diplomacia na 1ª pessoa Licenciado em História, diplo- actualmente umas 500 empre- no futuro económico de Portugal. mado pelo Instituto de Estudos sas francesas estabelecidas em A minha prioridade é, evidente- Políticos e pela Escola Nacional Portugal. É necessário continuar mente, a de reforçar estas rela- de Administração, condecorado a obra iniciada pelo meu prede- ções económicas entre a França pelo Governo Francês com o cessor para dar mais visibilidade e Portugal e um dos nossos grau de Oficial da Ordem Nacio- a essas empresas francesas. compromissos é seguramente o nal do Mérito e com o de Cavalei- Talvez os Portugueses tenham de observar o que se passa ac- ro da Legião de Honra, acredita consciência de que as grandes tualmente neste país oferecendo profundamente na União Euro- empresas de distribuição como, aos nossos amigos portugueses peia e no sucesso de Portugal. por exemplo, Jumbo, Decathlon, a nossa solidariedade neste pe- Gostaria que nos falasse sobre Leroy Merlin, Intermarché, Edou- ríodo difícil. O Presidente francês as relações económicas e de ard Leclerc…, vêm de França, considera necessário restaurar amizade entre França e Portu- assim como os seus automóveis as contas públicas mas, parale- gal Renault, Citroën ou Peugeot. É lamente, encontrar o caminho do Temos relações muito especiais visível que temos uma boa parte crescimento, que é um caminho com Portugal e eu próprio, por do mercado automóvel em Por- estreito. ter estudado História, sempre tugal. As relações económicas Há anos que a língua francesa fiquei fascinado com o facto dos são importantes mas, na minha deixou de ser uma disciplina primeiros reis de Portugal serem opinião, as relações comerciais obrigatória no nosso segundo ➤ da família real francesa pela ciclo. Que me pode dizer o Se- linha dos Duques de Borgonha e nhor Embaixador sobre isso? de Portugal ter sido influenciado pela cultura francesa, especialmente pela arquitectura borgonhesa, como podemos verificar em Alcobaça ou Coimbra. Torna-se realmente muito emocionante e gratificante apreciar os laços históricos e culturais bilaterais Jean-François Blarel, por Maria de Bragança, fotos Maria Inês Embaixador de França em Portugal "Tenho muita admiração pelo povo português" Com uma carreira diplomática de grande relevo, iniciada em 1980, prestou serviço em Nova Deli, Buenos Aires, Washington e Madrid, foi Embaixador no Vietname e na Holanda, e Secretário-geral adjunto do Ministério dos Negócios Estrangeiros. É, hoje, o mais alto representante do seu país em Portugal. 48 • Diplomática - junho/agosto 2014 ➤ " O francês é uma língua que serve sobremaneira à economia mundial " É triste para os Franceses, e frustrante para um Embaixador de França, verificar que este país, tão ligado à cultura francesa desde a sua fundação, está a abandoná-la pouco a pouco, apesar da sua influência. As gerações mais jovens já existentes entre os nossos dois devem ser reforçadas. A nível não aprendem francês e um dos países. Actualmente existem comercial somos deficitários em desafios que estamos a tentar fortes relações humanas e o relação a Portugal que, devido vencer é o de transformar a ima- meu predecessor, o Embaixador à crise económica, reduziu muito gem que os jovens portugueses Pascal Teixeira da Silva, neto de as suas importações de França, eventualmente terão da língua Portugueses, é a imagem e a in- país que continua a ser o tercei- francesa que não é apenas a carnação de todas essas emigra- ro maior parceiro comercial de língua de Molière ou de Victor ções portuguesas que recebemos Portugal depois da Espanha e da Hugo mas sim, uma língua que e que têm sido muito importan- Alemanha. Penso que devemos serve sobremaneira à econo- tes. Muitos Franceses, de origem desenvolver o nosso comércio mia mundial, se pensarmos na portuguesa ou não, escolhem bilateral, mas os investimentos África francófona e nos países Portugal para a sua reforma e franceses em Portugal, já muito do Magrebe. Também, há várias cumpre-nos tratar de eleições, significativos, permitem criar em- semanas, no âmbito da Festa da dos seus bilhetes de identidade, prego o que, nas circunstâncias Francofonia tentámos demonstrar passaportes, etc. Esta comunida- actuais, é bastante importante e, o grande interesse económico e de partilhada pelos nossos dois nomeadamente por isso, estamos profissional que os jovens portu- países é mesmo muito importan- a tentar ampliá-los. O ano passa- gueses terão em aprender fran- te e significativa. do ficou marcado pela aquisição cês não só pelo facto de haver As relações económicas também da ANA-Aeroportos pelo Grupo muitas empresas francesas insta- são muito importantes, porque as Vinci que investiu 3.000 milhões ladas em Portugal, mas também empresas francesas estão aqui de euros, o que demonstra que pela sua aplicação no sector do presentes há muito tempo. Há as empresas francesas acreditam turismo. Vêm imensos turistas ➤ junho/agosto 2014 - Diplomática • 49 Jean-François Blarel franceses a Portugal benefi- ambos conhecem