JUSTIÇA COM A DIFERENÇA PARA PENSAR
A INCLUSÃO ESCOLAR
Pedro Savi Neto1 - PUCRS
Grupo de Trabalho - Diversidade e Inclusão
Agência Financiadora: CNPq
Resumo
O objetivo do presente trabalho é de promover uma reflexão crítico-filosófica sobre a
chamada inclusão escolar a partir de um conceito de justiça fundado no dever de memória.
Defenderemos que falar em inclusão escolar é pensar eticamente em justiça. Mais do que em
postos de trabalho, mais do que em mera inclusão social, pensa-se em justiça. Contudo, para
além da leitura jurídica do termo, de uma leitura produzida com base na ciência positivista do
direito orientada por critérios econômicos, a justiça entendida enquanto categoria
fundamental, condição para todo o pensamento. A justiça nascida da tensão da realidade
quando se encontram dois seres diferentes que necessitam responder um ao outro, resgatada
pelo testemunho de memória de quem viveu a diferença e foi visceralmente afetado por ela.
Para tanto, será realizada uma análise da instituição escolar enquanto parte de uma sociedade
econômica preocupada com a preparação para o mercado de trabalho e responsável pela
fabricação de diferenças artificiais e as repercussões disso para se pensar o que se denomina
de inclusão escolar. Como contraponto crítico-reflexivo pensaremos o dever de memória,
enquanto imperativo ético para que se mire adequadamente a alteridade, enquanto diferença
real, a partir experiência concreta do sofrimento, visando a defender a manutenção da
diversidade enquanto elemento educacional indispensável. Trata-se de pensar a inclusão
escolar a partir da imbricação radical entre justiça e memória, presente em Theodor Adorno,
Walter Benjamin, mais atualmente, em Reyes Mate, que nasce do esforço ético-filosófico para
que o pensar nasça do sofrimento daqueles inocentes que foram (injustamente) sacrificados
em nome de um suposto projeto de progresso da humanidade, daqueles que sofreram em
nome de qualquer ideia de normalidade e da forçada integração a algum padrão.
Palavras-chave: Justiça. Dever de memória. Diferença; Inclusão escolar.
1Doutorando em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS,
em estágio no Instituto de Filosofia do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC), Madri, Espanha,
com bolsa SWE, CNPq. E-mail: [email protected].
ISSN 2176-1396
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Introdução
Mais do que exigência fundamental para a educação, o encontro com a diferença está
na gênese do pensar. O pensar nasce justamente da percepção da realidade que é diferente de
mim, pois se tudo fosse o mesmo, não haveria espaço para o pensamento.
O pensamento ocidental se estrutura, desde os seus primórdios, em torno à questão
da diferença. É em torno a este núcleo referencial que os grandes problemas
clássicos da filosofia se articulam e amadurecem enquanto, exatamente, problemas
fundamentais: particular versus universal, necessário versus contingente, finito
versus infinito, sensível versus racional, alma versus corpo - as dualidades opostas
são infindas e remetem, em última análise, sempre ao mesmo problema anterior que
as gera: à questão da não-unidade - da diferença - da realidade com relação a si
mesma. Houvesse tudo em tudo, e o resultado seria a onisciência e a
dispensabilidade do pensar; mas é porque há desvãos na estrutura do real (seja esta
qual for, porque a concepção de realidade se estrutura justamente em torno a estes
desencontros) que o pensamento se gera, e se gera como urgência, urgência de
índole cognoscente-classificatória (SOUZA, 2012).
Em última (ou, melhor, em primeira e basilar) análise, o fundamento para o pensar e
para o processo educacional é o encontro com aquilo que não sou eu, com o diferente, com a
diferença. Disso decorrem, ao menos, duas questões: como pensar o processo de perceber
eticamente a diferença e como pensar a educação do indivíduo para que ele compreenda que
essa diferença é fundamental para a constituição da relação educacional e, nessa medida, deve
ser preservada.
O objetivo do presente artigo é de promover uma reflexão crítico-filosófica sobre o
conceito de inclusão escolar a partir de um conceito de justiça fundado no dever de memória.
