FACULDADE DE PARÁ DE MINAS
Curso de Direito
Sérgio Eustáquio Barros
O PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
Pará de Minas
2015
Sérgio Eustáquio Barros
O PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Pará de Minas – FAPAM, como
requisito parcial para conclusão do Curso de
Direito.
Orientador: Renato Corradi Bachelaine.
Pará de Minas
2015
Sérgio Eustáquio Barros
O PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Pará de Minas – FAPAM, como
requisito para elaboração de TCC do Curso de
Direito.
Aprovado em _____ / _____ / _____
__________________________________
Professor Renato Corradi Bechelaine
Especialista em Direito Público pela FADOM
__________________________________
Professor Evandro Alair Camargos Alves
Mestre em Direito pela Universidade de Itaúna.
Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes – UCAM
O presente trabalho, elaborado principalmente a partir de pesquisa bibliográfica, sobre o tema
“O PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE”, tem o objetivo de abordar as
decisões judiciais no campo da saúde e seus respectivos impactos financeiros no orçamento
estatal e, consequentemente, nas políticas públicas de atenção primária, individual e coletiva,
especialmente quanto à avaliação das perspectivas de futuro para a sociedade brasileira.
Pretende-se, ainda, contribuir para as necessárias discussões específicas sobre esse assunto no
meio científico, pois, o estudo deste tema se revela essencial sob a perspectiva financeira do
Estado para o futuro, já que os recursos são sempre escassos diante das crescentes demandas
sociais, sobretudo na área da saúde. Diante da relevância e complexidade do tema, demonstrase inadiável e inevitável que haja discussão acerca do tema para viabilizar a racionalização no
uso dos recursos existentes, de forma a garantir um atendimento de saúde minimamente
eficiente e igualitário à população, de maneira a realizar a garantia constitucional, sem,
contudo, inviabilizar a atuação estatal nas mais diversas áreas sociais.
Palavras-chave: saúde. Judicialização. escassez de recursos. direitos fundamentais. orçamento.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 6
2 DIREITOS SOCIAIS E SAÚDE..........................................................................................8
3 CONCEITO JURÍDICO DE SAÚDE................................................................................13
3.1 Saúde âmbito dos Direitos Fundamentais ...................................................................... 13
3.2 Saúde no Direito Internacional........................................................................................16
3.2.1 Direito Internacional Público e Saúde............................................................................17
3.2.2 Direito à saúde no Direito Comparado........................................................................... 19
4 BASE CONSTITUCIONAL E LEGAL DO DIREITO À SAÚDE.................................22
4.1 Evolução do Direito Sanitário nas Constituições Brasileiras.......................................22
4.1.1 Constituição do Império do Brasil de 1824.....................................................................22
4.1.2 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891.................................23
4.1.3 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.................................23
4.1.4 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937.......................................................24
4.1.5 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946.......................................................24
4.1.6 Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 e EC 01/69............................25
4.2 Direito sanitário na Constituição de 1988......................................................................26
4.3 Direito Sanitário na legislação infraconstitucional........................................................29
4.3.1 Lei Complementar 141/2012............................................................................................29
4.3.2 LOS...................................................................................................................................31
4.3.3 Saúde suplementar...........................................................................................................33
5 LIMITAÇÕES DO ESTADO.............................................................................................35
6 ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO............................................................................39
6.1 Análise de casos submetidos ao Judiciário......................................................................44
6.1.1 Direito de defesa oposto ao Estado.................................................................................44
6.1.2 Medicamento de alto custo não fornecido pelo SUS – legitimidade do MP....................46
6.1.3 Saúde Suplementar...........................................................................................................47
7 CONCLUSÃO......................................................................................................................50
REFERÊNCIAS
6
1 INTRODUÇÃO
Na elaboração do presente Trabalho de Conclusão de Curso: O PROCESSO DE
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE, realizado a partir de fontes de pesquisa bibliográficas,
jurisprudenciais e curso específico de Direito à Saúde, patrocinado pelo TJMG, realizado por
intermédio da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, todos ao final referenciados,
e partindo da premissa de que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CRFB/88), dentre as quais inclui-se o direito subjetivo,
individual e coletivo à saúde, buscou-se a formação de subsídios sólidos, no decorrer dos
capítulos deste trabalho acadêmico, para verificação dos entraves para a integral realização
desse importante direito, bem como para aferir a atuação Poder Público em relação à
promoção de soluções viáveis para o complexo problema que se apresenta diante de toda a
sociedade brasileira. Daí a relevância do tema, pois, diante da realidade do sistema de saúde
nacional, o indivíduo busca no Poder Judiciário o cumprimento do comando constitucional, o
que pode acarretar consequências desastrosas à coletividade, ante o impacto deslocativo do
orçamento ocasionado por eventual determinação judicial.
Em princípio, procedemos ao estudo da alocação do direito sanitário dentre os direitos
fundamentais e sociais, conforme previsão constitucional, bem como o desenvolvimento, sob
a perspectiva do objeto deste trabalho, de conceito dos direitos sociais e do direito à saúde,
relacionando-os à consecução do principio constitucional máximo da dignidade da pessoa
humana, estabelecendo os principais desafios a serem superados pelo Poder Público para
cumprir os comandos constitucionais, sob pena de ineficácia do próprio texto constitucional.
No intento de fixar parâmetros para a eficaz realização do direito à saúde, promovemos
pesquisa acerca do direito sanitário no Direito Internacional Público e no Direito Comparado,
explicitando a forma como as organizações internacionais e os estados estrangeiros tratam do
direito em questão nos seus principais diplomas legais. Seguindo, procede-se a analise do
direito sanitário em todas as constituições nacionais no decorrer dos tempos, para
compreender as razões de tamanha importância que o legislador constitucional originário
conferiu ao direito sanitário na atual Carta Magna brasileira. Para encerrar esta primeira parte
do trabalho, realizamos estudo acerca da legislação infraconstitucional acerca do assunto aqui
tratado, pois, embora comumente os fundamentos de ações judiciais sobre saúde sejam, como
não poderiam deixar de ser, eminentemente constitucionais, o próprio texto constitucional
estabeleceu que o direito sanitário deve ser regulamentado “na forma da Lei”. Nesse ponto do
estudo, procedemos ao estudo da saúde suplementar, que, atualmente, além de prevista
constitucionalmente, tomou dimensões de enorme relevância na realidade dos brasileiros,
como demonstrados por seus números estatísticos trazidos no bojo desse trabalho,
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apresentando reflexos diretos nas contas públicas quando seus usuários contribuem por anos
(ou décadas) com seus respectivos planos de saúde e têm determinado tratamento negado, se
veem obrigados, assim, a recorrer ao sistema público para a realização de tratamento de alto
custo, o que, aliás, ocorre por via judiciária, desconsiderando os meios próprios ditados pelo
SUS, dando ensejo à denominada universalidade excludente do acesso à saúde. Assim, a
normatização infraconstitucional tem fundamental importância para a devida realização do
direito sanitário, bem como deve ser observado pelos advogados, defensores públicos e
promotores, antes mesmo da propositura da ação judicial, assim como pelos magistrados nas
decisões judiciais, as quais são aqui analisadas sob as perspectivas da micro e macrojustiça,
de forma a realizar, de fato, e não apenas de forma, a igualdade tão almejada pela CRFB/88 e,
consequentemente, a dignidade da pessoa humana.
Visto o direito posto em abstrato, passa-se à segunda parte do trabalho especificando as
obrigações do Estado para garantir o direito sanitário de qualidade, expondo as principais
dificuldades em realizá-lo. Para tanto, destacamos as alterações sociais e culturais operadas na
sociedade brasileira, como, v.g., o significativo crescimento da expectativa de vida do
brasileiro e o respectivo impacto financeiro aos cofres públicos dessas modificações sociais e
culturais. Procedemos também à análise dos efeitos da saúde na seara privada em relação ao
Poder Público, pois ao particular também é concedido o direito de exploração do mercado
sanitário, mediante observância do regramento legal, bem como constatamos que, não
obstante a legislação pertinente, o particular também se utiliza do Poder Judiciário para obter
financiamentos indevidos para pesquisas ou para inserir fraudulentamente produtos, serviços e
medicamentos muito caros, e nem sempre eficazes, no tratamento de determinadas patologias.
Buscamos ainda analisar a escassez de recursos, financeiros, de pessoal e materiais do Estado
no que se refere à saúde, analisando os efeitos da teoria denominada “reserva do possível”, já
que esta afastada individualmente no caso concreto, é imperativamente imposta à
coletividade, sob uma perspectiva de macrojustiça.
Ao analisar a atuação do Poder Judiciário, já num terceiro momento desta pesquisa científica,
estudamos as limitações dos magistrados para decidir processos relacionados à saúde, tendose em vista o alto grau de especificidade do tema, e as medidas que o próprio Poder Judiciário
tem adotado para minimizar os efeitos negativos ao erário público, bem como as ações
multidisciplinares apresentadas pelo Poder Judiciário, pois não raros casos levados à justiça
revelam situações nas quais a justiça tardia pode não só configurar injustiça, mas a própria
violação do direito à vida de determinado indivíduo. Por outro lado, o dilema do magistrado
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surge quando, no afã de garantir a proteção constitucional ao indivíduo, em última análise,
prejudica vários outros usuários da saúde pública e, ainda, involuntariamente, favorece
financeiramente aos particulares que com extrema habilidade desvirtuam os fatos de maneira
a comercializar seus produtos ou financiar pesquisa de medicamentos e tratamentos
experimentais.
Para encerrar a terceira parte do trabalho, procedemos à análise de alguns casos concretos
levados ao Poder Judiciário, de forma a analisar se houve, ou não, negativa do Estado em
fornecer devidamente a prestação sanitária, conforme a normatização nacional, ou se nesses
casos o Poder Judiciário foi utilizado como instrumento para fraudar o erário ou para que um
indivíduo conseguisse uma vantagem pessoal sobre os demais que aguardam na “fila” para
realizar determinados tratamentos de custo e complexidade elevados.
Por fim, com o intuito de contribuir para a inevitável e sempre atual discussão sobre Direito e
saúde pública, procedemos às considerações finais, trazendo à baila as principais soluções já
encontradas para as questões sanitárias e seus respectivos impactos financeiros e sociais, bem
como buscamos explicitar um prognóstico dos sentidos aos quais se direcionam as ações
sobre saúde no Direito brasileiro para, através da realização do direito humano fundamental à
saúde, garantir o inerente direito à vida digna.
2- DIREITOS SOCIAIS E SAÚDE
Sendo o foco do presente Trabalho de Conclusão de Curso o direito à saúde, revela-se
importante tecer considerações relevantes, ainda que breves, acerca dos direitos sociais no
tempo e no espaço, sobretudo no Brasil, pois o direito à saúde está inserido no rol de direitos
sociais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no título que trata dos
direitos e garantias fundamentais, logo, entender o desenvolvimento dos direitos sociais no
tempo e no espaço, partindo da experiência sociológica que alavancou seu desenvolvimento,
fornece fundamento sólido sobre o qual edificamos o desenvolvimento da ideia central deste
trabalho acadêmico. Por esta razão, neste capítulo, desenvolve-se breve histórico dos direitos
sociais no âmbito jurídico internacional, elegendo o conceito mais adequado ao
desenvolvimento da pesquisa em curso e apontando os principais desafios ainda a ser
superados, a fim de subsidiar os capítulos seguintes que tratarão especificamente do direito à
saúde, analisando as limitações orçamentárias do Poder Público brasileiro à realização do
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direito sanitário subjetivo, individual e coletivo, e a atuação do Poder Judiciário, bem como os
respectivos efeitos de suas decisões dentro da relação processual individual e à coletividade,
para garantir a concretização deste importante direito constitucionalmente garantido.
Historicamente, os direitos sociais se desenvolveram lentamente e de forma descontínua no
decorrer dos tempos, sempre partindo, cada nova conquista, de necessidades sociais diante das
manifestações de arbitrariedade e/ou omissões estatais, por meio de seus governantes
(imperadores, monarcas, ditadores, etc.), ou do abuso do poder econômico. Como exemplo,
cita-se a Revolução Francesa, baseada nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, que
somente foi concretizada após décadas de descontentamento da população, sobretudo da
ascendente burguesia, com o autoritarismo do governo monárquico.
Até o início da Idade Contemporânea, cujo marco histórico inicial foi a Revolução Francesa
(1789), as referências históricas a direitos fundamentais, embora importantes, foram
fragmentadas e marcadas por retrocessos, quase sempre dirigidas à solução de problemas
relacionados à pobreza extrema, exclusão social e lutas pela subsistência e por segurança
material dos indivíduos e de suas famílias. Após a citada revolução, percebe-se
desenvolvimento mais consistente dos direitos fundamentais, ainda que com alguns
retrocessos, observando-se, em princípio, direitos fundamentais de cunho negativo para o
Estado, ou seja, obrigação de abstenção do Estado e direito de resistência do indivíduo em
relação ao Estado, como, v. g., o direito natural do indivíduo à vida, à liberdade, à propriedade
e à igualdade perante a Lei. Assim, a atuação estatal se limitava na garantia de segurança do
indivíduo e de suas próprias fronteiras, abstendo-se de intervir nas relações particulares
individuais. Todavia, a primeira Constituição Francesa promulgada pós-revolução (1791) já
continha tímida referência a direitos sociais no tocante a assistência aos pobres e à instrução,
porém esta constituição estabelecia a Monarquia Parlamentar, ficando o Rei limitado pela
atuação do Poder Legislativo (Parlamento), e este era escolhido através do voto censitário, o
que significa que o poder político continuava nas mãos de uma minoria, qual seja: uma parte
privilegiada da burguesia.
Segundo Fabiana Okchstein Kelbert, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de
1789 e a Constituição Francesa de 1791 poderiam ter sido mais abrangentes no que se refere
aos direitos sociais, já que Emmanuel Joseph Sieyès (1748/1836), representante da Igreja e da
aristocracia francesa que participou ativamente da criação da Assembleia Nacional Francesa
de 1789, foi responsável pela elaboração de um projeto de Constituição, o qual estabelecia
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que o Estado deveria apoiar aos seus cidadão em tudo o que fosse possível e não apenas
oferecer defesa contra inimigos externos e contra abusos do poder das autoridades internas,
ideais estes que foram repetidos em seu Catálogo de Direito Humanos (KELBERT, 2011).
Entretanto, tais ideais não serviram de fundamento para a Declaração de Direitos do Homem e
do Cidadão de 1789 e nem para a Constituição Francesa de 1791, fato atribuído pela doutrina
à insuficiência de força para realização desses direitos naquele momento. Da mesma forma, a
Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) continha previsões de cunho social
que delineava ideia de igualdade, entretanto ignorou a grave situação da exploração de
escravos, bem como não promoveu a inclusão das mulheres, por exemplo. Assim, percebe-se
que as revoluções que sucederam o absolutismo, embora trouxessem consigo a semente dos
direitos sociais e concentrassem-se nas liberdades individuais (abstenção do Estado), ainda
mantiveram as classes mais exploradas em situação de exclusão social.
