Desempenho de uma Obra de Suportação de Gasoduto
Hudson Régis Oliveira
Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil - TBG, Florianópolis, Santa Catarina
RESUMO: Descreve-se no artigo, uma obra de suportação executada no Gasoduto Bolívia-Brasil, no km
526+500m do trecho sul. Neste local, o duto cruza o reservatório da barragem Voçoroca, o qual teve seu
nível operacional reduzido, em face da estação das secas, que normalmente atinge a região nos meses de
março a setembro. O deplecionamento do reservatório ocasionou a volta do curso do Rio do Fôjo (Rio São
Joãozinho) para sua cota natural, no talvegue no qual o duto cruza, formando uma cachoeira, cujo gradiente
hidráulico causou a remoção do sedimento e parte do solo de fundação, descobrindo o duto, que ficou com
vão livre de aproximadamente 13m de comprimento. Discute neste trabalho a solução de suportação
emergencial adotada, bem como os diversos detalhes do projeto de recuperação, além dos aspectos de
segurança do gasoduto.
PALAVRAS-CHAVE: Gasoduto, Solapamento, Suportação.
1
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo apresentar a obra
de suportação do gasoduto Bolivía-Brasil,
realizada em 2002, após solapamento ocorrido
na travessia com o reservatório da Barragem
Voçoroca. A obra foi executada em caráter
emergencial em cerca de 40 dias, colocando o
Gasoduto em condições de segurança para
continuidade de sua operação.
Discute-se neste trabalho detalhes da solução
emergencial adotada, bem como os diversos
aspectos do projeto de suportação, tais como a
utilização de geotêxteis e gabiões, além dos
aspectos de segurança do Gasoduto.
2
DESCRIÇÃO DO EVENTO
As linhas dutoviárias podem atravessar cursos
d´água por métodos de perfuração direcional ou
por escavação a céu aberto. A perfurações
direcionais são geralmente utilizadas para rios
com grande largura e garantem uma cobertura
adequada para os dutos. Já os métodos de
escavação de vala à céu aberto requerem
maiores cuidados para garantir uma cobertura
adequada. Neste último caso, os dutos são
lançados em cavalotes e protegidos, na maioria
dos casos, com um revestimento em concreto
para possíveis impactos mecânicos.
A travessia do Gasoduto com o reservatório
da barragem de Voçoroca é um ponto de
estreitamento natural e, ainda, possui uma
diferença de cota à montante e a jusante da
travessia, que condiciona altas velocidades em
épocas em que o reservatório encontra-se com
baixo nível (Figura 1).
Figura 1. Detalhe do reservatório e ponto de travessia.
Na travessia, o cavalote foi lançado sobre
uma camada de lodo que foi sendo removida na
medida em que o nível do reservatório oscilava
ao longo dos meses.
Numa das inspeções subaquáticas realizadas
neste local, constatou-se que o duto
apresentava-se sem cobertura (exposto), sendo
que a própria montadora realizou uma medida
para protegê-lo, através de lançamento
subaquático de brita, apoiada por sacos de solo
cimento a jusante. Esta solução foi considerada
adequada na época, pois o reservatório vinha
apresentando-se com nível acima da geratriz
superior do duto, não havendo problemas de
impacto e empuxos causados por correnteza.
Entretanto, em maio de 2002, o reservatório
sofreu um deplecionamento considerável,
gerando uma diferença de nível d’água a
montante e a jusante do duto, cujo gradiente
hidráulico pode remover parcialmente a
recomposição com britas (Figura 2).
A Figura 3 mostra a situação deflagrada no
dia 7 de setembro de 2002.
Figura 3. Solapamento do gasoduto.
Figura 2. Remoção inicial da cobertura do duto.
Após identificado o problema, a TBG
solicitou que a montadora desenvolvesse um
projeto de recuperação para garantir a
estabilidade do gasoduto.
A montadora apresentou uma proposta para
garantir este recobrimento através de um muro
de concreto ciclópico com drenos, e estava
mobilizando-se para execução dos trabalhos,
quando, na madrugada de 06 de setembro de
2002, durante rebaixamento rápido do nível do
reservatório e provavelmente após uma chuva
intensa, o gasoduto foi solapado, apresentandose com cerca de 13m sem suportação, tendo
como causa uma erosão regressiva (Figura 3).
As prováveis causas do solapamento foram:
A TBG, juntamente com a TRANSPETRO e
PETROBRÁS Engenharia (responsável pela
montagem), imediatamente se deslocaram até o
local para averiguar a situação e tomar
providências.
