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“Desembarque de Navio Negreiro no
Recife”
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No Recife. — Domingo, 16 de Fevereiro de 1817. —
Desde que estou em Pernambuco tenho visto chegar um grande
numero de navios negreiros da costa d´Africa e de Moçambique.
Postas de parte todas as considerações políticas, este espectáculo
é bem próprio para despertar a curiosidade do Europeu.
As embarcações empregadas neste commercio são de 200
a 400 toneladas; os escravos são amontoados no porão, e,
acorrentados juntos; o alimento consiste em farinha de mandioca
cozida com feijões; como vestuário trazem apenas uma
tanga ; exhalam um fétido nauseabundo, assaz incommodo
para perturbar o repouso das tripolações dos outros navios
fundeados junto delles.
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Os captivos celebram por meio de cantos e de palmas a
entrada do navio no porto; não esperam, portanto, encontrar
em terra um tratamento mais rigoroso do que o que
experimentaram
no seu paiz e á bordo.
Os carregamentos, em geral, se compõem approximadamente
de 1/10 de homens feitos ; 2/10 de mulheres de 18 a 25
annos, e o resto de crianças de ambos os sexos.
Semelhantes carregamentos não apresentam probabilidades
de revolta.
Ha regulamentos que prescrevem o numero de escravos
que os navios, de accordo com a sua tonelagem, podem
transportar
; mas, são illudidos como quasi todas as leis portuguezas.
Vi um pequeno navio, de 150 toneladas, vir da Angola
com 340 escravos.
As embarcações de 200 a 250 toneladas trazem de 400 a
500, mesmo vindo de Moçambique.
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A travessia da costa d´Africa é muito curta; vi-a ser feita
em 13 dias ; nestes casos a mortalidade é quasi nulla.
Um negreiro de Moçambique que perde 10 % do seu
carregamento é considerado como tendo feito uma boa viagem.
Ao chegarem no Recife os negros devem ser depositados
em um logar chamado Santo Amaro, designado pela autoridade
para nelle fazerem quarentena, serem visitados e tratados
pelos médicos; mas, esta sabia disposição é ainda quasi
inteiramente desdenhada.
Os negros são desembarcados, por chalupas, em Santo
Amaro, mas vêm quasi logo depois, por terra, para a cidade.
São expostos á venda nas ruas do Recife diante das casas
dos seus senhores.
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Veem-se ali 400 a 500 juntos, acocorados sobre tábuas;
empestam o bairro todo, tanto quanto repugnam á vista pelas
pústulas e outras moléstias de pelle de que um grande numero
está affectado; estão sortidos nestes mercados por lotes de homens,
mulheres, moleques e molecas.
Todas as manhãs os conduzem ao mar para se banharem.
A' tarde são fechados em armazéns, não com receio de
que se evadam — onde iriam parar estes pobres miseráveis que
não sabem a lingua da terra — mas, com medo de que não sejam
furtados, cousa, dizem, assaz frequente.
Alguns negros da sua nação, já habituados ao Brasil, vêm
conversar com elles; os senhores aprovam este intercurso, que
dá confiança aos recemchegados.
Vi senhores que enviavam a ter com elles um negro folgasão
e jovial para os excitar a cantar e mesmo a dansar.
Já disse que este espectáculo lastimoso raramente apresentava
scenas de dôr ou de desespero.
Estes desgraçados serão insensíveis ou simularão sêl-o?
E' o que não posso penetrar.
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