Construções causativas e percetivas num corpus dialetal do Português
Sandra Pereira ([email protected])
IV Wedisyn, 18-19 abril, Santiago de Compostela (USC/ILG)
Corpus CORDIAL-SIN
Corpus dialetal orientado para o estudo da sintaxe, disponível na Internet, no site do
CLUL1. É constituído por cerca de 70h de gravação, contém mais de 600.000 palavras
e cobre todo o território português (continental e insular).
Construções causativas no PE (Gonçalves (1999, 2001); Gonçalves e Duarte (2001) e Carrilho
e Pereira (2010), e.o.)
I- completiva não finita com infinitivo flexionado:
i)
O causado ocorre entre o verbo da oração superior e o verbo encaixado:
A mãe mandou os filhos comerem a sopa.
ii)
A verificação de caso do elemento causado (nominativo) realiza-se no
domínio infinitivo:
A mãe mandou eles comerem a sopa.
iii)
O verbo infinitivo concorda em pessoa e número com o causado:
A mãe mandou eles comerem a sopa.
* A mãe mandou eles comer a sopa.
iv)
O domínio encaixado tem alguma autonomia sintática (admite negação
frásica e legitima clíticos complementos:
A mãe mandou eles não comerem a sopa.
A mãe mandou eles comerem-na.
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(1) Faz os porcos criarem carne. CLH23
(2) Como não apanha bem o espigão para cima, quando o tempo está dali, ele
faz ele moer e recolhe abaixo e enchia as casas de fumo. EXB27
II- Construção de ECM
i)
O causado ocorre sempre entre o verbo causativo e o verbo infinitivo:
A mãe mandou os filhos comer a sopa.
ii)
A verificação de caso do elemento causado faz-se no domínio superior;
assim, o causado recebe caso acusativo e, se é um pronome, a subida do
clítico é obrigatória:
A mãe mandou-os comer a sopa.
iii)
O verbo infinitivo nunca flexiona:
A mãe mandou-os comer a sopa.
iv)
O domínio encaixado manifesta alguma autonomia sintática, pois permite
negação frásica e legitima clíticos complementos:
A mãe mandou-os não comer a sopa.
A mãe mandou-os comer-na.
Ambiguidade estrutural:
A mãe mandou a filha comer a sopa. (ambígua)
1
http://www.clul.ul.pt/pt/investigador/226-corpus-syntax-oriented-corpus-of-portuguese-dialectscordial-sin .
1
A mãe mandou ela comer a sopa. (completiva não finita de infinitivo
flexionado)
A mãe mandou-a comer a sopa. (ECM)
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(3) Fazia-me acachapar-me, ao meio do caminho, para ver... EXB08
III- Construção de União de Orações
i)
O causado ocorre numa posição a seguir ao complexo verbal e realiza-se
como sintagma nominal (quando depende de um verbo monoargumental)
ou como sintagma preposicional (quando depende de um verbo transitivo
ou ditransitivo):
A Maria fez sorrir as pessoas.
A professora mandou ler o livro aos alunos.
ii)
O causado verifica o caso (acusativo ou dativo) no domínio matriz; além
disso, quando o causado é um pronome, é obrigatória a subida do clítico:
A Maria fê-las sorrir.
A professora mandou-lhes ler o livro.
iii)
O verbo infinitivo nunca flexiona:
*A Maria fez sorrirem as pessoas.
*A professora mandou lerem o livro aos alunos.
iv)
O domínio infinitivo não exibe autonomia sintática, uma vez que não
permite negação frásica e não legitima internamente clíticos complemento:
*A Maria fez não sorrir as pessoas.
*A professora mandou-lhes lê-lo.
Ambiguidade estrutural:
A Maria fê-las sorrir.
A Maria fez as pessoas sorrir. (ECM)
A Maria fez sorrir as pessoas. (União de Orações)
A Maria deixou-me brincar.