Nesses termos, a visão do Estado como opressor quando intervém nas relações particulares
perdeu força, pois a igualdade conquistada com o que se convencionou chamar Estado Liberal
foi apenas formal, ainda assim, nem mesmo nesse aspecto formal foi absoluta. Materialmente
a classe proletária não progrediu, uma vez que o poder econômico da burguesia, sobretudo
com a Revolução Industrial, reprimia brutalmente a classe trabalhadora, pois, trabalhadores e
empregadores elaboravam contratos que deveriam simplesmente ser cumpridos (pacta sunt
servanda), mercantilizando o trabalho, ou seja, tratando-o como mercadoria sujeita à lei da
oferta e procura, em razão de que os mencionados contratos eram entabulados a partir de uma
perspectiva míope de igualdade, sendo assim, desconsiderava a individualidade do
trabalhador. Tal situação fática acarretou, segundo GOTTI, na
luta pela melhoria das condições dos trabalhadores e a percepção das distorções
intoleráveis a que levavam a aplicação das noções jurídicas típicas do liberalismo às
relações la orais onduziram à derro ada desse modelo, e à sua substituição por um
novo, ao qual – dada sua articulação como resposta ao conflito que então se
denominava „questão so ial‟ – se deu o nome de Direito social. (GOTTI, 2012, p.35)
Sob influência marxista-leninista, as constituições do século XX, paulatinamente, inseriram
em seus textos direitos sociais, notadamente as constituições Mexicana de 1917, a Declaração
dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da República Soviética Russa, em 1918, a
Constituição de Weimar de 1919 e a Constituição Espanhola de 1931.
Dessa forma, o Estado abandona sua posição liberal de abstenção para firmar uma posição
ativa, positiva e intervencionista, sem abandonar a igualdade formal, mas buscando também
uma igualdade material entre os indivíduos, de forma a atenuar desigualdades sociais então
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existentes. Assim, o Estado busca garantir direitos sociais aos indivíduos, tais como o direito
à saúde, educação, condições mínimas de trabalho, previdência social, dentre outros. Surge o
Estado Social, intervencionista, que se vale de políticas públicas (programas de ação
governamental) para garantir os chamados direitos de segunda geração – Direitos Sociais.
Cumpre esclarecer, que séculos de desigualdades não se resolvem simplesmente com a
tentativa de colocação em prática de uma teoria, assim, o Estado Social também não prospera.
Diversas são as razões apontadas pelos estudiosos, dentre as quais destacamos as dificuldades
econômicas dos estados para garantir os direitos sociais, os governos autoritários observados
em vários países nesse período, as transformações pelas quais as sociedades passam com o
decorrer do tempo, o processo de globalização e, com ele, o neoliberalismo, pregando a
abstenção estatal e a maximização dos lucros, etc.. Entretanto, o modelo neoliberal agrava as
desigualdades sociais, pois suprime direitos sociais e intensificação de um processo de
exclusão social e econômico de grande parcela da população.
Somente no período pós-guerra (pós 2ª Guerra Mundial), com a aprovação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e outros pactos internacionais, os estados foram
reconhecendo em suas constituições os princípios supremos da Dignidade da Pessoa Humana
e da Igualdade. Segundo Paulo Bonavides, citado por Kelbert, “o Estado Social do
constitucionalismo democrático da segunda metade do século XX apresenta-se como mais
adequado a concretizar a universalidade dos valores abstratos das Declarações de Direitos
Fundamentais.” (BONAVIDES, apud KELBERT. 2011. p.26)
Dessa forma, como se percebe, no decorrer da história cada conquista de direitos, sejam estes
individuais ou sociais, decorreu de momentos sociais nos quais determinadas sociedades
tinham a dignidade de determinados grupos ofendida, sobretudo no âmbito trabalhista, o que
se refletiu nas lutas de classes.
No Brasil, embora tenha havido algumas referência a direitos sociais nas constituições
nacionais, a atual Carta Magna é a principal protetora dos direitos sociais, como se verá em
tópico próprio. Como afirma o Ministro Eros Gral, citado por GOTTI, a Constituição de 1988
define “um modelo econômico de em-estar. sse mode o desenhado desde o disposto nos
seus arts.
e
at o quanto enun iado no seu art.
não pode ser ignorado pelo Poder
Executivo [muito menos pelos Poderes Legislativo e Judiciário, diga-se de passagem]”...
(GRAL apud GOTTI, 2012, p. 44).
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Considerando o fundamento máximo da Constituição Federal de 1988 - Dignidade da Pessoa
Humana -, em princípio, podemos conceituar direitos sociais como sendo o resultado de
reivindicações de caráter social, que materializa direitos assegurados pelo Estado aos
indivíduos para viabilizar a realização da igualdade material e, consequentemente, a dignidade
da pessoa humana.
Em qualquer país do mundo o principal obstáculo à concretização plena dos direitos sociais é
seu alto custo, principalmente no que se refere à saúde. Ao enfrentar o tema, Kelbert, com
amparo em majoritária doutrina, afirma que “todos os direitos têm custos. Ao contrário do
que já se pensou, não apenas os direitos a prestações positivas, mas mesmos os direitos a
prestações negativas envo vem ustos.” (KELBERT, 2011, p. 66). Ao custo financeiro da
realização dos direitos sociais, em termos de Brasil, acrescente-se a corrupção dentro e fora
do Poder Público, a enorme dimensão territorial do País, as acentuadas diferenças sociais,
culturais e regionais existentes, além do envelhecimento da população brasileira, dentre
outros.
Havia entendimento doutrinário de que somente os direitos constitucionalizados de primeira
geração/dimensão seriam de aplicação imediata, pois requeriam apenas atuação negativa do
Estado para garantir as liberdades individuais, ao passo que os direitos sociais (segunda
geração/dimensão) seriam de aplicação mediata, dependendo de mediação legislativa e
políticas públicas, já que geram ônus financeiro ao Estado, entretanto, tal posicionamento foi
superado sob o argumento de que a igualdade prestigiada pela constituição seria superficial
com a distinção de aplicabilidade entre direitos de primeira e segunda dimensão.
Por fim, quando o Estado se omite quanto em relação às suas obrigações constitucionalmente
estabelecidas para a garantia dos direitos sociais, não resta alternativa senão recorrer ao Poder
Judiciário para forçar o Poder Público (Poder Executivo e/ou Legislativo) ao cumprimento do
comando constitucional. Entretanto, a satisfação de um direito pela via judicial nem sempre é
a melhor alternativa para a sociedade de uma forma geral, pois ao proferir uma decisão, em
regra, o magistrado se restringe à análise das questões jurídicas individuais e subjetivas da
lide (microjustiça), não levando em consideração as disposições orçamentárias do ente
político e seus efeitos à coletividade, podendo, assim, esgotar a capacidade orçamentária do
ente estatal, comprometendo, com isso, a realização de outros direitos fundamentais e ainda,
como se verá no decorrer deste estudo, favorece a utilização do Poder Judiciário para fraudar
o erário estatal. Corroborando este posicionamento, entende Gustavo Amaral que:
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Nenhum direito cuja efetividade pressupõe um gasto seletivo dos valores
arrecadados dos contribuintes pode, enfim, ser protegido de maneira unilateral pelo
Judiciário sem considerações às consequências orçamentárias, pelas quais, em
última instância, os outros dois poderes são responsáveis. (AMARAL, 2001, p. 78)
3 CONCEITO JURÍDICO DE SAÚDE
Neste tópico busca-se conceituar juridicamente o direito à saúde a partir de sua inserção
dentre os direitos fundamentais sociais da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, demonstrando uma comparação com as disposições contidas sobre o tema em algumas
constituições estrangeiras e no âmbito do Direito Internacional Público, bem como sua
evolução nas constituições nacionais, com a finalidade de analisar eventual existência de
parâmetros externos e estabelecer limites aos quais o Estado estaria vinculado à sua garantia.
3.1 Saúde no âmbito dos direitos fundamentais
Segundo Cury, “o direito a saúde é o principal direito fundamental social encontrado na Lei
Maior brasileira, diretamente ligado ao princípio maior que rege todo o ordenamento
jurídico pátrio: o princípio da dignidade da pessoa humana.” (CURY. 2005. p. 30).
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana se refere a princípio matriz da
Constituição Federal de 1988, de difícil conceituação, do qual decorrem todos os outros,
portanto, importante relacioná-lo aos demais direitos fundamentais. Assim, tamanha é sua
importância que logo no artigo 1º, inciso III, o Poder Constituinte Originário o inseriu como
fundamento da República Federativa do Brasil. Reafirmando o princípio da dignidade da
pessoa humana, a CRFB/88 determina como objetivos fundamentais constituir uma sociedade
justa, reduzir desigualdades sociais e promover o bem de todos, assim como elenca em todo o
seu corpo numerosos direitos humanos, individuais e/ou coletivos, de observância obrigatória
para efetivação da dignidade da pessoa humana.
Não há como realizar a dignidade da pessoa, nem os objetivos fundamentais
supramencionados sem que haja eficaz sistema de saúde, pois o direito à vida digna, garantido
constitucionalmente, jamais será efetivado enquanto houver abandono dos indivíduos pelo
Estado em caso de enfermidade grave ou na velhice. Tal é a relevância do direito à saúde, que
o Poder Constituinte Originário incluiu como hipótese de intervenção da União nos Estados e
no Distrito Federal, dentre outras, a não observância do princípio da dignidade da pessoa
humana e a não aplicação do mínimo exigido por lei (LC 141/2012) de suas respectivas
14
receitas em ações e serviços de saúde (artigo 34,VII, “ ” e “e”). No mesmo sentido a CF/88
previu em seu artigo 35, inciso III a possibilidade de intervenção dos estados em seus
respectivos municípios. Não obstante o comando constitucional, várias constituições
estaduais, como, por exemplo, as constituições paulista, mato-grossense e catarinense,
previram expressamente a possibilidade de intervenção nos municípios de forma semelhante o
previsto na Carta Magna.
Do ponto de vista do senso comum, considerando o significado literal do vocábulo, saúde é o
estado daquele cujas funções orgânicas físicas e mentais se acham em situação normal, ou
seja, significa não estar enfermo. Porém, se déssemos esse sentido ao termo saúde inserido no
texto constitucional, o Estado não teria responsabilidade com o tratamento daquelas pessoas
que são acometidas por moléstias crônico-degenerativas incuráveis, pois elas nunca estariam
saudáveis. Portanto, em sentido jurídico o direito à saúde tem significado amplo, engloba a
preservação de um meio-ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações atuais e
futuras, o direito ao lazer e educação, o direito ao tratamento médico preventivo, bem como o
direito de acesso aos meios adequados para o restabelecimento da saúde e tratamento
humanizado e eficiente àqueles acometidos por moléstias as quais a Ciência ainda não
encontrou soluções definitivas.
O Poder Constituinte Originário inseriu o direito à saúde em vários dispositivos
constitucionais com a intenção de corrigir distorções da realidade social brasileira. Entretanto,
o acesso pleno à saúde, preconizado na Carta Magna, parece ainda longe de ser realizado. De
um lado a maioria da população, dependente do Sistema Único de Saúde - SUS -, não tem o
acesso adequado aos meios preventivos e curativos, de outro lado o Poder Público, através de
seus representantes, alega não dispor de recursos financeiros para avançar mais rapidamente
no desenvolvimento de formas de aprimoramento do atual sistema de saúde brasileiro. No
meio dessa contenda, o Poder Judiciário, sem conhecimento técnico em relação á medicina e
sem responsabilidade direta com a administração das finanças públicas, é responsável por
decidir se o Estado deve ou não arcar com tal ônus financeiro e procedimental.
Em verdade, boas ideias têm sido colocadas em prática na área da saúde, porém, devido à
extensão continental, à enorme população e à diversidade cultural e regional existente no País,
tais ideias não são aplicadas em sua plenitude. Outra situação importante a ser analisada se
refere ao envelhecimento da população brasileira. É notório que a cada dia a população de
idosos do País aumenta e, com esse aumento, vem também o aumento das moléstias próprias
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da idade avançada, tais como osteoporose, doença de Alzheimer e de Parkinson, dentre outras
doenças demenciais, cujo cuidado é permanente, especializado, incurável e de alto custo
financeiro.
Nosso País, infelizmente, não está preparado para atender devidamente ao comando
constitucional de realização do direito ao acesso universal, igualitário à saúde integral, ou
seja, segundo o Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Dr. Renato Luiz
Dresch, a CRFB/88, promulgada após longo período ditatorial no qual o Brasil não criou
estrutura adequada no que se refere à saúde, garante “tudo para todos”. No Brasil se gasta
muito e investe pouco do campo da saúde. Como consequência, as pessoas economicamente
necessitadas (ou não) buscam garantir seus direitos pela via judicial. Esse processo de
judicialização da saúde atende a casos pontuais, porém, não é vocação do Poder Judiciário
administrar finanças públicas e nesse processo, o Poder Executivo redistribui seu orçamento,
redirecionando verbas do próprio sistema de para atender às determinações judiciais. Noutras
palavras, retira-se verba do atendimento preventivo/coletivo para alocá-lo no tratamento
curativo individual.
Considerados direitos de 2ª geração/dimensão, os direitos sociais, principalmente o direito à
saúde, no contexto constitucional, assume dois enfoques, quais sejam: natureza negativa,
inibindo o Estado e o particular da prática de atos que prejudiquem o indivíduo; e de natureza
positiva, fomentando o Estado à prática de atos, mediante de políticas sociais e econômicas,
para implementação dos direitos sociais. Diante do exposto, percebe-se a “perfeita integração
entre os grupos de direitos humanos constitucionalizados, pois, os direitos individuais se
concretizam através da disposição dos direitos sociais, que somente são possíveis através do
Direito Econômico”. (MAGALHÃES. 2005. p. 150).
Enfim, segundo a Organização Mundial de Saúde, a saúde é definida omo um “estado de
completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma
doença ou enfermidade”.
3.2 Saúde no Direito Internacional
A finalidade do presente tópico é estudar como o direito à saúde é amparado no Direito
Internacional e as principais normas sanitárias contidas em acordos e tratados internacionais
sobre saúde os quais o Brasil é signatário, bem como entender a forma com que Estados
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estrangeiros tratam a saúde em suas respectivas constituições, para possibilitar a análise
comparativa de soluções encontradas no campo internacional em relação ao Brasil. A partir da
diferenciação entre direito humano e direito fundamental, sendo este último o direito que
pertença a grupo de direitos essenciais à dignidade da pessoa humana positivados na ordem
interna e aquele o mesmo direito, porém positivados em instrumentos de Direito
Internacional, busca-se analisar a forma e a força como o ordenamento jurídico nacional adota
as regras de Direito Internacional.
3.2.1 Direito Internacional Público e Saúde
Segundo Vanessa Oliveira Batista,
(...) para o cumprimento das obrigações internacionais de proteção é necessária a
atuação dos órgãos internos dos Estados para que apliquem as normas
internacionais. Da adoção e aperfeiçoamento de medidas nacionais eficazes depende
hoje, em grande parte, a evolução da própria proteção internacional dos direitos
humanos. Em outras palavras, o direito internacional e o direito interno devem
formar um todo harmônico para que se efetive a proteção. (BATISTA. 2012. p.8)
Assim, considerando que várias constituições alienígenas conferem tratamento especial às
normas de Direitos Humanos convencionadas, o Estado se obriga a cumpri-las, sob pena de
determinado Estado se sujeitar à responsabilização internacional. No caso do Brasil, há
necessidade de procedimento legislativo de aprovação de convenção para que a norma
internacional a qual o País aderiu passe a surtir efeitos, mas não há necessidade de edição de
lei especial para conferir-lhe validade.
