ARTIGO DE OPINIÃO — “COMBOIOS E TURISMO — UMA RELAÇÃO COM FUTURO?” acarretar para as populações e eventualmente que alguns prejuízos económicos com a possível contribuirá ainda mais para que menos perda de tráfego de mercadorias, o que população aí resida, pelo que se entra no Artigo de opinião — 2006 / 10 / 28 importa é ressalvar os pressupostos que os famoso ciclo de menos procura — menos Autoria: António José Pinheiro estudos transportes — menos procura. Comboios e turismo — Uma relação com futuro? sobre a viabilidade das linhas apresentam. A desresponsabilização exactamente a política dessas ligações ferroviárias é No entanto, o que parece verdadeiramente limitadas interessante considerar é o conceito de Embora perspectivas na construção de estudos, cujos procura. Se de facto nos cingirmos à contrastantes, estas duas políticas confluem resultados na avaliação de certas linhas, desta população local, a existência de certas linhas num ponto essencial comum: a procura do forma, são de fácil antecipação: o seu está seriamente comprometida. No entanto lucro. De facto, sendo o sector ferroviário encerramento o quanto antes. um uso equilibrado do transporte ferroviário futuro português imediato do é um desresponsabilização e caminho-de-ferro misto aposta. de pressupostos errados e de partir fim de O de o tem de considerar um outro grande segmento extremamente dependente do oxigénio que o Estado lhe incute, este último tem de procurar Estudos efectuados sobre estes pressupostos de procura — o turismo. Quando se olha para o diminuir o seu peso, reduzindo as suas serão a sentença de morte dos trajectos na mapa das ligações ferroviárias portuguesas, despesas gerais. Neste sentido, se verifica região de Trás-os-Montes e eventualmente em essencialmente no interior do país, conclui-se que as linhas de elevados custos, ao nível das algumas É sem grande dificuldade ou entendimento da compensações públicas, sejam presa fácil da perfeitamente claro que se for considerado actividade, o grande potencial turístico de tentativa do Estado de emagrecer as suas como mercado potencial destas linhas o todas elas. despesas. conjunto linhas da da Beira população Litoral. existente nas localidades abrangidas por estas, a exploração Com o mesmo diminuto grau de dificuldade, Não estando em causa a avaliação dos custos comercial nunca terá viabilidade económico- qualquer indivíduo identifica a viagem em sociais que estes encerramentos possam financeira. Também é praticamente evidente grande parte dessas linhas, por parte de Pág. 1 ARTIGO DE OPINIÃO — “COMBOIOS E TURISMO — UMA RELAÇÃO COM FUTURO?” turistas, como uma verdadeira “excursão de probabilidades do turista não voltar. Pode-se Nesta óptica, o turismo enfatiza ainda mais as turismo de aventura”, tais as incomodidades de facto equacionar: “Qual o desejo de um características que recheiam cada uma das viagens. Material turista regressar a um local cuja viagem foi ferroviário, sob o ponto de vista dos três “C” — circulante sem condições de conforto, falta de negativa?”. conforto, conveniência e custo, mas em inerentes do transporte Portugal este valor não tem sido aproveitado. facilidades mínimas associadas, degradação das estações e apeadeiros, inexistência de Atendendo aos mercados turísticos que estruturas básicas de atendimento em muitas Portugal tenta atrair e fidelizar, a situação é O encerramento pré-anunciado em 2006 das delas, que mais premente. Países do Norte da Europa, Linhas proporcionam longas esperas, circulação em onde o transporte ferroviário é estruturante eventualmente, parte da Linha do Douro, composições no desenvolvimento territorial e cujo peso tem atribuirá ao automóvel privado o monopólio do humanos pouco formados e preparados para aumentado das transporte para Vila Real, Pocinho, Mirandela responder a solicitações deste tipo de preocupações ambientais por parte dos e outras tantas localidades da região (na utilizador, fazem cidadãos, horários desajustados sobrelotadas, e recursos à luz do crescimento do Tua, Corgo, Tâmega e, do medida em que as expectativas para boas ocorrência, da experiência de visitantes que os comboio como transporte mais limpo, o ligações por autocarro são diminutas). Para as comboios portugueses têm para oferecer. descurar deste meio de transporte é um golpe populações duro na actividade turística nacional. Para abandonarem a região, rumo aos centros A menos que algum estudo demonstre muitos destes potenciais turistas, torna-se urbanos do litoral. Para o turismo pode-se cabalmente o contrário, a convicção é de que contraditório bem considerar, de uma forma mais cómoda, que o a maioria não se sente muito atraída pela preservado em termos ambientais, mas numa uso por parte de turistas e excursionistas situação. Esta situação tem impactos na viagem efectuada por uma estrada que destas linhas é residual, o que se aceita como percepção global de qualidade que o visitante desbravou e destruiu ecossistemas e alterou verdadeiro. Mas sob um ponto de vista mais faz irreversivelmente uma paisagem de cariz abrangente, sabe-se que o uso turístico único. dessas linhas é reduzido por elas não do produto determinada parte, com turístico região e demasiada Portugal com ou elevadas traduzindo-se chegar a no um conceito local será um convite para Pág. 2 ARTIGO DE OPINIÃO — “COMBOIOS E TURISMO — UMA