38 Expresso, 31 de maio de 2014 PRIMEIRO CADERNO Editorial&Opinião Editorial As eleições de domingo mostram que a UE não pode limitar-se a fazer uma gestão financeira da crise das dívidas públicas A Europa a 28 velocidades A União Europeia foi sempre obrigada a lidar com várias contradições e paradoxos. Desde a sua fundação que o sonho de uma Europa unida chocou com interesses nacionais diversos, economias com tradições e projetos diferentes, povos com passados e destinos quase inconciliáveis e políticas externas difíceis de encaixar. A lista de contradições e paradoxos foi aumentando à medida que os alargamentos se foram, felizmente, sucedendo e as democracias se consolidaram em todo o continente. Ao longo de décadas, as instituições europeias — bem como os Estados, individualmente — foram lidando com os novos problemas, com mais ou menos recuos e outros tantos avanços, mantendo vivo o sonho da União Europeia, um projeto económico e político fascinante. Mas os desafios que a crise das dívidas públicas e a política de austeridade lançaram são talvez os mais complexos da história da UE. As eleições do passado domingo revelam isso mesmo. 28 democracias mostraram o paradoxo que ameaça o futuro da Europa. O projeto europeu não pode avançar sem o apoio dos eleitorados de cada Estado, mas, ao mesmo tempo, esses eleitorados estão prontos a premiar todo o tipo de movimentos anti-Europa. Perante isto, a UE tem de perceber que não pode ficar reduzida a uma gestão financeira da crise. Caso contrário vamos caminhar inexoravelmente para uma Europa a 28 velocidades. E isso será o princípio do fim. Costa, o progressista? Martim Avillez Figueiredo O entusiasmo gerado pelo anúncio da disponibilidade de António Costa é uma pesada responsabilidade. Não apenas por ele, que será finalmente testado à frente dos destinos do país, mas porque os eleitores foram claros nas urnas: não querem mais discursos fáceis como a promessa de não subir impostos. O que querem eles? Arrisco uma agenda para Costa, focando três áreas. Simplifico, claro, porque não me sobra espaço para mais. Um, economia: Costa deveria insistir que a economia nacional precisa de libertar espaço para novos protagonistas, cortando Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A. Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046. Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão, Pedro Norton, Paulo de Saldanha, José Freire, Luís Marques, Francisco Pedro Balsemão, Martim Avillez Figueiredo, Raul Carvalho das Neves. 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Isso implica abandonar pressupostos ideológicos de que a escola pública é um fato que serve todas as medidas e revelar vontade para manter a luta com os sindicatos. O modelo: eleger os melhores professores e adjudicar-lhes, por um salário digno, a responsabilidade de gerir as escolas mais difíceis. Obriga, claro, a abrir o Estado à possibilidade de promover fusões com escolas privadas não lucrativas cujo modelo educativo tenha algo a acrescentar ao sistema público. É um princípio simples de concorrência que em nada desmerece o Estado. Três, o Estado social: a ideia consiste em aceitar que o trabalho é o melhor bilhete para uma vida de autonomia (há vias mais disruptivas, mas esta é uma sugestão para António Costa). O primeiro acordo a estabelecer com os parceiros sociais é o da flexibilidade laboral, inspirando-se no modelo holandês de 1982 (os acordos de Wassenaar) que, com base em salários controlados e horários flexíveis, criaram quase 3 milhões de postos de trabalho em cinco anos. O segundo é a plafonamento da segurança social, assegurando que todos descontam para a sua conta de reforma (acabando de vez com o modelo do pay as you go) e que todos podem financiar com esse (seu) dinheiro necessidades ao longo da vida ativa. Finalmente, os apoios sociais aos mais pobres devem ser substituídos por um rendimento de cidadania que carrega o subsídio público num cartão bancário cuja utilização está limitada à compra de bens que satisfazem as suas necessidades mais básicas (como fez Lula no Brasil). E sim, existem alternativas à criação de uma rede pública de dispensários