As normas protetoras de direitos humanos que sejam recepcionadas pelo Estado brasileiro nos
termos do art. 5º, §§ 2º e 3º da CRFB/88, terão status de legislação constitucional. Entretanto,
no Brasil não há controle prévio de constitucionalidade de acordos internacionais, assim,
sendo o acordo incompatível com a Constituição Federal, a inconstitucionalidade deverá ser
declarada pelo STF (Constituição Federal de 1988, artigo 102, III, alínea b), hipótese na qual
o acordo deverá ser denunciado no plano internacional. Conforme esclarece Vanessa Oliveira
Batista o direito à saúde, consagrado em instrumentos internacionais de que participe o
Brasil e que tenham sido ratificados, pode ser invocado internamente por ter suporte jurídico
constitucional. (BATISTA, 2012. p.12)
Prestados breves esclarecimentos acerca da força normativa dos tratados internacionais no
âmbito jurídico nacional, vejamos alguns instrumentos internacionais de proteção à saúde.
17
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em Paris, em 10 de Dezembro de 1948, trata expressamente do direito à saúde
como Direito Humano Fundamental nos seguintes termos:
Artigo 25°
1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua
família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao
alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e
tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na
velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias
independentes da sua vontade.
2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as
crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.
Como forma de garantir que os diversos Estados-membros implementem Direitos Humanos
no âmbito de suas respectivas competências internas, incluindo o direito à saúde, a DUDH
estabeleceu em seu artigo 8º que toda pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições
nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela
Constituição ou pela lei.
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, ratificado pelo
Brasil em 24 de janeiro de 1992, em seu artigo 12, estabelece medidas preventivas para
garantia do direito à saúde:
Artigo 12
§1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de
desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental.
§2. As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim
de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam
necessárias para assegurar:
1. A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o
desenvolvimento são das crianças.
2. A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente.
3. A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e
outras, bem como a luta contra essas doenças.
4. A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços
médicos em caso de enfermidade.
Subordinada à Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde, com sede
em Genebra, na Suíça, fundada em 07 de abril de 1948, é uma agência internacional
especializada em saúde. A OMS é composta por 194 Estados-membros, incluindo todos
os Estados Membros da ONU, exceto o Liechtenstein e inclui também dois não membros da
ONU, Niue e as Ilhas Cook. O embrião da OMS foi o Comitê de Higiene, criado pela extinta
Sociedade das Nações – SDN – (também denominada Liga das Nações) após a Primeira
Guerra Mundial. O Brasil teve grande importância para a criação da Organização Mundial da
18
Saúde (OMS) - ou World Health Organization (WHO), em inglês -, uma vez que a proposta
para criá-la, foi de autoria de delegados brasileiros e chineses.
Segundo sua constituição, a OMS “tem por objetivo desenvolver ao máximo possível o nível
de saúde de todos os povos”. A saúde é definida nesse mesmo documento como um “estado
de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma
doença ou enfermidade”.
A OMS vem desenvolvendo políticas de promoção e proteção, bem como estabelecendo
diretrizes na área de saúde, constando de sua pauta a luta contra o tabagismo, o câncer, os
problemas geriátricos, o monitoramento do meio ambiente, as ações de emergência e
humanitárias, dentre outras, bem como desenvolve trabalhos conjuntos com entidades não
estatais. Atualmente, em colaboração com a OMS atuam mais de 190 Organizações não
governamentais, que lhe dão apoio na promoção de políticas sanitárias, estratégias e
programas.
Nas Américas foi criado em 1902 a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), que, mais
tarde, em 1947, passou a fazer parte da ONU, se tornando escritório regional da OMS, tendo
por finalidade promover e coordenar esforços para os países da região das Américas no
sentido de combater enfermidades, aumentar a expectativa de vida promover a saúde física e
mental das pessoas. A OPAS, atualmente, vem implementando políticas específicas sobre a
saúde da mulher, bioética, drogas essenciais e tecnologia, saúde de família, alimentação e
nutrição, saúde e meio ambiente, saúde veterinária, além de políticas de prevenção e controle
de enfermidades.
Não podemos deixar de mencionar a Cruz Vermelha (Crescente vermelha nos países
muçulmanos), criada a partir da Convenção de Genebra para Proteção das Vítimas de Guerra
de 1864, que, atualmente, além de atuar em países em conflitos armados, também socorre
vítimas de desastres naturais.
Enfim, percebe-se a importância do direito à saúde demonstrada internacionalmente, sendo tal
direito norma cogente, não submetido ao princípio da reciprocidade, configurando
compromisso da humanidade com direitos humanitários.
3.2.2 Direito à saúde no Direito Comparado
19
Observando a precariedade como é colocado em prática este relevante direito individual e
social no Brasil, apesar de amplamente garantido pela CRFB/88, é relevante estudar, ainda
que de forma sucinta, como outros estados tratam do tema, pois, conforme entendimento de
Caroline Leite de Camargo, em artigo publicado no site Âmbito Jurídico em janeiro de 2014:
Para que um direito fundamental individual seja reconhecido como tal é necessário
que esteja regulamentado na forma de Constituição dentro de um Estado, essa
proteção terá a forma de um direito subjetivo. Se a proteção for de todos os
indivíduos dentro da coletividade, e cada membro protegido não puder ser
individualizado de forma concreta, teremos o direito objetivo como forma de
proteção. (CAMARGO. 2014)
Assim, vejamos como se estabelece o direito à saúde em alguns importantes ordenamentos
constitucionais.
A Constituição Italiana trouxe em seu bojo os seguintes termos:
Art. 32. A República tutela a saúde como direito fundamental do indivíduo e
interesse da coletividade, e garante tratamento gratuito aos indigentes.
Ninguém pode ser obrigado a um determinado tratamento sanitário, salvo disposição
de lei. A lei não pode, em hipótese alguma violar os limites impostos pelo respeito
da pessoa humana.
O texto supratranscrito utiliza-se de terminologia de difícil compreensão, a exemplo de
determinar que o Estado Italiano “tutela” a saúde omo direito fundamental individual, ou
seja, protege o direito, no entanto, somente garante tratamento gratuito somente aos
indigentes. Tais expressões sugerem uma participação menor do Estado no fornecimento de
saúde à população, não fazendo qualquer referência à saúde preventiva ou a instrumentos para
sua concretização. Esse dispositivo ainda protege o indivíduo da ação do Estado, exceto em
casos dispostos em Lei, como, o exemplo de epidemias, impondo, inclusive, o respeito à
pessoa humana.
Ao contrário, a Constituição da Espanha de 1978 trata de forma mais abrangente,
reconhecendo o direito à proteção à saúde, trata de tratamento preventivo e de recuperação,
bem como faz referência à relação entre a saúde e a educação sanitária, educação física e o
desporto. Tudo conforme artigo 43:
Artículo 43
1. Se reconoce el derecho a la protección de la salud.
2. Compete a los poderes públicos organizar y tutelar la salud pública a través de
medidas preventivas y de las prestaciones y servicios necesarios. La ley establecerá
los derechos y deberes de todos al respecto.
20
3. Los poderes públicos fomentarán la educación sanitaria, la educación física y el
deporte. Asimismo facilitarán la adecuada utilización del ocio.
A Constituição de Portugal (1976) trata de direitos sociais em vários artigos, dentre os quais,
no artigo 64, trata do direito à saúde, nos seguintes termos:
Artigo 64.º
Saúde
1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à proteção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as
condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;
b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que
garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da velhice, e pela
melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção
da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da
educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.
3. Para assegurar o direito à proteção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição
económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos
e unidades de saúde;
c) Orientar a sua ação para a socialização dos custos dos cuidados médicos e
medicamentosos;
d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina,
articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas
instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de
qualidade;
e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos
produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e
diagnóstico;
f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.
4. O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada. (grifo
nosso)
A Carta Magna Lusa, que guarda algumas semelhanças com a brasileira, como, por exemplo,
ambas trazem em seus artigos 1º a dignidade da pessoa humana como fundamento. Passou por
revisões constitucionais que buscaram, na verdade, liberar o Estado Português de parte de sua
responsabilidade reduzindo o caráter social de alguns dispositivos. Por exemplo, em relação
ao direito à saúde, o item 2 do artigo 64, antes da 7ª revisão constitucional (2005) continha o
seguinte conteúdo:
O direito à proteção da saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de
saúde universal, geral e gratuito, pela criação de condições económicas, sociais e
culturais que garantam a proteção da infância, da juventude e da velhice e pela
melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção
da cultura física e desportiva, escolar e popular e ainda pelo desenvolvimento da
educação sanitária do povo. (grifo nosso)
21
Assim, a assistência de saúde que inicialmente seria gratuita, passa a ser tendencialmente
gratuita e, ainda assim, observando as condições econômicas da população. Portanto, percebese a complexidade do tema, pois, em qualquer país de mundo garantir o direito à saúde é, sem
dúvida, o desafio mais difícil, ante o alto custo da promoção da saúde. A alteração do texto
constitucional ocorreu após discussão judicial acerca da criação pelo Poder Público Português
de lei que autorizava a cobrança de taxas moderadoras dos indivíduos pelo uso do Sistema
Nacional de Saúde. Nesse momento o Tribunal Constitucional julgou constitucional a
cobrança como forma de racionalizar a utilização do SNS, malgrado o texto constitucional
constasse, naquele momento, que o atendimento de saúde fosse “universal, geral e gratuito”.
A Constituição Estadunidense, principal exemplo de Constituição liberal, não contém
dispositivos que versem expressamente sobre direitos sociais. Segundo José Luiz Quadros
Magalhães (2008), em 2008 cerca de 50 milhões de norte-americanos não possuíam qualquer
acesso à assistência à saúde.
Por outro lado, a Constituição de Cuba, exemplo de Constituição socialista, enfatiza os
direitos sociais, conforme se observa em seu artigo 50:
artículo 50º.- Todos tienen derecho a que se atienda y proteja su salud. El Estado
garantiza este derecho:
 con la prestación de la asistencia médica y hospitalaria gratuita, mediante
la red de instalaciones de servicio medico rural, de los policlínicos,
hospitales, centros profilácticos y de tratamiento especializado;
 con la prestación de asistencia estomatológica gratuita;
 con el desarrollo de los planes de divulgación sanitaria y de educación para
la salud, exámenes médicos periódicos, vacunación general y otras
medidas preventivas de las enfermedades. En estos planes y actividades
coopera toda la población a través de las organizaciones de masas y
sociales.
Como se observa, há uma referência ampla ao direito à saúde com explicitação à medicina
curativa e preventiva, sendo que em outros dispositivos constitucionais há referências à
segurança do trabalho, higiene, etc..
Enfim citamos a Inglaterra, que estipula limite máximo de gastos em saúde anual por pessoa
no montante de £ 20.000,00 (vinte mil libras esterlinas) e, excepcionalmente, £ 30.000,00
(trinta mil libras esterlinas). Acima de tal montante, não há saúde pública no sistema inglês.
Diante da reduzida, mas significativa, comparação supramencionada, à qual acrescenta-se
ainda a informação prestada pelo Dr. Renato Drech, Desembargador do TJMG, coordenador
22
do Comitê Executivo da Saúde de Minas Gerais do CNJ e membro do Comitê Executivo
Nacional da Saúde do CNJ, de que não há no mundo nenhum país com mais de 80.000.000
(oitenta milhões) de habitantes com a abrangência de saúde pública que se compare com o
sistema de saúde Brasileiro1. Portanto, verificamos o enorme desafio do Brasil em financiar e
manter sistema tão abrangente e completo de saúde e, ainda, avançar na qualidade de
atendimento.
4 BASE CONSTITUCIONAL E LEGAL DO DIREITO À SAÚDE
Antes de o Brasil ter constituição própria, antes mesmo da independência, havia apenas ações
isoladas na área da saúde, sem, contudo, ter abrangência geral, como, por exemplo, no século
XIX a Corte Portuguesa criou a Sociedade de Medicina e Cirurgia no RJ, em 1808 foi criada a
Escola de Cirurgia na Bahia e em 1809 foi instituída a Cátedra de Anatomia no Hospital
Militar – RJ. Posteriormente surgiu a primeira Constituição Brasileira (1824).
4.1 Evolução do Direito Sanitário nas Constituições Brasileiras
De um modo geral, historicamente, as diversas constituições brasileiras inseriram poucos
direitos sociais em seus textos, à exceção da atual Carta Magna. Na análise que se segue das
constituições brasileiras (1824 a 1967 e EC01/69) percebe-se que o foco do legislador
constitucional, quanto a direitos sociais e sanitários, dirigiam-se principalmente aos
trabalhadores, ficando o restante da população amparada pela insuficiente estrutura de
filantropia das santas casas.
4.1.1 Constituição do Império do Brasil de 1824
A Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, primeira Constituição
Nacional, concebida sob a influência de ideais liberais, destinou um de seus títulos (Título
VIII) aos direitos individuais, ao qual nomeou “Das Disposições Geraes, e Garantias dos
Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros”. Entretanto, as garantias ali tuteladas
configuravam uma dimensão negativa, ou seja, direito de defesa dos cidadãos contra
arbitrariedades estatais. Quanto a direitos sociais, o cerne da referida Carta Magna foi o artigo
179, XXIV, que vedava a proibição aos cidadãos do exercício de qualquer trabalho que não se
opusesse aos costumes públicos, à segurança, e à saúde dos Cidadãos, sendo esta a única
1
Aula do CURSO DE DIREITO À SAÚDE, ministrada no dia 06/03/2015.
23
referência expressa ao termo saúde. Como se percebe não houve proteção à população em
geral, mas tão somente contra atividades laborativas que se opusessem à saúde dos cidadãos.
4.1.2 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro 1891, por sua
vez, também garantiu o direito ao exercício de qualquer profissão moral, intelectual e
industrial (art. 72, § 24), bem como fez referência ao ensino público, entretanto, nela não
houve qualquer menção de garantia do Estado Brasileiro ao direito sanitário, apenas, de forma
abstrata, no artigo 78, determinou que além dos direitos e garantias expressos, haveria
proteção de outros “não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece
e dos prin ípios que onsigna.” No mesmo sentido do Poder Público, nesse período, a própria
população revelava-se contrária às ações efetivas quanto à saúde, a exemplo da famosa
Revolta das Vacinas, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, em razão da obrigatoriedade de
vacinação da população contra a febre amarela. Nesse evento, coordenado pelo sanitarista
Osvaldo Cruz, parte da população carioca pensava que a vacinação se destinava a matar
pessoas, outros pensavam que a intensão dos sanitaristas seria ter contato com os corpos das
mulheres, motivos que causaram a revolta da população, que culminou em “que ra-que ra”
na então Capital da República, em 1904.
4.1.3 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934
A constituição seguinte foi a Constituição de 16 de julho de 1934, que previa como
competência concorrente da União e dos Estados cuidar da saúde e assistências públicas (art.
10, II), sem, contudo, estabelecer qualquer parâmetro para que se pudesse dimensionar a
abrangência do direito tutelado ou diferenciar saúde de assistência pública. Estabeleceu um
apítulo intitulado “Dos Direitos e Garantias Individuais”, dentre os quais se destacam o
direito de exercício livre de qualquer profissão e o direito de prover à própria subsistência e à
de sua família, mediante trabalho honesto; bem como estabeleceu que o Poder Público deveria
amparar, na forma da lei, os que estejam em situação de indigência. Assim, segundo Kelbert,
“essa constituição contemplou o primeiro esboço de assistência so ia ”, embora tenha
excluído do direito à aposentadoria.
