4. É importante pensarmos criticamente sobre este estado de apatia. No tocante aos acadêmicos, temos alguns pontos que valem maiores reflexões, pois aquilo que pode ser entendido como apatia, na verdade, pode ser reflexo da falta de tempo. Apesar de muitos alunos terem vontade de participar das aulas, as condicionantes particulares, como o trabalho integral, impedem uma participação adequada nas atividades educacionais, com leitura, discussão e reflexão. Porém, há aqueles que simplesmente não se interessam pelas discussões que os circundam, o que nos permite questionar: o que eles fazem aqui? Buscam realmente uma formação ou apenas um diploma? Outros, porém, estão apáticos porque não sabem se o caminho que estão seguindo é mesmo que lhes trará prazer. De qualquer forma, as 4 Estes fatos foram vivenciados por mim durante os estágios. dificuldades podem também servir de estímulo e incremento à formação acadêmica, e não apenas de desculpas para a falta de vontade. Com relação aos professores, apesar de entender a complexidade de elaboração das aulas no nível superior, não podemos, de maneira alguma, concordar com a utilização desmedida de trabalho, sobretudo alguns seminários que servem, única e exclusivamente, para transferir aos alunos o trabalho que o professor deveria exercer, ou seja, a organização e desenvolvimento das aulas. Em nosso ponto de vista, a prática de seminários traria muito mais benefícios para o nosso aprendizado se fosse elaborado em conjunto pelo professor e alunos. Além disso, toda mudança traz em si um emaranhado de outros problemas e fatores, ainda mais quando o assunto em questão é a educação que, em si, envolve a vida de muitas outras pessoas. E assim, “o ofício de professor em si é complexo e se torna muito mais complexo quando se pretende mudança de conceitos que foram transformados em senso comum, trabalhando atitudes e expectativas dos alunos” (VASCONCELOS et al., 2009, p.140). No que se refere à mudança de postura do educador, a disposição pessoal deve ser a força necessária à renovação. Na ótica de um educador progressista, a ação educativa deve gerar uma reflexão que contribui para a mudança de pensamento e de postura de educadores e educandos, contribuindo assim para o processo de conscientização proposto por Freire para o período de opressão social vivido no Brasil. Assim, as discussões pertinentes as salas de aula, muito mais que meramente conteúdos escolares com fins escolares, devem proporcionar a alunos e professores, conhecimentos e interpretações das realidades sociais e culturais que os cercam, compreendendo de que forma essas realidades interferem em vossas vidas. Consoante a isso, um pensamento fundamental, que deve englobar as posturas desse educador, é o diálogo. Tendo em mente que as relações educativas desenvolvem-se por meio de relações de diálogos, o educador deve pensar que “quem dialoga, dialoga com alguém sobre alguma coisa” (FREIRE, 1979 p.69), essa alguma coisa deve incluir a perspectiva de educadores e educandos, e, de maneira alguma, deve reforçar como certo o pensamento do professor e como totalmente errado o pensamento do aluno. Esse respeito ao diálogo e a superação do paradigma educador X educando, é, sobretudo, admitir o conhecimento em construção e trabalhar cotidianamente em seu desenvolvimento. De acordo com essa forma de pensar e agir, fugindo às simples explicações, o processo de alfabetização, sobretudo de adultos (que foi o principal foco de Freire), pode conferir aos educandos uma nova realidade de vida, pois para Freire a “alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas para escrever e ler” (FREIRE, 1979 p.72). A alfabetização é um dos meios pelos quais se possibilita uma interação com os demais, de fato uma vivência em colaboração. É, como já afirmamos, um caminho para instigar os alunos, de forma que eles se conscientizem das estruturas organizacionais da sociedade, ao mesmo tempo que são alfabetizados. Assim, dentro das discussões anteriores, e tendo em mente elencar as ações que caracterizam um educador progressista, podemos dizer que “formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas” (FREIRE, 1996, p. 14), e dessa forma educar está incluso num processo amplo de desenvolvimento social tanto das habilidades escolares quanto das atitudes, sendo que cabe aos educadores “compreender as práticas educativas como atividade complexa, uma vez que se encontram determinadas por múltiplas relações” (LIBANÊO, 2009, p.22). Assim, em nossa pesquisa, pudemos considerar alguns pontos importantes que são fundamentais ao educador progressista e que, em certa medida, fazem parte de um pensamento que compreende a educação como esse processo complexo de multi-relações, sendo “importante vermos todos os aspectos da nossa realidade e escaparmos à alternativa entre a euforia e a lamentação” (MORIN, 2003, p. 113). Conforme Freire,“o preparo científico do professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética”. (FREIRE, 1996, p.16), isso porque verifica-se na obra de Freire, referente à formação do educador, que este deve buscar diariamente seu aperfeiçoamento a fim de melhor compreender sua sociedade e, consequentemente, melhor desenvolver sua aula. Para isso, o autor adverte-nos sobre a necessidade ética no tratamento do