Para tanto, será realizada uma análise da instituição escolar enquanto parte de uma sociedade
econômica preocupada com a preparação para o mercado de trabalho e responsável pela
fabricação de diferenças artificiais e as repercussões disso para se pensar o instituto da
inclusão escolar. Como contraponto crítico-reflexivo pensaremos o dever de memória,
enquanto imperativo ético para que se mire adequadamente a diferença real, a partir
experiência concreta do sofrimento, visando a defender a manutenção da diversidade
enquanto elemento educacional indispensável.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa teórica em andamento conduzida a partir de uma releitura da
teoria crítica da Escola de Frankfurt, com ênfase no pensamento de Theodor Adorno e em seu
conceito de sociedade administrada, e no seu relacionamento filosófico com a teoria da
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injustiça desenvolvida pelo filósofo espanhol Reyes Mate para, a partir do seu imperativo
ético de dever de memória, tensionar a inclusão escolar entre preparação para o mercado de
trabalho e autêntica formação humana preocupada com a alteridade.
Resultados e Discussão
Alteridade, escolarização e mercado de trabalho
Pensar sobre inclusão escolar nos obriga a refletir sobre que tipo de sociedade temos,
sobre qual modelo de escola essa sociedade construiu para, só então, compreendermos o
referido instituto. A sociedade na qual nasce e se insere a escola contemporânea, a escola que
(se) obriga por força de lei a ser inclusiva é fundada nos interesses da burguesia que
inaugurou o Estado Moderno e que tem como elemento legitimador a ciência. O processo
contínuo de racionalização científica que permanece em marcha até hoje classifica as ações
humanas como racionalmente defensáveis na medida da sua mensurabilidade; classifica as
ações com base na pretensão de dominação dos meios necessários para uma maior
previsibilidade de consecução dos fins, mediante uma relação de custo-benefício.
Essa lógica de mercado da sociedade administrada que cria e determina o sistema
escolar, passa a ser reproduzida para todos os indivíduos que frequentam um ambiente
educacional formal, caracterizando um claro movimento de retroalimentação da razão
vigente. A escola repete os padrões sociais baseados na competição, inerente ao mercado,
transformando a educação em produto mensurável.
O movimento de planificação das diferenças não cessa, fazendo-se cada vez mais
abrangente em todos os segmentos sociais. Nada pode ficar de fora dessa lógica, nada pode
escapar ao seu controle. Nessa medida, o próprio termo inclusão inspira cuidados de
interpretação e aplicação, pois pressupõe o estabelecimento de critérios de normalidade, de
interioridade e de exterioridade. Tal cuidado é facilmente defensável, pois, ao longo da
história, práticas entendidas como inclusivas mostraram seu caráter altamente excludente,
como as iniciativas inclusivas que defendiam turmas especiais, merecendo, assim, todo o
nosso cuidado e esforço argumentativo.
A etimologia dos termos incluir e excluir remetem a uma noção espacial; uma relação
de dentro-fora, centro-periferia. Esses termos, por sua vez, remetem ao conceito de
marginalidade, originado no excesso de mão de obra que acabava ocupando as periferias das
primeiras cidades industriais. Nessa linha, são marginais, exteriores, aqueles que não se
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incluem na classe dominante e, que por isso, poderiam ser objeto de inclusão. Entendendo
isso, podemos afirmar que a exclusão nasce do próprio sistema que a define, ou seja, nessa
lógica, não interessa a diferença ontológica radical (alteridade); interessa a diferença criada
pelo próprio sistema. Tensionando um pouco mais o afirmado, a necessidade de inclusão é
criada socialmente (legalmente). Assim, a figura do excluído é criada e, nessa medida, existe
a responsabilidade da sociedade que a cria. O que nos permite, ainda, afirmar que aquele que
supostamente precisa ser incluído, em verdade, já faz parte da sociedade, mas como um
elemento que não se adequa ao perfil de sujeito econômico desejado. O que nos leva a
concluir que a alteridade constituinte de toda a realidade adquire, dentro dessa lógica, um
significado construído socialmente por aqueles que ditam o que é normal, produzindo
socialmente exclusão/inclusão.
Dentro da discussão inclusiva, pode-se pensar que os alunos que não têm bom
desempenho acadêmico podem estar, pelos critérios acadêmicos, à margem do
sistema, mas estão nele – a margem faz parte do rio, no que o delimita; já os alunos
com deficiência intelectual, quando são avaliados por critérios distintos dos demais,
são segregados (o que não significa que a avaliação não possa ser adaptada para um
grau de dificuldade mais adequado). Da perspectiva da inclusão, é melhor ser
marginalizado, ainda que nem de longe isso signifique inclusão (CROCHÍK, 2011,
p. 39).
