ID: 40773493 16-03-2012 Tiragem: 17900 Pág: 4 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 28,55 x 32,48 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 1 de 3 RAFAEL CAMPOS PEREIRA (VICE-PRESIDENTE DA AIMMAP) DENUNCIA Estado quer nacionalizar a A reprogramação do QREN pode acentuar o esvaziamento de competências e recursos dos centros protocolares de formação profissional – receia Rafael Campos Pereira. Em entrevista à “Vida Económica”, o vice-presidente da AIMMAP, associação dos industriais de metalurgia e metalomecânica, considera que o Governo está a tentar, por conveniência orçamental, concentrar a formação profissional no Ministério da Educação, prejudicando a qualidade e os resultados das ações. “Os centros de formação direta do IEFP não contribuíram para formar um único trabalhador para o nosso setor nos últimos anos” – lamenta Rafael Campos Pereira. A metalurgia e metalomecânica é um dos poucos setores de atividade que continuam a criar emprego. No ano passado, representou 18% do PIB e 12 mil milhões de euros em exportações. Para Rafael Campos Pereira, o que mais contribui para o crescimento das empresas é a boa formação e a melhoria da qualificação dos seus recursos. Esse objetivo só é possível com a participação e envolvimento das entidades privadas. JOÃO LUÍS DE SOUSA [email protected] Vida Económica - Um dos temas que está na ordem do dia é a reprogramação do QREN. Tendo em conta que a maior parte dos recursos disponíveis se destina à valorização do fator humano, deve ser dada prioridade ao investimento em formação profissional? Rafael Campos Pereira - Relativamente à questão da formação e dos apoios no âmbito do QREN, conforme sabemos nos “Houve um excesso absoluto de certificação de competências, em detrimento da formação substantiva.” últimos anos, houve um excesso de investimento na iniciativa Novas Oportunidades. A iniciativa Novas Oportunidades é uma iniciativa que consideramos interessante e positiva desde que balizada nas suas devidas proporções. Houve um excesso absoluto de certificação de competências, em detrimento da formação substantiva. Portanto, o balanço tem de ser pelo menos parcialmente negativo, pelo facto de se ter desviado fundos que eram importantíssimos para o desenvolvimento da formação substantiva e de interesse real para as empresas para essa iniciativa Novas Oportunidades. Acontece que o atual Governo está a querer reduzir esse peso e a primeira reação que nós poderíamos ter era que iríamos no bom caminho. Do programa do Governo constava o objetivo de apostar cada vez mais na formação com interesse para as empresas e até passar a gestão da formação para as empresas e asso- ciações. Obviamente que isso implicaria saber como seria definido o quadro de financiamento. Com esse objetivo não podíamos estar mais de acordo. Sucede que, na prática, está a verificar-se exatamente o contrário. Por razões que não conseguimos compreender, o atual Governo, ao invés de estar a cumprir essa promessa e esse objetivo de transferir mais competências na formação e de passar a responsabilidade da formação para as empresas – que são quem sabe quais são as suas necessidades – está a fazer exatamente o contrário. VE - O objetivo é reduzir o papel das empresas e das suas associações, reforçando o ensino público? RCP - A maioria da formação profissional com interesse para a indústria é desenvolvida pelos chamados Centros Protocolares de Formação e há também os centros de formação direta do IEFP. No nosso setor, os centros ID: 40773493 16-03-2012 Tiragem: 17900 Pág: 5 País: Portugal Cores: Preto e Branco Period.: Semanal Área: 22,79 x 32,33 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 2 de 3 formação profissional “Este Governo, que é tido como ideologicamente liberal, tem nesta matéria tiques socialistas.” de formação direta do IEFP não contribuíram para formar um único trabalhador nos últimos anos e todos os trabalhadores qualificados são formados pelo Cenfim, que é o centro protocolar de formação do qual a AIMMAP é sócia fundadora. Acontece que o Governo atual está a tutelar os centros protocolares de formação, nomeadamente o Cenfim. Ao que parece, está a querer que o Cenfim funcione de acordo com as mesmas regras e diretrizes dos centros de gestão direta do IEFP. Isso para nós é intolerável. Em primeiro lugar, porque o Cenfim é um centro protocolar de formação, não é uma entidade pública e não tem que estar tutelada ao Estado. Tem de estar orientada de acordo com as circunstâncias de o Estado ser um dos três sócios do Cenfim através do IEFP. Mas o Estado não pode dar diretrizes, nem ordens, nem meter-se de forma nenhuma na gestão de uma entidade que sempre funcionou com regras de gestão privada e que sempre funcionou bem. A segunda razão é que, se os centros de gestão direta não funcionam bem – e pelo menos no nosso setor não contribuíram para a formação de nenhum trabalhador – será uma ideia péssima que se pretenda que os centros de formação protocolar que sempre trabalharam bem, passem a funcionar sob um modelo que funciona mal. Não compreendemos isso e não aceitamos. Achamos inclusivamente que se estão a passar nesse quadro duas coisas em simultâneo. Por um lado, uma verdadeira nacionalização da formação de natureza protocolar e de iniciativa privada, pelo menos parcialmente. O Estado quer nacionalizar os Centros de Formação Protocolar. Em segundo lugar, parece haver movimentações que indiciam que o Ministério da Educação quer fazer uma espécie de OPA sobre a formação profissional. Achamos que este Governo, que é tido como ideologicamente liberal, tem, nesta matéria, tiques socialistas. A formação só pode funcionar bem em Portugal se as entidades privadas tiverem um papel fundamental a desenvolver. VE - Essa tentação resulta de uma opção ideológica ou da