conhecimento. De nada irá adiantar um professor com altos conhecimentos científicos, se em sua prática diária seu preconceito é mais visível do que o conhecimento que pretende construir com os alunos. Assim abre-se também a possibilidade de se reconhecer como possuidor de um conhecimento inacabado que deve continuar a se desenvolver diariamente, e por isso mesmo necessita de reflexões contínuas e de diálogo. Além de ter ética no tratamento do conhecimento, ao educador progressista “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando ‘blá-blá-blá’ e a prática, ativismo” (FREIRE, 1996, p. 22). Dessa forma, o educador progressista é convidado, diariamente, a repensar criticamente sobre sua teoria, reelaborando sua prática, ou ainda, no momento em que se depara com novos saberes de seus educandos, reelaborar sua teoria, num processo contínuo e ininterrupto de reconstrução. Essa prática educativa crítica também pode ser chamada de progressista. Reconhecer que ensinar é muito mais que simplesmente transferir algum conhecimento, é, fundamentalmente, criar as possibilidades para que o educando tenha a oportunidade de construir um saber. É ainda pensar a possibilidade de, ao mesmo tempo em que ensina os educandos, o educador aprende com eles. Entretanto, muitas vezes, o orgulho de alguns educadores impede que esse processo se concretize. É necessário, como apresentado anteriormente, a retidão ética para assumir a posição humilde de continuidade na aprendizagem e assim assumir que “quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE, 1996, p. 23). E assim, agir com ética, para Freire, muito mais do que dialogar com os educandos sobre a retidão ética, é ter compromisso as suas ações diárias, para que seu discurso não seja apenas um discurso, e possa ser verificado pelos educandos nas suas ações diárias. Essa preocupação no agir conforme a fala, tão presente em nossa sociedade e também nos meios educativos, acarreta a falta de identificação com situações vivenciadas diariamente por educandos e educadores. E isso não necessita de recursos, não necessita de longo tempo de prática ou muito menos de estudos duradouros, é na verdade, uma atitude que precisa nascer em cada um, uma forma de efetivar tudo o que é dito. A ética, a prática do diálogo, depende realmente dos educadores e das posições que os mesmos assumem. Não podemos, enquanto educadores progressistas, assumirmos uma postura de intolerância e de superioridade, ao que Freire (1996, p. 33) diz: Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se, como afirma o autor, tomarmos o distanciamento da ética como transgressão à atividade educativa, teremos à nossa frente o ponto de partida para chegarmos ao respeito, ao diálogo, à valorização do educando como “ser” que se desenvolve em comunhão conosco. Teremos, assim, o princípio de educação valorativa à educadores e educandos. Outro ponto importante a que Freire nos chama atenção é que “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (FREIRE, 1996, p. 29). Dessa forma todo professor, ao mesmo tempo que ensina está pesquisando; ambos, ensino e pesquisa, estão atrelados e são indissociáveis. Assim, observamos, que na visão do educador progressista, todos os educadores devem ser considerados pesquisadores, até porque, nenhum conhecimento está totalmente encerrado. Para finalizar, citamos uma passagem do livro “Pedagogia da Autonomia” Freire (2006, p. 38): A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomando como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica, a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. É assim que na prática educativa, desafiadora e incentivadora, o educador deve ter sempre em mente a prática do diálogo, pois, respeitando o educando, terá espaço para expor seus pensamentos e, a partir dele, encaminhar a aula de forma que haja um real desenvolvimento de si próprio e do aprendiz. Para que de fato se constitua e se efetive essa educação, pautada por Freire em uma atitude progressista, o diálogo deve permear toda a elaboração conceitual do professor, tanto em suas ações como no desenvolvimento de suas aulas. É só por meio do diálogo que o respeito aos educandos e a sua participação na construção dos conhecimentos será sentida. Considerando ainda, como diz Freire, que ninguém pode ser considerado o sujeito da autonomia de ninguém, o diálogo pode ser o promotor dessa autonomia. O diálogo, entendido como a comunhão de diferenças na busca de um consenso, “significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro” (FREIRE, 1996 p.119). Como diria Morin (2010), diferentemente do debate, o professor deve incentivar o diálogo. Isso porque, segundo o autor, quando duas pessoas se encontram e entram em discussão, ambos terão uma idéia inicial de determinado assunto e irão defender as mesmas, ao fim da discussão, os dois saírao com as mesmas idéias iniciais. Já na prática do diálogo, quando se encontram para dialogar, há a disponibilidade de reformular os pensamentos, assim, ao final do diálogo, ambos terão uma nova concepção que não representará a vontade, ou a visão de um em detrimento da concepção do outro, mas englobará um ponto de equilíbrio entre as visões dos envolvidos. Pensando assim, no processo educativo, podemos dizer que ao sair da zona de conforto