A RELAÇÃO ENTRE CONSUMIDOR E PROFISSIONAL DE
SAÚDE COMO UMA RELAÇÃO DE CONSUMO
Shandra Carmen Sales de Aguiar1
Sílvia Maria Nóbrega-Therrien2
RESUMO
Este estudo se propõe a criar uma estrutura teórica que traga subsídios às reflexões
sobre a relação consumidor e profissional de saúde como uma relação de consumo. Essa
estrutura de considerações se inicia com uma constatação da existência do direito à
saúde, posteriormente aborda a saúde no Código de Defesa do Consumidor e finalmente
mostra como o consumidor pode exigir o exercício desse direito. No Brasil, a saúde é
considerada um serviço de caráter público e o Código de Defesa do Consumidor (CDC)
Lei 8078 de 11 de setembro de 1990, também se une a todas as outras legislações para
em seu Art. 6, enumerar os Direitos Básicos do Consumidor, e entre eles assegurar, o
direito à informação e o acesso à educação do Consumidor, e ainda no inciso X a
adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral, assegurando assim, nesse
inciso, os direitos do usuário quando da utilização de um serviço de saúde. Dentre os
seus objetivos o CDC destaca a preocupação pelo resgate da cidadania de milhões de
consumidores brasileiros, ao estabelecer que todos têm direito à proteção e promoção na
relação de consumo. Todavia é sabido que a grande maioria da população desconhece
os direitos e deveres constantes na Lei acima referida. Sabemos, no entanto, que embora
o país já disponha de uma moderna legislação sobre a defesa do consumidor, sua
efetivação só ocorrerá realmente se for complementada através da educação do
consumidor, aliado ao fornecimento de informações a respeito de produtos e serviços,
principalmente os oferecidos e/ou prestados pelos serviços de saúde. Na relação dessa
prestação de serviço que se estabelece entre profissionais de saúde e usuário, há toda
uma legislação que ampara esse consumidor paciente³. Nessa relação o consumidor é
quem deve tomar as decisões sobre sua própria saúde, em princípio. Entretanto, nos
casos de conflito de decisões, o profissional de saúde deve assumir a responsabilidade
de esclarecer o máximo possível seu paciente sobre as conseqüências das decisões em
1
Economista Domestica.Mestre em Saúde Pública. Coordenadora do Núcleo de Educação do
Consumidor e Administração Familiar do Departamento de Economia Domestica da Universidade
Federal do Ceará.
2
Enfermeira. Doutora em Educação. Professora da Universidade Estadual do Ceará.
pauta. O ideal, nestas situações, seria, então, o que nos sugere França (1994, p. 62), "um
acordo eticamente defensável entre o profissional, o paciente e/ou a família até se
chegar a uma solução em que o paciente seja o mais favorecido”.
O dever do
profissional de saúde de informar seu paciente e de lhe solicitar o consentimento
também está presente no Código de Defesa do Consumidor, pois quando a pessoa se
sente doente e recorre aos serviços de saúde, firma-se uma relação de consumo. Não
devemos, no entanto, reduzir as complexas relações que se estabelecem entre
profissional de saúde e paciente ao simples consumo de um determinado serviço, sob
pena de se reduzir, também, o princípio de respeito à autonomia do paciente a uma mera
relação contratual. Mas o paciente-usuário3, também, é um consumidor de serviços de
saúde. E a análise da legislação que regula esse âmbito de relações reforça a perspectiva
aqui assumida de que os direitos do indivíduo tendem a considerá-lo singularmente, de
acordo com a situação concreta de vida. Para os autores do anteprojeto do Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor toda e qualquer relação de consumo: a) envolve
basicamente duas partes bem definida: de um lado, o adquirente de um produto ou
serviço ("consumidor"), e, de outro, o fornecedor ("produtor/fornecedor"); b) tal relação
destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor,
não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação
de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e às condições dos
produtores daqueles mesmos bens e serviços. (Grinover, 1995, p. 32.). Na linguagem
do Código, o paciente é o consumidor para quem se presta um serviço; o profissional de
saúde, o fornecedor que desenvolve atividades de prestação de serviços; e o ato ocorrido
entre as duas partes, uma atividade realizada mediante remuneração. O legislador
brasileiro definiu o consumidor de forma objetiva afirmando no art. 2° do Código de
Defesa do Consumidor que consumidor “é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final" (Grinover, 1995, p. 26). Por sua vez,
fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,
bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
3
A palavra paciente vem da postura obsoleta: o indivíduo doente esperava aguardava pacientemente pela
sua recuperação. O enfermo era paciente com o seu mal ou sua doença, enquanto o curandeiro, o pajé, o
mágico da tribo, o sacerdote ou o religioso e posteriormente o profissional de saúde lhe recomendavam
paciência. Gauderer, 1995. Para Ferreira (1988p. 473) “paciente é a pessoa que padece: doente. Pessoa
que está sob cuidados médicos”. Para Ferreira (2001 p.661) usuário é “cada um daqueles que usam ou
desfrutam alguma coisa coletiva, ligada ao serviço público ou particular”. De acordo com Daniel (1981,
p.13), paciente é aquele que em lugar de praticar ou fazer a ação é quem recebe. Ele é o objeto que recebe
a ação, nunca o sujeito que participa dela, e isso se encontra interiorizado tanto na consciência do
profissional de saúde como na do usuário.