4.1.4 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937
24
Seguiu-se a Constituição de 10 de novembro de 1937, outorgada pelo Governo Vargas, que
estabeleceu como competência privativa da União legislar sobre normas fundamentais da
defesa e proteção da saúde, especialmente da saúde da criança (art. 16, XXVII), garantindo
aos estados, contudo, legislar sobre assistência pública, obras de higiene popular, casas de
saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais, suprindo omissões ou
complementando leis nacionais, ou tratando da matéria quando a União não o fizer (art. 18).
Ainda, na parte destinada aos Direitos e Garantias Individuais, garantiu o direito à
igualdade, liberdade, segurança, liberdade de escolha de profissão e o ensino primário
gratuito e obrigatório, dentre outros direitos (arts. 122/123). Quanto à saúde do trabalhador,
proibiu o trabalho de menores de quatorze anos e de trabalho noturno aos menores de
dezesseis, e, em indústrias insalubres, aos menores de dezoito anos e às mulheres; garantiu
assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo
do salário, um período de repouso antes e depois do parto; instituiu seguros de velhice, de
invalidez, de vida e para os casos de acidentes do trabalho.
4.1.5 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946
A Constituição de 1946 amplia as previsões dos direitos sociais, estipulando, inclusive
parâmetros mínimos de investimentos em determinadas áreas sociais, como, por exemplo,
10% (dez por cento) da renda dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino
(art. 169) e metade, no mínimo, dos 15% (quinze por cento) arrecadado pela União e
repassado aos municípios, será aplicada em benefícios de ordem rural, considerando por
benefício de ordem rural todo o serviço que for instalado ou obra que for realizada com o
objetivo de melhoria das condições econômicas, sociais, sanitárias ou culturais das
populações das zonas rurais. Previu, ainda, que atos do Presidente da República que
atentassem contra direitos sociais seriam considerados crime de responsabilidade (art. 89,
II).
Destaca-se que, na vigência da CF/46 houve significativa alteração previdenciária, pois a
previdência social no Brasil teve início com a chamada Lei Elói Chaves (1923), que criou as
Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), que operavam em regime de capitalização,
eram, em regra, organizadas por empresas e empregados. Entretanto eram estruturalmente
frágeis por possuírem um número reduzido de contribuintes e seguirem hipóteses
demográficas de parâmetros duvidosos. Outro fator de fragilidade era o elevado número de
fraudes na concessão de benefícios. Em 1930, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas,
suspendeu as aposentadorias das CAPs durante seis meses e promoveu uma reestruturação
25
que acabou por substitui-las por Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). As IAPs eram
autarquias de nível nacional centralizadas no Governo Federal. As principais IAPs criadas
foram as seguintes: IAPM (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos- 1933),
IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, criada pelo Decreto n° 24.272,
de 21 de maio de 1934), IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, criada
pelo Decreto nº 24.615, de 9 de julho de 1934), IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensões
dos Industriários (Lei n° 367, de 31 de dezembro de 1936), IPASE (Instituto de Pensões e
Assistência dos Servidores do Estado criado pelo Decreto-Lei n° 288, de 23 de fevereiro de
1938), dentre outros. Dessa forma, a filiação passou a ocorrer por categorias profissionais, ao
contrário do modelo das CAPs, que se organizavam por empresas. Em 1964, houve a fusão de
todos os IAPs no INPS (Instituto Nacional da Previdência Social). Finalmente, em 1990, o
INPS se fundiu ao Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social
(IAPAS) para formar o Instituto Nacional de Seguridade Social. O INAMPS, que funcionava
junto ao INSS, por sua vez, foi extinto e seu serviço passou a ser coberto universalmente a
todos pelo SUS. Noutras palavras, houve dissociação do trabalho e previdência social da
prestação de serviços de saúde.
4.1.6 Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 e EC 01/69
A Constituição de 1967, cujo foco principal era segurança nacional e o desenvolvimento
econômico-social, manteve vários direitos aos trabalhadores que tinham como escopo o
desenvolvimento de sua vida social (artigo 158), como, por exemplo, assistência sanitária,
hospitalar e médica preventiva aos trabalhadores (inciso XV). Segundo Ledur, citado por
Kelbert, “normas que antes da Constituição de 1967 se limitavam a preceitos endereçados ao
egis ador ordinário passaram a a rigar direitos de natureza onstitu iona ” (LEDUR apud
KELBERT.2011.p.31). A Emenda Constitucional nº 01 de 1969, alterou substancialmente o
texto constitucional de 67, porém, aos direitos sociais houve poucas modificações.
Assim, percebe-se que o amparo social, sobretudo, sanitário e previdenciário, nas
constituições brasileiras anteriores à de 1988, tinham natureza securitária e assistencial, ou
seja, ao trabalhador havia o direito à assistência de saúde e às demais camadas populacionais
restavam o amparo insuficiente das santas casas. Por fim, é promulgada a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, contendo o maior rol de direitos sociais jamais vistos
nas constituições nacionais anteriores. O estudo do Direito Sanitário na CRFB/88 será
estudado no tópico seguinte, face a sua abrangência e importância para este TCC.
4.2 Direito Sanitário na Constituição de 1988
26
Cada novo ordenamento jurídico-constitucional que se inaugura tem origem no
descontentamento com o regime anterior, assim, cada constituição nacional seguiu ideais que
romperam de alguma forma com o modelo anterior. Dessa forma também foi a CRFB/88, que
instituiu o Estado Democrático de Direito no Brasil, inserindo grande número de direitos
individuais e sociais, expressos ou não em seu corpo, rompendo como o modelo autoritário
anterior. Nas palavras de Luís Roberto Barroso, citado por Gustavo Amaral:
(...) ao longo da historia brasileira, sobretudo nos períodos ditatoriais, reservou-se
ao direito constitucional um papel menor, marginal. Nele buscou-se, não o
caminho, mas o desvio; não a verdade, mas o disfarce. A Constituição de 1988, com
suas virtudes e imperfeições, teve o mérito de criar um ambiente propicio a
superação dessas patologias e a difusão de um sentimento constitucional, apto a
inspirar uma atitude de acatamento e afeição em relação à Lei Maior. (BARROSO,
apud AMARAL. 2001. p.10)
A saúde é tratada com importância tão significativa que a CRFB, considerada marco histórico
brasileiro na introdução de direitos sociais, constou de 57 referên ias à expressão “saúde”,
sendo, 42 no texto principal e 15 no ADCT. Institui, ainda, a denominada tripartição da
prestação da saúde, o que significa que a prestação de serviços de saúde pode ser prestada de
forma pública, prestada regular e diretamente pelo Poder Público/Estado; complementar, que
complementa a saúde pública, sendo também prestada pelo Estado, no entanto, através de
interpostas pessoas (laboratórios, hospitais, etc.); e suplementar, prestada pela iniciativa
privada sem contrapartida do Estado, a exemplo dos planos de saúde.
O direito à saúde é norma de direito fundamental social (não mais assistencial) de
aplicabilidade imediata, nos termos do artigo 5º, § 1º da CRFB/88, pois se encontra alocado
topograficamente no capítulo que trata dos direitos sociais, inserido no Título II da
Constituição federal, que se refere aos direitos e garantias fundamentais, além de constituir,
conforme dito alhures, um direito social fundamental.
O artigo 6º esta ele e que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infân ia a assistên ia aos desamparados” (...). Já o artigo 7º, IV determina que o salário
mínimo deverá ser capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência
social. Determina a atual Carta Magna como competência comum dos entes da Federação
cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de
27
deficiência (art. 23, II), bem como estabelece competência concorrente de seus entes
federativos legislar sobre previdência social, proteção e defesa da saúde (art. 24, XII).
Ao tema proposto neste TCC, urge destacar a importância do artigo 30, inciso VII que
determina que aos muni ípios ompete “prestar, com a cooperação técnica e financeira da
União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da popu ação”. Nesses termos, os
municípios, são responsáveis pelo atendimento de saúde à população, mas há solidariedade
com estados e União, o que se realiza por meio da solidariedade sistêmica, ou seja, aquele
atendimento que não é de possível realização pelo município, deve ser encaminhado ao
Estado e este, quando necessário, deve encaminhar o paciente ao atendimento da União.
Nesses termos, o Sistema Único de Saúde criou uma espécie de rede à qual o usuário deve ser
encaminhado conforme a necessidade e complexidade do tratamento. Nesse sentido, Antônio
José Avelãs Nunes, analisando o artigo 196 da CRFB/88 em comparação com a Constituição
Portuguesa de 1976 no que se refere à proteção do direito à proteção a saúde, entende que
(...) a Constituição Portuguesa torna claro que ele é realizado pela criação de serviço
nacional de saúde universal, geral e (tendencialmente) gratuito. E creio que é este
também o sentido do art. 196 ° da Constituição Federal brasileira. Como direito
coletivo, só deste modo pode realizar-se corretamente, em benefício de todos e nas
mesmas condições para todos. (NUNES. 2011.p.59)
O problema surge quando o usuário do sistema suplementar entra no sistema público já
acometido por estágio avançado de determinada patologia, pois, em regra, não há tempo para
o encaminhamento conforme determina o sistema. Tal situação será melhor analisada
posteriormente.
Também importante destacar a possibilidade de intervenção da União nos estados, e dos
estados nos municípios, quando não aplicarem o mínimo exigido das suas respectivas receitas
na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde (arts.
34, VII, “e” e 35, III).
Posteriormente, dada a importância do direito à saúde, o legislador originário trata mais
detalhadamente do direito à saúde em tópico próprio, o qual denominou “DA SAÚDE”,
amparando-o por princípios que garantem o acesso universal e igualitário, bem como
elevando-o ao patamar de relevância pública (arts. 196 e 197), impondo ao Poder Público a
obrigação de legislar, regulamentar, controlar e fiscalizar sua execução, independentemente
de quem o prestar, seguindo, portanto, os caminhos do Direito Internacional, segundo o qual
considera-se o direito à saúde mais que a liberação de doenças, mas o completo bem-estar
28
físico, mental e social do homem, impondo ao Estado a obrigação de prestações positivas
amplas, ao contrário do que ocorria nas constituições anteriores, que condicionava o Estado
principalmente a prestações negativas.
Importante salientar os conceitos de atendimento igualitário, universal e integral, garantidos
constitucionalmente, quais sejam: Acesso universal é a garantia assegurada a todos, sejam
brasileiros ou estrangeiros que estiverem no País, por força do princípio da isonomia matéria
tutelado pelo art. 5º, caput¸ da CF/88; Acesso igualitário é atendimento deve ser isonômico
sem distinção de classe, seja rico, seja pobre, sem discriminação e nem privilégios, sendo
inadmitida da diferença de classe2, pois a saúde pública não tem natureza assistencial, sendo
considerado o atendimento integral como o cuidado preventivo e curativo (prevenção,
diagnóstico, tratamento e acompanhamento e acesso às tecnologias).
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, não houve definição do objeto do direito à saúde, assim, cabe
ao Poder Público competente para a concretização do direito à saúde elaborar normas de
acordo com sua respectiva interpretação do texto constitucional. Assim, há sempre discussão
quanto á abrangência da normatização infraconstitucional, como por exemplo, saber se a
norma constitucional deve ser interpretada de forma a abranger toda e qualquer necessidade
humana na área de saúde (fornecer próteses, tratamentos estéticos, tratamentos no exterior,
etc.) ou se as prestações devem se resumir aos tratamentos e fornecimentos de medicamentos
essenciais à vida digna.
De qualquer forma, a criação e organização de entidades e procedimentos para garantir o
direito sanitário não podem se sujeitar à oportunidade ou conveniência de agentes públicos,
sob pena do direito em questão passar a configurar apenas declarações de intenções inseridas
no texto constitucional, mas sem o condão de promover a dignidade humana, ideia que seria
absurda. Nestes termos, a própria Constituição Federal determinou que fosse criado o SUS,
estabelecendo que fosse o órgão responsável pela coordenação e a execução das políticas para
proteção e promoção da saúde no Brasil, de forma descentralizada e hierarquizada, universal e
participativa (art. 198), consistindo, segundo Márcio Dias de Oliveira, como o grande marco
prático da ordem sanitária. Cabe destacar que deve haver uma criação de rede de
2
Recurso Extraordinário (RExt.) 581488, que discutiu a melhoria do tipo de acomodação de paciente internado
pelo Sistema Úni o de Saúde (SUS) mediante o pagamento da diferença respe tiva, onhe ida omo “diferença
de lasse”.
29
atendimento, pela União e Estados, de forma a realizar a solidariedade preconizada no artigo
30 da CRFB/88, fracionando a responsabilidade dos entes políticos.
4.3 Direito Sanitário na legislação infraconstitucional
O estudo da legislação infraconstitucional é importante para o tema proposto, pois as decisões
judiciais devem respeito às determinações constitucionais, bem como à legislação
infraconstitucional, uma vez que a própria Lei Maior prevê a elaboração de normatização por
leis inferiores. Exemplo dessa importância é o fato de em nenhum momento a Carta Magna
Brasileira garante, expressamente, o acesso gratuito à saúde, tal encargo coube à legislação
infraconstitucional (Lei 8080/90) Entretanto, analisam-se, a seguir, somente as mais
relevantes leis, pois nelas que se observam os limites impostos, obrigações de direitos do
indivíduo e do prestador do serviço de saúde.
4.3.1 Lei Complementar 141/2012
Atendendo às determinações contidas no artigo 198, § 3º da Constituição Federal e artigo 77
do ADCT, foi editada a Lei Complementar nº 141/2012 para dispor sobre os valores mínimos
a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e
serviços públicos de saúde, estabelecendo critérios de rateio dos recursos de transferências
para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três
esferas de governo. Na gestão dos recursos destinados à promoção, proteção e recuperação da
saúde, essa importante Lei Complementar estabelece quais são as ações às quais poderão ser
alocados recursos públicos destinados à prestação de saúde (art. 3º), impedindo assim, que o
gestor das finanças públicas aloque recursos em determinadas áreas, como previdência,
assistência social e saneamento básico, por exemplo, sob o pretexto de estar investindo em
saúde (art. 4º).
Nos termos do artigo 5º da referida LC, a União deverá aplicar, anualmente, em ações e
serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício
financeiro anterior, apurado nos termos desta LC 141, acrescido de, no mínimo, o percentual
correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior
ao da lei orçamentária anual. Sendo que em caso de variação negativa do PIB, o valor acima
mencionado não poderá ser reduzido, em termos nominais, de um exercício financeiro para o
30
outro. Ocorre que a União tem investido algo entre 6% a 7% do orçamento em ações de
saúde.
No artigo 6º, a LC 141 estabelece que os Estados e o Distrito Federal apliquem, anualmente,
em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) de sua arrecadação,
sendo este o valor que os estados tem realmente investido, ou seja, o mínimo exigido.
Já os municípios são obrigados a investir na área de saúde o mínimo de 15% (quinze por
cento) de sua arrecadação (art. 7º, LC 141/2012). Entretanto, em média, os municípios tem
investido, em média, cerca de 23% (vinte e três por cento) de suas arrecadações em saúde. O
que demonstra disparidade entre os entes da federação, no que se refere aos gastos em
prestação de saúde, bem como se observa que municípios com arrecadações inferiores,
em ora umpram a “Lei”, a a am por investir valores menores por pessoa em saúde. Para
corroborar a afirmação supra, segue algumas tabelas de gastos municipais e do Estado de
Minas Gerais com saúde3:
Pará de Minas: Percentual de Aplicação nas Ações e Serviços Públicos de Saúde
Índice
2010
Total gasto com Saúde
População
Gastos com saúde por habitante
2011
2012
2013
26,23%
26,73%
28,75%
30,17%
R$ 17.221.703,67
R$ 20.669.060,94
R$ 24.067.214,72
R$ 27.838.381,98
84.215 hab.