A perniciosidade disso reside no fato de que a ninguém é facultado o direito de não ser
incluído. Brasil, Portugal, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Finlândia, entre tantos outros
países, obrigam legalmente os pais a matricularem os seus filhos na escola. Tal
obrigatoriedade demanda especial atenção, pois, embora os ideais de nossa escolarização
ocidental tenham sido construídos a partir da Revolução Francesa, a referida obrigatoriedade
(por força de lei) de frequência ao espaço escolar é herança do modelo prussiano, desde 1717,
como uma iniciativa pietista de uma educação religiosa a partir do contato direto com a leitura
da bíblia (ROTHBARD, 1999). Em nossa linha de análise, é importante atentar para o
conjunto de leis coercitivas que fazem parte de um projeto político de escolarização
obrigatória, para além do superficial (mas importante) direito de todos frequentarem a escola.
Justamente nessa medida que nasce a obrigatoriedade da escolarização na Prússia: como uma
iniciativa do Estado para manter um senso de unidade em torno de seus interesses políticos,
podendo, para tanto, punir os pais que se recusassem a cumprir com o seu dever de
matricularem seus filhos na escola.
Para além dos inegáveis benefícios sociais da escolarização, é necessário termos em
conta, para que continuemos avançando na construção de uma sociedade justa e democrática,
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a inclusão não pode ser imposta coercitivamente sem o devido respeito à alteridade, enquanto
diferença natural. Simplesmente obrigar a escolarização e não respeitar a diferença real não
aumenta a inclusão, mas, sim, a exclusão, na medida em que a capacidade escolar é medida a
partir de uma única forma de habilidade econômica. Impor aos diferentes que sejam avaliados
a partir da mesma lógica, que apresentem o mesmo rendimento daqueles que são considerados
normais, é fadá-los à estigmatização, ao preconceito, ou, valendo-se da linguagem
contemporânea, ao bullying.
Não há como falar em inclusão na escola se não há banheiros adaptados para
cadeirantes, ou se há obstáculos que impeçam alguém que tenha deficiência visual
de se locomover. Dá para se pensar no grau de humilhação que sofre aquele que tem
de ser carregado por colegas pelas escadas em lugares que não haja elevadores ou
rampas; ou daquele que depende de outros para poder caminhar seguramente, como
pode ser o caso de algumas pessoas com deficiência visual. Igualmente pode-se
imaginar o sofrimento de quem, por ter deficiência auditiva, não consegue entender
o que o professor diz por meio de leitura labial, uma vez que esse, quando escreve
na lousa, dá as costas aos alunos (CROCHÍK, 2011, pp. 36-37).
Tal processo é abrangente e amplo. O estudante que não consegue aprender passa a ser
visto pelo colegas com ressalvas. A mesma relação tende a se estabelecer entre o professor e
os estudantes que precisam ser incluídos, na medida em que esses representam uma ameaça
ao andamento da matéria e à tranquilidade da sala de aula. Estigmatização que ultrapassa os
limites da sala de aula, uma vez que os pais das crianças consideradas normais (aptas ao
trabalho) veem no diferente um elemento de atraso no andamento das atividades educacionais
regulares, prejudicando os seus filhos na sua preparação para o mercado de trabalho.
A preocupação com a relação custo-benefício permeia, inclusive, a Declaração de
Salamanca, documento de referência da Organização das Nações Unidas para a Educação
(UNESCO) em termos de necessidades educativas especiais:
Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais
eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras,
construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso,
tais escolas proveem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a
eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional
(UNESCO, 1994).
Por detrás do discurso humanitário engajado escapam palavras extremamente
reveladoras das verdadeiras questões fundamentais: “maioria”, “eficiência”, “custo” e
“eficácia”. Ou seja, o próprio documento de referência da Unesco assume uma linguagem
mercadológica, defendendo uma avaliação de eficiência e, consequentemente, de custobenefício de todo o sistema educacional. O encontro com a diferença real, que dá o que
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pensar, elemento fundamental à relação educacional, cede lugar ao encontro com a diferença
socialmente produzida.