bem. Portu- seja modernizado e adaptado a ciando de muitos voos diários no gal deu-nos a conhecer o seu um método mais actual, o que é Porto e em Lisboa e essa apren- grande interesse em que parti- complicado uma vez que, para dizagem será certamente uma cipássemos nas operações para essa mudança de método, é mais-valia para os jovens. Será reforçar a segurança em África, necessário formar professores, necessário desenvolver também no golfo da Guiné e depois no elaborar novos manuais, etc..., os intercâmbios universitários, as Sahel, essa região que está ao embora possa levar o seu tempo, escolas de comércio ou de enge- Sul do Saara que é o limite entre tudo isso será feito. nharia, assim como as formações a África-Subsaariana e o deserto, Gostaria de acrescentar que a intermédias de quadros técni- a Norte. É uma zona de contacto evolução do francês também é cos que temos em França e que entre Árabes, Berberes e Africa- possível através da informáti- poderão interessar aos jovens nos, uma zona muito complicada, ca. É importante estar aí muito portugueses. onde as fronteiras são porosas presente e que os textos sejam Começando por explicar que a e onde existe tráfico de armas, traduzidos tanto em francês, aprendizagem do francês tem tráfico de seres humanos e de como em inglês ou português. um interesse profissional direc- estupefacientes. Por se encon- Não deve ver-se a internet como to, gostaria igualmente de focar trar quase às portas da Europa uma desvantagem mas, antes, os aspectos da cultura francesa e por ser necessário reforçar a como um desafio, sendo neces- contemporânea, dos escrito- segurança, estamos a trabalhar sário que sejam inseridos cada ➤ res e da música, por exemplo: vez mais conteúdos em francês o grupo Daft Punk, constituído ou português para evitar que por dois jovens que venceram recentemente muitos prémios Grammy, é francês. No entanto, poderá mesmo dizer-se que é franco-português porque um dos jovens chama-se Guy Manuel de " o mundo aderiu e entrou na internet, mas a internet também pode destruir. " Homem-Christo! Veja como esta emigração portuguesa é impor- sejamos formatados apenas por uma influência cultural. Com a globalização, como vê hoje a Diplomacia? Estou há trinta anos a servir como diplomata e vi realmente o nosso trabalho transformar-se bastante. A diplomacia tradicio- tante! com as autoridades portuguesas, nal era a “grande política”, foi o O Senhor Embaixador falou- e outras, no sentido de fortale- tempo da guerra-fria, a questão -nos há pouco da importância cer a nossa cooperação nesse do desarmamento e da segu- económica mundial da língua domínio. rança, mas tínhamos também francesa. O que me diz da Gui- A África é um continente em ple- as questões culturais - a França né Equatorial, um país fran- no desenvolvimento económico. sempre se preocupou com os cófono, desejar fazer parte da Era uma região pobre que está assuntos culturais como sendo CPLP? a desenvolver-se imensamente um factor de influência da diplo- Sei que existem boas relações devido à riqueza do seu subsolo. macia - e tratávamos igualmen- entre a OIF-Organização Inter- Veja a Nigéria, Angola e Mo- te dos assuntos consulares e, nacional Francófona e a CPLP e çambique. E o futuro das nossas como os franceses começaram por acreditarmos que a riqueza línguas, tanto a portuguesa como a trabalhar cada vez mais no cultural advém da diversidade a francesa, dependem muito de estrangeiro, tratávamos dos e que não devemos fechar-nos África onde há países com um dossiês económicos. Mas o que numa concha, procuramos dei- crescimento demográfico enor- vi realmente explodir, foram os xar as portas abertas a todas as me e onde devemos dedicar-nos assuntos globais: as fronteiras alianças e a duas grandes lín- a difundir as línguas francesa e foram sendo sucessivamente guas que são faladas em vários portuguesa ao mesmo tempo que abolidas e com o fim da cortina continentes. participamos no seu crescimento de ferro e da guerra-fria come- É muito importante que Portu- e progresso. çámos a viver numa aldeia global gal e a França trabalhem em Também temos feito um esforço e é impressionante verificar que conjunto por um continente que para que o ensino do francês assuntos que eram praticamente ➤ 50 • Diplomática - junho/agosto 2014 junho/agosto 2014 - Diplomática • 51 Jean-François Blarel da União Europeia na U.E. com uma ideia e todos cativo, têm que trabalhar cada Nós acreditamos não só no do- devemos tentar corresponder vez mais sobre assuntos globais. mínio económico e monetário, e às esperanças de todos, porque São estes os novos assuntos no domínio social, mas igualmen- nem todos têm a mesma concep- sobre os quais os diplomatas te numa união forte no domínio ção da Europa. Não será fácil, terão de debruçar-se para além da segurança e da defesa. Não mas tudo se fará naturalmente. da área económica, de que sem- devemos manter-nos divididos Hoje a Europa é composta por pre trataram. O Ministro Laurent sobre certos assuntos, e não 28 países e, quanto mais