38 | Outlook | Sábado, 10.7.2010
VIDA
complicado dizer sempre mal de mim, não
é? Já fiz tanta coisa. Tenho dez livros
publicados, sou co-autor de mais cinco
ou seis, já representei Portugal em vinte
países, já abri muitos restaurantes. Nem
os conto. Devo saber estrelar ovos!
Não é assim tão fácil.
Não. Gostava que sete ou oito chefes de
topo fizessem um concurso a estrelar uns
ovos seguidos.
Tem mau feitio na cozinha?
Tenho. Às vezes trato-os mal. Mas grito
cada vez menos. Prego-lhes partidas.
Os livros de cozinha vendem bem
em Portugal?
Não. Quando digo vender bem é vender
uns vinte mil, trinta mil. A única pessoa
que consegue é a Maria de Lurdes Modesto.
Acha que justamente?
Acho. Fez um trabalho fantástico no que
diz respeito à nossa cozinha regional e a
identificar as coisas boas que temos. A
única coisa que lhe aponto é ela pensar
e sentir muitas coisas que não diz.
Voltemos à crítica. Conhece fisicamente
todos os críticos?
Sim.
Sabe sempre quando eles vêm aqui?
Sim.
A sua atitude muda?
Nada.
Está a ser sincero?
Completamente.
Não ajeita a jaleca, não vai à mesa fazer
um cumprimento especial, não avisa
na cozinha?
Não. Não temos essa prática. O crítico com
quem eu tenho maior afinidade e do qual
estou mais próximo que é meu amigo
chama-se David Lopes Ramos e quando
me tem de dar pancada dá-me
exactamente igual e as nossas relações
pessoal e profissional não se alteram.
Nunca lhe fiz qualquer reparo, nunca lhe
telefonei a dizer se escreveu bem ou mal de
mim. Nada. Quando estamos à mesa como
amigos aí falamos de tudo como amigos.
Nunca escrevi a um crítico que tenha
MAKING-OF
Fim de tarde quente em Lisboa. No
restaurante da esquina entre a Coelho da
Rocha e a Ferreira Borges a tagarelice do
pessoal é grande. Preparam o seu jantar
antes de compor as mesas e atrás do
balcão há grande bulício. Piadas,
gargalhadas e o chefe que dá uma
entrevista na sala de refeições. E o chefe
que olha e a tagarelice continua, e o
chefe que se levanta e sem avisar despeja
o copo de água que tem nas mãos sobre a
cabeça do tagarela-mor. Fim de
tagarelice. Silêncio que a conversa agora
é para que se ouça no gravador. Não se
percebeu se o colaborador de Vítor Sobral
gostou da frescura da água ou não gostou
da frescura do gesto.
escrito a meu respeito, a não ser naquele
caso que lhe referi por ser um ataque
pessoal. Mas muito sinceramente, acho que
a maior parte das pessoas que escrevem
fazem uma crítica isenta. O que acho é
que há pessoas que não estão devidamente
preparadas para fazer a crítica. Os que
tecnicamente menos entendem do que se
passa num restaurante deviam estagiar em
restaurantes ou ir a cursos de cozinha para
perceber um pouco desta dinâmica. A
maior parte não escreve mal por maldade,
mas por desconhecimento. Mas há muitos
jornalistas, que não críticos, que escrevem
com intenção de fazer mal.
“
É um frequentador de restaurantes?
Sou.
Por gosto ou por obrigação?
Por gosto. Mas sou suspeito. Há coisas
onde gosto de ir comer aquelas coisas
específicas.
comida tenho sempre a tendência de
meter a mão e dar palpites. É horrível. Ou
faço ou então não estou a ver fazer. O que
me fez aproximar das pessoas foi sobretudo
a cozinha e estou sempre metido no meio
da cozinha. Não me cansa.
Quantos quilómetros é capaz de fazer
para comer uma coisa que lhe apetece?
Tenho vergonha de dizer.
Não tenha.
Sou capaz de me enfiar num avião para
ir almoçar ou jantar. A Milão ou Paris.
De propósito. Já fiz.
Valeu a pena?
Sim. Na altura ganhava muito dinheiro e
não tinha compromisso. Era jovem. Tinha
uma grande ânsia de aprender. Nunca
liguei muito a carros. Os únicos prazeres
que me fazem gastar dinheiro acima
do normal é comida e roupa. Ai, quando
gasto, esqueço-me de ver o preço. Como
o que me apetece; bebo o vinho que
entender. O máximo que concebo dar por
um carro são uns 50 mil euros e é assim
que vivo a vida. Na parte material da vida
vivo muito o momento. Quando cheguei a
Paris vi uma camisa que custava 25 contos
eu tinha 30 na conta e comprei. Com a
idade começamos a valorizar o dinheiro,
mas a filosofia é a mesma. O dinheiro tem
de me servir a mim e não eu a ele.
Cozinha em casa?
Cozinho sempre. Em minha casa ou em
casa dos outros. Quando estou, estou a
cozinhar. Gosto de comer comida feita
pelos outros, mas se estou a ver fazer a
Gostava
que sete
ou oito chefes
de topo
fizessem
um concurso
a estrelar uns
ovos seguidos
O que é comer bem?
Ir comer umas sardinhas assadas e não
estorricadas, é comer um bife com batatas
fritas e a carne não estar estorricada, as
batatas serem boas e o molho não estar
queimado. Comer bem não tem de ser um
grande menu de degustação. Tem de se
comer os produtos da forma como eles são
melhores. Isso é que é comer bem.
O saudável entra aí?
Tem de entrar. Não sou grande exemplo
disso. Aqui, temos cuidado em colocar
sempre legumes, em não misturar hidratos
de carbono, fugir aos hidratos de carbono.
Temos muito cuidado em não usar muita
gordura, usá-la o mais possível crua. As
questões de saúde condicionam. É uma
tendência da nova geração de cozinheiros.
Se tivesse de fazer o menu ideal
para um dia quente como o de hoje,
o que faria?
Depende muito dos produtos que estejam
disponíveis. Imaginemos que no sábado
(hoje) recebia amigos em minha casa e
queria fazer um menu. Na minha opinião
um menu tem de ter pelo menos três ou
quatro pratos. É o que costumo fazer. Faria
uma sopa fria. De tomate, que está
fantástico agora, e os pêssegos também.
Uma sopa fria de tomate e pêssegos. Podia
ou não guarnecer a sopa com uma vieira
ou um camarão. A seguir o camarão da
costa, que agora está maravilhoso. Faria
uma salada com camarão da costa e se
calhar uma beringela ou uma courgette
grelhada para acompanhar. Para não estar
sempre na grelha faria um peixe no forno
ou um peixe de tacho. Podia ser um atum
com migas soltas de tomate e espargos com
hortelã da ribeira, o atum corado muito
levemente. No fim uma salada de
morangos com cerejas e hortelã e acabava
com queijo. Normalmente ou começo a
beber vinho branco ou um espumante. Há
situações para começar com uma cerveja;
depois branco, tinto e para terminar um
porto, um madeira ou um moscatel. Sem
isto falha-me sempre qualquer coisa.
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