Nesse contexto social artificial, regido por critérios econômicos de custo-benefício, a
sensibilidade para perceber eticamente a diferença é sufocada; o encontro não se dá com a
diferença real, mas, sim, com a diferença socialmente produzida. No campo de batalha
competitivo regido pelas leis de mercado, a tentativa da chamada inclusão escolar ocorre
permeada pela “indiferença contra a dor em geral” (ADORNO, 1993, p. 227) enquanto
característica da sociedade administrada por interesses econômicos.
Dever de memória, alteridade e justiça
Trata-se, então, de deixar falar a dor sufocada pela competição da sociedade de
mercado na busca pela formação do sujeito econômico. Em verdade, falar em inclusão escolar
é pensar eticamente em justiça. Mais do que em postos de trabalho, mais do que em mera
inclusão social, pensa-se em justiça. Contudo, para além da leitura jurídica do termo, de uma
leitura produzida com base na ciência positivista orientada por critérios econômicos, a justiça
entendida enquanto categoria fundamental, condição para todo o pensamento. A justiça
nascida da tensão da realidade quando se encontram dois seres diferentes que necessitam
responder um ao outro, resgatada pelo testemunho de memória de quem viveu a diferença e
foi visceralmente afetado por ela.
A imbricação radical entre justiça e memória, presente em Theodor Adorno, Walter
Benjamin, mais atualmente, em Reyes Mate, nasce do esforço ético-filosófico para que o
pensar nasça do sofrimento daqueles inocentes que foram (injustamente) sacrificados em
nome de um suposto projeto de progresso da humanidade, daqueles que sofreram em nome de
qualquer ideia de normalidade e da forçada integração a referido padrão.
A memória é justiça.... Este termo é para a filosofia uma categoria rigorosa que tem
pouco a ver com o uso coloquial do termo ou o que entendem por ele os
historiadores. Não é um mero sentimento (evocação emocional do passado), ou um
mero conhecimento (a informação fornecida por um testemunho), mas um
imperativo categórico, que combina experiência e conhecimento (MATE, 2011, p.
477, tradução nossa).
Trata-se de pensar a relação educacional (inclusive aquela que se convencionou
chamar de inclusiva) a partir de todos aqueles que sofreram por conta de tudo o que envolve
incluir; para, inclusive, pensar se é justificável a defesa forçada de inclusão, para pensar nos
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limites que existem para a inclusão. Um objetivo além do in-cluir; o con-viver, pensado a
partir da experiência de sujeitos de carne e osso.
O recordar do horror obriga a traduzir grandes lugares filosóficos, tais como o amor
espiritual ou amor intelectual, em termos de ódio ao mal, ao falso, ao sofrimento, à
injustiça. Adorno coloca no meio de sua filosofia o sofrimento de sorte que não se
poderão visitar os grandes lugares filosóficos sem fixar-se na importância que neles
se concede ao significado do sofrimento (MATE, 2005, p. 127).
Nesse sentido, a aproximação à diferença a partir de um conceito de inclusão
produzido socialmente, fundado em uma visão cientificista de um sujeito econômico, deve
ceder o necessário espaço para que se estabeleça diálogo com a percepção sensível da
diferença por parte daqueles que foram imperativamente instados pela vida a (con)viverem
com a diferença. Os escritos acadêmicos verticalizados pela experiência de vida do Professor
Pedro Pagni ilustram o argumento:
Este é o ponto de vista que gostaria de assumir neste artigo, delimitando essa
temática ampla a um uso específico do pensamento foucaultiano não em sentido
performativo ou, se preferirem, retórico, mas no de alguém que, na sua condição de
intelectual e como pai de uma criança com síndrome de Down, ocupa um lugar
específico na dispersão sobre o discurso de inclusão e de emergência das práticas
inclusivas que se legitimam na escola (PAGNI, 2015, p. 89).