Todas as providências foram definidas em
caráter
emergencial,
pois
a
situação
comprometia a segurança do gasoduto.
3
RISCOS AO GASODUTO
A situação de duto sem suportação (em
balanço) e sem cobertura é uma situação de
risco, pois o duto fica vulnerável a diversos
tipos de acidentes, além de estar sujeito a
deformações e tensões devido ao seu pesopróprio e/ou esforços externos gerando tensões
além das máximas admissíveis.
Os riscos assinalados são os seguintes:
(a) falha de montagem: procedimento
executivo de construção de cavalote em
profundidade inadequada na travessia;
(b) rebaixamento rápido do reservatório e
estrangulamento da seção;
(c) causa natural: talvegue natural do
reservatório
combinado
com
rebaixamento rápido do reservatório –
ocorrência de erosões regressivas.
(a) momento fletor devido ao peso-próprio
causando tensão acima do limite de
escoamento do aço;
(b) empuxo hidrostático capaz de promover a
flutuação do duto e/ou gerar sobrecarga
excessiva sobre o duto;
(c) impactos mecânicos por pedras e ou
árvores.
Neste local encontram-se instalados dois
dutos da TRANSPETRO que, por estarem em
profundidade adequada, nada sofreram.
Foram realizadas diversas verificações
quanto à estabilidade do duto na situação
encontrada na travessia do reservatório da
barragem Voçoroca. Os cálculos mostraram que
o gasoduto estava próximo do limite de
segurança, sendo que se houvesse um aumento
no vão livre, a segurança poderia chegar a zero.
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PROJETO DE SUPORTAÇÃO
O projeto básico foi assim definido (Figura 4):
• Barragem de enrocamento grosso
(D>60cm) a montante e a jusante do duto
(E1);
• Entre as barragens, brita 3 e 4 para suporte
do duto (T);
• Filtro em geotêxtil não-tecido a jusante do
duto para retenção de finos (G);
• Sobre o enrocamento, revestimento em
gabiões manta;
• Dissipação em canal, com gabiões manta.
Figura 4. Seção transversal típica – Projeto Básico.
5
EXECUÇÃO DA OBRA
A execução da obra não necessitou em nenhum
momento de ensecamento ou de desvio, devido
aos materiais empregados serem permeáveis,
que permitiram o curso normal do rio.
Entretanto, isto prejudicou algumas etapas da
obra.
A instalação da manta geotêxtil não-tecida
(g=300g/m2) a jusante do duto foi complicada,
pois parte da manta ficaria submersa. A
instalação foi somente possível com 7 homens
trabalhando, inclusive dentro d’água, pois o
empuxo d’água e as dimensões da manta
dificultavam o correto posicionamento da
mesma (Figura 5).
Figura 5. Instalação do filtro geotêxtil.
Nas margens a jusante do duto, o emprego
da manta geotêxtil foi bastante importante na
prevenção de piping. Na margem esquerda,
durante escavações para execução do
enrocamento de jusante, foi detectado uma
surgência localizada que foi imediatamente
protegida com um dreno invertido em brita,
seguido de um filtro geotêxtil.
Durante a execução do projeto básico, as
obras sofreram o impacto de duas cheias, que
ocasionaram mudanças no projeto. Soluções
para desvio do rio foram estudadas, mas os
Consultores e Engenheiros optaram pelos
materiais drenantes (enrocamento, gabiões,
geotêxteis), pois não onoreva a obra e permitiria
que, em um rebaixamento futuro, a estrutura
criasse um barramento permeável, permitindo o
fluxo em níveis abaixo da cota da soleira.
O projeto básico foi então revisado, ao qual
foram incorporados alguns detalhes com vistas
a aumentar a rigidez da estrutura. Estes detalhes
são assim resumidos (Figura 6):
(a) Incorporação de um gabião justaposto a
jusante do duto, para ancoragem e
confinamento de material sob o duto;
(b) Incorporação de gabiões caixas sob o
gabião manta, para ancoragem;
(c) Incorporação de uma dissipação em
degraus, ao final do canal;
(d) Incorporação de um aterro com pedra
rachão a montante da estrutura, para
evitar impactos diretos na barragem de
enrocamento de montante.