através dos códigos de barra. Mas estas ideias, e outras muito melhores do que estas, só dependem dessa decisão prévia: quer Costa repetir populismos ou fundar, finalmente, uma alternativa progressista? Um problema de liderança? O futuro do PS O PS deve querer esquecer depressa a semana que passou. Não só o resultado eleitoral ficou muito aquém do desejado como o partido se lançou numa disputa pela liderança, com uma guerra estatutária incompreensível para a grande maioria do eleitorado. Decida o que decidir na reunião de hoje, o Partido Socialista deve seguir rapidamente em frente. Portugal precisa de uma oposição forte e capaz de apresentar alternativas. Se a disputa pela liderança não for resolvida com rapidez, isso não vai acontecer durante muito tempo. As eleições deste domingo não foram apenas um cartão vermelho ao Governo, foram também um cartão amarelo aos partidos do ‘arco do Governo’, de que o PS faz parte. Não perceber isso é não perceber nada. com a tradicional dependência do Estado — o investimento público não pode permitir a sobrevivência de empresas que respondem às suas necessidades e não às do mercado. Deveria, igualmente, impor aos bancos que financiem negócios pequenos, impedindo-os de ocuparem os seus balanços a emprestar a empresas sem aderência de mercado. Finalmente, sugiro a velha confiança dos liberais britânicos nas vantagens de uma economia à John Lewis — sustentada no modelo da célebre rede de armazéns de retalho em que todos os trabalhadores são, também, acionistas da companhia. Para que tudo isto germine, finalmente, há que transformar Portugal numa “cidade do crescimento” forjada a partir de zonas económicas exclusivas financiadas por um fundo que resulta do investimento de apenas 19 mil euros (imposto) aos 12 mil portugueses com rendimentos anuais superiores a 600 mil euros. Dois, educação: o princípio Pedro Adão e Silva [email protected] E sta semana, a Google alterou o seu logótipo. As mudanças foram tão ténues que mesmo o utilizador mais atento não se apercebeu de nada. Tratou-se apenas de um pequeno ajustamento, de natureza funcional: o segundo ‘g’ foi deslocado um pixel para a direita, enquanto o ‘l’ embarcou numa viagem extravagante, movendo-se um pixel para baixo e para a direita. Enquanto a Google alterava o seu logótipo, o PS (re)abria uma crise interna, na sequência de uma vitória curta e em cota baixa nas europeias. Depois do resultado e após a incapacidade revelada por António José Seguro para fazer uma leitura realista do sucedido, o que estava anunciado aconteceu. Mas da mesma forma que os últimos anos de liderança no PS têm assentado num conjunto de equívocos táticos, estratégicos e programáticos — como os eleitores se encarregaram de demonstrar com assinalável bom senso —, seria um erro de igual magnitude pensar que o problema que os socialistas enfrentam é a liderança. Não quer isto dizer que uma nova liderança não seja parte da solução. Pode fazer diferença: caso preencha um vazio de representação, alargue a influência e dinamize compromissos. A questão é, no entanto, bem mais complexa e desafiante. Se o que tem dificultado a afirmação dos socialistas em Portugal e por toda a Europa não for enfrentado, as lideranças tenderão a suceder-se, mostrando-se sempre incapazes. Mudar-se-á o líder e pouca diferença se notará, como aconteceu com o novo logótipo da Google. Em toda a Europa os socialistas estão armadilhados pela dinâmica destruidora da atual arquitetura do euro. Uma zona monetária que perante o primeiro choque sério se revelou geradora de desemprego, de desequilíbrios internos insustentáveis e que reforça, de facto, o poder de uns (as economias do norte) enquanto fragiliza a capacidade das economias periféricas para superarem os seus bloqueios competitivos. É este contexto que obriga a mudar no essencial: requer uma interpretação distinta da natureza da crise, bem como das suas manifestações em Portugal. Enquanto a social-democracia revelar tibieza e disponibilidade para reproduzir, ainda que com nuances, a narrativa moral sobre a crise e a ideia estapafúrdia de que vivemos acima das nossas possibilidades, estará condenada