Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay
“Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002
Passos de uma pesquisa sobre depressão após o parto
Maria Fátima Silveira dos Santos- candidata da Sociedade de psicanálise de Brasília
Gostaria de começar esse trabalho com duas perguntas, as quais podem ser respondidas por
qualquer psicanalista que tenha estado trabalhando em análise com uma paciente grávida ou
que tenha filhos.
a) Você já se deparou com sonhos ou associações em mulheres grávidas ou mães recentes
que focalizariam o desejo de ser o próprio filho? As associações e interpretações
encaminharam-se em alguma direção privilegiada? Qual? Você poderia relatar
brevemente sua experiência?
b) A perplexidade tão comum às mulheres no pós-parto, alguma vez foi seguida, em sua
experiência, por associações envolvendo o desejo de ser o próprio bebê, ou decepção
por não sê-lo? Você poderia relatar brevemente sua experiência?
Os primeiros passos da investigação
O início da investigação sobre depressão após o parto foi em 1994, quando a autora
procedeu o estudo de validade da "Edinburgh Postnatal Depression Scale". Esse estudo
comportou a realização de 74 entrevistas de uma amostra total de 236 puérperas do Distrito
Federal do Brasil.
A pesquisa
A postura ante o material (entrevistas gravadas de um estudo anterior com puérperas
e relatos escritos) repetiu o comportamento clínico, no aspecto de haver uma escuta em que
o ouvinte deixa-se impressionar pelo material, sem focalizar a atenção previamente em
nenhum aspecto. Essa abordagem do material estabeleceu os pontos de inflexão da tese de
doutorado (Santos, 2001) realizada pela pesquisadora na Universidade de Brasília (UnB)
concomitantemente à sua formação analítica.
Resultados de sua aplicação
Os relatos presentes na tese provêm de entrevistas realizadas entre 1993 e 1994,
com o objetivo de estudar a validade de um instrumento de medida de depressão pós-parto,
que foi objeto de nossa dissertação de mestrado (Santos,1995); e relatos presentes em livros
sobre depressão pós-parto. Ao longo do tempo, esses relatos foram se “depositando”, ou
estabelecendo um “diálogo” e nos impelindo a associar, ora pelo caminho sugerido pelo
próprio relato, ora por perguntas ou idéias que nos surgiam durante sua leitura.
Percebemos, ao final do trabalho, que seguíramos pautados pelos caminhos que os
relatos nos apontavam, ou excluíam. Vimos que trabalhávamos privilegiadamente com uma
frase que ao ser formulada tinha como efeito, na puérpera (a qual chamamos Ifigênia), um
emoção vívida, tanto na primeira quanto na segunda série de entrevistas (realizadas três
anos após o nascimento). Frase, cujo efeito sobre nós foi, inicialmente, a suposição de
preenchimento das reticências deixadas pela puérpera, e, posteriormente, um trabalho ativo
de questionamento e preenchimento da frase.
“Ele era tudo que eu queria... e eu assim” era um enigma para a puérpera, mas a
cultura popular, e autores em psicanálise, nos permitiam dizer que o bebê era tudo que ela
queria TER.
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O primeiro capítulo da tese de doutorado, capítulo sobre depressão, foi inicialmente
escrito sob essa suposição. Mas a perplexidade das puérperas deprimidas nos chamava a
atenção e ocorreu-nos, ao caminhar pela teoria freudiana do desenvolvimento psicossexual
feminino, se a perplexidade não atestava a existência de uma espécie de engano, a
expectativa de retomar o contato com sua mãe através do bebê.
Essa poderia ser uma corrente paralela no desenvolvimento feminino jamais
abandonada. Assim, a frase de Ifigênia poderia ser: “Ele era tudo que eu queria SER”.
Estivéramos lidando, até certo momento, com a possibilidade de haver em algumas
puérperas o desejo de recuperar um vínculo primitivo com sua mãe. Ao nascer o bebê, a
mulher se descobriria equivocada: o bebê era o outro, ela era a mãe. Mas a teoria de
Winnicott nos conduziu mais longe. Coloca como centro da dinâmica da mulher no
puerpério a identificação da mãe com o bebê e desfaz a idéia inicial de que o estado mental
alterado no pós-parto só se apresenta em algumas personalidades, as quais estariam sujeitas
à depressão pós-parto. O par mãe-bebê no puerpério, para Winnicott, funciona naturalmente
com o bebê em continuidade com a mãe, porque a mãe está identificada com o bebê.
