Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay “Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002 Passos de uma pesquisa sobre depressão após o parto Maria Fátima Silveira dos Santos- candidata da Sociedade de psicanálise de Brasília Gostaria de começar esse trabalho com duas perguntas, as quais podem ser respondidas por qualquer psicanalista que tenha estado trabalhando em análise com uma paciente grávida ou que tenha filhos. a) Você já se deparou com sonhos ou associações em mulheres grávidas ou mães recentes que focalizariam o desejo de ser o próprio filho? As associações e interpretações encaminharam-se em alguma direção privilegiada? Qual? Você poderia relatar brevemente sua experiência? b) A perplexidade tão comum às mulheres no pós-parto, alguma vez foi seguida, em sua experiência, por associações envolvendo o desejo de ser o próprio bebê, ou decepção por não sê-lo? Você poderia relatar brevemente sua experiência? Os primeiros passos da investigação O início da investigação sobre depressão após o parto foi em 1994, quando a autora procedeu o estudo de validade da "Edinburgh Postnatal Depression Scale". Esse estudo comportou a realização de 74 entrevistas de uma amostra total de 236 puérperas do Distrito Federal do Brasil. A pesquisa A postura ante o material (entrevistas gravadas de um estudo anterior com puérperas e relatos escritos) repetiu o comportamento clínico, no aspecto de haver uma escuta em que o ouvinte deixa-se impressionar pelo material, sem focalizar a atenção previamente em nenhum aspecto. Essa abordagem do material estabeleceu os pontos de inflexão da tese de doutorado (Santos, 2001) realizada pela pesquisadora na Universidade de Brasília (UnB) concomitantemente à sua formação analítica. Resultados de sua aplicação Os relatos presentes na tese provêm de entrevistas realizadas entre 1993 e 1994, com o objetivo de estudar a validade de um instrumento de medida de depressão pós-parto, que foi objeto de nossa dissertação de mestrado (Santos,1995); e relatos presentes em livros sobre depressão pós-parto. Ao longo do tempo, esses relatos foram se “depositando”, ou estabelecendo um “diálogo” e nos impelindo a associar, ora pelo caminho sugerido pelo próprio relato, ora por perguntas ou idéias que nos surgiam durante sua leitura. Percebemos, ao final do trabalho, que seguíramos pautados pelos caminhos que os relatos nos apontavam, ou excluíam. Vimos que trabalhávamos privilegiadamente com uma frase que ao ser formulada tinha como efeito, na puérpera (a qual chamamos Ifigênia), um emoção vívida, tanto na primeira quanto na segunda série de entrevistas (realizadas três anos após o nascimento). Frase, cujo efeito sobre nós foi, inicialmente, a suposição de preenchimento das reticências deixadas pela puérpera, e, posteriormente, um trabalho ativo de questionamento e preenchimento da frase. “Ele era tudo que eu queria... e eu assim” era um enigma para a puérpera, mas a cultura popular, e autores em psicanálise, nos permitiam dizer que o bebê era tudo que ela queria TER. 1 Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay “Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002 O primeiro capítulo da tese de doutorado, capítulo sobre depressão, foi inicialmente escrito sob essa suposição. Mas a perplexidade das puérperas deprimidas nos chamava a atenção e ocorreu-nos, ao caminhar pela teoria freudiana do desenvolvimento psicossexual feminino, se a perplexidade não atestava a existência de uma espécie de engano, a expectativa de retomar o contato com sua mãe através do bebê. Essa poderia ser uma corrente paralela no desenvolvimento feminino jamais abandonada. Assim, a frase de Ifigênia poderia ser: “Ele era tudo que eu queria SER”. Estivéramos lidando, até certo momento, com a possibilidade de haver em algumas puérperas o desejo de recuperar um vínculo primitivo com sua mãe. Ao nascer o bebê, a mulher se descobriria equivocada: o bebê era o outro, ela era a mãe. Mas a teoria de Winnicott nos conduziu mais longe. Coloca como centro da dinâmica da mulher no puerpério a identificação da mãe com o bebê e desfaz a idéia inicial de que