necessidade orçamental? RCP - Essa tentação não pode resultar de uma opção ideológica porque a ideologia deste Governo é exatamente oposta. Admito que resulte de uma opção de pragmatismo. O Governo quer tutelar a formação. Admito que existam razões orçamentais que o façam pensar que é uma boa opção, mas é uma solução péssima, porque é uma solução que não ajuda a criar valor. Aquilo que já se provou ser do interesse da economia é aquilo que contribui para o crescimento das empresas e o que contribui é a boa formação e a boa qualificação dos seus recursos. Essa só é possível através de políticas que tenham sido desenvolvidas pelas entidades privadas, pelas associações protocolares onde intervêm diretamente as associações de empregadores. VE - Como encara a atual conjuntura do setor da metalurgia e da metalomecânica e o contributo para as exportações nacionais? RCP - O nosso setor, sendo heterogéneo, tem em si realidades distintas de subsetor para subsetor. Mas, traçando uma bissetriz, está acima da média em comparação com os restantes setores da atividade económica em Portugal. Em primeiro lugar, tem sido o único que mesmo em 2011 foi criador de postos de trabalho. O número de admissões foi superior aos despedimentos. É um setor que gerou um volume de negócios de 26 mil milhões de euros, o que representa cerca de 18% do PIB e é um setor que foi responsável por uma terça parte das exportações portuguesas. Exportamos cerca de 12 mil milhões de euros, o que representou um crescimento de mais de 15% relativamente ao ano anterior. O peso das nossas exportações é paradigmático e sintomático do peso do nosso setor na economia portuguesa. O padrão das exportações do setor é muito semelhante ao padrão das exportações nacionais. O que significa que mais de 85% das nossas exportações são para a Europa comunitária. Neste momento de crise é uma preocupação porque toda a Europa comunitária se encontra numa situação fragilizada. Os principais mercados são Espanha, Alemanha e França. Em todo o caso, as nossas empresas têm feito um esforço grande no sentido de diversificar os destinos. o Médio Oriente. O nosso objetivo neste momento é desenvolvê-lo no Qatar, mas em parceria com empresas galegas. Será uma iniciativa da AIMMAP, da sua congénere da Galiza a CIN e da Federação Luso-galega dos industriais metalúrgicos, que é a FELUGA. Vamos ter nesse projeto não só empresas portuguesas, como também empresas galegas. VE - Quais são as prioridades de expansão em termos de novos mercados? RCP - Estamos também a procurar aumentar as nossas exportações no Médio Oriente e na América do Sul. A AIMMAP procura estar a par e dinamizar os esforços que as empresas fazem no sentido de internacionalizar. Procura estar um pouco à frente daquilo que são as tendências e nesse sentido temos feito algumas iniciativas exatamente no Norte de África, no Médio Oriente e este ano está previsto fazermos uma missão ao Peru e à Colômbia para além de dois projetos muito concretos que são profundamente inovadores. Um, no Brasil, consubstanciado na criação de uma sociedade comercial em S. Paulo para ajudar as nossas empresas a penetrarem no mercado brasileiro, a conhecerem as especificidades do mercado brasileiro, algumas delas até para fazerem investimentos no Brasil. Um projeto liderado pela AIMMAP e no qual vão participar cerca de 20 empresas do nosso setor. Este projeto vai iniciar-se no segundo semestre deste ano, a partir de 1 de julho, onde teremos uma empresa em S. Paulo exatamente para cumprir esse objetivo a que nos propusemos. No próximo ano, faremos um projeto idêntico mas aí com uma outra especificidade. É noutro mercado que nos interessa que é VE - Em termos de produção e de exportação, está otimista em relação a 2012? RCP - Estamos a abordar o próximo ano com o necessário realismo. Neste momento, o reporte que todas as empresas nos fazem é que não é possível fazer perspetivas mais do que curto/ médio prazo. E ao contrário do que se passava anteriormente em que as empresas trabalham com perspetivas de longos meses ou anos até, agora as empresas trabalham muito para o imediato. As dificuldades da Europa comunitária de facto podem resultar em dificuldades para as nossas empresas exportadoras e daí o esforço que estamos a fazer no sentido de diversificarmos os nossos mercados. Mas há outros fatores que nos podem perturbar. O aumento do custo da energia torna-nos menos competitivos e no início de 2012 o custo das nossas empresas com energia aumentou entre 15 e 25%. A dificuldade no acesso ao financiamento bancário que é cada vez mais difícil e mais caro. Uma crescente dificuldade de tesouraria e falta de liquidez das nossas empresas, que agora começa a ser agravada com alguns pequenos fenómenos que estão acontecer, nomeadamente o atraso do reembolso do IVA por parte do Estado. As empresas já estavam asfixiadas na sua tesouraria pelo aumento dos custos e pelas dificuldades no acesso ao financiamento bancário e agora ainda são confrontadas com este fator de grande perturbação para a tesouraria. O Governo afirmou que não há atrasos no IVA, mas a verdade é que as nossas empresas se queixam de atrasos na devolução do IVA. Estas circunstâncias levamnos a estar preocupados, mesmo para aquisição de matérias-primas, para a dinamização da atividade exportadora é necessário liquidez e as empresas veem-se perturbadas com estas dificuldades todas. “Estamos perante uma tentativa de nacionalização – pelo menos parcial – da formação de natureza protocolar e de iniciativa privada.” ID: 40773493 16-03-2012 Tiragem: 17900 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 18,21 x 18,04 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 3 de 3 RAFAEL CAMPOS PEREIRA, VICE-PRESIDENTE DA AIMMAP, DENUNCIA Estado quer nacionalizar a formação profissional Págs. 4 e 5