Mas, “ser o bebê” seria estar identificada com ele? “Ser o bebê” nos parecia algo
onde há uma perda de limites entre o mundo externo e o interno, mais compatível com um
processo psicótico. Estar identificada com o bebê supõe a manutenção de limites egóicos.
A teoria de Winnicott sobre o relacionamento mãe-bebê nos permitiu formular
nossa própria tese. A puérpera identificada com seu bebê vive também o processo de
constituição de um relacionamento objetal com a criança. A continuidade mãe-bebê da
gravidez, quando este nasce, expõe a identificação narcísica com todo rol de
aprisionamento e fusão nisso implicado. Investir o bebê como um objeto separado, uma
espécie de nascimento psíquico do bebê para a mãe, será a última fase desse processo. De
tal forma que se quiséssemos utilizar, para descrever o processo psíquico da mãe, a
terminologia de Winnicott sobre o desenvolvimento do bebê, poderíamos dizer que também
a mãe passa do SER ao FAZER COM, passa a investir seu bebê como objeto separado.
Esse processo em seu início comporta um ser o bebê, que só é possível na gravidez, como
propõe. Após o nascimento, a permanência desse “ser o bebê”, levaria ao conflito psíquico.
A identificação típica da gravidez passaria a implicar uma perda de si mesma em favor do
recém-nascido. Tal processo caminha (quando é possível) para uma identificação não
conflitiva com o bebê. A paralisação no momento conflitivo (entre a identificação narcísica
da gravidez e a identificação de objeto com o bebê) do processo psíquico puerperal
caracterizaria, a nosso ver, o que na literatura psicológica se denomina depressão pós-parto.
A hipótese formulada acima começou com a estranheza e as associações ante a frase
de Ifigênia, mas foi desenvolvida a partir de uma espécie de diálogo entre os relatos
utilizados, obtidos pela leitura “decepcionamente” do livro “Ser mãe é padecer, mas não no
paraíso. É a ditadura do peito” (Moreira, 1993), no qual a autora relata o que denominou,
em seu segundo livro (Moreira, 1998), "uma depressão pós-parto violenta", e da audição,
sem foco prévio, de entrevista gravada em um estudo anterior. Nessa entrevista, a puérpera
Joana nos falava como, após certo tempo, sua filha passou a ser para ela alguém de quem
começou a gostar, depois de deixar para trás uma fase conflitiva na qual se sentira
abdicando dolorosamente da própria vida. As questões que fazia a pesquisadora ao ouvir o
relato gravado e o desenvolvimento do mesmo levaram à compreensão de que a puérpera
descrevia as vicissitudes de um processo de percepção do bebê como ser separado e
investido. Esse relato ofereceu um novo ângulo de observação do livro mencionado, que
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abandonáramos. Trata-se do relato de uma luta contra uma espécie de ofuscamento de si
mesma, que o contato inicial com o bebê acarreta. Infeliz, Maria Tereza Moreira vive
contínua e dolorosamente aquilo que Joana pode descrever como passado recente.
Análise dos relatos constantes na tese
A fala de Ifigênia: “Ele é tudo que eu queria...” e os relatos de outras puérperas nos
conduziram a pensar duas possibilidades de desejo subjacente a esse discurso: SER ou
TER, o bebê . Poderia Ifigênia estar trazendo à tona uma identificação com seu bebê, ou se
referindo a um objeto de investimento perdido. O que poderia ser a vivência de algumas
mulheres apenas. Mas a idéia presente em vários autores (Bibring,1960; Bydlowski, 1988;
Winnicott, 1956) de um estado mental alterado, que se instala ao final da gravidez e se
prolonga aos primeiros meses após o parto, nos conduziu a investigar a depressão após o
parto sob uma outra ótica, a ótica de um processo psíquico perinatal.