Figura 6. Seção transversal típica – Projeto Revisado.
soleira da estrutura e nas margens e a execução
da estrutura de dissipação, executada em
gabiões em escada, seguida de uma plataforma
de deformação no pé da descida, que funciona
também como bacia para de dissipação para o
fluxo (Figuras 9 e 10).
A principal modificação, o gabião de
ancoragem a jusante do duto, foi a primeira
etapa a ser concluída para que fosse iniciado o
principal serviço do projeto – o suportação
localizada do duto. Em função das chuvas
ocorridas, que carrearam parte do material de
suporte, decidiu-se refazer todo o serviço de
compactação sob o duto. O processo de
compactação adotado foi o submerso através de
vibrador de imersão (agulha), que garante um
excelente grau de compactação em misturas
granulares, tal como a adotada no projeto.
Figura 9. Execução do revestimento com gabião manta.
Figura 7. Conclusão dos gabiões de ancoragem.
Figura 10. Execução da dissipação em degraus.
6 VERIFICAÇÕES HIDRÁULICAS
Figura 8. Compactação submersa sob o gasoduto para
suportação.
As demais etapas consistiram, basicamente,
da execução dos gabiões manta no nível da
A equipe de obra efetuou medições expeditas
de velocidade na estrutura, chegando-se a
valores de 5m/s, velocidade acima da máxima
admissível para estabilidade do gabiões tipo
manta.
Para minimizar este problema, parte da
estrutura foi argamassada (gabiões tipo manta)
e parte concretada (piso da escada de
dissipação, região onde ocorrem as maiores
velocidades).
A Projetista efetuou diversas simulações
hidráulicas da estrutura, através do software
HEC-RAS, chegando a velocidades máximas
em torno de 5,2m/s, localizadas na seção da
descida em degraus, compatíveis com o reforço
em concreto e com as condições geológicogeotécnicas das margens (camada delgada de
solo, também protegidas com gabião tipo
manta, assente sobre rocha alterada a sã,
evidenciada,
morfologicamente,
pelo
estrangulamento da calha do antigo rio no local
escolhido para travessia dos dutos).
7
DESEMPENHO DA OBRA
Decorridos quatro anos da conclusão da obra,
não foram observadas deformações na estrutura
ou trincas no revestimento argamassado dos
gabiões manta e na estrutura de dissipação.
Regularmente
tem
sido
executado
monitoramento topográfico da obra, não sendo
observados recalques significativos.
Mesmo decorrido quatro ciclos de
rebaixamento do nível do reservatório, a obra
executada
tem
apresentado
excelente
comportamento, não sendo requerida nenhuma
intervenção posterior.
Figura 12. Vista geral da obra (Agosto-2006).
8
CONCLUSÕES
A obra executada garantiu a integridade do duto
e a continuidade da operação do mesmo.
A solução adotada empregando materiais
drenantes, permitiu uma ação imediata e
simples, sem a necessidade de desvios ou
ensecamentos do rio.
O emprego de geotêxtil tipo não-tecido
mostrou-se eficaz como elemento de filtro,
rentendo partículas finas a montante do duto e
no controle de piping pelas ombreiras da
estrutura.
Por fim, pode-se afirmar que, em se tratando
de obras emergenciais em leitos de rios, os
materiais empregados na suportação da
travessia do Gasbol no reservatório da barragem
Voçoroca mostraram-se eficientes e de rápida
execução quando comparados com outros
materiais tradicionais, tais como concreto ou
solo, que necessitam de cuidados especiais
como cura ou umidade ótima de compactação,
inviáveis pela urgência e situação do local das
obras.
Mesmo decorrido quatro ciclos de
rebaixamento do nível do reservatório, a obra
executada
tem
apresentado
excelente
comportamento, não sendo requerida nenhuma
intervenção posterior.
REFERÊNCIAS
Figura 11. Vista geral da obra (Agosto-2006).
Cruz, P.T.. (1996) 100 Barragens Brasileiras. Oficina de
Textos. São Paulo.
GEOPROJETOS (2002). Proteção do trecho da faixa do
km 72+750m do OPASC. Rio de Janeiro, RJ.
Koerner, R.M. (1998) Designing with Geosyntetics.
Prentice Hall. 4ª Edição, New Jersey, USA.
Oliveira, H.R. e Vasconcellos, C.R.A. (2003). Caso
Histórico: Recuperação da Travessia do Gasoduto
Bolívia-Brasil no Reservatório da Barragem de
Voçoroca – Paraná. Rio Pipeline Conference. IBP,
CD-ROM.
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