85.076 hab.
85.908 hab.
89.418 hab.
R$ 204,38
R$ 242,95
R$ 280,15
R$ 311,33
Índice constitucional aplicado
Itaúna: Percentual de Aplicação nas Ações e Serviços Públicos de Saúde
Índice
2010
Total gasto com Saúde
População
Gastos com saúde por habitante
2011
2012
2013
21,18%
22,22%
21,85%
23,64%
R$ 15.390.064,43
R$ 18.878.748,68
R$ 19.633.073,88
R$ 23.149.313,93
85.463 hab.
86.124 hab.
86.762 hab.
90.084 hab.
R$ 179,29
R$ 219,20
R$ 226,29
R$ 256,97
Índice constitucional aplicado
Manga: Percentual de Aplicação nas Ações e Serviços Públicos de Saúde
Índice
2010
População
Gastos com saúde por habitante
2012
2013
16,15%
17,78%
19,36%
18,86%
R$ 2.159.482,26
R$ 2.905.736,87
R$ 3.366.066,90
R$ 3.510.174,73
19.813 hab.
19.649 hab.
19.489 hab.
19.898 hab.
R$ 88,86
R$ 119,56
R$ 138,50
R$ 144,43
Índice constitucional aplicado
Total gasto com Saúde
2011
Florestal: Percentual de Aplicação nas Ações e Serviços Públicos de Saúde
Índice
3
2010
2011
2012
2013
Observe-se que até 2011 alguns municípios e o Estado de MG contabilizavam como gasto com saúde despesas
com tecnologia da informação e saneamento básico urbano, entre outros, o que a LC 141/2012, expressamente,
excluiu das despesas intituladas saúde.
31
Índice
Índice constitucional aplicado
Total gasto com Saúde
População
2010
2011
2012
2013
21,12%
20,94%
25,31%
27,37%
1.657.357,92
6.600
1.915.999,86
6.674
2.436.410,50
6.744
2.918.980,40
7.026
251,11
287,08
361,27
415,45
Gastos com saúde por habitante
BH: Percentual de Aplicação nas Ações e Serviços Públicos de Saúde
Índice
2010
Total gasto com Saúde
2011
19,39%
Índice constitucional aplicado
2012
19,25%
2013
20,15%
20,2%
R$ 583.068.894,52 R$ 668.334.348,29 R$ 775.157.488,98 R$ 840.914.172,27
População
Gastos com saúde por habitante
2.375.151 hab.
2.385.640 hab.
2.395.785 hab.
2.479.165 hab.
R$ 237,73
R$ 272,50
R$ 316,05
R$ 339,19
Fonte: SIACE/PCA - dados apresentados/auditados. Dados demográficos - 2010 a 2013 Fonte:SIACE / PCA.
Nota: Data da Consulta ao SIACE: 01/04/2015. Os dados informados poderão ser alterados em razão de Pedido
de Reexame e/ou Ação Fiscalizatória.
Estado de Minas Gerais:Percentual de Aplicação nas Ações e Serviços Públicos de Saúde
Índice
Índice constitucional aplicado
Total gasto com Saúde
Saneamento Básico Urbano - Companhia de
Saneamento de Minas Gerais - COPASA
Total Gastos Ações e Serviços Públicos de Saúde
(ASPS)
População Minas Gerais
Total gasto com Saúde
2010
2011
2012
2013
12,08%
12,29%
12,02%
12,22%
R$
2.433.732.525,48
R$
2.864.561.747,36
R$
3.826.925.967,20
R$
4.294.403.427,00
R$ 816.198.368,86 R$ 661.052.394,67
0
0
R$
3.249.930.894,34
19.597.330 hab.
R$
3.525.614.142,03
19.728.701 hab.
R$
3.826.925.967,20
19.855.332 hab.
R$
4.294.403.427,00
20.593.356hab.
R$ 124,19
R$ 145,20
R$ 192,74
R$ 208,53
Fonte: Armazém de Informações- SIAFI; Relatórios Técnicos das Contas do Governador – TCEMG
No mesmo sentido, os estados e municípios brasileiros seguem aplicando os percentuais de
suas respectivas arrecadações em saúde, conforme definido em lei, como por exemplo, o
Estado do Rio Grande do Sul gastou com saúde 12,46% de sua arrecadação. Sua Capital,
Porto Alegre, gastou 21,50% de sua arrecadação em saúde. Mesmo quando se observa alguma
exceção, esta está bem próxima da exigência constitucional, a exemplo do Estado do Paraná
que, em 2013, gastou com saúde montante inferior aos 12% determinados em lei, gastando
cerca de 11,22% de sua arrecadação.
4.3.2 LOS
A Lei 8080 de 19 de setembro de 1990, também denominada Lei Orgânica da Saúde – LOS - ,
atendendo o comando constitucional, criou o SUS, conceituando-o como o conjunto de ações
e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e
municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público
(art. 4º), determinando que o particular poderá participar do SUS em caráter complementar
quando as disponibilidades do Poder Público forem insuficientes, mediante formalização de
contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público (arts. 5º e 24/26).
32
Fixa, também, as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes. Ou seja, abrange a gestão de saúde pública
prestada pelo Estado de maneira direta ou por interpostos agentes (complementar), sem,
contudo, abarcar a chamada saúde suplementar. Ocorre que a lei ora em estudo, foi criada
pelo então Presidente da República Fernando Collor de Melo, que vetou importantes artigos
da mesma. Assim, para complementá-la, foi editada a Lei nº 8.142 de 28 de dezembro de
1990, para disciplinar a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde –
SUS, e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.
Estabeleceu, ainda, a instituição de instâncias colegiadas de participação social, que serão a
Conferência da Saúde e os Conselhos de Saúde, nas três esferas do Poder Público. Mas é
importante ressaltar que esta Lei fornece mecanismos para facilitar a consecução de serviços
de saúde, como a possibilidade de criação de consórcios de saúde entre os entes municipais, e
a necessidade de investimento em rede de serviços de saúde. Também determina que setenta
por cento dos recursos para investimento em saúde repassados pela União deverão ser
destinados aos municípios, bem como estabelece critérios para o repasse desses recursos.
A Lei 12.401/11 incluiu vários dispositivos à Lei 8080/90, dentre os quais o artigo 19-T, que
veda em todas as esferas de gestão do SUS o pagamento, ressarcimento ou reembolso de
medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não
autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, bem como a
dispensação, pagamento, ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional
ou importado, sem registro na ANVISA. Entretanto, não raros casos são deferidos
judicialmente o fornecimento de medicamentos experimentais e/ou sem registro na ANVISA,
portanto, a tais decisões judiciais violam norma expressa de lei.
A CRFB/88 determinou que fosse criado o Sistema Único de Saúde, criado no Brasil em
1988, e a LOS regulamentou o SUS, tornando o acesso gratuito à saúde direito de todo
cidadão, rompendo com o modelo anterior, segundo o qual o atendimento de saúde era
dividido em três categorias: aqueles que podiam pagar por serviços de saúde privados, aqueles
que tinham direito à saúde pública por serem segurados pela previdência social (que eram os
trabalhadores com carteira assinada e seus dependentes) e aqueles que não podiam pagar nem
tinham emprego formal e, por isso, não tinham direito algum à saúde.
O SUS é considerado por muitos especialistas como patrimônio dos brasileiros, pois, segundo
o Ministério da Saúde, o SUS conta com mais de 6,5 mil hospitais credenciados, 45 mil
33
unidades de atenção primária e 30,3 mil Equipes de Saúde da Família (ESF). O sistema
realiza 2,8 bilhões de procedimentos ambulatoriais anuais, 19 mil transplantes, 236 mil
cirurgias cardíacas, 9,7 milhões de procedimentos de quimioterapia e radioterapia e 11
milhões de internações, além do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), das
Políticas Nacionais de Atenção Integral à Saúde da Mulher, Programas de Saúde do
Trabalhador, programas de vacinação em massa de crianças e idosos em todo o País, dentre
outros.
A Lei nº 8.080/90, através das alteração trazidas pela Lei 12.401/2011, trata também da
incorporação, alteração e exclusão de novas tecnologias dos produtos e serviços na área de
saúde pública, envolvendo sobretudo os mais judicializados, determinando que todos sejam
submetidos à avaliações de tecnologias pela Comissão Nacional de Incorporação de
Tecnologias no SUS (CONITEC), que deve analisar, entre outros requisitos, as evidências
científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto
ou procedimento e seu respectivo custo benefício para incorporar novas tecnologias (Art.19Q, § 2º).
4.3.3 Saúde suplementar
Estabelece o artigo 197 da Constituição Federal que são de relevância pública as ações e
serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle. Cumprindo a determinação constitucional e com
inspiração do CDC, aplicável subsidiariamente, a Lei 9.656/98 estabelece a regulação dos
planos e seguros privados de assistência de saúde (saúde suplementar). É imperioso o estudo
de a saúde suplementar em razão de abranger, atualmente, mais de 25% da população
brasileira, distribuídas irregularmente pelas regiões brasileiras, atendidas por cerca de mil
operadoras de saúde (dados extraídos do site da ANS). Ainda segundo a Agência Nacional de
Saúde Suplementar, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo e no DF, mais de 30% da
população é coberta por alguma espécie de plano privado de saúde; nos demais estados da
região Sudeste e nos estados da região Sul do Brasil, entre 20 e 30 por cento da população é
coberta por alguma espécie de plano de saúde privado; já nos estados de Tocantins, Acre,
Roraima Maranhão e Piauí, menos de 05 por cento da população tem cobertura de plano
privado de saúde; e nos demais estados da Federação o percentual e cobertura da população
por planos de saúde privados giram entre 05 e 20 por cento. Apesar da grandiosidade de
abrangência e da enorme arrecadação das operadoras de saúde privada (total de mais de 110
34
bilhões de receita bruta em 2013, segundo divulgado no site da ANS), como se verá na análise
de casos, quando os planos de saúde negam determinado tratamento, o beneficiário, em sua
maioria de classe média, busca no SUS o tratamento, através do Poder Judiciário. Daí a
importância de estudar e entender bem este sistema constitucionalmente previsto (art. 199,
CRFB/88), embora sem especificar com clareza suas obrigações sociais. Ademais, em relação
à formação do sistema sanitário, o Brasil convive com sistema sanitário público, universal,
igualitário e integral, ao lado de sistema de saúde suplementar (privado), podendo o indivíduo
valer-se do sistema privado, caso disponha de recursos suficientes, ou valer-se do sistema
público, independentemente de sua capacidade econômica.
Após décadas praticamente sem regulamentação, a área de saúde suplementar passa a ser
regulamentado pela Lei 9.656/98, que estabelece requisitos mínimos aos planos de saúde,
como, por exemplo, doenças as quais a cobertura é obrigatória (art. 10), área de abrangência,
faixa etária, período de cobertura parcial e temporária, etc., e, posteriormente, passa a ser
regulado pela ANS4, pois havia contratos que previam exclusão de tratamento de doenças
infecciosas e doenças crônicas, assim, cobriam pouquíssimas patologias e procedimentos. Por
outro lado, também havia planos mais benéficos aos usuários, motivo pelo qual ainda há
alguns contratos de planos antigos (anteriores a 1999) em vigor (art. 35). Um dos grandes
desafios da ANS é a diversidade regional brasileira, dadas as gigantescas dimensões
territoriais, populacionais e desigualdades culturais e econômicas do País, como demonstra a
irregularidade de distribuição proporcional da cobertura dos planos de saúde entre os estados
brasileiros. Portanto, para efetivação de um mínimo de isonomia regional a ANS deve levar
em consideração as particularidades regionais ao proceder à regulação as saúde suplementar.
A lei 9656/98 regulamenta todas as operadoras de plano de assistência à saúde, considerados
como pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial,
cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de plano
privado de assistência à saúde. Assim, ainda que não tenha fins lucrativos, a exemplo de
cooperativas, as operadoras de plano de saúde serão submetidas à referida Lei. O artigo 8º
estabeleceu os requisitos para obter a autorização de funcionamento das operadoras de planos
privados de assistência à saúde, independentemente de outros que venham a ser determinados
pela ANS.
4
Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, criada pela Lei n. 9.961, de 28 de janeiro de 2.000,
regulamentada pelo Decreto n. 3.327/2000, vinculada ao Ministério da Saúde, cabendo-lhe normatizar, controlar
e fiscalizar as atividades que garantam a assistência suplementar à saúde.
35
Essa Lei, cuja constitucionalidade foi suscitada perante o STF (ADI 1931-8/2003)5, veda a
chamada seleção de riscos, segundo a qual, antes da vigência da Lei, as operadoras de planos
de saúde poderiam negar o ingresso de pessoas que tivessem potenciais possibilidades de
contrair patologias cujo custo de tratamento fosse alto. Também estabeleceu que as
operadoras criassem reservas de financeiras (provisões) aplicados em instituições financeiras
e vinculadas à ANS, de maneira a garantir os seus clientes em caso de liquidação do
empreendimento. Outros importantes benefícios garantidos são: a portabilidade aos
beneficiários em caso de insolvência da operadora, a cobertura parcial temporária máximas de
24 meses para doenças preexistentes e a obrigatoriedade de cobertura segundo rol de
procedimentos e eventos em saúde da ANS, que são revistos a cada dois anos.
Entretanto, tendo-se em vista o objeto desta pesquisa, o artigo mais relevante da lei 9656/98 é
o artigo 32 que impõe às operadoras de planos de saúde a obrigatoriedade de ressarcimento ao
SUS das despesas referentes aos serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos
contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas
ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do SUS. A constitucionalidade do artigo
em questão foi suscitada perante o STF que reconheceu a repercussão geral sobre o tema (RE
597064-RG/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 29.3.2011), estando a matéria de mérito ainda
pendente de julgamento.
5 LIMITAÇÕES DO ESTADO
Como visto em tópicos anteriores, numerosos e variados são os direitos sanitários positivados
pelo legislador constitucional e infraconstitucional no ordenamento jurídico brasileiro,
objetivando a consecução do direito à vida digna. Contudo, de uma forma geral, todos os
direitos sociais custam recursos financeiros escassos ao Estado, mesmo quando se referem a
obrigações negativas, como v. g., o direito de ir e vir, quando manifestações populares, cada
vez mais comuns nos dias atuais, impedem profissionais da saúde e pacientes de chegar a
hospitais, sendo necessário reforço policial para garantir o acesso, ou quando a legislação
tributária privilegia o princípio do não confisco, impedindo que o Estado angarie recursos
necessários para implementação de políticas públicas nas mais diversas áreas.
5
Na ADI 1931-8/2003 o STF entendeu que a Lei 9656/98 é constitucional em razão da relevância pública da
saúde, o que admite a intervenção estatal no setor privado, sendo apenas um artigo considerado inconstitucional
(art. 30) , o qual foi alterado pela MP 2.177-44/2001.