Os relatos de duas mulheres sobre suas experiências após o parto nos pareceram
abrir possibilidades em especial. Esses relatos, onde observamos uma vivência que poderia
ser tomada como uma espécie de apagamento de si mesmas, ou uma dolorida percepção da
imposição imperiosa das necessidades do bebê sobre as suas (ou sobre seus desejos), nos
auxiliam a pensar o processo psíquico após o parto.
Joana nos relata a modificação da percepção de si e do bebê e o desenvolvimento de
uma relação prazerosa entre ambos. No relato de Maria Teresa, as vivências pós-parto
permanecem afetando de uma forma constante e mais ou menos definida, ao longo de toda
a sua exposição.
A nosso ver, o que Maria Teresa vive é uma espécie de cristalização de parte do
processo vivido por Joana. Seu relato, um esforço sem tréguas para manter-se reconhecida
e delimitada como ser humano, nos remete à magnitude da força oposta: ser
“ditatorialmente” comandada pelas necessidades (para ela, injustas e socialmente
estereotipadas) da maternidade. Acreditamos que a espécie de eclipse de si mesma que
Maria Teresa sofre, Joana viveu, mas no seu puerpério isso foi preâmbulo de uma fase
posterior, onde ocorreu a inclusão das necessidades do bebê nos desejos próprios.
Conclusão da tese
A depressão após o parto, a nosso ver, é um fenômeno interno ao processo psíquico
puerperal. E, a idéia de haver um tal processo está presente em vários autores (Bibring,
1960; Bydlowski, 1998; Winnicott, 1956), que descreveram a instalação de um estado
mental alterado ao final da gravidez que se prolonga até os primeiros meses após o parto.
Considerando os relatos, podemos afirmar que se instala na gravidez um processo dinâmico
de investimento, que se torna conflitivo após o parto do bebê. Somente após a superação
desse impasse inicial, se instaura o tipo de identificação descrita por Winnicott.
Neste trabalho chamamos a atenção para o fato de que há, inicialmente, uma
continuidade com o bebê, que seria uma espécie de matriz do processo posterior de
identificação, descrito por Winnicott. Sublinhamos que quando o bebê nasce, instaura-se a
separação física, e as necessidades do bebê colocam em cheque essa continuidade. Só
posteriormente, ocorre o processo de identificação. Ao fim desse processo, a mãe terá
passado de um estado de indistinção e continuidade a um estado de identificação e
contigüidade com seu bebê.
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O nascimento psíquico do bebê para a mãe ocorre quando ela passa a investi-lo
como um objeto separado. A nosso ver, Winnicott não sentiu necessidade de lidar com a
passagem da continuidade à contigüidade. Apesar de considerar que a mãe está em um
estado dependente e vulnerável” (Winnicott, 1979 [1963]/1983, p.81) não desenvolveu uma
teoria específica sobre os processos que afetavam a própria mãe.
Esquematicamente acreditamos que no puerpério a mulher caminha na seguinte
linha, em relação ao bebê como outro:
O OUTRO SER EU
- SER O OUTRO
-
←
IDENTIFICAÇÃO
(NARCÍSICA )
TENDENDO À
NOSTALGIA
E À DEPRESSÃO
SER COMO O OUTRO
-
SERMOS EU E OUTRO
→
IDENTIFICAÇÃO
TENDENDO Á RELAÇÃO
OBJETAL
As vivências depressivas pós-parto, em suas modalidades diferentes,
corresponderiam a uma oscilação ou cristalização da experiência entre o segundo e o
terceiro termo da linha. Resultariam da permanência inconsciente de uma identificação
ainda narcísica em anterior à identificação na qual o objeto está diferenciado de si mesmo.
A finalização do processo psíquico puerperal ocorre com a passagem de um objeto libidinal
contínuo para um objeto libidinal contíguo.
Conseqüências sobre a teoria do desenvolvimento psicossexual da mulher
A nosso ver, essa tese aponta para o estudo posterior de questões como o
desenvolvimento feminino, em especial ao papel do desejo de um filho na infância.
