Disciplinas
Interativas
Produção Textual em Equipe
Disciplina: Língua Portuguesa
Docente: Lílian Salete
Texto 1
Língua e sociedade
Como já disse anteriormente neste espaço, muitos pensam nas línguas tendo como pano de fundo
apenas a questão da correção. Essa mentalidade alimenta os discursos da decadência, velhos como a humanidade. Desde que se tem notícia, camadas (superiores?) da sociedade afirmam que a língua está em decadência.
O que alimenta essa tese é a crença de que teria havido uma língua perfeita: a de antes de Babel, o
grego antigo, o latim clássico, até mesmo o português antigo, que era, em certo sentido, o latim “errado”.
Mas línguas nunca foram perfeitas, pelo menos não no sentido que se atribui à palavra nesses “centros” de
pensamento. É pura ideologia, no sentido mais banal da palavra.
Outros tantos pensam que as línguas são meios de comunicação. O que importa é a mensagem, o
objetivo é ser bem-sucedido (chega-se a ouvir que o erro seria não ser entendido!). O curioso é que, às vezes,
a melhor comunicação (publicitária, literária, humorística) é aquela em que a mensagem está implícita. Ora,
o implícito é o que não é comunicado, por definição.
Mas uma língua é bem mais do que tudo isso. Seria o principal divisor entre humanos e não humanos.
Além disso, estaria fundada em princípios universais, quiçá biológicos, alguns deles inatos, tese obviamente
controversa, mas que se reforça numa época em que pesquisas genéticas ganham espaço e força.
Apesar disso, há questões “superficiais” que são extremamente interessantes, porque marcam as línguas vivas em seu funcionamento real (e perceptível) no interior das sociedades. Por mais que as pesquisas
sobre os universais sejam relevantes, não se pode perder de vista as relações entre as línguas e aspectos das
sociedades em que são faladas.
Alguns fenômenos são bem visíveis. Alguns são mencionados em todos os manuais introdutórios,
que necessariamente discutem as relações entre língua e cultura. A questão começa na relação com a natureza: até que ponto o ambiente interfere na língua? Certamente, climas frios ou quentes condicionam o
léxico e estão na origem de algumas metáforas. O caso sempre mencionado é o do número de palavras para
neve em línguas esquimós, ou para camelo entre os beduínos, ou para dinheiro e cachaça entre nós. Mas
quem não vê logo que se trata de relação língua-ambiente mediada pela cultura que avalia esses objetos?
Palavras novas, ou sentidos novos de palavras antigas, surgem para designar elementos novos que
são relevantes (termos do futebol ou da informática, por exemplo), termos desaparecem porque se referiam
a “objetos” que desapareceram ou perderam importância. Quem ainda sabe o que é “concunhado”?
Informalidade contagiosa
Neste texto, quero enfatizar uma questão mais geral, que, a meu ver, afeta a “gramática” do português brasileiro. Refiro-me à questão da informalidade e a sua contraparte nos usos (ou desusos) de determinadas formas.
Ousaria dizer que uma das principais características da sociedade brasileira nas últimas décadas é o
Disciplinas Interativas
aumento claramente visível da informalidade. Onde se usava terno e gravata, usa-se jeans e uma camisa ou
camiseta. Onde se usava sapato, usa-se tênis. Usa-se tênis até mesmo com terno...
Onde se usava calça informal, usa-se uma bermuda. A bermuda era uma peça juvenil; hoje, é usada
por pessoas de todas as idades. Uma viagem de avião era cerimoniosa, e as roupas eram compatíveis com
essa avaliação. Hoje, é como viajar de ônibus: bermudas e sandálias havaianas ‘vestem’ os passageiros. Usam
celulares caros, laptops e iPads, mas não usam mais roupas formais.
Há pelo menos dois domínios em que a informalidade pode explicar a preferência por determinadas
formas da língua – com o consequente esquecimento progressivo das outras, suas concorrentes. Um é o das
formas de tratamento: faz muito tempo que desapareceu a forma “vós” – e, como consequência, a flexão
verbal correspondente (deveria ser claro que estudar essas formas é estudar questões antigas). Além disso,
assiste-se ao progressivo desaparecimento da forma “senhor/senhora” primeiro, nas famílias, depois, nos
locais de trabalho.
Nas salas de aula das universidades, essas formas são cada vez mais raras, mesmo em defesas de
tese, que são um pouco mais formais. Praticamente todo mundo se trata por você (ou tu): netos falando com
avós, filhos com pais, vendedores com clientes, alunos com professores etc.
Só em contextos muito formais, em que o abandono das formas de rigor pode implicar até processos
(por falta de decoro), é que as formas antigas continuam: nas sessões das câmaras e assembleias legislativas,
nos tribunais etc. Observe-se que as formas de tratamento são “compatíveis” com exigências relativas ao
vestuário (jornais noticiaram que a ministra Carmen Lúcia, do Supremo, foi a uma sessão de calça comprida;
o gesto foi interpretado como prova de suas posições “rebeldes”).
Faz que não manda, mas manda
Outro fato que a informalidade ajuda a explicar é a ‘queda’ das formas imperativas. Quem é que ainda
manda dizendo “faze uma salada / faze uma resenha?” (nem menciono “fazei de novo”, porque essa forma
tem a ver com “vós”). Damos ordens empregando as formas verbais que, segundo as gramáticas, seriam as
que se empregariam para fazer pedidos (“faça uma salada” / “leia a bula”) – isto é, as subjuntivas. Isso quando não empregamos formas que seriam descritivas (“faz uma salada” / “lê isso pra mim”)!
Essa mudança (é uma mudança!) não deve ser interpretada como sinal do fim da autoridade ou das
posições sociais diferenciadas. Não é porque uma dona de casa diz a sua empregada “faz uma saladinha”
que a empregada pode não obedecer. O gerente pede (ou sugere) gentilmente a um subordinado: “Faz um
telefonema / quem sabe você liga pra ele?” O que acontece se o subordinado deixa de fazer o trabalho?
A rigidez das relações sociais não diminui nem desaparece pelo fato de que não é marcada em todas
as suas dimensões. Também não é verdade que os chefes deixaram de dar ordens a seus subordinados. O
fato de que não se empregam as formas imperativas (antigas) não significa que não se mande mais. Significa
apenas que parece mais adequado fazer de conta que não se manda.
É que o simples fato de que uma pessoa trabalha sentada “atrás” da mesa é suficiente para que os
outros saibam como devem interpretar o que ela lhes “pede”.
“Dá uma licencinha? Só um minutinho!” pode ser suficiente para que o subordinado saia correndo da sala
para não chatear o chefe...
Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed683_lingua_e_sociedade. Acesso em 27/09/2013. Por Sírio Possenti em 28/02/2012 na edição 683 [Sírio Possenti é professor do Departamento de Linguística da Universidade Estadual de Campinas].
Disciplinas Interativas
Download

Produção Textual em Equipe