8 de junho 2010 Uma obra-prima de investimento Na última década, a valorização das obras de alguns artistas nacionais superou em muito a do Ibovespa - resultado que vem atraindo a atenção de brasileiros e estrangeiros Guilherme Fogaça, de EXAME A maior parte dos telespectadores que assistem a Passione, novela do horário nobre da TV Globo, certamente desconhece que Vik Muniz, criador das obras de arte que aparecem na abertura, lutava por seu reconhecimento artístico havia apenas dez anos. No início da década, ainda era possível comprar suas fotografias de imagens feitas com materiais inusitados, como açúcar, calda de chocolate e sucata, por cerca de 8 000 dólares. Hoje, após aparições no museu Guggenheim em Nova York, Muniz, um paulista radicado nos Estados Unidos, tem fotografias avaliadas em 180 000 dólares - uma valorização de 2 150%, quase o triplo dos ganhos de quem aplicou nas ações da Petrobras. O desempenho das obras de Muniz não é um caso isolado: o valor dos trabalhos de outros artistas contemporâneos brasileiros, como Beatriz Milhazes, Adriana Varejão e Tunga, também disparou na última década. No caso de Adriana, suas peças valorizaram quase 5 000% no mesmo período. Sua obra mais cara, Ruína de Charque Humaitá, foi vendida em abril por 551 000 reais no leilão da Bolsa de Arte em São Paulo. Estima-se que, há dez anos, uma obra equivalente de Adriana valesse 8 000 reais. A exuberante rentabilidade apresentada pelo mercado de arte no Brasil está diretamente relacionada ao momento do país. A proliferação da abertura de capital de empresas familiares, somada ao aumento do número de fusões e aquisições e à efervescência dos bônus pagos a jovens do mercado financeiro, fez crescer o número de endinheirados. Segundo dados do banco de investimento Merrill Lynch, o Brasil ganhou praticamente um novo milionário a cada hora entre 2004 e 2008 - o que, para o mercado de arte, se traduziu numa legião de novos compradores. "O público interessado em obras de arte cresceu e rejuvenesceu. Até a década de 90, a maioria tinha mais de 50 anos. Hoje, é comum ver investidores na casa dos 30 anos", diz Aloisio Cravo, um dos principais leiloeiros de São Paulo. São jovens que começam a seguir o caminho de grandes colecionadores brasileiros que encaram a atividade não só como investimento mas também como hobby, como José Olympio Pereira, corresponsável pelo banco de investimento do Credit Suisse. Em breve, quem quiser participar desse mercado não ficará mais restrito à compra e à venda de pinturas. Já começam a surgir no país fundos de investimento especializados em arte, como o Brazil Golden Art, da gestora Plural Capital, que será lançado oficialmente em julho e está recebendo investidores dispostos a aplicar ao menos 100 000 reais. Os gestores da Plural pretendem alcançar a quinta maior coleção brasileira em três anos. A exemplo do que vem ocorrendo em outras áreas, como a bolsa de valores e o setor imobiliário, no mercado de arte também existe uma forte demanda externa. Na feira de arte latino-americana Pinta, que ocorre anualmente em Nova York, o público visitante cresceu quase quatro vezes entre 2007, ano de sua estreia, e 2009. "O interesse que as obras brasileiras despertam é impressionante. A área ocupada por elas dobrou em dois anos", diz Alejandro Zaia, diretor da Pinta. Neste ano, a feira ganhou ainda uma edição extra em Londres. Os artistas do Brasil também vêm surpreendendo nos leilões internacionais. No fim de 2009, num leilão em Nova York realizado pela Sotheby’s, uma obra do artista plástico carioca Sergio Camargo foi arrematada por 1,6 milhão de dólares, valor quatro vezes maior que o estimado antes do evento e próximo do recorde brasileiro estabelecido pelo quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral - comprado em 1995 por 1,8 milhão de dólares (em valores atualizados) pelo colecionador argentino Eduardo Constantini, empresário que atua no ramo imobiliário e, em 2001, transformou sua coleção no Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires. De tão rápida, a valorização de algumas obras causa rumores sobre a existência de uma bolha. "No mercado de arte, é muito difícil identificar os exageros - não há elementos sólidos como no mercado de ações para estimar o valor de uma obra", diz o marchand Roberto Rugiero, diretor da galeria Brasiliana, de São Paulo. O conselho dos especialistas para reduzir essa insegurança é observar o desempenho dos artistas também fora dos leilões. É interessante saber quais museus procuram suas obras e em quais feiras internacionais a galeria que os representa expõe. Uma boa referência é quando as obras despertam o interesse de grandes museus, como o MoMA, de Nova York, e são representadas por galerias que participam da Art Basel, principal feira de arte do mundo, realizada na Suíça - feitos alcançados por artistas como Vik Muniz e Adriana Varejão. Além das incertezas que fazem parte de qualquer investimento, a aquisição de obras de arte está sujeita a outros riscos. O principal deles é a falsificação. Nesses casos, não é apenas o comprador que se dá mal - se um artista começa a ser vítima de falsificadores, os originais podem perder valor. O investidor também deve pesquisar o histórico do vendedor. "Por não ter preço tabelado, a obra de arte é muito utilizada para fazer lavagem de dinheiro", diz Marcello Klug Vieira, sócio da área de mercado financeiro do escritório Salusse Marangoni Advogados, de São Paulo. Existe, ainda, a preocupação com a segurança. "Gasto, todo ano, cerca de 1% do valor das obras para contratar um seguro", diz o advogado Wilson Pinheiro Jabur, de 33 anos, hoje dono de uma coleção com cerca de 100 peças. Com uma valorização como a que se está vendo no Brasil, investidores e colecionadores certamente não são os únicos interessados em obras de arte - e todo cuidado é pouco.