Até 1925, Freud em vários textos considera como primeiro enigma sexual com o
qual as crianças se confrontam, o enigma da origem dos bebês. Na data referida (Freud,
1925j/1976, p.314, n.1) outro enigma assume a primazia. Afirma também que a pesquisa
sexual na infância não é despertada pela presença de um outro bebê (pelo menos não nas
meninas), mas pela diferença dos sexos. Considera que o desejo de um bebê se apresenta
na infância em termos da equivalência fezes, pênis e bebês. A ordem da equivalência que
coloca o desejo do bebê como um desejo secundário ao desejo de um pênis é algo que
parece necessário para marcar a presença da angústia de castração e da inveja do pênis.
Teria Freud buscado escapar do equívoco de uma concepção naturalista do interesse
de meninas por bebês?
Não poderia ser a equivalência fezes(dádivas)=bebês, presente na fase anal, a
equivalência condutora da menina em direção ao desejo de um pênis e não o contrário, do
desejo de um pênis ao desejo de um bebê como afirma Freud?
No ano seguinte, em outro artigo destinado ao desenvolvimento psicossexual, Freud
1925j/1976) pergunta, sobre o objeto materno: "Como ocorre que as meninas o abandonem
e, ao invés tomem o pai como obejto?"
A pergunta encaminhada não é tão natural como parece. Por que Freud acha que as
meninas abandonam a mãe? Porque elas se ligam ao pai e desejam ter dele um filho? E se
nelas o abandono do investimento na mãe for tal como nos menino? Partindo para o
investimento de outra mulher. Outra, que no caso do menino é outra mesmo (após a
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latência) e outra que no caso da menina é ela mesma, em seu desejo ativo, de origem fálica
de repetir a situação mãe-bebê (como situação de estimulação e cuidado). O pai, seria,
inicialmente, herdeiro desse anseio em relação à mãe.
Nesse artigo, Freud, considera que a inferioridade, ciúme e o afastamento da mãe
seriam as conseqüências da inveja do pênis ocorrendo o afrouxamento da relação afetuosa
da menina com a mãe (Freud, 1925j/1976, p. 316). A masturbação fálica é abandonada e a
menina "abandona seu desejo de um pênis e coloca em seu lugar o desejo de um filho; com
esse fim em vista, toma o pai como objeto de amor" (Ibid. p. 318).
Mas isso não poderia ocorrer de outra forma? Retomando de acordo com nossa
proposição da permanência do anseio pela mãe, as afirmações sobre o fim do complexo de
Édipo (Freud, 1925j/1976, p. 319), podemos pensar que as catexias libidinais do complexo
(em relação à mãe) não seriam inteiramente abandonadas e permaneceriam em parte
sexualizadas e não sublimadas no desejo de ter um filho.
Freud, quando passa em revista toda a gama de motivos para a menina se afastar da
mãe, a ordem histórica das queixas. Afirma então: a mãe falhou em fornecer à menina o
único órgão genital correto; não a amamentou o suficiente; a compeliu a partilhar o amor
com outros; nunca atendeu às suas expectativas de amor; e, finalmente, que despertou a sua
atividade sexual e depois a proibiu. Esses motivos, segundo Freud parecem ser insuficientes
para justificar a hostilidade final da menina.
Freud conclui que a intensa ligação da menina à mãe é fortemente ambivalente,
sendo precisamente em conseqüência dessa ambivalência que (com a assistência dos outros
fatores que relacionou) a menina se afasta à força da mãe.
A nosso ver, isto significa que a inveja do pênis seria apenas uma das razões da
hostilidade presente na infância nas observações clínicas de mulheres. As outras razões que
se alinham a ela, segundo Freud, são: não ter sido amamentada pela mãe tempo suficiente;
ter sido preterida no nascimento de um irmão; e ter sido impedida de obter satisfação
através da masturbação, por aquela que, digamos, a iniciou na satisfação sexual.