RELAÇÃO COM FUTURO?” Estas linhas serão, felizmente, competitivas fecho de linhas do interior sem rentabilidade, enunciadas e que com o seu encerramento com a filosofia errada por serem analisadas de forma nunca poderá ser explorado o seu grande possibilidade de entradas no pais e circulação isolada em relação ao resto da rede ferroviária potencial. no seu eixo central de população e visitantes e ao potencial mercado turístico que as pode com elevada vantagem em relação à teoria usar. reunirem as condições mínimas atrás o automóvel e avião, criando forma dos três “C”. No entanto, por si só o TGV não mediática, encontra-se o TGV. Vários estudos terá rentabilidade isolado do resto da rede A sugestão que se faz para a reflexão de uma internacionais consideram o comboio de alta ferroviária portuguesa. Aqui se entronca a nova política de transporte ferroviário assenta velocidade como económico para viagens até questão das linhas deficitárias em vias de sobre um processo em três fases: a filosofia, a 350 km, distância a partir da qual o seu custo extinção e a actividade turística. Enormes incorporação e a acção púbico — privada. por passageiro perde competitividade com possibilidades se abrem para turistas que outros meios de transporte. Nesta óptica a chegam via TGV e que encontram linhas de Numa primeira fase é necessário sob o ponto construção de uma rede de TGV em Portugal caminho-de-ferro que os possam levar dos de vista político e técnico compreender qual o deve estar perfeitamente interligada com a grandes centros urbanos para o interior do verdadeiro alcance, ao nível de mercados, rede espanhola e não pode ser uma espécie país e para os visitantes chegados via aérea causas e consequências de uma linha de de comboio suburbano que pára em todas as com ligações directas do aeroporto para caminho-de-ferro e aceitar o turismo, não estações e apeadeiros. Razoável e equilibrada interfaces de caminho-de-ferro. como tábua de salvação, mas como um Quanto à aposta, assumida de prioritário contribuinte para a viabilidade da será uma rede que ligue obrigatoriamente Porto e Lisboa e com uma ligação directa de E é nesta óptica que se acredita existir o grave mesma. Entendendo o serviço turístico como cada uma destas duas cidades a Espanha problema transporte segmento essencial da procura é possível (Porto — Vigo e Lisboa — Madrid). Todas as ferroviária portuguesa: aposta no TGV, sem chegar a novas conclusões no sentido de ligações para além destas correm o risco de dúvida essencial para o país e especificamente viabilidade de linhas, fazendo do comboio o serem desnecessárias e deficitárias. para o turismo, e desresponsabilização com o meio de transporte colectivo preferencial para da política de Pág. 3 ARTIGO DE OPINIÃO — “COMBOIOS E TURISMO — UMA RELAÇÃO COM FUTURO?” a circulação de visitantes e população em operam o transporte ferroviário sejam as mais para cada caso e evitar situações como as território nacional. apropriadas para explorar toda a rede com que hoje se verificam. A título exemplificativo e uma nova noção do mercado potencial para aguçar a vontade de reflectir sobre este A segunda fase é a criação de uma verdadeira ferroviário. É assim essencial que sejam assunto “cultura do comboio”. Trata-se de desenvolver eliminadas barreiras que impeçam a entrada referência: as ecovias. Em Portugal, foi na sociedade portuguesa um sentimento de de investidores privados nos transportes inaugurada a primeira ecovia em 1996, após maior união em torno do transporte ferroviário ferroviários. 10 anos, os quilómetros de linha-férrea parece importante fazer uma adaptados a este uso não chegam aos 100, como fiável, amigo do ambiente e económico. Formar as gerações para o uso do comboio Uma acção conjugada permitirá que uma linha fruto do esforço e iniciativa de algumas como peça fundamental do desenvolvimento possa ter várias valências desenvolvidas por autarquias. Em Espanha, o governo lançou um económico nacional será fundamental para diversas entidades: existência de um serviço programa destinado a criar uma rede de evitar as forças de bloqueio de certos grupos essencialmente as ecovias, na lógica de que a administração de interesse, que são muito responsáveis pelo populações locais (com um percurso menor central financia as obras e os municípios a sua estado com mais paragens), um serviço de vocação manutenção e gestão, atingindo actualmente mista (população + visitantes), um serviço 1000 quilómetros executados… actual do transporte ferroviário português. vocacionado para exclusivamente turístico (percursos ao nível de Numa terceira fase, verdadeiramente prática, circuitos é mercadorias. necessária uma abertura do sector turísticos) e um serviço de ferroviário ao sector privado. É extremamente Assim sendo, e para que no ano de 2156 a rede ferroviária portuguesa não seja só intralitoral e internacional, espera-se que a difícil para uma só organização gerir tão Estudos individualizados, mas sistémicos, para importância da relação turismo — transporte multifacetada panóplia de linhas e mercados. cada linha, juntando à apetência do mercado ferroviário seja cada vez mais compreendida, Também, não se acredita que a actual livre e ao incentivo a uma escala do governo incentivada e desenvolvida. organização de entidades que regulam e central vão permitir encontrar o melhor uso Pág. 4