Para lá do amanhã É verdade que é necessário ter na política um instinto do presente, mas estou em crer que nada é mais importante do que ter uma visão do futuro. Pode ser importante saber como vai sair uma afirmação no telejornal do dia seguinte, mas eu insisto que é mais decisivo saber qual vai ser o impacto nas gerações vindouras dos debates que tivermos a ousadia de lançar hoje. Comecemos por ter em consideração uma das mais importantes revoluções silenciosas que se deu na Europa dos últimos anos: a definição de um novo modelo para a educação, não através de leis, regulamentos ou sequer tratados internacionais, mas por consensos estabelecidos informalmente: o chamado processo de Bolonha. O processo de Bolonha, ao construir um mecanismo para a avaliação comum de processos educativos diferentes, veio alargar as escolhas e as opções e não o contrário. Nessa medida, veio dar uma extraordinária força às experiências pedagógicas que podem ser lançadas pela criatividade de um poder local. Tenhamos depois em conta a dupla natureza da inclusão social: não abandonar ninguém, mas não deixar tão pouco que alguém possa afirmar-se no mundo por causa do sítio onde nasce. Tenhamos ainda em consideração que o nosso mundo, hoje totalmente hegemonizado pelas culturas e línguas de origem ocidental, não o será assim seguramente daqui a duas ou três décadas, sendo provável que línguas como o mandarim, o japonês, o árabe, o russo ou mesmo o farsi ou o turco se tornem incontornáveis. Não esqueçamos também os resultados, recentemente divulgados, de um estudo desenvolvido pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra que analisou os dados de 400.000 trabalhadores e concluiu que o seu futuro profissional ficou decidido pela educação que tiveram até aos 18 anos ou ainda que é exactamente nas línguas que a aprendizagem é tanto mais fácil quanto mais cedo ela começa. No que respeita ainda às línguas, há mais factores a considerar, mas que terei de deixar para outras ocasiões, e que têm muito a ver com a forma como a nossa cultura de europeus meridionais as encara e que eu acho que temos de saber ultrapassar sob pena de sermos inapelavelmente remetidos a uma progressiva marginalização. Tudo isto é matéria que eu acho imperioso considerar e debater por todo o lado, mas também aqui entre nós, que estamos no centro do Atlântico e que podemos e devemos aspirar a afirmar essa nossa posição, assim haja a ambição, a visão, a sinceridade, o estoicismo para aguentar a mesquinhez e a inveja, e o espírito de contribuir para a comunidade e não apenas utilizá-la em benefício próprio. Ponta Delgada, 2009-03-29 (Paulo Casaca)