As experiências subjetivas marcadas pela vivência real com a questão permitem aos
especialistas da área buscarem um dimensionamento mais adequado do esforço da técnica e
dos seus limites. Só quem experimenta a dor, o sofrimento, tem a legitimidade para tentar
resgatar o irresgatável, mas que justamente por ser irresgatável merece todo o esforço para ser
buscado e colocado como pedra basilar do pensamento sobre a questão: “A memória se
encarrega de pensar o impensável para o conhecimento, mas que, ao ter acontecido, dá o que
pensar. Estamos no epicentro do conceito de memória" (MATE, 2011, p. 473, tradução
nossa). A experiência carregada de sentimentos de um pai que ama seu filho,
independentemente de qualquer necessidade de inclusão, mas da necessidade viver com ele e
disfrutar toda a riqueza da experiência da diferença:
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Em grande medida, isso ocorre porque esses discursos sobre a inclusão não querem
olhar para esse outro, para a sua deficiência e para a sua diferença, no sentido de
aceitá-lo como é: uma diferença que se repete, mas não é igual em cada ser que se
manifesta. Tampouco as chamadas práticas inclusivas se dispõem a acolher essa
diferença – a da deficiência ou da disfunção produzida em outrem por um acidente
genético ou de outra ordem – como um acontecimento que, diante de um encontro
imprevisto, obrigaria o sujeito que as empreende a se deslocar, a se modificar e a
produzir outro olhar não somente sobre esse outro, como também sobre si mesmo. A
abertura necessária a esse encontro, a espera paciente pelo acontecimento por ele
suscitado e a disposição de se voltar sobre si a partir do que se passa nessa afecção
estariam relacionadas às atitudes desses sujeitos diante da vida, aos seus modos de
se conduzir no mundo e às experiências responsáveis pela sua formação que, em
virtude de sua singularidade e multiplicidade, ultrapassam a educação escolar, o
preparo e a qualificação profissional (PAGNI, 2015, p. 99).
Nessa linha de argumentação, falar em educação inclusiva requer o cuidado de manter
a diferença real viva e presente enquanto oxigênio para a relação educacional. Incluir não
pode representar privar da diferença, da alteridade, pois seria o mesmo que privar da
possibilidade falar-se em relação educacional. Falar em educação inclusiva nos intima
eticamente ao cuidado de compreender que a diferença radical é a marca de tudo que vive.
Nesse sentido, a busca por normalidade que habita em cada avaliação escolar, em cada
pequena tentativa de enquadrar a diferença real em categorias que sirvam a critérios de
“custo-benefício”, se afigura como perpetuação da violência histórica cometida contra as mais
diversas diferenças.
Conclusões
O nosso argumento é de pensar a justiça inseparável do dever de memória enquanto
elemento fundante da chamada inclusão, mirando um momento posterior para além da
inclusão, um estágio de convivência, tendo sempre presente o tratamento histórico dispensado
contra as pessoas que, por conta de sua diferença, sofreram, alternando momentos de
execução sumária, de severo isolamento, de “isolamento-terapêutico” justificado por uma
violenta tentativa de integração, para que não caiamos nas armadilhas de defender qualquer
prática que perpetue, mesmo que de maneira sofisticada, a exclusão. Pois, retomando a ideia
defendida no início deste texto, é justamente na diferença que reside a possibilidade do pensar
e, por consequência, de falar-se em educação. Indo mais além, é na diferença que reside a
possibilidade de vida. Na diferença que existe entre cada instante que se sucede é que reside o
sopro de vida. A diferença é elemento constitutivo fundamental da vida. E o que seria a
educação senão o comprometimento com a vida?
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REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor. Minima Moralia. São Paulo: Ática, 1993.
CROCHÍK, José L. Preconceito e inclusão. WebMosaica: Revista do Instituto Cultural
Judaíco Marc Chagall, v. 3, pp. 32-42, 2011.
MATE, Reyes. Memórias de Auschwitz. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2005.
______. Tratado de la injusticia. Revista de Filosofía Moral y Política, n. 45(2), pp 445-487,
2011.
PAGNI, Pedro. Diferença, subjetivação e educação: um olhar outro sobre a inclusão escolar.
Pro-posições, v. 26(1), pp. 87-103, 2015.
ROTHBARD, M. Education: free and compulsory. Auburn: Ludwig von Mises Institute,
1999.
SOUZA, Ricardo Timm de. A ética da alteridade de E. Levinas. Disponível em
<http://timmsouza.blogspot.com.es/2012/09/a-etica-da-alteridade-de-e-levinas.html>. Acesso
em 22 de Julho, 2015.
UNESCO. Declaração de Salamanca. Disponível em
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em 23 de julho, 2015.
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justiça com a diferença para pensar a inclusão escolar