cresce, Fabius, confirmado no novo podemos contar eternamente e mais complexo se torna geri- governo com a pasta adicional do apenas com os nossos amigos -la embora seja imprescindível Comércio Externo, encoraja-nos americanos. A recente crise da chegar a acordos para encontrar a trabalhar cada vez mais nesta Ucrânia e muitos outros proble- alianças e poder cumpri-las. área. mas fazem-nos ver a importáncia Pode deixar-nos um conselho E a União Europeia? O que me de trabalhar em conjunto para aos futuros diplomatas? diz da globalização dos países a nossa segurança, que tem de É um trabalho muito belo e in- europeus? estar nas nossas mãos. teressante. Se tivesse 20 anos, Digo que fico desolado por sentir O que pensa então o Senhor penso que abraçaria este mesmo os portugueses tão cépticos em Embaixador do futuro? caminho por dois motivos princi- relação à Europa. Desde que Penso que é preciso acreditar na pais. O primeiro, porque é basea- Portugal entrou na União em União Europeia. Estamos num do na abertura aos outros, nas ➤ externo cada vez mais signifi- 1986, a Europa proporcionou relações humanas e é aprazível muitas coisas válidas a Portugal. conhecermos muitas pessoas É um país que beneficiou muito dos fundos estruturais para evoluir e construir vias de comunicação, equipamentos sociais etc... e, ao contrário da França ou de outros Estados-membros, ainda vai continuar a beneficiar porque há regiões ainda necessi- " acreditamos numa união forte no domínio da segurança e da defesa " com quem dialogamos sendo essa troca de opiniões muito interessante e valiosa. Depois, porque é dialogar e tentar convencer o outro. Estas serão as duas facetas da diplomacia. Eu diria aos jovens que se apaixonam por esta abertura cultural ao mundo tadas. A Europa certamente tem mundo em mudança. Os Estados e pelo diálogo, que ser diplomata o seu ritmo, mas faz progressos Unidos irão continuar a ser uma é uma escolha fantástica! ainda que possam ser impercep- grande potência mundial, mas há O que pensa de Portugal e da tíveis ou mal compreendidos pela outros países emergentes, não nossa mentalidade? opinião pública. Os cidadãos só a China, mas há outros paí- Eu tenho muita admiração pelo europeus não entendem muito ses como, por exemplo, a Índia, povo português porque é capaz bem o que se passa em Bruxelas o Brasil, a Indonésia etc... que de suportar com resignação o Ban Ki Moon, Secretário-geral da uma central, térmica ou nuclear, e crêem que Bruxelas é mais um são muito populosos e desejam que lhe está a acontecer neste são agora assuntos diplomáti- ONU e no próximo ano haverá instalações de energia ou atacar elemento dessa mundialização ter o seu papel na governança do momento. Portugal é um país lin- cos muito importantes. Digamos em França uma grande reunião o funcionamento de hospitais… de que não gostam porque os mundo. Por isso, os pequenos e do que deverá proteger sempre a que pouco se falava da poluição internacional sobre o futuro do o mundo todo aderiu e entrou na privou do emprego, impondo-lhes médios países da Europa devem sua cultura, os seus monumentos do mar ou dos rios e nunca se clima do nosso planeta. Este internet, mas a internet também políticas, etc... No entanto, é continuar unidos para manter um e a sua paisagem. Que os Portu- discutia sobre o futuro do plane- problema é hoje uma preocupa- pode destruir. Estes são, entre preciso ver que a Europa está a equilíbrio global satisfatório. gueses nunca tenham a ideia de ta, sobre o aquecimento global, ção mundial. A tecnologia… a outros, assuntos que temos que progredir se pensarmos na união Sobre o plano económico, já que Portugal é um pequeno país a alimentação mundial, a ques- internet traz-nos enormes benefí- tratar para evitar que os bene- bancária, na união económica em somos um grande mercado com no canto da Europa; devem, sim, tão da água ou dos refugiados, cios culturais e económicos mas fícios da internet sejam prejudi- geral, que avança lentamente mas um forte poder exportador, mas ter orgulho no seu país, na sua assuntos que têm agora muita também pode comportar grandes cados pelos riscos que ela pode no bom sentido. Claro que, por devemos igualmente pensar na História e na História que estão a importância e sobre os quais fa- riscos e problemas. Pode sofrer correr. vezes, há reticências de alguns unidade do plano da segurança fazer para reencontrar o caminho zemos simpósios mundiais. Este vírus e ataques graves em insta- A verdade é que agora os Embai- países, mas estamos a avançar. e da defesa e, a esse propósito, do crescimento e da prosperida- ano far-se-á uma reunião impul- lações que podem pôr em perigo xadores, para além da responsa- Vejo que o Senhor Embaixador acredito que haverá um cami- de, que desejamos fortemente sionada e organizada pelo Prof. a economia de um país, destruir bilidade de um comércio acredita muito nas vantagens nho a fazer. Cada país entrou que venham a conseguir. ➤ desconhecidos há 30 anos, 52 • Diplomática - junho/agosto 2014 ➤ n junho/agosto 2014 - Diplomática • 53