O objeto inicial da menina é a mãe. A masturbação clitoridiana, tipicamente ativa, é,
para Freud, provavelmente acompanhada por idéias referentes à ela. Com a chegada de um
novo bebê, a menina deseja crer que deu à mãe esse bebê, tal como o menino também quer;
e sua reação a esse acontecimento e sua conduta para com o bebê é exatamente a mesma
que a do menino (1931b, p.274)
Essa mãe, é a mesma que proíbe a atividade prazerosa. A frustração que a repressão
da masturbação acarreta é intensa na menina na fase fálica, mas não é suficiente para o
afastamento. A idéia de já ter sido castrada, que lhe ocorre somente depois de certo tempo
deixa de ser pensada como um infortúnio pessoal e se estende à mãe.
Não poderia ser diferente?
Nessa fase, a masturbação clitoridiana concentra as fantasias de vínculo com a mãe,
e a menina descobre que não tem pênis. A mãe, que, para a menina, tem o pênis,
demonstra, pela repressão da masturbação, que não deseja manter com ela o vínculo de
antes. A presença do pai é percebida com mais nitidez como aquele de quem é também o
bebê (Freud, 1908c/1976, p. 221), e o desejo de ter um filho se desloca para o pai. Dele,
inicialmente, a menina busca obter o bebê que nada mais significa que o desejo de ser
cuidada, isto é, manipulada sexualmente pela mãe. O pênis, a nosso ver, se iguala ao filho
para a menina, mas ambos são buscados inicialmente como formas da etapa fálica de
manutenção do vínculo com a mãe.
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O desejo de vínculo à mãe, transferido ao pai no início de seu interesse por ele, a
nosso ver, permaneceria na vida adulta como parte componente do desejo de ter um filho.
Poderia a depressão após o parto ser resultado dessa espécie de tentativa de reedição
da relação com a mãe. Tal hipótese coloca em questão a especificidade do desenvolvimento
psicossexual feminino e enfatiza que o desenvolvimento da mulher se faz sobre uma
relação primeira com sua mãe que talvez jamais sucumba à escolha objetal adulta.
Supõe também a busca ativa de restabelecimento de uma relação primitiva
aparentemente sem substitutivos e sem sublimação no desenvolvimento da mulher.
Assim, a depressão após o parto, como perda de um objeto primitivo envolvendo
um processo psíquico constitucional, remeteria também a constituição da feminilidade,
redimensionando o papel do pênis e dos cuidados maternos no desenvolvimento da menina.
Como desejo pela mãe, o modelo proposto permite pensar que Freud corrigiu a primazia do
enigma de onde vêm os bebês pela fantasia de que todos têm um pênis, em nome de uma
unidade conceitual que enfatizava a castração, como complexo nuclear tanto no
desenvolvimento do menino quanto da menina. Mas, poder-se-ia pensar que a decepção de
não ter o pênis, além da inveja, levaria a uma tentativa de recuperação de outra maneira da
relação vivida passivamente com a mãe. Levaria ao último estandarte da busca pela mãe na
pequena mulher que se descobre sem pênis: desejar um bebê do pai, tomando esse bebê
como retomada do vínculo com a mãe. Esse desejo, independentemente de a mulher ter
trilhado o caminho da normalidade estrutural e ter alcançado a genitalidade adulta, se
reeditaria no nascimento do filho.
Dessa forma, a maternidade reeditaria uma perda, a do objeto materno, e se
vincularia a um desejo, de retomada da ligação com a mãe, cujas origens remontam à fase
fálica do desenvolvimento psicossexual.
Novas observações após a tese
Seguem-se observações atuais, feitas após a defesa da tese de doutorado
a) Um programa de TV
Recentemente um especial da GNT sobre depressão pós-parto trouxe depoimentos que
mostram da perplexidade inicial até a emersão da mulher de um estado de confusão. Diznos uma das mães: “Para mim, o que foi mais forte ainda foi realmente encarar que o meu
filho não era eu. Era um outro, era outra pessoa... Para mim, foi um choque. Eu entendi isso
ali, na hora do parto... agora a gente precisa construir uma outra história... filho...para mim
foi uma coisa fundamental, para eu me sentir uma pessoa completa... filho é uma segunda
chance”. No mesmo programa relata outra mãe: “eu não penteava o cabelo, não tirava a
camisola... Ele era tudo que eu queria...ter ele”. Enquanto outra levanta uma bandeira: “a
mulher fica ausente de qualquer existência profissional, porque ela já não é mais nada..."
b) Um diálogo inesperado
Uma menina de cinco anos, brincando em uma piscina com a autora, diz alegremente:
B - Minha mãe vai ter uma neném chamado B , e eu é que vou cuidar.