a falhar. O que tem desde logo consequências. A primeira, é que não é possível pensar que o nosso problema se resolve com um ajustamento nos níveis de austeridade. Se assim for, continuaremos na senda de destruição da economia. Depois, obriga a que se enfrente com realismo a reestruturação da dívida (condição necessária para a afirmação de uma estratégia reformista). São evidentes os obstáculos deste caminho. À cabeça a miséria política europeia, bem manifesta nas europeias. Mas por algum lado vai ser preciso começar a recomposição política do centro-esquerda. O otimismo da vontade pode ser um bom início, nem que seja movendo o primeiro pixel. O ex-chefe de Estado-Maior da Armada contesta as pretensas realizações na Defesa O Ministério da Defesa Nacional escolheu fazer… mal… Fernando Melo Gomes F oi com estupefação que vi no YouTube uma artística peça de pura propaganda às pretensas realizações e benfeitorias conseguidas pelo Ministério da Defesa Nacional, e não pelo senhor ministro, na sua devastadora ação ao longo destes últimos três anos. Vejamos então os apregoados “sucessos” da Reforma 2020: é verdade que está “concretizado “ o hospital único, mas não é menos verdade que não funciona... As inaceitáveis listas de espera e a inexistência de valências fundamentais, a par da exiguidade das instalações, são disso prova bastante. Que o digam os deficientes das Forças Armadas. É verdade que se reuniram em Mafra as escolas práticas do Exército, mas não é menos verdade que ali não se pode, sequer, efetuar fogo real a não ser por armas ligeiras e, mesmo assim, com limitações. É verdade que se reformou o Colégio Militar. ”Já lá há raparigas!” É verdade que foi aprovado um novo conceito estratégico de defesa nacional, mas não é menos verdade que o tal Ministério perverteu todo um trabalho efetuado por 26 dos nossos mais capazes pensadores estratégicos. É verdade ainda que se ‘estabilizou’ o orçamento das Forças Armadas e se reduziram efetivos, mas não é menos verdade que a logística dos meios é deficientíssima, as condições de operação marginais e as condições de vida desmotivadoras. É verdade que se extinguiu o Fundo de Pensões dos militares não honrando um compromisso assumido (mais um) com eles e famílias. É verdade que se cancelaram contratos de equipamento que podiam eventualmente ser discutíveis, mas é incompreensível que o Exército de per se, ou em conjunto com a Força Aérea, continue a não dispor de helicópteros ligeiros depois dos milhões despendidos na constituição desta capacidade e que se assista à formação de um ramo aeronáutico paralelo na Proteção Civil. É verdade que se concluíram dois patrulhas oceânicos para a Marinha, mas também que se cancelaram as encomendas de outros seis e de cinco lanchas de fiscalização costeira, que são fundamentais para a afirmação da autoridade no mar, sendo que esta missão é efetuada, com graves deficiências, por meios com mais de 40 anos de operação e manutenção antieconómica. Privatizaram-se os Estaleiros de Viana do Castelo, mas está longe de estar garantido o emprego, a competitividade e a manutenção da construção naval qualificada. É verdade que se venderam 12 F16 que, sem a necessária modernização, pouca utilidade tinham, mas essa modernização podia ser efetuada em Portugal. É verdade que se arranjaram novos clientes para o Arsenal do Alfeite, mas destruíram-se valências, únicas no país, e que, até hoje, não se repôs a verba que lá existia (€17 milhões) indispensável à sua modernização e competitividade. Quanto aos resultados positivos em 2014 não consigo ainda saber, nem adivinhar, se será verdade! É verdade que se conseguiu manter o nível das forças nacionais destacadas e os principais compromissos internacionais, mas não se queira dizer que as missões não sofreram degradação. Menos treino, menos manutenção, menos horas de voo, menos horas a navegar, menos qualificações, menos motivação são realidades irrefutáveis que mesmo a melhor peça de propaganda não pode iludir. É certo que o responsável por tudo isto foi o Ministério e não o senhor ministro... © Todos os direitos reservados. 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