o estado mental alterado no pós-parto só se apresenta em algumas personalidades, as quais estariam sujeitas à depressão pós-parto. O par mãe-bebê no puerpério, para Winnicott, funciona naturalmente com o bebê em continuidade com a mãe, porque a mãe está identificada com o bebê. Mas, “ser o bebê” seria estar identificada com ele? “Ser o bebê” nos parecia algo onde há uma perda de limites entre o mundo externo e o interno, mais compatível com um processo psicótico. Estar identificada com o bebê supõe a manutenção de limites egóicos. A teoria de Winnicott sobre o relacionamento mãe-bebê nos permitiu formular nossa própria tese. A puérpera identificada com seu bebê vive também o processo de constituição de um relacionamento objetal com a criança. A continuidade mãe-bebê da gravidez, quando este nasce, expõe a identificação narcísica com todo rol de aprisionamento e fusão nisso implicado. Investir o bebê como um objeto separado, uma espécie de nascimento psíquico do bebê para a mãe, será a última fase desse processo. De tal forma que se quiséssemos utilizar, para descrever o processo psíquico da mãe, a terminologia de Winnicott sobre o desenvolvimento do bebê, poderíamos dizer que também a mãe passa do SER ao FAZER COM, passa a investir seu bebê como objeto separado. Esse processo em seu início comporta um ser o bebê, que só é possível na gravidez, como propõe. Após o nascimento, a permanência desse “ser o bebê”, levaria ao conflito psíquico. A identificação típica da gravidez passaria a implicar uma perda de si mesma em favor do recém-nascido. Tal processo caminha (quando é possível) para uma identificação não conflitiva com o bebê. A paralisação no momento conflitivo (entre a identificação narcísica da gravidez e a identificação de objeto com o bebê) do processo psíquico puerperal caracterizaria, a nosso ver, o que na literatura psicológica se denomina depressão pós-parto. A hipótese formulada acima começou com a estranheza e as associações ante a frase de Ifigênia, mas foi desenvolvida a partir de uma espécie de diálogo entre os relatos utilizados, obtidos pela leitura “decepcionamente” do livro “Ser mãe é padecer, mas não no paraíso. É a ditadura do peito” (Moreira, 1993), no qual a autora relata o que denominou, em seu segundo livro (Moreira, 1998), "uma depressão pós-parto violenta", e da audição, sem foco prévio, de entrevista gravada em um estudo anterior. Nessa entrevista, a puérpera Joana nos falava como, após certo tempo, sua filha passou a ser para ela alguém de quem começou a gostar, depois de deixar para trás uma fase conflitiva na qual se sentira abdicando dolorosamente da própria vida. As questões que fazia a pesquisadora ao ouvir o relato gravado e o desenvolvimento do mesmo levaram à compreensão de que a puérpera descrevia as vicissitudes de um processo de percepção do bebê como ser separado e investido. Esse relato ofereceu um novo ângulo de observação do livro mencionado, que 2 Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay “Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002 abandonáramos. Trata-se do relato de uma luta contra uma espécie de ofuscamento de si mesma, que o contato inicial com o bebê acarreta. Infeliz, Maria Tereza Moreira vive contínua e dolorosamente aquilo que Joana pode descrever como passado recente. Análise dos relatos constantes na tese A fala de Ifigênia: “Ele é tudo que eu queria...” e os relatos de outras puérperas nos conduziram a pensar duas possibilidades de desejo subjacente a esse discurso: SER ou TER, o bebê . Poderia Ifigênia estar trazendo à tona uma identificação com seu bebê, ou se referindo a um objeto de investimento perdido. O que poderia ser a vivência de algumas mulheres apenas. Mas a idéia presente em vários autores (Bibring,1960; Bydlowski, 1988; Winnicott, 1956) de um estado mental alterado, que se instala ao final da gravidez e se prolonga aos primeiros meses após o parto, nos conduziu a investigar a depressão após o parto sob uma outra ótica, a ótica de um processo psíquico perinatal. Os relatos de duas mulheres sobre suas experiências após o parto nos pareceram abrir possibilidades em