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(4) O meu Epaminondas nunca deixou ir os filhos ao minério. GRJ31
(5) Mandei fazer a um carpinteiro que havia lá na casa um pau assim
enfunilado CBV16
IV- Construção causativa com infinitivo preposicionado (Pereira, 2012)
i)
O causado ocorre sempre entre o verbo causativo e o verbo infinitivo;
ii)
A verificação de caso do elemento causado (acusativo) faz-se no domínio
superior (se é um pronome, a subida do clítico é obrigatória);
iii)
O verbo infinitivo nunca flexiona;
iv)
O domínio encaixado manifesta alguma autonomia sintática (legitima
internamente clíticos complemento.
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(6) E a outra está a mandar então várias mulheres a amassar, depois vão
tender – não é? –, outras vão tomar a presa à massa… TRC08
2
(7) Eu já ia a mandar um homem lá a procurá-lo, à noite, e ele não vinha, e
tinha-lhe dado aquela trombose na cabeça e não me disse nada PFT21
(8) E a mim os lobos fizeram-me a meter, com licença de vocês, com o cu
atrás – em cima, num prédio. UNS08
Frequência e distribuição das construções causativas no corpus
Tabela 1
Inequivocamente
INF_Flex
INF_Flex / ECM
Inequivocamente
ECM
ECM / UO
Inequivocamente
UO
INF_Prep
deixar
0
mandar
0
fazer
2
total
2
12
0
6
0
3
1
21
1
76
79
14
43
9
45
99
167
0
167 (de 268)
3
66 (de 129)
1
61 (de 72)
4
294 (de 469)
Mapa 1
Distribuição geográfica da construção de União de Orações com verbos causativos nos dialetos do PE
(dados do CORDIAL-SIN):
3
Mapa 2
Distribuição geográfica das construções alternativas à construção de União de Orações com verbos
causativos nos dialetos do PE (dados do CORDIAL-SIN)
Mapa 3
Distribuição geográfica da construção causativa com infinitivo preposicionado nos dialetos do PE
(dados do CORDIAL-SIN)
4
Construções percetivas (Raposo (1989), Gonçalves (1999, 2001), Duarte e Gonçalves (2002),
Martins (2004, 2012), Barbosa e Cochofel (2005), e.o.)
I- Construção de infinitivo gerundivo ou PIC
i)
O infinitivo flexionado e o não flexionado encontram-se em variação livre:
A mãe vê os filhos a brincar.
A mãe vê os filhos a brincarem.
ii)
A sequência à direita do verbo percetivo forma um único constituinte,
como mostram os testes de Topicalização, Pseudoclivagem e pares
pergunta-resposta;
iii)
Não pode existir material lexical entre a preposição a e a forma infinitiva:
*A mãe vê os filhos a realmente brincar(em).
iv)
O auxiliar perfetivo ter não pode ocorrer no domínio infinitivo:
*A mãe vê os filhos a ter(em) brincado.
v)
A negação frásica no domínio infinitivo produz resultados agramaticais /
marginais:
*/?A mãe vê os filhos a não brincar(em).
vi)
Os clíticos associados à posição de sujeito do domínio encaixado ocorrem
na forma acusativa adjacentes ao verbo percetivo, mas os clíticos
complemento não podem sofrer subida de clítico;
vii)
Nesta construção, a sequência a + infinitivo tem traços aspetuais idênticos
aos do gerúndio podendo comutar com ele, como se mostra com as
seguintes frases.
A mãe vê os filhos a brincar /brincando.
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(9) Comecei a ouvir os outros a dizerem e comecei a pensar que tinha que
fazer também uma cantiga. MLD23
(10) Ainda têm que os ver a dançar. GRJ70
II- Completiva não finita com infinitivo flexionado
i)
O sujeito da infinitiva ocorre entre o verbo da oração superior e o verbo
encaixado:
A mãe vê os filhos brincarem.
ii)
A verificação de caso do sujeito encaixado (nominativo) realiza-se no
domínio infinitivo:
A mãe vê eles brincarem.
iii)
O verbo infinitivo concorda com o sujeito desse domínio.
iv)
O domínio encaixado tem alguma autonomia sintática (permite negação
frásica e legitima internamente clíticos complemento).