36
Torna clara a limitação do Estado à prestação da saúde diante da escassez de recursos, aqui
conceituada como a insuficiência de bens para atendimento a contento de toda a sociedade. A
escassez de recursos materiais e não materiais, segundo Gustavo Amaral, pode ocorrer em
vários graus, aos quais o referido autor classifica em natural severa, natural suave, quase
natural e artificial. Sendo:
A escassez natural severa aparece quando não há nada que alguém possa fazer
para aumentar a oferta. Pinturas de Rembrandt são um exemplo. A escassez natural
suave ocorre quando não há nada que se possa fazer para aumentar a oferta a
ponto de atender a todos. As reservas de petróleo são um exemplo, a
disponibilização de órgãos de cadáveres para transplante é outra. A escassez quase
natural ocorre quando a oferta pode ser aumentada, talvez a ponto da satisfação,
apenas por condutas não coativas dos cidadãos. A oferta de crianças para adoção e
de esperma para inseminação artificial são exemplos. A escassez artificial surge nas
hipóteses em que o governo pode, se assim decidir, tornar o bem acessível a todos, a
ponto da satisfação. A dispensa do serviço militar e a oferta de vagas em jardim de
infância são exemplos. (AMARAL, 2001. p.133/134)
Os bens escassos e necessários podem ser heterogêneos, como a terra e a moradia; divisíveis
como a água e energia elétrica; ou indivisíveis como órgãos para transplantes. No caso de
bem indivisível, como órgãos para transplante, em regra insuficientes em quantidade para
atender à demanda nacional acarretam no problema das listas de espera de transplantes, pois
não nos parece razoável estipular qualquer forma de prioridades. Entretanto, observa-se
existência de pessoas que aguardam para realização de transplante de um único órgão e outros
que aguardam transplantes múltiplos, cabendo ao Poder Público o dever de regulamentação e
organização de listas de espera e traçar prioridades, bem como campanhas de conscientização
sobre a doação de órgãos. Em qualquer caso, haja vista serem os recursos, financeiros ou não,
finitos e a demanda de saúde da sociedade infinita, surge ao Poder Público o tormentoso
desafio de alocar os insuficientes recursos existentes de maneira a garantir, da melhor forma
possível, a igualdade na distribuição dos recursos, sob pena de violação do princípio basilar
da igualdade preconizado pela Constituição Federal de 1988.
A sociedade sempre demanda mais atuações positivas estatais, principalmente na área da
saúde, já que a própria ação positiva do Estado acarreta-lhe mais despesas. No início do
século XX engatinhavam as primeiras preocupações com a medicina preventiva, como
programas de vacinação, de saneamento básico, atendimento pré-natal, etc.. Com o decorrer
do tempo o Estado foi ampliando programas de medicina preventiva, obtendo resultados
positivos, como a diminuição da mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida, com
isso também se verifica grande aumento da população e de suas necessidades perante o
Estado, como as doenças próprias da idade avançada, que demandam alto custo para o
37
tratamento e resultados pouco promissores, assim o sucesso da atuação estatal na área
sanitária gera problemas financeiros futuros de difícil solução ante a escassez de recursos.
Segundo Gustavo Amaral, os professores Stephen Holmes e Cass R. Sunstein publicaram em
1999 o livro The Cost o f Rights: Why Liberty Depends on Taxes, no qual tratavam da
superação da diferenciação entre direitos positivos e negativos, destacando o alto custo para a
garantia de ambos os casos e as limitações do Poder Público Estadunidense à sua realização.
No Brasil, o infectologista David Uip6, em entrevista concedida à repórter do Jornal Folha de
São Paulo, Lu iana Marins, em 25/05/1998, já afirmava que: “o atendimento universal previsto na Constituição -
um „engano de retóri a‟ (...) não
possíve dar um atendimento
de ente a toda a popu ação om os re ursos disponíveis hoje para a Saúde”. Na mesma
entrevista o sanitarista/infectologista já apontava, a seu ver, um aminho para a solução: “a
úni a so ução para a rise
retirar das „ ostas‟ do SUS (Sistema Úni o de Saúde) os 41
milhões de pessoas que hoje pagam planos de saúde. Se você tira da responsabilidade do
SUS os 41 milhões, quem fica vai ser mais bem atendido.”
A verdade é que o problema da escassez de recursos se revela especialmente grave em relação
ao acesso à saúde. O senso comum nos leva a pensar que quando a saúde e a vida do
indivíduo estão em risco, questionar o seu custo é algo repugnante, imoral e inadmissível,
principalmente diante do cenário político contemporâneo, no qual são divulgados diariamente
pelos veículos de comunicação notícias de corrupção e desvios milionários de verbas
públicas, inclusive da área de saúde. Mas, o aumento do custo com o tratamento sanitário
individual tornou essa posição insustentável, pois, além da questão financeira a ser observada,
há recursos que extrapolam a problemática das finanças públicas, tais como órgãos
insuficientes para transplante, falta de pessoal especializado e equipamentos, que são escassos
em relação às necessidades da sociedade. Portanto, em se tratando de saúde pública, a
escassez de recursos é inerente à necessidade humana. Por isso, cabe ao Poder Público alocar
adequadamente os recursos públicos. Nas palavras de Gustavo Amaral,
a alocação de recurso envolve decisões de três ordens, relativas a quanto
disponibilizar, a quem atender e, ainda, a condutas dos potenciais beneficiados, e
que não há um critério único que possa balizar todas essas decisões. Ao contrario,
as decisões tendem a ser politicas e locais. (AMARAL. 2001. p.172)
Como se não bastassem as limitações orçamentárias do Estado para consecução do direito à
saúde, há ainda a problemática social, pois a implementação de politicas públicas relacionadas
6
Médico infectologista, atualmente comentarista da Record News e Secretário de Saúde da Cidade de São Paulo.
38
à área sanitária, tais como a ampliação de saneamento básico, desenvolvimento de tratamento
preventivo de saúde, facilitação de acesso à informação, dentre outros, acarreta na ampliação
da expectativa de vida do brasileiro e, com isso, grande impacto na demanda por políticas
públicas, sobretudo nas áreas da saúde e previdenciária. Segundo estatísticas do IBGE, em
2025 a população idosa no Brasil deverá alcançar cerca de 30.000.000 (trinta milhões) de
habitantes. Nesse sentido e dentro de perspectivas mundiais, a OMS elaborou estudo
denominado “Envelhecimento Ativo: uma política de saúde”, no qual analisa o
envelhecimento da população. Segundo este estudo, o Brasil e outros países em
desenvolvimento, terão basicamente sete grandes desafios a suportar, a saber: (1) a carga
dupla de doenças, que se refere às mudanças nos padrões de vida e trabalho, uma vez que os
países em desenvolvimento ainda lutam contra doenças infectocontagiosas, desnutrição e
complicações puerperais, esses países enfrentam um rápido crescimento das doenças não
transmissíveis (DNTs ou doenças crônico-degenerativas), esta “ arga dupla de doenças” reduz
os recursos já escassos ao seu limite; (2) o maior risco de deficiência, relacionado à
mobilidade do idoso; (3) provisão de cuidado para populações em processo de
envelhecimento, cujos desafios da política de saúde é alcançar um equilíbrio entre o apoio ao
“auto uidado” (pessoas que uidam de si mesmas), apoio informal ( uidado por familiares e
amigos) e cuidado formal (serviço social e institucional de saúde); (4) a feminização do
envelhecimento, pois as mulheres correspondem a dois terços da população acima de 75 anos,
nesse caso, o desafio reside no fato das mulheres, mesmo as idosas, serem as principais
vítimas da violência doméstica, bem como são mais suscetíveis de sofrer doenças em razão do
maior sofrimento físico aos quais são submetidas no decorrer de suas vidas (dupla jornada de
trabalho, partos, violência doméstica, etc.); (5) ética e iniquidades, relacionada à
discriminação para alocação de recursos aos idosos; (6) a economia de uma população em
processo de envelhecimento, relacionado ao excessivo aumentos dos gastos públicos com
saúde e previdência social; (7) a criação de um novo paradigma, ou seja, é necessário perceber
os idosos como participantes ativos de uma sociedade com integração de idade, contribuintes
ativos e beneficiários do desenvolvimento.
Há também o impacto deslocativo do orçamento, quando as decisões judiciais determinam
que o administrador público forneça determinado medicamento ou tratamento de saúde de
alto custo a determinado indivíduo, obrigando o deslocamento de verbas que seriam
destinadas à saúde preventiva coletiva. Entretanto, atualmente, em muitos casos o particular
se vale do Poder Judiciário para fraudar o sistema de saúde, através de laboratórios que,
39
através de remuneração indireta, faz com que médicos receitem determinados medicamentos e
tratamentos de alto custo, muitas vezes experimentais, de eficácia duvidosa e/ou
superfaturados, e advogados que ingressam com ações junto ao Poder Judiciário para pleitear
que tais tratamentos sejam fornecidos pelo Estado.
A limitação orçamentária revela-se particularmente grave em se tratando dos municípios de
pequeno porte quanto ao atendimento das determinações judiciais. Em determinados casos,
uma única determinação judicial pode extrapolar a capacidade financeira de municípios
menores, cuja principal fonte de arrecadação de recursos são repasses dos estados e da União.
A título de exemplo, apenas no ano de 2013, o Município de Pará de Minas, conforme dados
do próprio Município, respondia por 144 ações judiciais sobre saúde, sendo que gastou cerca
de R$ 2.225.000,00 com o cumprimento de decisões judiciais no mesmo ano, principalmente
com ações propostas nos juizados especiais, que direcionam suas demandas exclusivamente
em face do município. É fato que há solidariedade entre os entes políticos no atendimento de
saúde, portanto, caso um ente seja condenado ao cumprimento de determinações judiciais, não
raras vezes com sequestro de valores, este ente poderia ajuizar ação de regresso contra os
demais para reaver as respectivas cota-partes que seriam de responsabilidade destes entes.
Entretanto, o ressarcimento somente ocorreria, nesse caso, após anos de tramite processual e
espera na fila de precatórios, o que, segundo estima-se, ocorreria após vários anos.
6 ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
A Constituição Federal de 1988 garante como direito fundamental a inafastabilidade da
jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), assim, todos os indivíduos têm direito de recorrer ao Poder
Judiciário quando entender que direito seu foi violado ou está na iminência de ser violado.
Portanto, o acesso à Justiça também é direito fundamental, pois se não fosse assim a garantia
de acesso universal e igualitário com atendimento integral à saúde, seria inócuo, pois não
haveria forma de garantir o direito material. Entretanto, adverte-se que o entendimento de que
a justiça, em sentido amplo, é alcançada somente através do Poder Judiciário é equivocado,
pois uma justiça social somente será alcançada através de ações dos três poderes e da
sociedade em geral, dirigidos ao melhor interesse da coletividade.
Entretanto, o direito a saúde, não depende da ocorrência de nenhum fato, nem mesmo de estar
doente, tanto que os sãos têm direito de pleitear o acesso a programas públicos de saúde,
40
como à vacinação. Gustavo Amaral entende que a atuação do Poder Judiciário deve ser ativa,
pois,
(...) a Constituição de 1988 reclama um judiciário vinculado às diretivas e às
diretrizes materiais da Constituição, um judiciário ativista, voltado para a plena
realização dos comandos constitucionais e para compensar as desigualdades e o
descuido da sociedade brasileira: para com a dignidade da pessoa humana, diz que
disso não resultaria o judiciário atuar como legislador, nem que deva se substituir à
atividade do administrador, mas sim que a Constituição Federal exige um novo tipo
de juiz, não apenas apegado aos esquemas da racionalidade formal e, por isso,
'muitas' vezes, simples guardião do status quo. (AMARAL. 2001 P.17)
É crescente o número de ações judiciais pleiteando tratamento de alto custo em razão de
negativa de tais tratamentos pelo Estado. Mas, o Poder Judiciário esbarra em diversos
problemas das mais variadas ordens. A começar pela própria limitação interna para julgar a
quantidade de processos existentes em trâmite nos numerosos juízos espalhados pelo País.
Tendo-se em vista que a demora na prestação jurisdicional retrata, não raros casos, inocuidade
das decisões tardias, grande é o esforço do Poder Público para superar tal obstáculo, como,
por exemplo, incentivo à conciliação e aos meios alternativos de solução de conflitos
(exemplo da lei 9.307/96) e a edição da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/90). Porém,
conforme adverte Gustavo Amaral:
O dilema talvez possa ser resumido da seguinte maneira: sentença tardia é injusta
independentemente de seu conteúdo material. A se assegurar a mais ampla
possibilidade de argumentação e de produção de provas, em todos os processos, a
solução final tardaria bem mais que o suportável, tornando-a intrinsecamente injusta,
como já colocado. Um procedimento célere, com limitações a argumentação, a
produção de provas e a possibilidade de recursos gerará um percentual de decisões
in orretas, indetermináveis „a priori‟, mas entre entregar na grande maioria dos
casos sentenças injustas porque tardias e assumir o risco de um grau de imperfeição
no exercício jurisdicional, opta-se pela segunda possibilidade. (AMARAL. 2001.
p.39)
Contudo, no enfrentamento da judicialização da saúde o Poder Judiciário, seja em primeiro
grau, seja em grau recursal, se depara com o dilema do desconhecimento técnico na área
médica, pois, segundo a Desembargadora do TJMG, Dra. Vanessa Verdolini Úrsula Andrade,
não raras vezes os pedidos de liminar são requeridos não por quem de fato tem seu direito à
saúde violado, mas por pessoas que, através de seus advogados, querem “furar a fila” do SUS
ou por laboratórios que querem inserir no mercado medicamentos de altíssimo custo ou
experimentais através do Poder Judiciário, ou mesmo por pessoas que se encontram
amparadas por planos de saúde privados. Segundo a mesma Desembargadora, o referido
problema, atualmente, por recomendação do CNJ, foi mitigado no âmbito da Justiça Mineira
41
através de convênio firmado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e o Núcleo de
Avaliação de Tecnologia em Saúde (Nats), do Hospital das Clínicas da UFMG, o qual emite
notas técnicas científicas colocadas à disposição do Poder Judiciário, por requerimento de
magistrados em casos concretos, para viabilizar julgamento de ações relacionadas à saúde,
sobretudo no caso de liminares, com mais equidade e justiça.
Segundo o Desembargador Renato Luiz Dresch, o Estado de São Paulo está atualmente
cobrando judicialmente de laboratórios particulares cerca de R$ 230.000.000,00 (duzentos e
trinta milhões) em razão de experimentos efetuados às custas de ações propostas junto ao
Poder Judiciário. Ocorre o seguinte: para fazer experimentos os laboratórios devem custear a
saúde do indivíduo que se submete ao experimento por toda a vida, inclusive após término da
experiência, mas os laboratórios estavam fazendo “a ordos” om médi os e advogados, sendo
que aqueles prescreviam os medicamentos e estes ajuizavam ações para obrigar o Estado a
pagar o tratamento experimental, ou seja, utilizavam-se do Poder Judiciário para obrigar o
Estado a financiar suas pesquisas, para, se fossem bem sucedidos os tratamentos com os
novos medicamentos, lançá-los no mercado, sem ter de arcar com os custos de eventual
insu esso. Ou o aso da “fraude das próteses”, vei ulado pelo site globo.com em 19/01/2015,
que contava com a atuação de médicos, advogados e empresas distribuidoras de próteses, que,
resumidamente, buscavam o Poder Judiciário para compelir o Estado a financiar o uso de próteses
superfaturadas, que culminou com a prisão de 21 pessoas no Rio Grande do Sul e a instauração
de CPI no Congresso Nacional.