especial. Esses relatos, onde observamos uma vivência que poderia ser tomada como uma espécie de apagamento de si mesmas, ou uma dolorida percepção da imposição imperiosa das necessidades do bebê sobre as suas (ou sobre seus desejos), nos auxiliam a pensar o processo psíquico após o parto. Joana nos relata a modificação da percepção de si e do bebê e o desenvolvimento de uma relação prazerosa entre ambos. No relato de Maria Teresa, as vivências pós-parto permanecem afetando de uma forma constante e mais ou menos definida, ao longo de toda a sua exposição. A nosso ver, o que Maria Teresa vive é uma espécie de cristalização de parte do processo vivido por Joana. Seu relato, um esforço sem tréguas para manter-se reconhecida e delimitada como ser humano, nos remete à magnitude da força oposta: ser “ditatorialmente” comandada pelas necessidades (para ela, injustas e socialmente estereotipadas) da maternidade. Acreditamos que a espécie de eclipse de si mesma que Maria Teresa sofre, Joana viveu, mas no seu puerpério isso foi preâmbulo de uma fase posterior, onde ocorreu a inclusão das necessidades do bebê nos desejos próprios. Conclusão da tese A depressão após o parto, a nosso ver, é um fenômeno interno ao processo psíquico puerperal. E, a idéia de haver um tal processo está presente em vários autores (Bibring, 1960; Bydlowski, 1998; Winnicott, 1956), que descreveram a instalação de um estado mental alterado ao final da gravidez que se prolonga até os primeiros meses após o parto. Considerando os relatos, podemos afirmar que se instala na gravidez um processo dinâmico de investimento, que se torna conflitivo após o parto do bebê. Somente após a superação desse impasse inicial, se instaura o tipo de identificação descrita por Winnicott. Neste trabalho chamamos a atenção para o fato de que há, inicialmente, uma continuidade com o bebê, que seria uma espécie de matriz do processo posterior de identificação, descrito por Winnicott. Sublinhamos que quando o bebê nasce, instaura-se a separação física, e as necessidades do bebê colocam em cheque essa continuidade. Só posteriormente, ocorre o processo de identificação. Ao fim desse processo, a mãe terá passado de um estado de indistinção e continuidade a um estado de identificação e contigüidade com seu bebê. 3 Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay “Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002 O nascimento psíquico do bebê para a mãe ocorre quando ela passa a investi-lo como um objeto separado. A nosso ver, Winnicott não sentiu necessidade de lidar com a passagem da continuidade à contigüidade. Apesar de considerar que a mãe está em um estado dependente e vulnerável” (Winnicott, 1979 [1963]/1983, p.81) não desenvolveu uma teoria específica sobre os processos que afetavam a própria mãe. Esquematicamente acreditamos que no puerpério a mulher caminha na seguinte linha, em relação ao bebê como outro: O OUTRO SER EU - SER O OUTRO - ← IDENTIFICAÇÃO (NARCÍSICA ) TENDENDO À NOSTALGIA E À DEPRESSÃO SER COMO O OUTRO - SERMOS EU E OUTRO → IDENTIFICAÇÃO TENDENDO Á RELAÇÃO OBJETAL As vivências depressivas pós-parto, em suas modalidades diferentes, corresponderiam a uma oscilação ou cristalização da experiência entre o segundo e o terceiro termo da linha. Resultariam da permanência inconsciente de uma identificação ainda narcísica em anterior à identificação na qual o objeto está diferenciado de si mesmo. A finalização do processo psíquico puerperal ocorre com a passagem de um objeto libidinal contínuo para um objeto libidinal contíguo. Conseqüências sobre a teoria do desenvolvimento psicossexual da mulher A nosso ver, essa tese aponta para o estudo posterior de questões como o desenvolvimento feminino, em especial ao papel do desejo de um filho na infância. Até 1925, Freud em vários textos considera como primeiro enigma sexual com o qual as crianças se confrontam, o enigma da origem dos bebês. Na data referida (Freud, 1925j/1976, p.314, n.1) outro enigma assume a primazia. Afirma também que a pesquisa sexual na infância não é despertada pela presença de um outro bebê (pelo menos não nas meninas), mas pela