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(11) A gente via os padeiros peneirarem, amassarem, enfornarem e com o
dinheirinho dentro do saco, a querer quatro e cinco pães e… EXB06
(12) Eu via eles fazerem. GIA10
III- Construção de ECM
i)
O verbo encaixado ocorre no infinitivo não flexionado:
A mãe vê os filhos brincar.
ii)
O sujeito encaixado ocorre entre o verbo superior e o verbo infinitivo;
5
iii)
iv)
A verificação casual do objeto da perceção é feita no domínio superior,
sendo-lhe atribuído caso acusativo; quando o objeto da perceção é um
pronome, a subida do clítico é obrigatória:
A mãe vê-os brincar.
O domínio encaixado tem alguma autonomia sintática (admite negação
frásica e legitima internamente clíticos complemento).
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(13) Ah, mas eu ouvia os meus antigos dizer, vou dizer também. PST18
(14) Mas eu nunca vi mulheres lavrar aqui. CRV65
IV- Construção de União de Orações
i)
O objeto da perceção ocorre a seguir ao verbo infinitivo numa posição póscomplexo verbal
A mãe vê brincar os filhos.
ii)
O verbo encaixado ocorre no infinitivo não flexionado:
*A mãe vê brincarem os filhos.
iii)
A verificação casual do elemento da perceção (acusativo) é feita no
domínio superior:
A mãe vê brincar os filhos.
iv)
O domínio encaixado não tem autonomia sintática (não admite negação
frásica e não legitima internamente clíticos complemento).
Verbos percetivos: quando subcategorizam um complemento de natureza nominal não
admitem que ocorra um argumento com papel temático de Alvo, ao contrário dos
verbos causativos. Consequentemente, com os verbos percetivos, não é possível haver
a formação de um predicado complexo com um elemento Alvo. Ou seja, há restrições
ao tipo de verbo que pode ocorrer no domínio infinitivo: só verbos monoargumentais
poderão ser selecionados porque só estes permitirão formar um complexo verbal cuja
grelha temática não difira dos verbos percetivos. (cf. Duarte e Gonçalves (2002: 166))
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(15) E o chefe do lagar, o autor, estava ali a ver correr aquela mercadoria
toda. UNS20
(16) O lobo sentiu rugir as folhas – não o chegou a tapar. CTL08
V- As construções dialetais (Pereira, 2012)
União de Orações
É possível com verbos transitivos e ditransitivos.
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(17) Eu ainda vi fazer carvão ao meu pai também. UNS42
(18) Mas eu ouço dizer a muita gente que a sardinha faz mal, mas a sardinha
tem uma tripazinha que se a gente tirá-la, não faz mal. MLD36
(19) Mas ouvia-lhe falar à mãe do meu marido, que ela usava muito essa
barrela. STA34
Construção de infinitivo pessoal não flexionado
i)
O sujeito da oração infinitiva recebe caso acusativo;
6
ii)
O verbo infinitivo não flexiona.
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(20) Eu vi ela e ele estar ali, que eu fui lá aos anos. STJ29
(21) Já vimos elas ir daqui para ali – assim cinco seguidas! TRC40
(22) A gente sentia elas roer. PST19
Construção de infinitivo preposicionado com sujeito nominativo
i)
O sujeito da oração infinitiva está em nominativo;
ii)
O infinitivo é introduzido pela preposição a.
Exemplos do corpus CORDIAL-SIN:
(23) Mas o velho estava em casa a ver ela a fazer aquele guisado. CLH16
(24) Vi ela a contar o princípio do namoro dela, ela a perguntar-lhe. STJ29
(25) No meio das mulheres. As mulheres a explicar-lhe as quais era as ervas
que ele havia de arrancar. Está a perceber? Isto já ouvi eu ele a falar com
uma lá na loja, e ela a dizer: S-CBV19
Frequência e distribuição das construções percetivas no corpus
Tabela 2
INF_Ger
Inequivocamente
INF_Flex
INF_Flex / ECM
Inequivocamente
ECM
ECM / UO
Inequivocamente
UO
INF_Pess_não_Flex
INF_Prep
ouvir
11
0
sentir
8
3
ver
33
17
total
52
20
4
1
1
0
14
7
19
8
6
8+6
2
3
19
23+2
27
42
0
1
37 (de 116)
1
0
18 (de 20)
2
2
119 (de 154)
3
3
174 (de 290)
Mapa 4
Distribuição geográfica da construção de infinitivo gerundivo com verbos percetivos
nos dialetos do PE (dados do CORDIAL-SIN)
7
Mapa 5
Distribuição geográfica da construção de União de Orações com verbos percetivos
nos dialetos do PE (dados do CORDIAL-SIN)
8
Mapa 6
Distribuição geográfica das construções alternativas à construção de União de
Orações com verbos percetivos nos dialetos do PE (dados do CORDIAL-SIN)
Mapa 7
Distribuição geográfica das construções dialetais com verbos percetivos (dados do
CORDIAL-SIN)
9
Bibliografia
Barbosa, P. & F. Cochofel (2005). O Infinitivo Preposicionado em PE. In Inês Duarte
& Isabel Leiria (orgs.). Actas do XX Encontro Nacional da Associação
Portuguesa de Linguística, Lisboa, APL: 387-400.