A questão orçamentária municipal também constitui grave desafio ao Poder Judiciário, pois,
caso determinado município forneça medicamento de alto custo não constante das listas de
medicamentos da ANVISA, suas contas não serão aprovadas, mas, caso o próprio agente
político orientar o paciente a ajuizar a ação judicial e o pedido for deferido, as contas serão
aprovadas, pois o fornecimento do medicamento ocorreu por determinação judicial. Ou casos
como do município de Teresópolis/RJ, que se valia de decisões judiciais para adquirir
medicamentos superfaturados da farmácia de um ex-vereador municipal, conforme apurado
na operação Tarja Preta realizada pela PF e MP.
Outro problema complexo enfrentado pelos juízes é a questão de mensurar o quanto uma
decisão judicial que garante um direito individual transcende ao processo e gera reflexos à
coletividade. Nesse caso, ocorre o chamado impacto deslocativo do orçamento e a
desestruturação das ações públicas programadas pelos gestores públicos, ou seja, há a
42
previsão de alocação de determinados recursos em setores predeterminados da saúde
preventiva, por exemplo, e o magistrado, diante de situação fática, determina que o ente
político promova imediatamente tratamento de alto custo para determinado indivíduo, assim
aqueles recursos anteriormente destinados para outras ações em saúde são deslocados para
cumprimento da determinação judicial, gerando prejuízos à coletividade, uma vez que as
verbas serão insuficientes para a implementação daquela ação inicialmente definida.
Porém, não é razoável negar a prestação de saúde, constitucionalmente garantida como direito
fundamental, ao simples argumento da reserva do possível. Se, por um lado o juiz tem a
difícil missão de manter isenção quando noticiado o risco de morte iminente (sobreposição da
razão à emoção), por outro lado deve observar também o interesse individual no caso
concreto, interpretando a normatização constitucional e infraconstitucional, de maneira a
buscar a harmonização social e a garantia de vida digna do indivíduo.
Tem ganhado força no âmbito da Justiça a chamada medicina baseada em evidências, que
consiste
em
acesso
à
saúde
sujeito
às
evidências
científicas
da
relação
custo/benefício/efetividade do medicamento para o tratamento proposto, ou seja, fornecer o
tratamento/medicamento mais adequado para cada paciente e estágio de cada enfermidade
com análise de seu custo à sociedade. Assim, o que define a medicina baseada em evidência
se baseia nas seguintes indagações: Eficácia: o produto ou procedimento produz efeito?
Eficiência: o efeito produzido melhora a saúde do paciente? Efetividade: resultado positivo
prolonga a vida do paciente? Segurança: quais são os efeitos colaterais do medicamento?
Comparação: há outro medicamento/tratamento eficiente no mercado? Custo: quanto custa o
tratamento ou medicamento em relação a outros disponíveis no mercado? É claro que a
ampliação da utilização desse conceito nas decisões judiciais não é suficiente para que o
Judiciário atinja seus objetivos, porém, por se tratar de critérios objetivos, certamente tem
relevante valor na composição do convencimento do julgador.
Dada importância do tema, o CNJ emite resoluções, dentre as quais destacamos a Resolução
nº 107/2010 que cria o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, a Resolução nº 127/2011,
que sugere a criação de um fundo de perícia e a Recomendação CNJ nº 43/2013, que sugere a
especialização de varas para ações de saúde. Efetivamente, o CNJ promove fóruns estaduais
do Poder Judiciário para a saúde, que contam com gestores públicos, profissionais da área da
saúde de operadores do Direito, cujos produtos são enunciados ou recomendações sobre saúde
que, embora não tenham efeito vinculativo e não sejam de observância obrigatória, podem ser
43
observados por magistrados, advogados, defensores públicos e promotores de justiça, uma vez
que tratam de temas controversos e relevantes em relação à saúde e justiça. Nos próprios
termos expressos pelo CNJ, os enunciados têm por finalidade auxiliar a comunidade jurídica
na interpretação de questões não pacificadas no âmbito doutrinário e jurisprudencial.
A título de exemplo, vejamos três enunciados sobre o tema:
ENUNCIADO Nº 3 da I Jornada de Direito da Saúde: Recomenda-se ao autor da ação a
busca preliminar sobre disponibilidade do atendimento, evitando-se a judicialização
desnecessária. A Judicialização deve ser exceção, pois cabe ao gestor público administrar as
contas públicas e manter a distribuição de medicamentos e organização de atendimentos e
tratamentos em saúde. O que se observa em vários casos é o pedido, via judicial, de
medicamentos, disponíveis gratuitamente nas farmácias públicas ou de tratamentos de alto
custo mesmo havendo tratamentos similares disponibilizados pelo SUS.
ENUNCIADO Nº 6 da I Jornada de Direito da Saúde: A determinação judicial de
fornecimento de fármacos deve evitar os medicamentos ainda não registrados na Anvisa, ou
em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei. Questão
delicada se refere ao fornecimento de medicamentos não registrados na Anvisa, pois muitos
estudiosos do assunto já consideram os critérios para registro de medicamentos na Anvisa
pouco confiáveis, uma vez que a própria Agência não procede aos testes de qualidade e
eficiência, cabendo tal ônus ao próprio fabricante ou a prova do registro do medicamento no
país onde foi produzido.
ENUNCIADO Nº 17 da I Jornada de Direito da Saúde: Na composição dos Núcleos de
Assessoria Técnica (NATs), será franqueada a participação de profissionais dos Serviços de
Saúde dos Municípios. As notas técnicas emitidas pelo NAT em Minas Gerais se mostram
úteis como forma de atenuação das limitações técnicas às quais os magistrados se sujeitam
quando estão diante de demandas em razão do Direito Sanitário. Segundo estudos da OMS,
estima-se de 50% dos diagnósticos médicos são equivocados, nesse contexto, os pareceres
técnicos mostram-se mais relevantes. Analisando alguns deles, solicitados por magistrados,
verificam-se casos em que a medicação pleiteada a partir de receituário médico não é
compatível com a patologia, ou há medicamentos igualmente eficientes, porém fornecidos
pelo SUS ou com custo inferior àquele mencionado no receituário.
6.1 Análise de casos
44
Em se tratando de ações estatais no campo da saúde, dada relevância do tema, a escassez de
recursos do Estado e as infinitas necessidades individuais e coletivas, numerosas e nem
sempre uniformes são as decisões judiciais sobre o tema. Nas palavras do Ministro do STF
Gilmar Mendes; “A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do
artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as
instân ias do Poder Judi iário e na seara a adêmi a.” (MENDES.2010.p.06). Por estes
motivos, selecionamos alguns casos levados ao Poder Judiciário sobre os principais pontos
abordados nos tópicos anteriores desse trabalho.
6.1.1 Direito de defesa oposto ao Estado
Para início de estudo de casos, diante da dificuldade de visualização concreta do direito à
saúde como um direito de defesa oposto ao arbítrio estatal, procedemos à análise de um caso
submetido ao TRF da 4ª Região para contestar a constitucionalidade da Lei Municipal nº
2.068/98 do município gaúcho de São Sebastião do Caí, que tornou obrigatório o exame
periódico de saúde pelas pessoas que se dedicam ao comércio do sexo. Segundo a referida lei,
as profissionais do sexo deveriam se submeter a exames de HIV a cada 90 dias, sendo que as
pessoas acometidas da doença não poderiam trabalhar nas casas de prostituição, sob o
fundamento de prevenção da doença.
Nesse caso o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública por entender que a lei em
questão viola direito indisponível. Em primeira instância a ação foi julgada improcedente em
razão de carência da ação por falta de interesse de agir do MPF. O MPF interpôs apelação ao
TRF da 4ª Região (APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.031627-9/RS), que foi julgada
procedente, reconhecendo a legitimidade do MPF por se tratar de direitos individuais
homogêneos são aspectos de abrangência e repercussão social, segundo a Relatora Des.
Federal Marga Inge Barth Tessler, bem como condenado o Município de São Sebastião do
Caí à obrigação de não fazer, consubstanciada em não submeter pessoas que se entregam ou
se supõe entregar-se à prostituição, a exame de HIV e DST de noventa em noventa dias e
apresentação dos respectivos resultados, fixando, caso persista a ilegalidade, multa de R$
1.000,00 (mil reais) por cada pessoa que eventualmente submetida aos exames obrigatórios de
saúde por parte do Município de São Sebastião de Caí/RS, com fulcro no artigo 11 da Lei nº
7.347/1985. Vejamos o acórdão:
ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITOS
HUMANOS. PROFISSIONAIS DO SEXO. LEI MUNICIPAL. CONVENÇÃO
INTERNACIONAL.
OBRIGATORIEDADE
DE
EXAME
HIV/AIDS.
45
DISCRIMINAÇÃO.
ÉTICA
MÉDICA.
OFENSA
A
DIREITOS
FUNDAMENTAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
MULTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A Constituição atribui ao
Ministério Público a função institucional de promover ação civil pública para a
proteção de quaisquer interesses difusos ou coletivos por força dos artigos 127,
caput, e 129, inc. III. 2. A exigência da municipalidade - obrigar as pessoas que se
dedicam ao comércio do sexo a exames de saúde para diagnóstico de HIV e DST vulnera de forma aberta os direitos fundamentais de proteção da dignidade da pessoa
humana, da intimidade, da igualdade e os princípios regedores do SUS. 3. A norma
Municipal, ao desrespeitar princípios basilares do SUS, como a autonomia do
paciente, o sigilo, a intimidade, investe contra o próprio sistema público de saúde e
só isto seria motivo suficiente a conferir legitimidade ao Ministério Público Federal.
4. As normas veiculadas em tratados ou convenções internacionais sobre direitos
humanos firmados pela República se encontram equiparados aos direitos
fundamentais, à luz de uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição
Federal, particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao
princípio da dignidade humana. 5. A ação civil pública é o instrumento adequado
para a declaração de inconstitucionalidade da norma, desde que veicule pretensão,
mandamental ou condenatória, que na via do controle abstrato seria inadmissível.
6. "Se a inconstitucionalidade é argüida como fundamento de outra pretensão que
não a mera declaração da invalidez da norma - por exemplo, de uma pretensão
condenatória ou mandamental, malgrado derivada da inconstitucionalidade de
determinada regra jurídica - não será a da ação direta a via processual adequada, mas
sim a do controle incidente e difuso". (Precedente STF, Reclamação nº 1.017/SP)
7. É o caso dos autos, porque a alegada inconstitucionalidade da lei Municipal é
fundamento da pretensão deduzida, que é a condenação da Municipalidade a não
fazer o coercitivo controle sociológico em relação às pessoas que se dedicam ao
comércio do sexo. 8. O Eminente Magistrado sentenciante, ao usar a tese da
derrogação da convenção pela lei municipal posterior, ingressou no mérito da ação,
o que permite a solução imediata da controvérsia neste processo, procedimento que
adoto também com suporte no § 3º do artigo 515 do CPC. 9. A lei Municipal nº
2.068/1998 não se sustenta no ordenamento jurídico pátrio, pois em relação a um
grupo determinado de pessoas instituiu um apartheid sanitário e social, com violação
de preceitos da Constituição e do SUS. 10. A conduta do réu, que se sente
autorizado por uma lei municipal, contraria o art. 6° da Convenção para a Repressão
do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, pois estabelece condições excepcionais de
vigilância sanitária às pessoas que se entregam à prostituição. 11. Os direitos
inscritos no art. 6° da Convenção são direitos fundamentais incorporados à
Constituição Federal de 1988 por força do § 2° do art. 5°. Ademais, remetem aos
direitos fundamentais de igualdade (art. 5°, caput, da intimidade (art. 5°, X), que são
corolários do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III). 12. A
condenação da parte ré na verba honorária em ação civil pública, por não se aplicar
ao caso o CPC, só se justifica no caso de litigância de má-fé, por aplicação do
princípio da simetria (art. 17 da Lei nº Lei 7.347/85, com a redação dada Lei
8.078/90). 13. Fixada multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por cada pessoa que
eventualmente for doravante submetida aos exames obrigatórios de saúde por parte
do Município de São Sebastião de Caí/RS (art. 11 da Lei nº 7.347/1985).
(TRF-4, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento:
18/04/2007, QUARTA TURMA)
6.1.2 Medicamento de alto custo não fornecido pelo SUS – legitimidade do MP
Uma jovem cearense de 21 anos foi acometida de doença neurodegenerativa rara, denominada
Niemann-Pick Tipo C, sendo que, segundo laudo de especialista, o único tratamento eficaz se
faria com a substância miglustat (Zavesca), ainda pendente de registro na Anvisa, ressaltando
46
que tal fármaco poderia aumentar a sobrevida e/ou a melhora da qualidade de vida dos
pacientes. Asseverando que os pais da jovem não possuiriam condições financeiras de custear
o medicamento, cujo custo estimado da dosagem mensal prescrita giraria em torno de R$
52.000,00. Os pais da jovem solicitaram o custeio do referido medicamento aos poderes
públicos, não obtendo resposta.
Diante desse quadro, foi proposta Ação Civil Pública com pedido de antecipação de tutela
pelo MPF para que o Poder Público fosse compelido ao fornecimento do fármaco. O Juiz
Federal a quo julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, por ilegitimidade do
Ministério Público Federal, tendo em conta que a paciente já contaria com 21 anos de idade,
podendo recorrer à Defensoria Pública. O MPF interpôs apelação ao TRF da 5ª Região
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 408729 CE (2006.81.00.003148-1), que foi julgada procedente por
unanimidade reconhecendo a legitimidade do MPF para propor ação civil pública na defesa de
direitos individuais indisponíveis e deferindo a tutela antecipada, condenando os réus
Município de Fortaleza e Estado do Ceará ao fornecimento de medicamento (TRF-5 - AC:
408729 CE 2006.81.00.003148-1, Relator: Desembargador Federal Francisco Cavalcanti,
Data de Julgamento: 24/05/2007, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da
Justiça - Data: 28/06/2007 - Página: 743 - Nº: 123 - Ano: 2007).
Inconformada a União interpôs junto ao STF a STA nº 175-CE, sob argumento de que o
acórdão do TRF da 5ª Região violaria o princípio da separação de poderes, as normas e os
regulamentos do Sistema Único de Saúde (SUS), desconsideraria a função exclusiva da
Administração na definição das políticas públicas, o Poder Judiciário estaria interferindo nas
diretrizes de políticas públicas, além de sua ilegitimidade passiva, bem como ofende ao
sistema de repartição de competências, como a inexistência de responsabilidade solidária
entre os integrantes do SUS ante a ausência de previsão normativa, que foi prontamente
indeferido pela Presidência do STF.
Ainda inconformada, a União interpôs agravo regimental contra a decisão do então Presidente
do STF, Ministro Gilmar Mendes. Por fim foi indeferida a suspensão, sendo rechaçados todos
os argumentos.
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL. SAÚDE PÚBLICA.
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS. ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO.
AUDIÊNCIA PÚBLICA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS. POLÍTICAS
PÚBLICAS. JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE. SEPARAÇÃO DE
PODERES. PARÂMETROS PARA SOLUÇÃO JUDICIAL DOS CASOS
47
CONCRETOS QUE ENVOLVEM DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO EM MATÉRIA DE SAÚDE.
FORNECIMENTO
DE
MEDICAMENTO:
ZAVESCA
(MIGLUSTAT).
FÁRMACO REGISTRADO NA ANVISA. NÃO COMPROVAÇÃO DE GRAVE
LESÃO À ORDEM, À ECONOMIA, À SAÚDE E À SEGURANÇA PÚBLICAS.
POSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DE DANO INVERSO. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STF - STA: 175 CE , Relator:
Min. GILMAR MENDES (Presidente), Data de Julgamento: 17/03/2010, Tribunal
Pleno, Data de Publicação: DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010
EMENT VOL-02399-01 PP-00070).
Essa decisão é considerada pela doutrina como um marco da judicialização do direito
fundamental à saúde, especialmente no que concerne à omissão do Estado no fornecimento de
medicamentos e legitimidade do Ministério Público. Isso porque o acórdão analisado foi o
primeiro que utilizou subsídios de audiência pública para fixar orientações sobre a questão
consolida o posicionamento da Suprema Corte brasileira a respeito desse tema tão debatido e
controvertido e que reflete um dos maiores anseios dos cidadãos brasileiros a respeito da
implementação de direitos fundamentais.
6.1.3 Saúde Suplementar
A saúde suplementar, embora seja regida pelo direito privado, também é objeto do presente
estudo, como já mencionado anteriormente, por compor o sistema de saúde brasileiro, dada
sua abrangência e aceitação no mercado nacional, bem como por comercializar tratamento
sanitário, constitucionalmente elevado à categoria de relevância pública. Por outro lado,
gastos com saúde particular são hipóteses de deduções de imposto de renda, portanto,
diminuição de arrecadação de impostos pelo Estado. Assim, analisaremos a seguir dois casos,
com desfechos diferentes relacionados a usuários de planos de saúde:
Agravo de Instrumento Cv : AI 10024133910687001 MG
AGRAVO DE INSTRUMENTO - PLANO DE SAÚDE - NEGATIVA DE
COBERTURA DE MEDICAMENTO DE USO ORAL E DOMICILIAR
ESPECÍFICO
E
IMPRESCINDIVEL
PARA
O
TRATAMENTO
DE
CARCINOMA DAS CÉLULAS HEPÁTICAS - NEXAVAR - TUTELA
ANTECIPADA
-
REQUISITOS
DEMONSTRADOS
-
CLÁUSULA
CONTRATUAL DE EXCLUSÃO DA COBERTURA - ABUSIVIDADE DECISÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. I - O plano de saúde não
pode se recusar a custear fármaco prescrito pelo médico, mesmo quando o contrato
48
não prevê cobertura para uso domiciliar ou ambulatorial, pois cabe àquele definir
qual é o melhor tratamento para o segurado. Além disso, o que importa é a
existência de cobertura do contrato para a doença apresentada pelo agravado, não
importando a forma como o tratamento será ministrado. II - Tendo em vista a
presença da verossimilhança das alegações fundada em prova inequívoca, bem como
o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação à saúde do agravado, deve ser
mantida a decisão recorrida. III - Abusividade da cláusula que exclui o fornecimento
do medicamento para uso domiciliar, violação a direitos da personalidade, proteção
constitucional à saúde e à vida - Os tratamentos que se encontram inseridos na
cobertura contratada não podem ser, de forma alguma, dissociados dos
medicamentos utilizados para sua realização, sob pena de tornar inócua a cláusula
que dá cobertura a determinadas terapias. III - Precedentes do Superior Tribunal de
Justiça. (TJ-MG, Relator: Edison Feital Leite, Data de Julgamento: 13/03/2014,
Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL)
Nesse caso, em resumo, a autora da ação, usuária do plano de saúde, foi diagnosticada com
carcinoma invasor da mama, patologia coberta pelo seu respectivo plano de saúde. Ocorre que
o profissional médico de confiança da paciente prescreveu o medicamento examestano
associado ao everolimus, segundo a operadora de plano de saúde, não coberto pelo plano e
sem registro na ANVISA. Tanto o Juízo a quo quanto a 15ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais entenderam que não é admissível a dissociação da patologia e
medicamento ou tratamento quanto à cobertura dos planos de saúde, condenando a operadora
ao fornecimento do medicamento conforme prescrição médica, sob pena de incorrer em multa
mensal de R$ 20.000,00 mensais, em caso de descumprimento.
Agravo de Instrumento CV: AI 1.0471.13.019324-9/001
ADMINISTRATIVO.
AÇÃO
DE
OBRIGAÇÃO
DE
FAZER.
DISPONIBILIZAÇÃO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. PRESTAÇÃO
ATRIBUÍDA AO ESTADO DE MINAS GERAIS E AO MUNICÍPIO.
ILEGITIMIDADE DO ÚLTIMO. - No âmbito do Sistema Único de Saúde, a
responsabilidade atribuída ao Município limita-se aos medicamentos que integram a
denominada farmácia básica - o Programa Farmácia de Minas. - Descabe atribuir ao
Município a incumbência de fornecer medicamento que é padronizado pelo Estado
de Minas Gerais, porquanto, além de não lhe competir a disponibilização de
tratamento de alto custo, a medida pode gerar danos aos cofres públicos municipais,
bem como a toda coletividade. AGRAVO DE INSTRUMENTO CV Nº
1.0647.14.004309-0/001 - COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO AGRAVANTE (S): MUNICÍPIO SÃO SEBASTIAO PARAISO - AGRAVADO
(A)(S): MARCELO RAMOS SANTOS - INTERESSADO: ESTADO DE MINAS
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GERAIS. (TJ-MG - AI: 10647140043090001 MG , Relator: Alberto Vilas Boas,
Data de Julgamento: 19/08/2014, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 27/08/2014)
As partes desse processo são o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, representando
o autor, idoso acometido de doença oncológica, o Município de Pará de Minas e o Estado de
Minas Gerais, sendo objeto o fornecimento de radioterápico de alto custo (cerca de R$
25.000,00). O Juízo a quo concedeu liminar condenando os réus à promover o tratamento
constante do relatório médico, com arbitramento de multa diária de R$ 5.000,00 pelo
descumprimento da decisão, sem prejuízo de bloqueio de valores, o que efetivamente ocorreu
para realização efetiva do tratamento. O Município de Pará de Minas interpôs agravo de
instrumento, alegando, em síntese, ilegitimidade passiva e suas limitações financeiras. O que
foi deferido, excluindo-se o Município da abrangência da decisão de primeira instância,
conforme acórdão supra.
Nesse caso, conforme jurisprudência consolidada em todas as instâncias e tribunais, não há
qualquer dúvida acerca do direito invocado judicialmente. Entretanto, colacionamos esses
dois julgados porque têm em comum o fato de que em ambos os casos os pacientes eram
usuários de planos de saúde, ou seja, contribuíram por vários anos aos planos de saúde, no
último caso, conforme recibos juntados aos autos, em valor superior a R$ 1.000,00 por mês.
Ambos procederam a todo o tratamento junto às suas respectivas operadoras de saúde, sendolhe negados os tratamentos ou medicamentos quando se revelaram de alto custo, embora em
ambos os casos seus direitos, segundo a jurisprudência, eram evidentes, pois, conforme
decidido no AI 10024133910687001 MG, tratamentos que se encontram inseridos na
cobertura contratada não podem ser, de forma alguma, dissociados dos medicamentos
utilizados para sua realização, sob pena de tornar inócua a cláusula que dá cobertura a
determinadas terapias.
Compulsando os autos do AI 1.0471.13.019324-9/001, verifica-se se tratar o paciente de
pessoa de classe média, com recursos suficientes para arcar com custo de plano de saúde,
como de fato fazia, portanto, em uma visão de macrojustiça, seria mais coerente e justo com a
sociedade que o Ministério Público tivesse acionado o plano de saúde, pois acionado
diretamente o Poder Público, sequestrando valores que foram utilizados no tratamento
individual imediato, percebe-se a ocorrência o fenômeno do impacto deslocativo do
orçamento e, principalmente, por outro lado, também se verifica concretização da teoria da
universalidade excludente do direito à saúde, pois, aquele que teve todo o tratamento
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realizado pela iniciativa privada teve preferência de tratamento sobre indivíduos
indeterminados, em regra de pouca instrução e limitados recursos financeiros, que se
submetem aos procedimentos determinados pelo SUS, necessariamente, precisam passar por
procedimentos predeterminados e coordenados.
7 CONCLUSÃO
Diante do quadro da saúde no Brasil demonstrado neste trabalho, a tendência natural que se
percebe é a busca de amparo judicial para garantia desse importante direito
constitucionalmente garantido. Segundo dados do CNJ foram propostas mais de 240 mil
ações versando sobre saúde no Brasil desde 2010, que passaram a ser acompanhadas mais de
perto pelo Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde. A partir das decisões judiciais
favoráveis à concessão de tratamentos de saúde negados administrativamente, parece real a
sensação geral de que o discurso de que o Estado dispõe de recursos, mas que estes recursos
não são bem empregados. Isso se dá porque o juiz observa apenas o caso concreto posto nos
autos, tomado individualmente e sob a ótica da necessidade de realizar plenamente o comando
constitucional que é determinante para a consecução do direito à vida digna, assim,
judicialmente, não há situação para a qual não haja recursos. Não há tratamento inviável ou
que suplante o orçamento da saúde ou, mais ainda, aos orçamentos da União, dos Estados, do
Distrito Federal ou dos municípios, impondo a reserva do possível à coletividade. Assim,
focando apenas o caso individual, vislumbrando apenas o custo de alguns milhares de reais
para fornecimento de medicamentos para tratamento oncológico, ou algumas centenas de
milhares de reais para tratamento no exterior, ou, ainda, para tratamentos de urgência. Não
discordamos de que a administração pública é ineficiente, realmente empregando mal os
recursos públicos, bem como deixando que os recursos públicos se percam diante da
morosidade administrativa e corrupção de agentes públicos e particulares que se vinculam (ou
não) à administração pública. Entretanto, diante da crescente demanda por prestações estatais
de custo cada vez mais elevados, nos parece claro que questão da limitação de recursos deve
ser levada a sério, principalmente pelo Poder Judiciário no momento da concessão de medidas
liminares e de suas decisões finais, já que de outra forma, o Estado sequer será capaz de
atender às determinações judiciais.
Amparados pela corrente majoritária da doutrina e jurisprudência, conforme cada assunto
tratado no decorrer desse trabalho acadêmico, é possível afirmar que o direito social à saúde é
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de eficácia concreta e imediata; o Poder Judiciário é legítimo para assegurar acesso a ações e
serviços de saúde quando houver omissão do poder público, bem como não pode se negar a
tal mister; o acesso à saúde é um direito público subjetivo, de todos, com acesso por ação
individual ou coletiva; a solidariedade da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
reconhecida a prevalência de acesso pelas políticas públicas na rede integrada com critérios de
subsidiariedade que constituem o sistema único; é necessário da incorporar novas tecnologias
relacionadas à saúde, observada a evolução da medicina para atender novas doenças e evitar a
volta de doenças supostamente erradicadas no Brasil, com garantia de acesso aos recursos de
saúde sem preconceito ou privilégio de qualquer espécie.
A ausência de recursos parece obstáculo intransponível, pelo menos a curto prazo, porém,
medidas imediatas devem ser manejadas para evitar um colapso do sistema de saúde. Assim,
em relação à atuação Poder Judiciário, o CNJ emitiu as recomendações 31/2010 e 36/2011,
destacando as seguintes medidas: a prevalência das políticas públicas em relação a outros
procedimentos requeridos pelo paciente; o acesso fora das políticas públicas deve ser
condicionado ao não comprometimento das políticas públicas de funcionamento do SUS;
deve-se, sempre que possível, optar pela medicina baseada em evidências; deve haver
imprescindibilidade de prova da ineficácia ou impropriedade das políticas de saúde para o
acesso a procedimentos não incorporados pelo SUS; acesso apenas excepcional a
medicamentos não registrados na ANVISA; o Poder Judiciário deve proceder à celebração de
convênios para disponibilizar notas de apoio técnico7; sempre que possível, o juiz deve ouvir
os gestores, antes da apreciação de medidas de urgência; e negativa de fornecimento de
tratamentos experimentais.
O apoio técnico dos núcleos de assessoria técnica, principalmente em medias liminares e
antecipações de tutela, têm se revelado de fundamental importância aos magistrados, o que
fica evidenciado na análise das decisões judiciais que utilizam expressamente de seus
argumentos para sua fundamentação. Portanto, os NATs são dirigidos ao apoio dos
magistrados no momento da decisão, ou seja, após a instauração da ação judicial, o que, a
nosso ver, é deficiente porque, na maior parte dos casos as demandas judiciais propostas
através do Ministério Público ou das defensorias públicas, assim, entendemos que a criação de
convênios para disposição de pareceres técnicos também por solicitação de promotores e
defensores públicos seria também importante instrumento para averiguação da existência ou
7
O Tribunal de Justiça Rio de Janeiro, mesmo antes da implantação da iniciativa do CNJ, já funcionava com
uma atuação relevante o chamado Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) na área de saúde.
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não de outro medicamento/tratamento de igual eficiência fornecido pelo SUS, para combate a
possíveis fraudes, para diminuição de demandas judiciais e, principalmente, para tornar mais
ágil o tratamento da patologia.
O Poder Judiciário não é substituto do gestor público, cabendo-lhe apenas assegurar o acesso
à saúde quando as políticas públicas inexistirem ou forem ineficientes. Portanto, ao decidir, o
julgador não pode ficar alheio às normas infraconstitucionais e infralegais que regulam a
saúde, devendo igualmente ficar atento às consequências jurídicas das suas decisões, porque
os seus efeitos podem transcender aos limites objetivos da lide, interferindo na gestão e
causando grave e desnecessário impacto deslocativo no orçamento, dessa forma reforçando
indesejáveis efeitos diversos das decisões, tais como exclusão dos mais necessitados em
relação aos mais abastados (universalidade excludente).
No momento da promulgação da constituição Federal de 1988, a herança deixada por décadas
de ditadura militar foi a falta de estrutura em quase todos os setores, principalmente na área de
saúde. A ampla previsão constitucional de direitos e garantias fundamentais não estava
amparada em estrutura básica suficiente para seu desenvolvimento, talvez por isso até os dias
atuais seja tão difícil a consecução desses direitos. Além disso, diante dos desafios ainda
maiores que se apresentam para o futuro do País, com o envelhecimento da população, o
momento é de criação de estrutura básica para que seja possível, no futuro, garantir pelo
menos o mínimo existencial a todos os brasileiros.
Nesse sentido, adverte Gustavo Amaral que, “na quase totalidade dos países não se
conseguiu colocar a todos dentro do padrão aceitável de vida, o que comprova não ser a
escassez, quanto ao mínimo existencial, uma excepcionalidade, uma hipótese limite e irreal
que não deva ser considerada seriamente” (AMARAL. 2001. p. 185).
Atualmente, quase todos os países enfrentam enormes dificuldades no enfrentamento das
questões sanitárias, sobretudo no Brasil, onde os brasileiros têm visto no Poder Judiciário a
única forma de suprir a ineficiência dos Poderes Executivo e Legislativo. Entretanto, o
caminho deve ser inverso, ao pensar em judicialização da saúde deve-se vislumbrar exceção,
porque a regra deve ser o regular atendimento pela via de políticas públicas de saúde, para que
haja de fato justiça social. Esta, não será atingida apenas através do Poder Judiciário, mas em
ações coordenadas das três esferas do Poder Público e dos particulares, que devem arcar com
suas responsabilidades sociais, para que a saúde como direito humano fundamental seja
concretizada realmente como direito de todos, já que é dever do Estado cabendo a este,
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através de seus três entes, implementar as políticas públicas que assegurem o acesso universal
e igualitário e com atendimento integral de saúde.
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