diferença dos sexos. Considera que o desejo de um bebê se apresenta na infância em termos da equivalência fezes, pênis e bebês. A ordem da equivalência que coloca o desejo do bebê como um desejo secundário ao desejo de um pênis é algo que parece necessário para marcar a presença da angústia de castração e da inveja do pênis. Teria Freud buscado escapar do equívoco de uma concepção naturalista do interesse de meninas por bebês? Não poderia ser a equivalência fezes(dádivas)=bebês, presente na fase anal, a equivalência condutora da menina em direção ao desejo de um pênis e não o contrário, do desejo de um pênis ao desejo de um bebê como afirma Freud? No ano seguinte, em outro artigo destinado ao desenvolvimento psicossexual, Freud 1925j/1976) pergunta, sobre o objeto materno: "Como ocorre que as meninas o abandonem e, ao invés tomem o pai como obejto?" A pergunta encaminhada não é tão natural como parece. Por que Freud acha que as meninas abandonam a mãe? Porque elas se ligam ao pai e desejam ter dele um filho? E se nelas o abandono do investimento na mãe for tal como nos menino? Partindo para o investimento de outra mulher. Outra, que no caso do menino é outra mesmo (após a 4 Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay “Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002 latência) e outra que no caso da menina é ela mesma, em seu desejo ativo, de origem fálica de repetir a situação mãe-bebê (como situação de estimulação e cuidado). O pai, seria, inicialmente, herdeiro desse anseio em relação à mãe. Nesse artigo, Freud, considera que a inferioridade, ciúme e o afastamento da mãe seriam as conseqüências da inveja do pênis ocorrendo o afrouxamento da relação afetuosa da menina com a mãe (Freud, 1925j/1976, p. 316). A masturbação fálica é abandonada e a menina "abandona seu desejo de um pênis e coloca em seu lugar o desejo de um filho; com esse fim em vista, toma o pai como objeto de amor" (Ibid. p. 318). Mas isso não poderia ocorrer de outra forma? Retomando de acordo com nossa proposição da permanência do anseio pela mãe, as afirmações sobre o fim do complexo de Édipo (Freud, 1925j/1976, p. 319), podemos pensar que as catexias libidinais do complexo (em relação à mãe) não seriam inteiramente abandonadas e permaneceriam em parte sexualizadas e não sublimadas no desejo de ter um filho. Freud, quando passa em revista toda a gama de motivos para a menina se afastar da mãe, a ordem histórica das queixas. Afirma então: a mãe falhou em fornecer à menina o único órgão genital correto; não a amamentou o suficiente; a compeliu a partilhar o amor com outros; nunca atendeu às suas expectativas de amor; e, finalmente, que despertou a sua atividade sexual e depois a proibiu. Esses motivos, segundo Freud parecem ser insuficientes para justificar a hostilidade final da menina. Freud conclui que a intensa ligação da menina à mãe é fortemente ambivalente, sendo precisamente em conseqüência dessa ambivalência que (com a assistência dos outros fatores que relacionou) a menina se afasta à força da mãe. A nosso ver, isto significa que a inveja do pênis seria apenas uma das razões da hostilidade presente na infância nas observações clínicas de mulheres. As outras razões que se alinham a ela, segundo Freud, são: não ter sido amamentada pela mãe tempo suficiente; ter sido preterida no nascimento de um irmão; e ter sido impedida de obter satisfação através da masturbação, por aquela que, digamos, a iniciou na satisfação sexual. O objeto inicial da menina é a mãe. A masturbação clitoridiana, tipicamente ativa, é, para Freud, provavelmente acompanhada por idéias referentes à ela. Com a chegada de um novo bebê, a menina deseja crer que deu à mãe esse bebê, tal como o menino também quer; e sua reação a esse acontecimento e sua conduta para com o bebê é exatamente a mesma que a do menino (1931b, p.274) Essa mãe, é a mesma que proíbe a atividade prazerosa. A frustração que a repressão da masturbação acarreta é intensa na menina na fase fálica, mas não é suficiente para o afastamento. A idéia de já ter sido castrada, que lhe ocorre somente depois de certo tempo deixa de ser pensada como