SALA 02 GRUPO TEMÁTICO: PESQUISAS E PRÁTICAS EDUCATIVAS Alfabetizador x Alfabetizando: Uma relação de Alteridade Profa. Ms. Sônia Ap. Siquelli Monaco Chefe Depto Pedagogia FaFEM Faculdades da Fundação de Ensino de Mococa-FaFEM Coord. Pedagógica do Projeto Nacional ALFASOL ALFABETIZADOR X ALFABETIZANDO: UMA RELAÇÃO DE ALTERIDADE Sônia Ap. Siquelli Monaco1 Neste artigo discutiremos a relação alfabetizador-alfabetizando sobre a questão de como ambos devem agir na relação com seu semelhante. Reconhecemos que há problemas difíceis de resolver, a nossa opinião reluta em aceitar o diagnóstico do senso comum de que a sociedade brasileira estaria passando por uma crise de valores. Preferimos a posição mais suave de que “um mal-estar ético perpassa a sociedade brasileira”. Sucintamente, passaremos em revista a alguns valores éticos, todos perceptíveis do ponto de vista individual e não social, portanto valores psicológicos anti-sociais. Todos se resumem no egoísmo, que teria na violência sua principal conseqüência prática. Os valores, alguns deles, que a educação de jovens e adultos deveria se preocupar em construir juntamente com seus pares poderiam ser: 1) Promover a igualdade: fazer com que cada pessoa, jovem ou adulto, desenvolva o senso da justiça baseado na igualdade entre os homens; do conceito de justiça decorre o de igualdade, que deve ser pensado pelo de eqüidade; 2) Promover o interesse pelo o outro: fazer com que as ações de cada um sejam movidas pelo sentimento de solidariedade; que implica a ajuda desinteressada a alguém. Promovendo assim a alteridade (de alter, latim, outro), que ao longo da História da Filosofia, recebeu diferentes sentidos: ser outro, ser do outro, atitude para com o outro, problema do próximo, existência do próximo, realidade dos outros, encontro com o outro, reconhecimento do outro. Como elemento constitutivo das relações humanas estabelecidas entre alfabetizador-alfabetizando, a percepção da alteridade contribui para a postura ética devido toda conduta e toda reflexão fundamentar-se no valor e na dignidade doutra 1 Mestre em Educação pela PUCCAMP. Professora, Coordenadora Pedagógica do Projeto Nacional ALFASOL e Chefe do Depto de Pedagogia das Faculdades da Fundação de Ensino de MococaFaFEM. Professora da Universidade Presidente Antonio Carlos-UNIPAC/Monte Santo de Minas-MG. pessoa, do alter, no qual o sujeito se projeta e se espelha como pessoa, procurando fazer o melhor como se fosse para si mesmo. Pelo fato de a pessoa ser abertura ou intersubjetividade é que se pode afirmar ser ela, também, alteridade, SCHUTZ (1979:160) coloca que: “A fala do outro e a nossa escuta são vivenciadas em simultaneidade do presente vivido” e, o fato de eu poder captar a corrente de pensamento do outro, sua subjetividade enquanto não posso captar o meu próprio eu, a não ser por meio de reflexão, faz-no acreditar ser a reflexão sobre a postura ética do educador captada sobre o conhecimento tido do outro, que sabe mais de mim do que cada um de nós sabe sobre a sua própria corrente de consciência. 3) Promover a eqüidade entre as pessoas: fazer com que as diferenças entre pessoas (relacionadas a idade, sexo, raça etc.) possam ser aceitas e respeitadas em nome da dignidade inerente à pessoa humana, um imperativo da sociedade democrática. Nas relações humanas existentes dentro da educação de jovens e adultos, estabelece-se um ambiente de comunicação comum, ou seja, na medida em que cada um vivencia os pensamentos e atos do outro no presente vivido, esse presente, comum a ambos, é o campo puro do “nós”, há uma simultaneidade vivida do nós, enquanto o “eu” só aparece após o retorno reflexivo. Essa visão do campo do 'nós' existente nas relações humanas, segundo SCHUTZ, permeia a reflexão compreensivista acerca da outra pessoa. Compreender outra pessoa, muitas vezes, significa atos intencionais, ou experiências subjetivas, ou seja, é necessário compreender a realidade atual da Ética na capacitação do alfabetizador, enquanto uma experiência vivida por seres humanos que se relacionam, que se descobrem ao explicar suas próprias experiências. Considerar a importância do outro, o seu movimento em relação ao 'eu' de cada um, a existência de um campo comum do 'nós' para uma reflexão acerca da sua postura ética frente as relações humanas dentro da formação dos educadores, pode se tornar uma das vias de promoção deste fenômeno. 4) Promover o diálogo: fazer com que os conflitos e as divergências possam ser resolvidos e superados pelo diálogo. Numa sociedade democrática, o diálogo é a forma por excelência de superar conflitos, é a comunicação entre as pessoas. As relações humanas dentro da educação de jovens e adultos implicam ações sociais e envolvem comunicação. O alfabetizador, na sua capacitação, é um comunicador que vivencia o processo de comunicação em curso, como ‘trabalhar no seu presente vivido’. Eleger o diálogo como fonte primeira de comunicação nas relações e posturas éticas dentro da educação de jovens e adultos parece ser uma atitude acertada dentro de uma realidade adversa quanto a possíveis soluções para seus problemas sociais. O alfabetizador, na sua capacitação, vive conflitos acerca de posturas a serem tomadas, porque advém de um contexto tumultuado de desemprego, violência, falta de moradia, alimentação, saúde e educação. Instaurar o diálogo nessas relações conflituosas para uma possível compreensão de uma reflexão ética que vivencie todo este contexto