dos debates, onde o professor fala de cima, como o portador do saber, o professor incentivador de diálogo pode não só permitir que os educando reelaborem seus conhecimentos, mas pode ele próprio reinterpretar e reformular seus saberes, “não é falando aos outros, de cima pra baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles” (FEIRE 1996, p. 113). Se não uma mudança radical, ao menos uma mudança importante está delineada. De um período opressor vivido por Freire, em que a palavra fora negada a todos, a assunção da necessidade do diálogo representa muito mais um compromisso com a formação de uma nova sociedade. E assim, FREIRE diz que a principal função do educador não é esclarecer as dúvidas sobre os conteúdos, ou ainda transmitir os saberes, mas incentivar os educandos para que eles consigam compreender o assunto. Isso, para ele, faz parte da “boniteza da docência e da discência” (1996 p.119), contribuindo assim, para mudanças estruturais nas vidas desses educandos e da própria escola. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho, baseado no autor Paulo Freire, é uma referência que observou as atitudes relevantes presentes na obra de Paulo Freire e que contribuem para o entendimento do educador progressista, englobando atitudes e ações às quais os educadores devem dar atenção durante a prática educativa. Ao longo das nossas observações no estágio, foi possível observar ainda uma prática bancária ativa, com professores que dispensam momentos de trocas e voltam suas atenções a simples transmissão de saberes. Assim vimos que é premente instituir práticas dialógicas na ação docente, pois, caso contrário, a escola continuará sendo, grande parte dela, uma mera reprodutora de conteúdos. Pudemos observar que as obras estudadas articulam uma gama de condicionantes necessários ao educador progressista, tais como a dialogicidade, o pensamento crítico, a humildade, a disposição em aprender e ensinar ao mesmo tempo, o respeito aos educandos. Porém, em nosso entendimento, as atitudes apresentadas por FREIRE como necessárias aos educadores progressistas, que buscam uma nova postura educativa, podem se enquadrar facilmente dentro do princípio de ética defendida pelo autor. Ética para ele, não é apenas se preocupar com algo e criticá-lo, não é apenas se preocupar com problemas que de alguma forma nos afetam. Na verdade, a ética, contida em FREIRE, relaciona-se, de modo geral, com a vida que levamos, com nossos relacionamentos interpessoais, com as nossas decisões e as nossas posições, com a nossa formação, pois o “o preparo científico do professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética” (FREIRE, 1996, p.16). Dessa forma, a ética seria a atitude primordial para que qualquer educador se considere progressista. Assim, a dialogicidade como uma postura necessária ao educador progressista, já se encontraria em um educador com retidão ética, pois a ética em Freire presume o respeito aos educando, o respeito ao diálogo e a opinião de outrem. A disposição em aprender e ensinar estaria também dentro do educador ético, pois um educador ético estará sempre disposto a ouvir e aprender ao mesmo tempo em que ensina seus alunos, pois “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado (FREIRE, 1996, p. 23). Esse compromisso pode e deve estar presente na ação educativa e também nas ações avaliativas, ao que Freire nos adverte ainda que “os sistemas de avaliação pedagógica de alunos e de professores vêm se assumindo cada vez mais como discursos verticais, de cima para baixo, mas insistindo em passar por democráticos”. Talvez esse deva ser nosso principal problema, o falar destoando do fazer. Portanto, devemos estar atentos e abertos a aprender por meio do diálogo, assim, queremos acreditar, efetivaremos a proposta de Freire, de uma educação dialógica e de uma escola para além dos seus muros. REFERÊNCIAS CANÁRIO, Rui. A escola tem futuro? Das promessas às incertezas. Porto Alegre: Artmed, 2006. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática docente. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997. ______. Pedagogia do oprimido. 44. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. ______. Educação e mudança. 30. ed. São Paulo. Paz e Terra, 2007. LIBÂNEO, José Carlos. As teorias pedagógicas modernas revisitadas pelo debate contemporâneo na educação. In: SANTOS, Akiko; LIBÂNEO, José Carlos (Orgs.). Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade. 1. ed. Campinas: Alínea, 2005. p. 19-62. MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. 8. ed. Campinas: Papirus, 1997. MORIN, Edgar. Para onde vai o mundo? Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. MORIN, Edgar; CIURANA, Emilio-Roger; MOTTA, Raúl Domingo. Educar na era planetária. O pensamento complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2003. NOVAES, M. Helena. Psicologia da educação e prática profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. VASCONCELOS, Helena; SANTOS, Akiko; SANTOS, Ana Cristina Souza dos. Professora, a maioria da turma não está entendendo nada! Construindo olhares e atitudes transdisciplinares. In: SANTOS, Akiko; LIBÂNEO, José Carlos (Orgs.). Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade. 1. ed. 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