um infortúnio pessoal e se estende à mãe. Não poderia ser diferente? Nessa fase, a masturbação clitoridiana concentra as fantasias de vínculo com a mãe, e a menina descobre que não tem pênis. A mãe, que, para a menina, tem o pênis, demonstra, pela repressão da masturbação, que não deseja manter com ela o vínculo de antes. A presença do pai é percebida com mais nitidez como aquele de quem é também o bebê (Freud, 1908c/1976, p. 221), e o desejo de ter um filho se desloca para o pai. Dele, inicialmente, a menina busca obter o bebê que nada mais significa que o desejo de ser cuidada, isto é, manipulada sexualmente pela mãe. O pênis, a nosso ver, se iguala ao filho para a menina, mas ambos são buscados inicialmente como formas da etapa fálica de manutenção do vínculo com a mãe. 5 Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay “Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002 O desejo de vínculo à mãe, transferido ao pai no início de seu interesse por ele, a nosso ver, permaneceria na vida adulta como parte componente do desejo de ter um filho. Poderia a depressão após o parto ser resultado dessa espécie de tentativa de reedição da relação com a mãe. Tal hipótese coloca em questão a especificidade do desenvolvimento psicossexual feminino e enfatiza que o desenvolvimento da mulher se faz sobre uma relação primeira com sua mãe que talvez jamais sucumba à escolha objetal adulta. Supõe também a busca ativa de restabelecimento de uma relação primitiva aparentemente sem substitutivos e sem sublimação no desenvolvimento da mulher. Assim, a depressão após o parto, como perda de um objeto primitivo envolvendo um processo psíquico constitucional, remeteria também a constituição da feminilidade, redimensionando o papel do pênis e dos cuidados maternos no desenvolvimento da menina. Como desejo pela mãe, o modelo proposto permite pensar que Freud corrigiu a primazia do enigma de onde vêm os bebês pela fantasia de que todos têm um pênis, em nome de uma unidade conceitual que enfatizava a castração, como complexo nuclear tanto no desenvolvimento do menino quanto da menina. Mas, poder-se-ia pensar que a decepção de não ter o pênis, além da inveja, levaria a uma tentativa de recuperação de outra maneira da relação vivida passivamente com a mãe. Levaria ao último estandarte da busca pela mãe na pequena mulher que se descobre sem pênis: desejar um bebê do pai, tomando esse bebê como retomada do vínculo com a mãe. Esse desejo, independentemente de a mulher ter trilhado o caminho da normalidade estrutural e ter alcançado a genitalidade adulta, se reeditaria no nascimento do filho. Dessa forma, a maternidade reeditaria uma perda, a do objeto materno, e se vincularia a um desejo, de retomada da ligação com a mãe, cujas origens remontam à fase fálica do desenvolvimento psicossexual. Novas observações após a tese Seguem-se observações atuais, feitas após a defesa da tese de doutorado a) Um programa de TV Recentemente um especial da GNT sobre depressão pós-parto trouxe depoimentos que mostram da perplexidade inicial até a emersão da mulher de um estado de confusão. Diznos uma das mães: “Para mim, o que foi mais forte ainda foi realmente encarar que o meu filho não era eu. Era um outro, era outra pessoa... Para mim, foi um choque. Eu entendi isso ali, na hora do parto... agora a gente precisa construir uma outra história... filho...para mim foi uma coisa fundamental, para eu me sentir uma pessoa completa... filho é uma segunda chance”. No mesmo programa relata outra mãe: “eu não penteava o cabelo, não tirava a camisola... Ele era tudo que eu queria...ter ele”. Enquanto outra levanta uma bandeira: “a mulher fica ausente de qualquer existência profissional, porque ela já não é mais nada..." b) Um diálogo inesperado Uma menina de cinco anos, brincando em uma piscina com a autora, diz alegremente: B - Minha mãe vai ter uma neném chamado B , e eu é que vou cuidar. Ao que a interlocutora retruca: I - Mas B é o seu nome. Papai e mamãe vão dar o mesmo nome à sua irmã? B - (com expressão de impaciência) Não é do meu pai não, essa neném. Silêncio I - É sua e da mamãe essa neném chamada