Carrilho, Ernestina & Sandra Pereira (2009). On the Areal Distribution of NonStandard Syntactic Constructions in European Portuguese. Comunicação
apresentada no SIDG, Maribor, 14-18 Setembro.
Carrilho, Ernestina & Sandra Pereira (2010). Causees in European Portuguese
dialects: some observations on the properties and the position of the causee in
causative constructions in CORDIAL-SIN, Wedisyn's First Workshop on
Syntactic Variation, IKER, Bayonne.
Carrilho, Ernestina & Sandra Pereira (2011). Sobre a distribuição geográfica de
construções sintácticas não-padrão em Português europeu. Textos
Seleccionados do XXVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de
Linguística. CD-ROM. Lisboa: APL
Duarte, Inês & Anabela Gonçalves (2002). Construções de Subordinação
Funcionalmente Defectivas: o Caso das Construções Perceptivas em Português
Europeu e Português Brasileiro. In Anabela Gonçalves & Clara Nunes Correia
(orgs.). Actas do XVII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de
Linguística. Lisboa: APL & Colibri, 161-173.
Gonçalves, Anabela (1999). Predicados Complexos Verbais em Contextos de
Infinitivo não Preposicionado do Português Europeu. Dissertação de
doutoramento. Universidade Lisboa.
Gonçalves, Anabela (2001). Predicados Complexos com Verbos Causativos e
Perceptivos no Português Europeu. In Anabela Gonçalves & Clara Nunes
Correia (orgs.). Actas do XVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa
de Linguística. Lisboa: APL & Colibri, 227-239.
Gonçalves, Anabela & Inês Duarte (2001). Construções Causativas em Português
Europeu e em Português Brasileiro. In Anabela Gonçalves & Clara Nunes
Correia (orgs.). Actas do XVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa
de Linguística. Lisboa: APL & Colibri. 657-671.
Martins, Ana Maria (2004). Ambiguidade Estrutural e Mudança Linguística: a
Emergência do Infinitivo Flexionado nas Orações Complemento de Verbos
Causativos e Perceptivos. In Ana Maria Brito, O. Figueiredo & C. Barros
(eds.). Linguística Histórica e História da Língua Portuguesa. Actas do
Encontro de Homenagem a Maria Helena Paiva. Porto: Secção de Linguística
do Departamento de Estudos Portugueses e de Estudos Românicos da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 197-225 (disponível em:
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6290.pdf [12-09-2012])
Martins, Ana Maria (2012). Coordination, Gapping and the Portuguese Inflected
Infinitive: the Role of Structural Ambiguity in Syntactic Change. In Dianne
Jonas, John Whitman & Andrew Garrett (eds.), Grammatical Change: Origin,
Nature, Outcomes. Oxford/New York: Oxford University Press, 275-292.
Pereira, Sandra (2012). Protótipo de um Glossário dos Dialetos Portugueses com
Informação Sintática. Dissertação de Doutoramento. Universidade de Lisboa.
Raposo, Eduardo (1989). Prepositional Infinitival Constructions in European
Portuguese. In Jaeggli & Sefir (eds.). The Null Subject Parameter. Dordrecht:
Kluwer Academic Publishers.
10
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