Salada e leitura Por Marilda Confortin Ler é como comer salada. Todos sabem que é um alimento indispensável para a saúde do corpo e para o desenvolvimento da inteligência, mas poucos comem. E para piorar, muitos passam esse desgosto, esse desprazer para seus filhos e alunos. Aí quando a criança fica fraquinha, apática e atrasada, os adultos começam rezar aquela velha ladainha: “tem que ler, tem que ler”. Rezar sem fé não adianta. Falar sem crer é mentir. Teorizar sem praticar é demagogia. Todos nós somos atraídos pela apresentação do prato de salada e pelo ritual do preparo. Se a criança vê diariamente um adulto satisfeito na cozinha, escolhendo as melhores folhas, misturando cores e formas diferentes, experimentando, sorrindo de prazer e arrumando a mesa com aquele belo prato em destaque, com certeza vai querer comer aquela salada gostosa. E não desenvolverá preconceitos contra pepinos, abacaxis e rúculas, porque saberá que algumas amarguras e acidezes são os temperos da salada da vida. São referenciais para doçuras, nos fortalecem e apuram os sentidos. Assim é a formação de leitores na escola. Começa pela cozinha, digo, pela biblioteca. Deve ser um lugar agradável, iluminado, limpo onde o estudante possa ir e vir mesmo que ainda não esteja faminto. Abrir o apetite é fundamental. Não se deve enfiar livros goela abaixo. É indigesto. A curiosidade e a fome despertarão naturalmente ao observar professores e outros estudantes da sua idade devorando prazerosamente pilhas de livros. O acolhimento é muito importante. Ninguém deve ser empurrado ou enxotado da cozinha, digo, da biblioteca. O estudante ou professor precisa se sentir querido, acolhido naquele espaço. Precisa saber que aquela sala faz parte da sua escola tanto quanto o pátio, a sala de computadores ou a cancha de esportes. Deve sentir confiança na pessoa que “cuida” da biblioteca, pois sabe que ela é competente, capacitada e principalmente gosta muito de salada, digo, de leitura. Nem todas as folhas servem para fazer salada. Algumas são até venenosas ou quando mal escolhidas podem conter ovinhos de preconceitos que se desenvolverão feito pragas na cabeça do leitor, transformando-o num adulto doente. Por isso é importante escolher muito bem as folhas dos livros servidas na biblioteca escolar. Mas, nem só de folhas, se faz uma salada. Pode misturar legumes, frutas, massas, molhos, etc. A biblioteca deve oferecer uma diversidade atraente que atenda todos os gostos e idades. Dos paladares iniciantes aos mais sofisticados e introduzir gradativamente outros repertórios no menu. Além dos clássicos repletos de saudáveis e deliciosas folhas de papel, deve-se oferecer também as contemporâneas e recém nascidas folhas de papel virtual, na forma de livros eletrônicos, blogs e portais. Para os resistentes ou aqueles que se atraem mais pelo recipiente do que pelo conteúdo, a biblioteca deve oferecer opções chamativas, no formato de contação de história, recital e varal de poesia, gincana e oficina, clubes e grêmios literários, filmes, música, dança, teatro, pintura, escultura, game, computador, enfim, depois que pegar gosto e descobrir que se pode adquirir conhecimento de muitas maneiras, o estudante não dará mais tanta importância para a cor ou formato da tigela da salada. Fácil despertar o gosto pela salada e pela leitura, não é? Esse foi o desafio dos nossos pais e professores. Somos filhos do século passado. Por isso a maioria de nós come pouca salada (só quando adoece) e lê menos ainda (só livros de auto-ajuda para amenizar as dores ou apostilas para passar nos concursos). Somos uma geração raquítica... Se a receita acima pareceu difícil, veja o que esse novo milênio espera de nós e de nossos alunos: - O indivíduo que não desenvolver a capacidade acessar a informação nas mais diferentes e complexas mídias, estará fora do mercado de trabalho; - O individuo que souber acessar a informação, mas não conseguir compreendê-la, criticá-la, classificá-la em boa ou má, útil ou inútil, estará fora do mercado. - O individuo que souber acessar e compreender a informação, mas não conseguir traduzi-la de forma objetiva e clara, na forma verbal e escrita, estará fora do mercado. - O indivíduo que souber acessar, compreender, traduzir, mas for tímido ou egoísta suficiente para não compartilhar e não produzir novas informações, será demitido ou falirá sua empresa. Este é o desafio da nossa geração: Formar cidadãos leitores e escritores, capazes de acessar, compreender, produzir e reproduzir informações, sem explodir o planeta. Sem energia para encarar? Coma mais salada. Leia mais... Marilda Confortin é escritora, analista de sistemas aposentada e coordenou a implantação da Rede de Bibliotecas Escolares de Curitiba.