B? B - É. E eu vou dar banhinho nela, botar roupinha nela... 6 Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay “Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002 c) A teoria de Conrad Stein sobre a inveja do pênis Stein (1967), a partir da observação clínica do pensamento de dar a luz à si mesma, desenvolve um conjunto de idéias sobre o que ele denominou economia da inveja do pênis. Dar luz a si mesma, pareceu a ele ser um compromisso entre a imagem da união com a mãe e a imagem da separação. A inveja do pênis é o derivado não terrorífico do anseio pela mãe. Em outro artigo (1960), descreve um movimento do desenvolvimento sexual feminino, que seria a seguinte sucessão: ser sua mãe, ser o pênis do seu pai, possuir sua mãe. A identificação parcial (comportando a duplicidade de ser e ter o pênis do pai) seria intermediária entre a identificação narcísica e a identificação objetal. O pênis paterno "desejado pela menina- e assimilável à criança que se quer ter e ser, em seu próprio bolo fecal... objeto de cobiça, permanece, conforme a concepção freudiana, um objeto de origem sádico-anal”. A inveja do pênis é o último estágio de uma defesa contra o anseio pela mãe, sendo tributária do desejo de ser e ter sua criança. As concepções de Stein sobre a inveja do pênis e sobre a identificação parcial da menina ao pênis como escape ao anseio terrorífico pela mãe podem ser vistas como apoio aos questionamentos da tese referentes ao desenvolvimento feminino postulado por Freud. A inveja pênis como defesa frente ao anseio pela mãe, serve como apoio à observação do pênis como tributário, ou secundário ao anseio pela mãe. E, mais especificamente permite colocar o desejo pelo bebê anal como primário em relação ao pênis, se constituindo como representação do vínculo e da separação (garantia da individualidade), duplicidade da qual o desejo de um pênis derivaria. Possibilidades que o congresso traz: ouvir psicanalistas O Congresso atual permite continuar investigando, por submeter à apreciação uma hipótese para a qual foi dado o formato de perguntas e averiguar sua presença na clínica, ou suas ressonâncias, de forma que se pudesse avaliar se no processo psíquico puerperal há um ponto de perplexidade que se ilumina pela fantasia de ser o próprio bebê. Esse seria um momento de retorno de um estudo que se orientou pela clínica, mesmo que tenha circulado por relatos não obtidos em uma psicanálise estrita, e a oportunidade de testar na clínica a validade de uma hipótese encontrada. Referências bibliográficas: FREUD, S.(1908c) As teorias sexuais infantis. Em: Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. _____ (1923e) A organização genital infantil. Em: Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. _____ (1924d). A dissolução do complexo de Édipo. Em: Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. _____ (1925j). Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. Em: Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. _____ (1931b). A sexualidade feminina. Em: Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. _____ (1933e). A feminilidade. Em: Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 7 Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay “Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002 MOREIRA, M., T., M. (1993). Ser mãe é padecer, mas não no paraíso. É a ditadura do peito. São Paulo: Brasiliense. SANTOS, M.F.S. (1995). Depressão após o parto: validação da Escala de Edimburgo em puérperas brasilienses. Dissertação de mestrado. Universidade de Brasília. Brasília. _____ (2001) Depressão após o parto .Tese de doutorado. Universidade de Brasília. Brasília. WINNICOTT, D.(1958[1956]/2000). A preocupação materna primária. Em: Da pediatria à psicanálise. Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago. pp. 399-405. STEIN, C. (1960/1997). A castração como negação da feminilidade. Em : A morte de Édipo. Rio de Janeiro: Revinter. ______(1967).Um pensamento absurdo. Em: A morte de Édipo. Rio de Janeiro: Revinter ______(1967). A propósito da interpretação da inveja do pênis. Em: A morte de Édipo. Rio de Janeiro: Revinter. 8