conflituoso, possibilitará que não avance em atitudes que promovam a degeneração do ser humano enquanto “ser” e “ser do outro”. O processo comunicativo – o diálogo – promove o pensamento e a reflexão sobre posturas éticas a serem tomadas. As competências necessárias que devem ser desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos das IES no curso de capacitação inicial dos alfabetizadores devem se pautar na postura ética, uma das áreas mais complexas da educação, porque envolve pelo menos três aspectos distintos: A) Aspecto Cognitivo: refletir sobre o ‘saber’ o que é eticamente certo, o que é eticamente errado, e o que é eticamente neutro; B) Aspecto Conotativo: refletir sobre o ‘desejar’ fazer o eticamente certo e não fazer o eticamente errado, a postura ética de responsabilidade já abordada anteriormente; C) Aspecto Ativo: refletir sobre o ‘fazer’ o eticamente certo e não fazer o eticamente errado. Que cada um desses aspectos seja, se possível, condição necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento ético do alfabetizador na sua capacitação, nos parece claro, embora questionável. A postura ética humana não é ética quando é realizada sem que a pessoa saiba que ela é eticamente certa, e sem que tenha desejado realizá-la. Uma atitude realizada ‘sem querer’ (se é que faz sentido falar de atitude neste caso) não é uma atitude ética. Tampouco o é uma atitude ética na prática, ainda que desejada, em relação a qual a pessoa não consegue perceber suas implicações éticas e a importância, no plano ético, de estar agindo desta forma, e não de outra. Por isso, acreditamos que cada aspecto é um pré-requisito do seguinte. Para a promoção da educação para alteridade é necessário que os três aspectos aqui mencionados estejam presentes – os três, juntos, poderiam ser condição suficiente da atitude ética. Quando se fala em atitude ética responsável, os três aspectos precisam estar envolvidos. Não é difícil imaginar o que seria a instrução ética, que atuaria no aspecto cognitivo (plano do conhecimento). Mais importante, porém, do que saber, em relação a cada atitude, se é eticamente certo ou errada, ou então neutra, é ter princípios básicos que, em relação a qualquer atitude possível, nos permita determinar, com razoável confiança, se aquela ação é eticamente correta ou incorreta (ou neutra). Quando lidamos com princípios básicos, porém, entramos na área da filosofia. Se nenhuma outra razão houvesse para que a filosofia estivesse presente no currículo escolar, só esta bastaria. No aspecto conotativo (vontade) passamos a lidar com um componente que é ativado muito mais pelas emoções (nosso lado afetivo) do que pelas cognições. Fosse o ser humano um ser puramente racional, não afetado pelas ‘paixões’ , bastaria saber que um ‘agir’ é eticamente certo para que ele desejasse realizá -lo, e bastaria saber que um ‘agir’ é eticamente errado para que ele desejasse evitá -lo. O ser humano não é puramente racional. Por isso, depois de estar convencido, no plano cognitivo, de que uma atitude é eticamente correta: ele precisa, de certo modo, ser capaz de regimentar suas emoções para que venha a desejar realizá-lo. Como se faz isso? Poderíamos abordar dentro das capacitações pedagógicas uma reflexão acerca da competência ligada a uma dimensão política e técnica, optarmos por uma análise calcada na competência fundamentada na intersubjetividade existente no mundo da vida cotidiana da cada pessoa, que não é privado, é um mundo intersubjetivo compartilhado com seus semelhantes, vivenciado e interpretado por outras, é um mundo comum a todos, portanto, dentro desta visão, a ética parte do pressuposto dos semelhantes, da relação existente entre o “eu” diári o de cada um com a apresentação do outro. Na afirmação de SCHUTZ (1979:160): “Agindo sobre os outros e sendo afetados por eles, conheço esse relacionamento mútuo e esse relacionamento implica que eles, os outros, vivenciam o mundo comum, essencialmente, de um modo semelhante ao meu”. As pessoas se encontram em um mundo historicamente dado, existiu antes e vai continuar a existir, a capacitação ética do alfabetizador, portanto, deve ser discutida nos propósitos contratuais em consonância com sua realidade. Na atitude prática é que, às vezes, as ações se complicam. Um bom exemplo disso nos dá CHAVES (1999:12): “Já São Paulo dizia: “o bem que eu quero, este eu não faço, e o mal que eu não quero, este eu faço”. O problema de São Paulo não era nem no aspecto cognitivo nem no conotativo: ele queria fazer o bem e evitar o mal – mas, a julgar pela sua confissão, não conseguia. O fumante sabe que o fumo faz mal à saúde, quer parar de fumar, mas não consegue. O viciado em drogas sabe que as drogas o vão destruir, quer evitá-las, mas não consegue”. Como é que a educação ética pode atuar nesse aspecto da capacitação do alfabetizador? Uma vez mais aqui o papel da convivência é essencial, o lugar do ‘outro’, o campo gerado por essa vivência permeado pelo diálogo, às rela ções humanas tendem a valorizar a intersubjetividade ética. Educar para alteridade é uma das possibilidades de conhecermos melhor a relação alfabetizador-alfabetizando seus limites e avanços na promoção de uma sociedade mais justa, mais humana e mais cidadã. BIBLIOGRAFIA CHAVES, E. O .C. Educação, Temas Transversais – E Tecnologia? 3 UNCCaçador.FINAL doc . Campinas: p1-12.1999. SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia e Relações Sociais. RJ. Zahar Editora.1979 .