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 4° da Lei 8078/90). Como se
observa pelos conceitos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor acerca das
figuras de consumidor e fornecedor, é imprescindível que se tenha como entes
formadores da relação de consumo essas duas figuras em pólos distintos, devendo o
consumidor figurar em um pólo da relação e o fornecedor em outro.
Na relação de consumo estabelecida entre consumidor e fornecedor quer
queiramos ou não, os consumidores são vulneráveis.
Reconhecendo essa
hipossuficiência, a Constituição Brasileira de 1988, no seu art. 5º, XV reza que “é
assegurado a todos o acesso a informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional. Ainda no artigo 5º ,XXXII que trata dos direitos e
deveres individuais e coletivos, estabelece que “O Estado promoverá, na forma da lei, a
defesa do consumidor”. Deste comando normativo constitucional, nasceu a lei 8078 de
11 de setembro de 1990. A referida lei é composta de 119 Capítulos e possui uma gama
infindável de normas que garantem uma efetiva proteção aos consumidores, sendo mais
conhecida como “Código de Defesa do Consumidor”. Este estudo teve um caráter
exploratório de natureza descritiva, onde foi utilizada predominantemente a análise
qualitativa, apesar de envolver também técnicas quantitativas de coleta, para que os
objetivos propostos fossem alcançados. Os sujeitos da pesquisa foram 125
consumidores internados, acompanhantes e visitantes na Clínica II A e B de uma
unidade hospitalar localizada na cidade de Fortaleza. Utilizamos para coleta dos dados a
entrevista semi-estruturada tanto para os consumidores internados na clínica II (A e B)
como os acompanhantes e visitantes, e para a análise dos dados a técnica de Análise de
Conteúdo de Bardin. Todos foram esclarecidos sobre os objetivos do trabalho, e àqueles
que mostraram interesse e se dispuseram a participar da pesquisa, deixamos claro que a
qualquer momento eles tinham a liberdade de recusar-se a participar do estudo, bem
como, informamos sobre a disponibilidade de tempo para realização da entrevista e que
todos teriam seus nomes mudados, a fim de resguardar sua privacidade. Assim
atribuímos a cada usuário e usuária um nome bíblico. A cada um deles foi entregue para
ser assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, exigido pela Resolução
196/96 do Código de Ética para pesquisa com seres humanos.
Infelizmente, o teor protetor da lei 8078/90 é desconhecido da grande
maioria dos consumidores, destinatários diretos e imediatos do texto legal. Os
consumidores continuam dia após dia, a terem seus direitos desrespeitados por
fornecedores de serviços, que de maneira direta, renegam a esses consumidores
informações e garantias que obrigatoriamente devem prestar.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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Lei de 05 de outubro de 1988. Fortaleza: INESP, 1988.
________. Assembléia Legislativa. Código de Defesa do Consumidor. Lei 8078, de 11
de setembro de 1990 e Decreto nº 2181 de 20 de março de 1997. Fortaleza: INESP,
1999.160p.
DANIEL, L.F. A enfermagem planejada. 3ª. ed. Ver ampl. São Paulo: E.P.U. 1981,
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Portuguesa. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1988.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua
Portuguesa. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2001.
FRANÇA, G.V. de. Comentários ao Código de Ética Médica. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan. 1994.
GAUDERER, Ernst. Christian. Os direitos do paciente: um manual de
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GRINOVER, Ada Pellegrine. Código de Defesa do Consumidor. 2ª.Ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1995.
BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa. Resolução nº 196/96. Brasil 1996. Dispõe sobre pesquisa
envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, v. 132, n. 155, p. 12247, Seção 1, pt. 1.
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