Ao que a interlocutora retruca:
I - Mas B é o seu nome. Papai e mamãe vão dar o mesmo nome à sua irmã?
B - (com expressão de impaciência) Não é do meu pai não, essa neném.
Silêncio
I - É sua e da mamãe essa neném chamada B?
B - É. E eu vou dar banhinho nela, botar roupinha nela...
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c) A teoria de Conrad Stein sobre a inveja do pênis
Stein (1967), a partir da observação clínica do pensamento de dar a luz à si mesma,
desenvolve um conjunto de idéias sobre o que ele denominou economia da inveja do pênis.
Dar luz a si mesma, pareceu a ele ser um compromisso entre a imagem da união
com a mãe e a imagem da separação. A inveja do pênis é o derivado não terrorífico do
anseio pela mãe. Em outro artigo (1960), descreve um movimento do desenvolvimento
sexual feminino, que seria a seguinte sucessão: ser sua mãe, ser o pênis do seu pai, possuir
sua mãe. A identificação parcial (comportando a duplicidade de ser e ter o pênis do pai)
seria intermediária entre a identificação narcísica e a identificação objetal. O pênis paterno
"desejado pela menina- e assimilável à criança que se quer ter e ser, em seu próprio bolo
fecal... objeto de cobiça, permanece, conforme a concepção freudiana, um objeto de origem
sádico-anal”. A inveja do pênis é o último estágio de uma defesa contra o anseio pela mãe,
sendo tributária do desejo de ser e ter sua criança.
As concepções de Stein sobre a inveja do pênis e sobre a identificação parcial da
menina ao pênis como escape ao anseio terrorífico pela mãe podem ser vistas como apoio
aos questionamentos da tese referentes ao desenvolvimento feminino postulado por Freud.
A inveja pênis como defesa frente ao anseio pela mãe, serve como apoio à observação do
pênis como tributário, ou secundário ao anseio pela mãe. E, mais especificamente permite
colocar o desejo pelo bebê anal como primário em relação ao pênis, se constituindo como
representação do vínculo e da separação (garantia da individualidade), duplicidade da qual
o desejo de um pênis derivaria.
Possibilidades que o congresso traz: ouvir psicanalistas
O Congresso atual permite continuar investigando, por submeter à apreciação uma
hipótese para a qual foi dado o formato de perguntas e averiguar sua presença na clínica, ou
suas ressonâncias, de forma que se pudesse avaliar se no processo psíquico puerperal há um
ponto de perplexidade que se ilumina pela fantasia de ser o próprio bebê. Esse seria um
momento de retorno de um estudo que se orientou pela clínica, mesmo que tenha circulado
por relatos não obtidos em uma psicanálise estrita, e a oportunidade de testar na clínica a
validade de uma hipótese encontrada.
Referências bibliográficas:
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Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
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Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
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Em: Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 1976.
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peito. São Paulo: Brasiliense.
SANTOS, M.F.S. (1995). Depressão após o parto: validação da Escala de Edimburgo em
puérperas brasilienses. Dissertação de mestrado. Universidade de Brasília. Brasília.
_____ (2001) Depressão após o parto .Tese de doutorado. Universidade de Brasília.
Brasília.
WINNICOTT, D.(1958[1956]/2000). A preocupação materna primária. Em: Da pediatria à
psicanálise. Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago. pp. 399-405.
STEIN, C. (1960/1997). A castração como negação da feminilidade. Em : A morte de
Édipo. Rio de Janeiro: Revinter.
______(1967).Um pensamento absurdo. Em: A morte de Édipo. Rio de Janeiro: Revinter
______(1967). A propósito da interpretação da inveja do pênis. Em: A morte de
Édipo. Rio de Janeiro: Revinter.
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